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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

On-line version ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.43 no.44 Rio de Jeneiro Jan./June 2021

 

ARTIGOS

 

Contribuições da técnica ativa para a clínica psicanalítica

 

Contributions of the active technique to the psychoanalytic clinic

 

 

Marcos de Moura Oliveira*

Universidade Ibirapuera - UNIB - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho faz o resgate conceitual da técnica ativa, presente na clínica de Sándor Ferenczi na década de vinte, que fora fruto de seus trabalhos com casos-limite demonstrando que sua ideia principal está inserida no contexto tradicional da clínica psicanalítica, bem como recomendações ao seu uso e possibilidades terapêuticas. A técnica ativa, assim descrita por Ferenczi, é uma forma de convocar o paciente à atividade propriamente dita, mediante transferência, fazendo com que este último passe a ter maior dispêndio de libido no processo analítico, e assim se envolva com maior fidelidade no processo, seguindo o princípio do investimento libidinal. A exposição segue demonstrando o papel da técnica ativa como auxiliar da associação livre e como ferramenta possível ao analista em sua práxis.

Palavras-chave: Técnica ativa, Sándor Ferenczi, Regra fundamental.


ABSTRACT

The present article makes the conceptual rescue of the active technique, present in the clinic of Sándor Ferenczi in the twenties, which was the result of his work with borderline cases demonstrating that his main idea is inserted in the traditional context of the psychoanalytic clinic, as well as recommendations for its use and therapeutic possibilities. The active technique, as described by Ferenczi, is a way of summoning the patient to the activity itself, through transference, causing the latter to have a greater expenditure of libido in the analytical process, and thus to become more faithfully involved in the process, following the principle of libidinal investment. The exhibition continues to demonstrate the role of the active technique as an aid to free association and as a possible tool for the analyst in his praxis.

Keywords: Active technique, Sándor Ferenczi, Fundamental rule.


 

 

1 - A regra fundamental

Desde a passagem do período pré-psicanalítico ao século 20, com a alvorada de uma psicanálise como teoria, técnica e método de pesquisa, muitos de seus elementos mudaram, foram revistos ou evoluíram de alguma forma. Algo, porém, que permanece como prioridade até os dias atuais é a "regra fundamental". Sobre esse assunto, Ferenczi (1921/2011, p. 407) postula: "Todo o método psicanalítico assenta na ‘regra fundamental’ formulada por Freud, ou seja, a obrigação para o paciente de comunicar tudo o que lhe vem ao espírito no decorrer da sessão de análise".

O que os primeiros psicanalistas denominaram como regra fundamental também é chamado na literatura psicanalítica de associação livre, o discurso espontâneo do paciente sobre o qual o psicanalista irá ter acesso aos fragmentos do inconsciente liberados pelas múltiplas possibilidades descritas na teoria - lapsos, resistências, negações, etc. Segundo Ferenczi (1926/2011, p. 411): "na realidade, nunca se pode chegar à ‘convicção’ pela via da inteligência, que é uma função do ego".

Kupermann (2017b, p. 132) nos relembra a contribuição de Anna O. para esse avanço tão significativo da técnica psicanalítica:

Lembrar dói, em bom português, e o tratamento consistiria em favorecer a recordação, bem como a sua elaboração, purificando o psiquismo dos seus excessos traumáticos (catarse significa purificação). Estava inventada a talking cure, como a esperta Anna O. apelidou o tratamento, ou a sua "limpeza de chaminé" (grifo do autor).

E continua:

a palavra que detém o saber sobre a origem dos sintomas e do sofrimento patológico passa a ser a palavra do doente, e não mais a do médico. É Anna O. quem fala. A Breuer coube o mérito de escutar. E o paciente passa a poder falar acerca de um saber que não se sabe... Eis aí a Psicanálise! (Id., Ibid., p. 133).

"Eis aí a Psicanálise!". A psicanálise, em sua essência, vem de encontro à necessidade de fala presente no ser humano. É sabido que os sintomas têm uma relação de intimidade com o não dito, tão logo, partindo da constatação de Anna O., desenvolveu-se uma teoria (em constante atualização) pautada pelo inconsciente que se acessa através da associação livre. A princípio é possível cair facilmente no engano de considerar a regra fundamental como um procedimento simples. Quanto a isso, seguimos com o alerta de Kuperman (2017b, p. 129), considerando a complexidade do conteúdo e do destino da fala:

Pode-se perceber desde já que o primeiro problema levantado nessa aula, quem fala?, nos remete a dois outros problemas que lhe são irremediavelmente intrincados: do que ou de quem se fala; e a quem se fala. Essa tripla problemática, pode-se dizer, encerra tudo que importa na constituição do campo psicanalítico (grifo do autor).

