SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.43 número45Acolhimento em saúde mental: um recorte psicanalíticoOficina de fotografia como dispositivo em saúde mental: psicanálise e a analista-inventariante índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

versão On-line ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.43 no.45 Rio de Jeneiro jul.dez. 2021

 

ARTIGOS

 

Das fronteiras do divã: algumas reflexões sobre a Psicanálise e o atendimento à distância1

 

About the boundaries of the couch: some reflections on Psychoanalysis and distance care

 

 

Tatiane Regina de Assis SousaI*; Ismael Pereira de SiqueiraI**

ICentro Universitário de Lavras - UNILAVRAS - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta exposição visa a explorar eixos técnicos fundamentais da teoria psicanalítica, a fim de tecer debates frente às possibilidades de atualização do setting clínico a partir do enquadre on-line. Para tensionar o campo teórico com perspectivas práticas, realizaremos um relato de experiência sobre os desdobramentos de entrevistas realizadas com psicanalistas da cidade de Lavras/MG sobre a temática. Tais entrevistas permitiram o levantamento de discussões que podem nortear a prática de psicanalistas na nova modalidade. Igualmente visamos a refletir sobre as vicissitudes do enquadre analítico virtual em uma perspectiva pós-pandêmica, isto é, em um horizonte onde atendimento on-line e presencial são possibilidades concomitantes e concorrentes.

Palavras-chave: Psicanálise, Atendimento à distância, On-line, Técnica.


ABSTRACT

This exposé aims at exploring fundamental technical axes of Psychoanalytic theory in order to develop debates in face of the possibilities of updating the clinical setting stemming from the online framework. In order to confront the theoretical field with practical perspectives, we will report an experience on the repercussions of the interviews carried out with psychoanalysts from the city of Lavras MG on the theme. Such interviews permitted the lifting of discussions which can guide the practice of psychoanalysts in the new modality. Likewise, we aim to reflect on the vicissitudes of the virtual analytical framework in a post-pandemic perspective, that is, in a horizon where online and face-to-face service are concomitant and competing possibilities.

Keywords: Psychoanalysis, Distance care, On-line, Techniques.


 

 

1 - Psicanálise e novas tecnologias: desafios cruciais para a clínica contemporânea

Atualmente, é comum assistirmos a debates relacionados aos impactos das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) para experiência subjetiva contemporânea em suas mais diversas áreas. A era digital surge por meio de sistemas de crenças, que modulam os formatos de acesso ao outro, relativizados a partir dos ideais globalizados de cada cultura (RÜDIGER, 2012). Nesse sentido, os objetos virtuais surgem não somente como mediadores, mas como suporte das relações humanas ao se incorporarem às esferas laborais e afetivas dos sujeitos.

Contundentemente, os impasses subjacentes ao avanço tecnológico já foram percorridos por Freud (1930[1929]/1996), em O mal-estar na civilização, ao inferir que, com o advento da cultura, todas as aquisições civilizatórias progrediram, a fim de ultrapassar as barreiras instituídas pela irreversibilidade do desamparo. Nessa direção, empreende o termo "Deus prótese" (p. 59) para indicar que os avanços tecnológicos de sua época, como a telefonia, ampliam as capacidades perceptivas e motoras ao se compor como próteses para o gerenciamento do mal-estar evocado não somente pela insuficiência do corpo, mas essencialmente como resposta frente à irredutibilidade da renúncia pulsional como condição de inscrição na cultura.

Freud (1930[1929]/1996) adverte que os objetos criados pelo homem cumprem a função de mitigar o mal-estar inerente ao campo aberto pelo desamparo. Ao cunhar o que ele nomeou de crítica pessimista, situa a cultura como sucessivas substituições simbólicas que veiculam uma perda, atrelando a própria ideia de avanço do progresso como submersível e passível de questionamentos.

