SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.43 número45Complexo de Castração e Complexo do Nebenmensch: diferença, desamparo e violênciaMaiakóvski brilha, Picasso queima, e teu dia está próximo índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

versión On-line ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.43 no.45 Rio de Jeneiro jul./dic. 2021

 

ARTIGOS

 

Cem anos de 1921: continuidade, rupturas, transformações1

 

One hundred years of 1921: continuity, ruptures, transformations

 

 

João Batista Lembi Ferreira*

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Nas quatro primeiras décadas da psicanálise, Freud da terceira década quis a psicanálise leiga, na rua, também para o "povo", além de voltar o olhar para o sujeito, dividido em singular e plural, duas "personas", só ou acompanhado, na massa.

Palavras-chave: Psicanálise para todos.


ABSTRACT

In the first four decades of psychoanalysis, Freud in the third decade wanted lay psychoanalysis, on the streets, and also for the "people", in addition to turning his gaze to the subject, divided into singular and plural, two "personae", alone or accompanied, in the crowd.

Keywords: Psychoanalysis for everyone.


 

 

Nosso propósito de hoje, segundo o reclamo do Círculo, é situar um Sigmund Freud, em 1920 – terceira década da psicanálise – com um antes, um durante e um depois, centrando nossa fala em "Psicologia de grupo e Análise do ego", publicado justo há um século já passado.

Em alemão, o título do livro é Psicologia das massas. Esta palavra vai de alguma forma me interessar um pouco nas reflexões, aludidas pela Regina, coordenadora da mesa. Fico muito à vontade porque, após mim virá a Miriam Chnaiderman, além de o Círculo, através da maestrina Margarida Guilhon, estar promovendo uma jornada sobre psicologia das massas. Então, o que eu disser aqui há de ser sobejamente complementado, contemplado, nas falas que hão de se seguir.

Vale ressaltar que a psicanálise, a rigor, poderia ser dividida em quatro décadas, de 1900 a 1940, quando perdemos o gênio, a luz maior, a estrela de primeira grandeza, Sigmund Freud. Creio que a terceira década, que começa em 1920, na verdade tem seu início em 1918 com o grande manifesto de Budapeste, dividindo Freud em um antes e outro depois. Ele leu o manifesto, queria que fosse um marco de uma psicanálise antes e outra depois, prática, na rua, nas praças, nos campos, pensando nas gentes.

Curiosamente, podemos ver que o discurso de 1918 não ficou no vazio, porque logo, em 1920, vamos ter a Policlínica de Berlim, comandada por Karl Abraham, Policlínica que nos é muito querida porque, seja como for, nossa Clínica Social de Psicanálise foi um pálido, um palidíssimo desenho da Policlínica de Berlim de onde vieram dois grandes obreiros, dois astros, duas estrelas que foram Werner Kemper e Kattrin Kemper a qual fundou o Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro e a Clínica Social de Psicanálise.

O ano de 1920 é importantíssimo pelo aspecto teórico, "Para além do princípio de prazer", "Psicologia das massas e Análise do ego", pelo aspecto prático com a criação das Clínicas públicas, 11 até o final da década. O aspecto circunstancial – "eu sou eu mais aquilo que me cerca" – as circunstâncias em que Freud trabalha essa grande virada da primeira tópica para a segunda, um deixar de lado o consciente, pré-consciente e inconsciente para abarcar agora o id, o ego e o superego.

Na verdade, são três os fatores importantes: as circunstâncias, a teoria e a prática. Acho interessante pensar naquilo que Freud fala nessa época. Diz ele, quando cria o Ambulatorium em Viena, que é fruto de uma movimentação já vigente em Viena, na Áustria, da Social Democracia que ele julga que calorosamente mostra sua simpatia pelos desafortunados.

Ele próprio se define: "eu sou um social democrata". Está nas cartas. É uma questão ler as 11 mil cartas – diz Elizabeth Roudinesco – mostrando um Freud dos livros, bonito encadernado, e um Freud das cartas, que usa sandália, anda em mangas de camisa, tem medo, reclama, chama os americanos de "os bárbaros do dólar", briga com eles e é também muito atacado por eles, mas que diz as coisas que pensa. Então, as circunstâncias nos ajudam a entender 1920.

Vai dizer que o grupo de pacientes que necessita do nosso tratamento carece de recursos e que nosso atendimento tem que ser gratuito ou a baixo custo. Sobre o tema há uma tirada interessante do mestre em 1913.