Reconhecendo-se que a fala é marcada pelo inconsciente e endereçada a alguma imago pré-concebida, a relação analítica irá permitir o ressurgimento do não dito a partir da relação transferencial. "Nesses processos, acontece com extraordinária frequência ser ‘recordado’ algo que nunca poderia ser ‘esquecido’, porque nunca foi, em alguma ocasião, notado - nunca foi consciente" (FREUD, 1914/2006, p. 164), possibilitando o reposicionamento do sujeito, até então refém da trava em sua fala. Em outras palavras, o paciente ganha uma segunda chance de responder àquela experiência recalcada através da fala e do testemunho da pessoa do analista.

 

2 - A técnica ativa

Com a exposição da demanda, a psicanálise revela-se como técnica para lidar com os psíquicos provenientes do recalcamento. Algo, porém, que não pode ser desconsiderado nesse cenário é a própria organização inconsciente que faz a manutenção do sintoma pela via das resistências. Em outras palavras, mudar dói, é desconfortável, ou, segundo Kuperman (2017b), "saber dói". Desse modo, o paciente cria uma organização frente à associação livre para manter-se distante de conteúdos inconscientes desagradáveis. Ferenczi (1919a/2011, p. 407) aponta:

Entretanto, quando ele [o paciente] foi educado, não sem dificuldades, a obedecer à risca a essa regra, pode acontecer que a sua resistência se aposse precisamente dessa regra e que ele tente derrotar o médico com suas próprias armas.

Por "derrotar o médico com suas próprias armas" não se deve considerar que o paciente adentra a relação transferencial com o desejo de fracasso, mas que o inconsciente resiste às mudanças almejadas através de pequenos hábitos no campo da repetição, como afirma Ferenczi (1919b/2011, p. 4):

Essas atividades, que poderia supor inofensivas, são, com efeito, suscetíveis de tornar-se o refúgio da libido despojada pela análise de seus investimentos e, nos casos extremos, podem substituir toda a atividade sexual do sujeito.

Outra possibilidade é que a estagnação da análise ocorra após alguns avanços, quando a lembrança se torna sacrificante:

Freud assinalou que o sucesso terapêutico constitui, com frequência, um obstáculo ao aprofundamento da análise; eu mesmo o constatei em vários casos. Se, no decorrer do tratamento analítico, os mais penosos sintomas da neurose desaparecem, pode acontecer que os sintomas mórbidos ainda não resolvidos pareçam menos penosos, aos olhos do paciente, do que prosseguir o trabalho analítico, frequentemente trabalhoso e frustrante. Assim, quando o "remédio fica pior do que a doença", o paciente apressa-se a interromper o tratamento (muitas vezes impelido também por considerações de ordem material) e concentra seu interesse na vida real, que já o satisfaz (FERENCZI, 1914/2011, p. 173).

Frente a essas dificuldades impostas pelo inconsciente, Ferenczi percebeu que, em alguns casos, a passividade no exercício da regra fundamental não era suficiente para o rompimento com as repetições. Tudo se iniciou com a paciente do caso Dificuldades técnicas de uma análise de histeria, publicado em 1919, no qual Ferenczi se deparara com uma análise estagnada. Até o momento o recurso conhecido para tais dificuldades era a fixação de um prazo limite para o término da análise, adotado em 1914 com o homem dos lobos (FREUD, 1917/2006). Após experimentar esse recurso e o conseguinte fracasso, Ferenczi reconsiderou e adotou uma nova postura frente à análise:

Neste caso, fui levado a abandonar o papel passivo que o psicanalista desempenha habitualmente no tratamento, quando se limita a escutar e a interpretar as associações do paciente, e ajudei a paciente a ultrapassar os pontos mortos do trabalho analítico intervindo ativamente em seus mecanismos psíquicos (FERENCZI, 1919b/2011, p. 7)

Após essa experiência se segue um longo período em sua clínica em que Ferenczi convida seus pacientes às mais diversas condutas ativas, com muitos sucessos e fracassos. Dada sua vasta experiência, estabeleceu um conjunto de práticas às quais nomeou como técnica ativa:

Daí em diante, foi esse o procedimento que resolvi designar pelo termo de "técnica ativa", que, por conseguinte, significava uma intervenção ativa muito menos por parte do médico do que por parte do paciente, ao qual era agora imposta, além da observância da regra fundamental, uma tarefa particular (FERENCZI, 1921/2011, p. 120, grifo do autor).