Atualmente, o sujeito é atravessado por profundas transformações oriundas da globalização, ligada ao capitalismo, e sua aliança com a ciência e as novas tecnologias. A influência maciça desse sistema na produção de objetos tecnológicos estabelece modelos destinados à aceleração de processos, à criação de espaços de interação controlados, assim como à oferta de dispositivos cada vez mais aprimorados para conectividade, instantaneidade, simultaneidade e hiperexposição (RÜDIGER, 2012). Posto isso, em função de sua praticidade e reprodutibilidade técnica, as tecnologias adquirem um aparato essencialmente correlacionado aos meios de produção, ecoando na intimidade da experiência subjetiva contemporânea.

Por outro lado, é notável que as tecnologias têm permitido ao homem redimensionar as fronteiras sensoriais da experiência, propiciando a criação de novos espaços de comunicação e interação entre os pares, principalmente quando a presença física não se faz possível. As novas modalidades de intervenções mediadas por tecnologias podem acarretar relevantes benefícios para a práxis, como maior disponibilidade, acessibilidade, baixo custo, conveniência, privacidade e redução de estigma (PIETA et al., 2015).

Para Luis Claudio Figueiredo (2009), Freud possibilitou, durante seu ensino, a abertura para a experiência psicanalítica sobre diferentes meios culturais de aplicação. Com isso, a proposta freudiana é inerentemente fundada para a exploração dos seus pressupostos, adquirindo certa maleabilidade técnica, no que tange à dinâmica das demandas emergentes na clínica em diferentes tempos e épocas. Nessa perspectiva, se considerarmos que as TIC causam consideráveis efeitos nos modos narrativos dos sujeitos globalizados, perceberemos que se torna indispensável o debate sobre o fazer clínico em Psicanálise e seus possíveis delineamentos dentro do campo tecnológico.

Os exemplos da razoabilidade do uso de tecnologias no cenário clínico psicanalítico são inúmeros, como em casos de pacientes que precisam dar continuidade ao tratamento e que, no entanto, necessitam se deslocar para outra localidade (mais distante) ou viajar durantes longos períodos. Igualmente, existem casos em que há a impossibilidade de locomoção devido às deficiências físicas, crises sanitárias e doenças transmissíveis entre outros exemplos, que denotam casos isolados, nos quais o atendimento presencial não se faz alternativo (BELO, 2020).

Todavia, segundo aponta a pesquisa apresentada por Siqueira e Russo (2018), grande parte dos estudos desenvolvidos no Brasil, e em outros países, utilizou a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) para intervenções clínicas através das tecnologias. Esse fator nos demonstra possíveis dificuldades de aplicabilidade do manejo técnico em Psicanálise por essas estruturas, particularmente no Brasil. Sob essa justificativa, cabe indagar: quais índices teóricos fundamentam essa apreciação? Em que medida a Psicanálise nos serve como crítica social aos limites da incorporação maciça das tecnologias nos modos de relação entre os indivíduos contemporâneos?

Na tentativa de percorrer tais indagações, realizamos, em 2019, uma pesquisa de campo, em que aplicamos entrevistas semiestruturadas em psicanalistas do Laço Analítico - Lavras/MG, visando a investigar seus posicionamentos frente à modalidade de atendimento on-line, e em que medida estes poderiam nos fomentar elementos conceituais para o levantamento de debates teóricos. Para tanto, propomos, neste artigo, apresentar um relato de experiência que permita reflexões sobre o atendimento on-line, elencando os principais eixos teóricos e éticos extraídos dessas entrevistas.

Vale acentuarmos que este estudo foi desenvolvido anteriormente à instauração da crise mundial pandêmica, que acarretou consequências devastadoras tanto nos níveis econômicos, políticos e sociais quanto no nível de agravamento de quadros em saúde mental na população brasileira, sendo indispensável a mobilização de recursos tecnológicos para a viabilização das práticas clínicas como suporte aos profissionais e, principalmente, para o amparo aos pacientes neste momento nefasto. Assim sendo, além da ascensão de solicitações de atendimentos on-line, atrelados à esfera globalizada que já estava em andamento, considera-se que esse processo foi acelerado devido à crise sanitária, quando se fizeram necessários rearranjos inéditos para a atualização do setting analítico na conjuntura.