"O homem é ele e suas circunstâncias" é frase que Ortega y Gasset escreve em um livro de 1914, intitulado Meditações do Quixote. Afirma que "se eu não salvar minhas circunstâncias, tampouco salvo a mim mesmo". Acho que não se nega mais que a bagagem genética, meu plasma que me põe no mundo mais as circunstâncias dentro das quais nasço são de igual peso, me formatam e me criam o caráter identitário.

Freud de 1920 conhece alguns autores, já leu Gustave Le Bon, conhece o trabalho de William McDougall, o de Wilfred Trotter; está então interessado em estudar um pouco mais a estrutura anatômica da mente, ele, que foi um anatomista de primeiríssima linha, quer agora entender a história do sujeito que chega ao mundo "carpado e grupado", linguagem não acadêmica, olímpica. Aparentemente singular, é plural porque assim chamado de indivíduo, aquele que não se divide, está invariavelmente dividido, ele é dois, ele é duplo, está invariavelmente envolvido com outra pessoa, quem sabe com uma loba enternecida que, ouvindo vagido de duas crianças largadas pelos pais, no fundo de um bosque, vai lá, aninha-se a essas crianças, dá-lhes as tetas e as vê crescerem, depois saírem da mata e fundarem Roma. Ah, é mito! É "estória"! Elucubração literária, poética! Mas, esse é o ser humano. Ele precisa de um aconchego, ele precisa de uma loba, precisa de um olhar, de um ninho, e isso o forma e cria uma destinação; óbvio que vai depender muito dele, mas invariavelmente, esbarrando dentro dele com suas grandes divisões e fora dele com o mundo que o gessa. "Eu sou eu mais aquilo que me cerca".

Falamos em primeira década, segunda década, terceira década e quarta década. Não vamos perder tempo repetindo, embora "compulsão à repetição" seja nossa marca registrada. Repetir é ser fiel à psicanálise. Na primeira década, o que Freud fez foi dizer que inconsciente e psicanálise é uma tautologia. São coisas legítimas, são necessárias e são comprováveis: posso lidar com a histeria, com a fobia, com a paranoia, posso lidar com a depressão não apenas com fármacos, não apenas com os métodos terapêuticos da sugestão, da hipnose e outros tantos sobre os quais podemos falar. No entanto, apela para a palavra, para a escuta, para o entendimento do outro, para que na palavra que surja do sujeito encontre luz, porque "se você fala a palavra vem". Como, de que maneira ela vem? "Se você fala a palavra vem luminosa".

Freud quer defender a psicanálise como uma ciência, feita por pessoas sérias, como procedimento correto e conveniente, não ciência oculta, feita por charlatães, tampouco uma nova religião. Vai escrever no comecinho da segunda década, copiando o dístico de Paris, Fluctuat nec Mergitur, uma Nau encapelada por vagas violentas, insuflada por ventos furiosos, então ele vai dizer que ela balança, mas não cai, balança, mas não afunda. A psicanálise é essa Nau, fustigada, sim, mas que não afunda. Ele está convicto disso. A segunda década começa com o Homem dos Ratos, vem depois o Homem dos Lobos, o Presidente Schreber, Freud vai reescrever o trabalho de 1905, Três ensaios, e temos ainda Totem e tabu, Introdução ao narcisismo, Luto e melancolia, que são textos que conversam entre si, são textos que estão ali todo o tempo em uma troca interessante para depois desaguarem em "Para além do princípio de prazer". A meu ver, é o que abre essa história de 1920, onde nós vamos encontrar o livro que muitos acham que nada tem a ver com o "princípio do prazer"; tudo bem, podem ser posições corretas, inteligentes, louváveis, mas que eu, meio deficiente visual, tendo a ver como alguma coisa interligada, de fato, ao "Psicologia das massas e Análise do ego".

Acredito que vale chamar aqui novamente a pessoa de Ortega y Gasset. Ortega y Gasset é um grande filósofo espanhol, controvertido, meio monarquista liberal, confuso, mas que entendeu o que estava acontecendo em 1920 e 1930, sobretudo. Entendeu o que era a massa do nazismo, a massa do fascismo. Estaria um pouco equivocado se o não aproximasse a Freud, cuja obra conhecia. Não vi nenhum lugar Freud citando Gasset, mas vai voejando pela Psicologia das massas e me parece que o livro o Poder das massas é um retrato da psicologia do nazismo como o foi o que Wilhelm Reich fez em seu livro. Entendeu que um fato novo estava acontecendo, algo muito importante para entendermos a grande virada que foi a década de 20, assim chamada a terceira década de Freud.