A técnica é pautada na ideia de que a estagnação da análise decorrente do esfalfamento das associações tem origem na retirada libidinal do trabalho analítico em nome de satisfações substitutivas e autoeróticas. "Naturalmente, esse deslocamento era o resultado e o indício de uma crise na relação transferencial e o analista tinha então como tarefa descobrir para que terreno a libido se deslocará e mobilizá-la a fim de que ela se tornasse novamente disponível para um trabalho fecundo" (BALINT, 1967, p. 26).

Dessa forma Ferenczi entendia que o analista deve estar atento ao surgimento de possíveis conflitos inconscientes no paciente, de modo a fazer com que a libido desviada à satisfação substitutiva seja restabelecida à associação livre e à relação transferencial. Assim a atividade resulta na intensificação do investimento, lançando luz à formação de compromisso e fazendo com que o ato autoerótico responsável pelo escoamento libidinal se torne manifesto. Assim o uso da técnica ativa pode ser direcionado em duas formas: "O analista pode convidar o paciente a não se entregar mais ao hábito em questão, em outras palavras, a renunciar à satisfação indireta de seus desejos recalcados; ou, ao contrário, pode encorajar o paciente a desfrutá-la aberta e livremente" (BALINT, 1967, p. 26).

Assim o analista espera, através do uso da técnica ativa, dar início a uma elevação na tensão libidinal no paciente, abrindo caminho para a tomada de consciência do conteúdo recalcado, que se desdobra em uma autorização do prazer pela moção anteriormente recalcada e na tomada de controle dessa moção pelo ego. Outra consequência observável através do exercício da técnica ativa é o restabelecimento do curso natural das associações em análise.

O contexto da técnica ativa é ampliado com a fala de Freud (1914/2006, p. 166) "Enquanto o paciente se acha em tratamento, não pode fugir a esta compulsão à repetição; e, no final, compreendemos que esta é à sua maneira de recordar", na compreensão de que se a compulsão à repetição é inevitável, a estimulação à atividade do paciente possibilita um novo caminho.

Se, por um lado. Freud mostrava-se preocupado com as interdições e orientações do que deveria ser evitado no exercício da psicanálise e delegando o exercício ao "tato", temos Ferenczi constantemente ocupado em promover à comunidade psicanalítica as possibilidades que haveria no setting. A convergência dessas ideias, quando lidas de forma contextualizada possibilitam pensar uma práxis muito mais eficaz.

Em nome da convergência entre as possibilidades e limites, o analista deve sempre estar atento aos excessos, seja por parte das limitações do paciente, seja por seu próprio narcisismo, como orienta Freud (1912/2006, p. 131-132): "O médico deve ser opaco aos seus pacientes e, como um espelho, não lhes mostra nada, exceto o que lhe é mostrado (...) o médico deve controlar-se e guiar-se pelas capacidades do paciente em vez de por seus próprios desejos", ou o próprio Ferenczi (1925/2011, p. 371):

O analista age sobre os seus pacientes à maneira do déspota que não ama ninguém e a quem todo mundo ama; tal como este, assegura-se do apego do analisando ao interdizer-lhes certos modos de satisfação correntes, e a influência assim adquirida vai servir-lhe para elucidar o material recalcado e, finalmente, para dissolver esse mesmo apego.

Em vista da saúde da relação transferencial, o analista deve observar que "Em geral pode-se formular o limite da atividade permitida da seguinte maneira: são admitidos todos os modos de expressão que não obriguem o médico a sair do seu papel de observador e de conselheiro benevolente" (FERENCZI, 1926/2011, p. 407-408).