É importante destacarmos que a contingência pandêmica é inexoravelmente distinta do curso habitual em que as demandas de atendimentos on-line podem ser vinculadas, visto que se trata de um momento no qual as perspectivas para atendimentos presenciais são escassas ou excepcionais. Desse modo, salientamos que este estudo pretende fomentar debates considerando, também, as implicações de um campo onde os atendimentos on-line e presencial são possiblidades concomitantes e concorrentes. Ademais, ressaltamos que, devido à limitação do número de participantes que será relatada, este estudo pretende trazer contribuições parciais para o tema, não esgotando o alcance conceitual, que o texto freudiano permite.

 

2 - Metodologia: uma adequação do método ao estilo freudiano

Mediante a autorização prévia do Comitê de Ética do Centro Universitário de Lavras (UNILAVRAS), sob o número do CAAE: 98029318.9.0000.5116, deu-se início ao processo de aplicação de entrevistas semiestruturadas aplicadas em psicanalistas do Laço Analítico Escola de Psicanálise Núcleo Lavras/MG, entre o primeiro e o segundo semestres de 2019. A escolha por essa Escola se deu em função da sua presença na cidade dos autores, sendo a única instituição de formação de psicanalistas existente no local.

A entrevista foi desenvolvida por meio de um conjunto de questões abertas, construídas previamente e elaboradas a partir da revisão teórica, que embasou o presente estudo. Essa construção estabeleceu perguntas básicas e avaliativas com o intuito de direcionar a fala dos (as) entrevistados (as) frente à temática (MANZINI, 2004).

Ao observarmos o campo e a população em que a entrevista seria aplicada, apareceu o questionamento quanto à presença de psicanalistas efetivados no local, dado que parte significativa dos frequentadores da Escola de Psicanálise ainda não havia passado pelo processo de formação, participando somente de seminários fornecidos pela Escola.

Para a finalidade do estudo de uma prática clínica delimitada, surgiu a necessidade de criar critérios para o rastreamento dos (as) psicanalistas presentes no campo. Portanto, optamos pela criação de um miniquestionário baseado em critérios de formação preconizados por Freud (1926/1976) para filtragem da população.

O miniquestionário foi composto a partir de três critérios considerados no contexto geral da Escola. São eles: 1) Frequentar análise pessoal com Psicanalista; 2) Estar em supervisão clínica com um Psicanalista; e 3) Contato constante com estudos teóricos vinculados à formação na Escola (FREUD, 1926/1976). Como critério adicional, consideraram-se psicanalistas aqueles que tenham um percurso de pelo menos cinco anos de formação e experiência clínica. Após o rastreamento inicial, obtivemos o total de quatro psicanalistas2, que foram submetidos (as) ao procedimento de entrevista semiestruturada, mediante seu consentimento e autorização por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Para apreciação dos materiais coletados, foi utilizado o método de análise do conteúdo de Bardin (1977), que permitiu o tensionamento entre os relatos dos (as) psicanalistas participantes e o referencial teórico utilizado no presente estudo. No primeiro momento, analisaram-se as transcrições das entrevistas e cada sentido foi alocado numa categoria emergente do relato. Assim, privilegiamos o relato dos (as) participantes, tendo a teoria como plano de fundo da discussão, e não o inverso.

A partir das respostas obtidas nas entrevistas e do entrecruzamento com pilares técnicos da teoria psicanalítica, criaram-se as seguintes categorias de análise: 1) Entrevistas Preliminares; 2) Transferência; e 3) Posição do Psicanalista (ética). As categorias, observadas e analisadas, permitiram a realização de alguns recortes referentes aos pilares técnicos da Psicanálise e seus possíveis desdobramentos na modalidade on-line. Diretrizes que serão percorridas nos próximos itens.