"Eu sou eu e minhas circunstâncias". Quem é Freud de 1920? Vamos vê-lo pelas cartas, óbvio por suas obras. Ele está muito triste. Dois de seus filhos vieram da guerra. A Guerra começou em 1914 e foi até 1918 mais ou menos, porque o armistício só aconteceu em 1923. Ele está enlutado. A irmã perdeu um filho. Rosa perdeu o único filho que tinha, no front, deixando dois filhinhos órfãos. Freud perde Sophie, perde sua quinta filha, de Covid, SARS, que se chamou de gripe espanhola, data vênia, Covid 1919, que em cinco dias roubou-lhe Sophie. Nem ele nem Martha puderam ir à Alemanha para ver a filha: os trens estavam parados. Freud está lidando com esse caldo amargo ao nos apresentar "Para além do princípio do prazer" e para nos falar de "Psicologia das massas".

Mas ele é um gigante e faz sua devida elaboração, apesar das perdas dessa pandemia que levou injustamente o nome de gripe espanhola. Na verdade, a gripe nasceu nos campos de treinamentos dos militares americanos. Mas não ficava bem para a América, paladina da liberdade e da justiça dizer que lá nascera o SARS. Então, vamos dizer que é da Espanha, já que anunciou o surgimento da coisa furiosa e pandêmica. Daí a pecha de gripe espanhola que, aqui, não teve dúvidas, matou Rodrigues Alves, presidente da República do Brasil. Não é toda Covid que age dessa forma, a 1919 agiu assim, e fica por conta de cada um tentar entender os meandros, os mistérios, os arcanos que nos regem através dos astros, através dos miasmas que andam ao nosso lado, bafejando coisas nem sempre as mais alvissareiras. Ainda na década, o penoso diagnóstico para Sigmund do câncer na mandíbula.

Freud escreve, em 1921; estamos celebrando o centenário desse belíssimo livro, Psicologia das massas e Análise do ego. A obra é engraçada porque não mostra um Freud muito assertivo. Ele concorda com Le Bon, com Trotter, com McDougall. Faz lá uns acertos e é interessante nesse conjunto poder perceber como ele é modesto, como é prudente. Não é arrogante. Esse negócio de que Freud explica, aqui ele menos explica. Fiquemos com Freud que explica, quem sabe para nosso conforto, mas nesse livro – minha visão pode estar erradíssima – Freud não é muito assertivo. Vai acolhendo, aceitando essa história de uma "persona" coletiva em contraponto com a "persona" individual. Que sujeito é esse que está no meio do grupo?

"Para além do princípio do prazer" nos ajuda no entendimento de "Psicologia das massas". Permitam-me um comentário. Se eu pegar as obras de Freud e ler os títulos, vou esbarrar com esse título curioso de "Para além do princípio do prazer". Por quê? Um para além, pressupondo um para aquém, o prazer como o miolo. O aquém, afinal, o que é? Então, podemos imaginar a genialidade do Mestre. No princípio é o confuso, desorganizado, o tensional, o caótico. É a morte. As coisas vão ficando tensas, vão se avolumando e é preciso que algo distensione isso, esvazie um pouco essa tensão. O princípio da constância está lá, mas o acúmulo de tensão o torna insuportável. Precisamos ter um prazer mínimo para o desintumescimento, um prazer que nos alivie e traga um pouco de oxigênio, uma pausa, para que possamos levar a pedra de Sísifo para o alto da montanha, ter a pausa ao vê-la rolar; pensar, pensar o mundo, depois subir de novo com a pedra com a compulsão à repetição que é inexorável. Óbvio que o prazer não sendo permanente – ele é vicário – terminado o prazer, esgotado o estado de beatitude, de júbilo, de alívio que me torna um sujeito desejante e desejado, acabo caindo no além do prazer que é o desorganizado, a morte, a finitude, aumentando a tensão, o desprazer. A morte orgânica não tem meio termo: conduz ao zero absoluto. Qual a vantagem da compulsão à repetição? A meu ver, está no verbo repetir. Deixando de lado a morte orgânica, eu que não me determino a nascer, nem a morrer, que não tenho a menor vontade de me matar, tenho a repetição, posso pedir de novo, "re-petere", fazer novo apelo. É o que a criança faz com o carretel no jogo do "fort-da". Tenho a ponta da linha, jogo o carretel, trago o carretel ou o vejo ir-se, mas posso ser criativo, posso ser inventivo, posso brincar. Nesse sentido, creio, à parte a morte orgânica, posso construir minha morte. Qual morte? Se nascer entre um polo e outro está a vida, que chance extraordinária bordar com pontos em cruz a minha morte, aos trancos e barrancos, com conflitos e dúvidas, lágrimas, porém sorrindo, pois afinal me é dado passear no bosque antes que Seu Lobo venha, costurar minha morte "na batucada de uma roda de bamba, na cadência bonita do samba", pedindo licença ao Freud do povo, Martinho da Vila.