 

3 - A associação livre x a técnica ativa

Ao falar-se em posição ativa no setting analítico, seja por parte do analista que estimula, seja por parte do paciente que é convidado à ação, há um possível conflito: até a inserção da técnica ativa, a descrição da associação livre apontava para um caminho de total passividade. Sobre isso Ferenczi (1921/2011, p. 117) esclarece:

Desde a introdução por Freud da "regra fundamental" (a associação livre), os fundamentos da técnica psicanalítica não sofreram nenhuma modificação essencial. Sublinharei desde já não ser esse tampouco o objetivo de minhas propostas; pelo contrário, sua finalidade era e continua sendo colocar os pacientes em condições de obedecer melhor à regra de associação livre com a ajuda de certos artifícios e assim chegar a provocar ou a acelerar a investigação do material psíquico inconsciente.

E prossegue:

Conforme já expus em outro trabalho, desde que certas opiniões seguras e realmente válidas tenham se cristalizado nele, é necessário que sua atenção se concentre nelas e que, após madura reflexão, se decida comunicar ao paciente uma interpretação. Mas tal comunicação já constitui uma intervenção ativa na atividade psíquica do paciente (Id., Ibid., p. 118)

A partir da exposição dos argumentos de Ferenczi pode-se observar que a postura ativa está presente no setting analítico. A ideia de não atividade em um nível absoluto só teria efeito real no estado de morte. Do contrário, o simples encontro dos pares já representa um convite à ação. Freud (1937/2006, p. 276) diz que: "Sua tarefa é a de completar aquilo que foi esquecido a partir dos traços que deixou atrás de si ou, mais corretamente, construí-lo". Ferenczi (1921/2011, p. 133), em outro momento alerta:

Ao sublinhar as diferenças (e, em partes, as antinomias) entre os métodos de tratamento e as modificações mencionadas, por um lado, e a técnica ativa, por outro, não procuro negar, em absoluto, que uma utilização irrefletida das minhas proposições possa facilmente conduzir a uma distorção da análise numa das direções adotadas por Jung, Adler ou Bjerre, ou faça regredir para a terapia catártica.

É necessário para a compreensão de tal advertência a contextualização da prática da técnica ativa com o momento vivido por Freud e Ferenczi na comunidade psicanalítica. Os relatos experienciais de Ferenczi com a técnica apresentavam práticas ousadas, como as interdições impostas à paciente de 1919 ou as Fantasias provocadas de 1924. A má interpretação da técnica ativa pode colocar um analista - e o paciente - em situações difíceis, como exposto pelo autor seu texto Contraindicações da técnica ativa (FERENCZI, 1926/2011).

Para lidar com a técnica ativa com menor potencialidade de risco, devem-se revisitar três pontos da relação analítica: as intervenções devem sempre acontecer em forma de convites; qualquer ação, considerando seu desconforto, deve ocorrer de um modo que não prejudique a relação transferencial e não existe um roteiro de quais "ações" devem-se provocar no paciente, sendo elas fruto da atenção flutuante.

O primeiro ponto exposto remete à definição de Balint, exposta anteriormente, após longos estudos teóricos e práticos sobre o uso da técnica ativa. A liberdade do paciente é sempre um elemento de grande valor e digno de respeito, não devendo o analista agir contra ela, correndo-se o risco, caso aja de forma contrária, de cometer grave falta ética e possibilitando consequências prejudiciais a ambos e à transferência.

Seguindo essa ideia, temos o segundo ponto importantíssimo: a transferência. Ferenczi (1925/2011, p. 364) diz que: "Entre outras, tinham a coragem de exprimir associações e lembranças profundamente enterradas e de, na situação de transferência, progredir para um nível que jamais poderiam ter atingido antes". O setting analítico é permeado de convites por parte do analista e ações por parte do paciente, e o primeiro deve guiar seus convites à ação conforme as capacidades tanto do paciente quanto da transferência, podendo sim progredir para um nível que jamais poderiam ter atingido antes, ou, como afirmou Freud (1914/2006, p. 169), "Toda vida, o instrumento principal para reprimir a compulsão do paciente à repetição e transformá-la num motivo para recordar reside no manejo da transferência". Assim sendo, é possível sim promover grandes ações sem excesso, desde que a transferência esteja fortemente estabelecida. Ferenczi nos dá prova disso com Fantasias provocadas, porém, se tais ações forem suscitadas sem a sólida relação transferencial, poderão representar riscos ao paciente e/ou à continuidade da análise. De grandes a pequenas ações, a referência sobre suas aplicações será sempre a solidez da transferência. Quanto a isso, Kupermann (2017a, p. 22) considera:

Na sua perspectiva, a empatia exercitada pelo analista está referida à capacidade de se deixar afetar pelo sofrimento do analisando, e também à capacidade de afetá-lo, a partir do sentido produzido pela ressonância estabelecida entre o seu corpo pulsional e o corpo pulsional daquele.