 

3 - Resultados e discussões

3.1 - As entrevistas preliminares: compondo a função da escuta

Para pensarmos o atendimento on-line sobre o plano de fundo da Psicanálise, tornam-se indispensáveis discussões que contemplem a prática de psicanalistas, alinhadas ao método e à ética da condução do tratamento. Primeiramente observamos que, ao serem questionados (as) se já haviam realizado algum tipo de atendimento à distância, três, dos (as) quatro entrevistados (as), responderam que sim, acrescentando as direções técnicas que viabilizaram essa ação. Esse é um dado pertinente, visto que as entrevistas foram realizadas no ano de 2019, momento em que o atendimento on-line ainda não havia se popularizado no Brasil e existiam poucos desenvolvimentos acadêmicos sobre o tema. Portanto, nesta seção, abordaremos a primeira direção apontada pelos (as) psicanalistas, o que Freud nomeou de tratamento de ensaio (entrevistas iniciais).

Em Sobre o início do tratamento, Freud (1913/1996) institui algumas recomendações obtidas a partir da clínica para a prática dos psicanalistas. A princípio, o autor emprega o termo "Tratamento de Ensaio", também denominado "Entrevistas Preliminares"3, para designar o período inicial do tratamento, que tem como objetivo a verificação se o caso é adequado aos propósitos do tratamento em Psicanálise. Nesse momento, o analista realiza uma "sondagem" (FREUD, 1913/1996, p. 76) com a finalidade de orientação quanto ao diagnóstico do paciente.

Necessariamente, este ensaio visa ao estabelecimento de um diagnóstico, com base na transferência, para a distinção, por parte do (a) psicanalista, entre neurose, psicose e perversão. Lembremos que Freud (1913/1996) considerava o diagnóstico diferencial como um procedimento crucial para o início da análise, pois compreendia que o tratamento psicanalítico se aplicaria somente aos pacientes neuróticos. Esse pressuposto foi alterado e redimensionado ao longo da história psicanalítica, uma vez que, embora Freud tenha inúmeras vezes abordado o tema das psicoses, foi através das contribuições de psicanalistas como Jacques Lacan, Ferenczi e Klein que a clínica das psicoses foi inserida no horizonte psicanalítico em termos de direção do tratamento.

As entrevistas preliminares constituem um trabalho anterior à análise propriamente dita. No entanto, embora não se espere uma continuidade do enquadre deste ensaio, o preceito que baliza sua realização, também, está amparado na associação livre como regra fundamental para que o tratamento seja empregado (QUINET, 2002). Afirma Freud (1913/1996, p. 76): "se deixa o paciente falar quase todo o tempo e não se explica nada mais do que o absolutamente necessário para fazê-lo prosseguir no que está dizendo". Nesse caso, Freud ainda salienta que, se o tratamento seguir esse início, fará parte dos desdobramentos da análise propriamente dita.

Nesse mesmo trabalho, Freud indica a importância do tempo e do dinheiro para o manejo técnico no início do tratamento. Em relação ao tempo, o autor descreve que suas sessões eram realizadas com cada paciente seis vezes por semana. Quanto a isso, é imprescindível ressaltarmos que, embora tal recomendação não seja usual atualmente, sua pertinência reside na hora de trabalho dedicado a cada paciente. Isto é, mesmo que ocorram interrupções, estas devem se manter reservadas, a fim de implicar ao paciente sua corresponsabilidade sobre o tratamento.

As interrupções prosaicas, como o exemplo das ausências em determinadas sessões, não podem ser prevenidas pelo psicanalista, mas devem ser escutadas como um modo de atuação em transferência endereçada a ele (FREUD, 1913/1996). Além disso, Freud reitera que o trabalho psicanalítico necessita de um longo tempo de duração, posto que implica, além da atemporalidade do inconsciente, o tempo necessário para as elaborações e reconstruções de conflitos, que serão atualizados no sintoma transferencial.