Essa história do sujeito pode ser vista no grupo. Gustavo Le Bon lança os princípios de uma psicologia coletiva. William McDougall pensa a mesma coisa em torno de um líder, um ideal do ego, alguém que nos ajude, que fale por nós, que seja nosso vogal. O grupo é muito bem-vindo, porque no grupo me sinto mais garantido do que sozinho. Não quero sair sozinho à rua. Quero sair em grupo com a sensação de pertencimento tal que me torne mais forte, mais destemido para desrecalcar-me de complexos, o que não faria só. No coletivo, há o anonimato e hipnoticamente, sugestionado, é-se levado a praticar atos que não aconteceriam com a pessoa só. Ali vige um inconsciente racial, o que já existe curiosamente na orda, sem "h", de ordo-ordinis, o que representa um avanço em relação ao bando, por oferecer um balizamento que pode dar algum sentido às coisas, dando segurança, certo alívio, com uma sensação de poder. Quem viveu os anos de chumbo se lembra do grito: "o povo unido jamais será vencido", utopia, ilusão a serviço da coragem e do destemor.

Wilfred Trotter traz uma coisa nova, não para Freud que sabe do instinto de imitação. Trotter cita Aristóteles, "zóon politicón ántropos estín", o homem é um animal político, animal do sócio, animal do rebanho. Nasce cordeiro de uma manada, não um cordeiro isolado, com instinto gregário de "grex-gregis", "grex" que significa rebanho. E nos anima. Freud viu ali algo muito importante na tessitura desse bordado do que possa ser o grupo que é estar em jogo uma subjetivação desejante, narcísica, buscando no outro algumas vinculações amorosas, então apela para Eros que no final amalgama tudo, dá sentido às coisas. Ali está Tánatos. Mas, é Eros que quer a tessitura da criação da morte, enquanto seu Lobo não vem. Muita gente acha esse trabalho conservador, acusado de ter preparado o advento do nazismo, ter oferecido subsídios para o nazismo. O fato marcante é Le Bon, McDougall, Trotter, Ortega y Gasset, Freud estarem analisando um fenômeno a que estão assistindo acontecer.

Como afirmar que estão oferecendo subsídios ao nazismo? O nazismo está surgindo. Uma nova cepa, cepa Delta, cepa Beta, variante Épsilon? Nos grupos é Eros que está presente, segundo Freud. Para Wilhelm Reich que escreve, à época, Psicologia das massas do nazismo, vê, por exemplo, a pulsão sexual que obviamente está ligada a Eros. Essa pulsão sexual faz, se conseguirmos no grupo, no coletivo, livrar-nos dos nossos recalques, preconceitos, vai ser possível ter uma sexualidade mais criativa, livre que seja o sentido máximo de nossa construção da morte. Enquanto tivermos uma sexualidade boa, a morte que espere. Quando chegar, posso dizer, "confesso que vivi", em meu último suspiro. O que há de novo em Ortega y Gasset, no livro o Poder das massas, é a afirmação de que está surgindo um grupo diferente. O que está surgindo agora é algo nunca dantes visto na história, afirmação corroborada por alguns autores. Essa nova massa tem uma forma nova nunca dantes navegada.