Quanto ao terceiro ponto, é sabido que cada análise é única. Mesmo que a experiência auxilie para que cada novo atendimento ocorra com maior fluidez, a subjetividade do paciente deverá ser sempre lembrada. Desse modo, os relatos de Ferenczi representam ótimos exemplos sobre as possibilidades da técnica ativa, mas não devem, em nenhuma hipótese, ser reproduzidos em forma literal, mas atualizados e adaptados para o contexto trabalhado.

Aliando-se a associação livre e técnica ativa com a devida observação das orientações apresentadas chegar-se-á à eficácia da técnica, como descreve Ferenczi (1921/2011, p. 134):

A eficácia da técnica ativa talvez se explique, em parte, pelo aspecto "social" da terapia analítica. É um fato bem conhecido que a confissão feita a outra pessoa produz efeitos mais profundos e mais intensos que a autoconfissão, o mesmo acontecendo entre a análise e a autoanálise. Foi em data muito recente que um sociólogo húngaro, Kolnai, avaliou essa ação em seu justo valor. Quanto a nós, conseguimos aumentá-la ainda mais quando induzimos um paciente não só a reconhecer moções profundamente escondidas, mas a convertê-las em atos diante do médico.

Considerando-se o fator "confissão" que é uma possibilidade promovida amplamente pela associação livre, a técnica ativa é um estímulo para que o paciente traga à transferência os elementos que por alguma razão permaneceram ocultos na análise estagnada, pois "não se pode vencer um inimigo ausente ou fora de alcance" (FREUD, 1914/2006, p. 168).

 

4 - As possibilidades terapêuticas para a clínica atual

Após compreender-se o funcionamento da técnica, voltamos às questões práticas e suas potencialidades na transferência. Para a ilustração, segue um pensamento de Karnal:

Adão e Eva comeram da árvore do conhecimento, cujo fruto pronto e maduro se apresentava. O conhecimento, na tradição judaica, é uma obrigação, um dever imposto aos homens. Mas o conhecimento é o fruto do esforço, do contínuo aperfeiçoamento, da luta pelo esclarecimento. Tomar o conhecimento pronto e maduro não é o verdadeiro conhecimento, mas apenas a vaidade de possuí-lo. Esse é o outro fundamento do erro: o atalho. Sem luta interna, sem uma guerra consigo (física e psíquica), o conhecimento é vazio. O saber nasce da luta e não do conhecimento em si. O caminho é o conhecimento. A luta por saber é o saber (2017, p. 21-22).

A afirmação do historiador é interessante ao sentido reflexivo da análise. Na análise o analisando fala. Fala de algo, e fala à pessoa do analista. Uma vez se tratando do campo das representações mentais, ou imagos, o paciente fala de si ao analista, que agirá como um reflexo para que o primeiro possa se ver através do segundo. Dentre tantas definições possíveis sobre a prática clínica da psicanálise, poderá considerar-se aqui esse processo como um despertar do paciente a partir da apropriação de fragmentos de saber sobre si.

Assim sendo, considera-se que a verdadeira análise só é possível quando há um movimento do analisando em direção a esse conhecimento, uma posição ativa na relação analítica, caso contrário, receberá apenas um saber pronto do analista, que não será apropriado. Freud (1937/2006, p. 283) alerta que: "Se a construção é errada, não há mudança no paciente, mas se é correta ou fornece uma aproximação da verdade, ele reage a ela com um inequívoco agravamento de seus sintomas e de seu estado geral".

Desse modo, o analista estará, através de suas intervenções, constantemente conduzindo o paciente a ações em um sentido da apropriação do saber de si. "Esse trabalho consistiria em libertar o fragmento de verdade histórica de suas deformações e ligações com o dia presente real, e em conduzi-lo de volta para o ponto do passado a que pertence" (Id., Ibid., p. 286).

Considerando o constante caráter ativo do paciente, necessário à análise, a orientação ferencziana aponta que: "Não existe, de fato, nenhum tipo de neurose ao qual a atividade não possa eventualmente ser aplicada" (FERENCZI, 1921/2011, p. 128), porém, o analista, guiado pelo tato, limites do paciente, e transferência, deve compreender que o uso de ações fortes não pode ser constante: "O ponto essencial continua sendo o emprego excepcional desse artifício técnico, que é apenas um auxiliar, um complemento pedagógico da análise propriamente dita e jamais deve pretender substituí-la" (Id., Ibid., p. 126, grifo do autor); devendo ser sucedido pela associação livre: "A técnica ativa não tem outra finalidade senão revelar, pela ação, certas tendências ainda latentes para a repetição e ajudar assim a terapêutica a obter esse triunfo um pouco mais depressa que antes" (Ibid., p. 135); e obedecendo aos limites da ética: "Entretanto, o médico nunca deve despertar no paciente expectativas a que ele não pode nem deve responder; tem a obrigação de responder até o fim do tratamento pela sinceridade de cada uma de suas declarações" (Ibid., p. 131).

Em se tratando de estagnações, momentos da análise que possivelmente exigirão ações mais intensas, e considerando o possível aumento de resistências causado pela técnica ativa, lembra-se em Freud (1914/2006, p. 170) que "Só quando a resistência está em seu auge é que pode o analista, trabalhando com o paciente, descobrir os impulsos instintuais reprimidos que estão alimentando a resistência", e assim, revelando-se o material psíquico oculto que alimenta a transferência, Ferenczi (1924/2011, p. 267) orienta:

É preciso conduzir o paciente até o ponto em que se torne capaz de suportar as próprias fantasias sem descarga masturbatória e de adquirir consciência dos sentimentos e dos afetos de desprazer a elas vinculados (desejo violento, cólera, vingança, etc.) sem ser obrigado a convertê-los em "sentimentos de tensão" histéricos.

Assim, seja leve ou intensa a resistência, seja sutil ou grandiosa a ação, a técnica ativa surge na literatura psicanalítica como um meio para o pensar das ações adotadas pelos analistas. Para a clínica atual pode ser considerada, não uma técnica à parte, mas um elemento da própria relação analítica, presente desde as pequenas interpretações aos grandes convites a fantasias e interdições, possibilitando a devida apropriação do saber, e até mesmo da relação com o não-saber, por parte do analisando.

 

Considerações Finais

A técnica ativa surge em um momento de grandes descobertas no campo psicanalítico e, devido ao contexto altamente experimental no qual a psicanálise se fundou, a leitura literal dos relatos e métodos descritos possibilitava uma prática guiada por excessos, motivo pelo qual muitos se opuseram a ela, e também pelo que o próprio Ferenczi se ocupou em deixar diversas orientações éticas, dentre elas as principais são o respeito aos limites do paciente e à relação transferencial.

Como em todas as áreas da psicanálise, ao lidar com a subjetividade, é impossível estabelecer de forma exata os momentos ou escalas de limites permitidas para o convite à ação, devendo o analista recorrer ao tato, no sentido freudiano, que só pode ser desenvolvido no conjunto de estudos teóricos, experiência e análise do analista.

Considerando-se o caráter constante do convite à ação, o analista que desenvolve a capacidade de manejar tais convites, somando-se à capacidade de formular interpretações, amplia seu leque de possibilidades para promover avanços à análise do sujeito.

O limite entre o ousar do analista e o excesso remete à crítica de Anna Freud (1978), em um sentido de que muitos analistas tendem a manter em sua prática uma posição de reprodutores, sem um real ousar no exercício da técnica. O uso da técnica ativa frente às dificuldades na análise, além de todas as recomendações éticas, só poderá ocorrer frente à capacidade do analista de ousar, assim como nossos "pais criadores".

 

 

Referências

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Artigo recebido em: 14/11/2020
Aprovado para publicação em: 15/04/2021

Endereço para correspondência
Marcos de Moura Oliveira
E-mail: marcos.psicologo91@yahoo.com

 

 

*Mestrando em Psicologia pela Universidade Ibirapuera (UNIB). Especialista em Psicanálise - Teoria e Técnica pelo Departamento de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP). Psicólogo pela Universidade Paulista (UNIP). Supervisor de estágio em Psicologia no Centro Educacional Anhanguera. São José dos Campos, SP, Brasil.

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