Walter Benjamim, em 1940, ano em que morreu, em Crítica da ciência vai dizer que está aparecendo um grupo cuja efígie não tem aura. Norberto Bóbbio, que faleceu por volta de 2005 com 90 e muitos anos, vê surgir um ser totalmente sem cor, sem sentido, com uma marcação na face aterradora, que nos põe em pânico e medo. Dele escreve o seguinte:

Descrevê-lo é falar daquele que corrupto fala a todo tempo em corrupção. Fez isso na Itália em 1922, na Alemanha em 1933, no Brasil em 1964. Ele acusa, insulta, agride, como se fosse honesto. É criminoso, um sociopata, atraído pela carreira política. No poder não hesita em torturar, em mentir, estuprar, roubar e atentar contra a liberdade.

Está em Fascismo e democracia. José Saramago teve a amargura de morrer dizendo: "Agora vige a mendacidade, a mentira hoje é a virtude maior". Vamos acrescentar às virtudes cardeais a mentira como a mais soberba, sublime e bela virtude. A ordem é mentir. Mente-se, porque hoje a verdade é a mentira. E atrelando aqui Boaventura Souza, nosso brasilianista maior, diz ele que está aí "a democratura, democracia guiada, ditadura branca", e quem quiser perguntar que massa é essa, que grupo novo é esse, é igual aos demais? Ouvirá de Ortega y Gasset que não. Nem assírios, nem babilônios, a destruição de Jerusalém, a invasão de Roma, nem as cruzadas, a noite de São Bartolomeu, a queda da Bastilha, nada foi igual ao que está acontecendo agora entre nós, com essa massa avassaladora que ele define da seguinte forma: "É característico do nosso tempo o predomínio da massa que difere na essência do que se chamou de massa até então. Mesmo na vida intelectual que, por sua natureza, requer qualificação, nota-se o triunfo do pseudointelectual. A massa atropela tudo o que é diferente, individual, qualificado e seleto. O pensamento é regido pela nolição. – (Não é a regência de tudo aquilo que hoje se propõe como apresentação de mola motivadora das relações humanas e das construções humanas.) – Pensar contra ela corre-se o risco de ser eliminado. Falta-lhe romantismo, desdenha a mulher, zomba do intelectual, manda que seus lacaios e capangas o açoitem. Prefere um regime autoritário a um regime de discussão. Seria ingenuidade jogar na cara do HOMEM MASSA sua falta de moral. Essa imputação não lhe importaria, ao contrário, lisonjeá-lo-ia. O imoralismo chegou a uma banalidade extrema, e qualquer um se gaba de praticá-lo. – (40% de aprovação, muito barulho nas ruas, louvando o imoralismo) – Se o poder público cai nas mãos do representante das massas seu papel não é resolver conflitos, antes de tudo escapar dele por todos os meios ainda que ao custo de criar um conflito maior".

Os tempos são ásperos. Os tempos são difíceis. Freud procurara o realce da libido, justo tirando-a das emoções como primeiro de todos os fatores; apostou em Eros. Wilhelm Reich, seguindo a linha, focou o sexo. Ortega y Gasset apontou o ódio, não emprega a palavra Tánatos, mas a regência é do ódio. Pelas cartas do Freud temos mais informações. Conversando com ele, Einstein pergunta a Freud, "e as guerras"? "Guerra vai haver sempre, é uma idiotice!". "Mas, e a prevalência"? "Eros e Tánatos, um não pode viver sem o outro". Lacan responderia: "a prevalência é de Tánatos".

Vou ficar com o carretel, com o "fort-da", com o desenho criativo da morte, antes que venha a morte orgânica. Obviamente com mil limitações, com mil tropeços, mas acreditando em uma vida minimamente criativa, alegre, divertida, de preferência poética, estética, literária. Schopenhauer apelava para a música. Tomara seja a síntese final de todas as nossas angústias e todas as nossas aflições! É hora de pensarmos como os filósofos, poetas e trovadores: existe sonho, existe a poesia. Então, fecharia com Hannah Arendt:

"Os piores perderam o medo. Os melhores, a esperança".

Vocês são os melhores.

NÃO PERCAM A ESPERANÇA.

Muito obrigado.

 

Artigo recebido em: 09/10/2021
Aprovado para publicação em: 12/10/2021

Endereço para correspondência
João Batista Lembi Ferreira
E-mail: jb.lembi@gmail.com

 

 

*Psicanalista. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
1Transcrição de trabalho apresentado na mesa-redonda Cem anos de 1921: continuidade, rupturas, transformações no Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, no dia 28 de agosto de 2021.

Creative Commons License