É primordial notarmos que a abordagem freudiana do tempo, na técnica, tem ressonâncias conceituais significativas em termos de metapsicologia. Sendo assim, faz-se necessário um breve recorte conceitual para pensarmos sua pertinência em termos de manejo clínico. Ao longo de suas construções, Freud (1933[1932]/1990) sempre enfatizou que a temporalidade do inconsciente rompe com a progressão e linearidade da acepção passado, presente e futuro. Daí, deriva que sua atemporalidade não extingue passagem e permanência. Ou seja, o acontecimento psíquico não se desgasta e se conserva descontinuamente inalterado.

Por outro lado, desde a aurora psicanalítica, ao abordar a noção de trauma4 no Projeto, Freud (1950[1895]/1977) já considerava que o acontecimento psíquico, em si, só se circunscreve no a posteriori (Nachträglich). Dessa forma, o posterior se institui regressivamente sobre o antes, que, por sua vez, só se registra pelo depois. Isso equivale a dizer que Freud se dirigiu, em sua clínica, à temporalidade revestida de uma simbolização precipitante. Embora ele tenha, inúmeras vezes, caracterizado o inconsciente como atemporal, também parece apontar o modo singular como o sujeito opera no tempo ao romper com a progressão linear.

Esse estatuto temporal tem estreita relação com o desamparo demarcando o que nele não pode ser superado, sendo nesse instransponível retroativo que o corpo é marcado. Pensemos nas próprias formações do inconsciente5, evocadas nos intervalos, pausas e suspensões do recalque sobre a palavra, permitindo acessar os rastros do que é preambular no sujeito (FREUD, 1901/1990). Assim, só é possível apontar o inconsciente no resto do recalque, ou seja, somente concernido aos efeitos do que advém como posterior. Em síntese, o a posteriori é basilar para a simbolização como saída frente ao conflito (inconciliável) dado pelo campo do desamparo constitutivo.

Tais desdobramentos são centrais para a técnica, visto que a temporalidade inconsciente é indissociável da transferência em uma análise. Isto é, a fala singular do analisante é uma construção, pontual e retroativa, convocada pela presença da função do analista. Em outras palavras, ao atualizar o traumático, a transferência é essencialmente temporal (Nachträglich). Desse modo, ainda que Freud tecnicamente tenha considerado o tempo em sua categoria cronológica vinculado à longa duração da análise e ao tempo de sessões, é visando ao sistema inconsciente que ele o faz. Isso não implica constatar que o tratamento analítico seja perpétuo do ponto de vista da temporalidade inconsciente. Em obras tardias, como Análise finita e análise infinita e Construções em análise, Freud (1937/2017) parece trazer o final de análise mais em relação à mudança de posição do analisando em relação à transferência e ao sintoma do que propriamente vinculado à duração linear de um tratamento.

Assim como o tempo, e seus desdobramentos, o manejo do dinheiro tem função essencial nesse momento inicial. Freud (1913/1996, p. 81) o estabelece como forte componente da sexualidade dos sujeitos, inteirando-se de que ele não deve ser tomado como autopreservação, nem como modo de estabelecimento de poder por parte do analista e salientando o fato de o analista "não concordar com tal atitude, mas, em seus negócios com os pacientes, a tratar de assuntos de dinheiro com a mesma franqueza natural com que deseja educá-los nas questões relativas à vida sexual". Essa noção é patente se pensada no contexto de atendimento on-line, tendo em vista que o formato de pagamento à distância (transferência bancária) deve ser implicado pelo psicanalista face ao funcionamento do sintoma e à particularidade da forma como o dinheiro será operado pelo paciente em cada caso.

São inúmeras possibilidades para a incidência da sexualidade no manejo do dinheiro virtual em uma análise sem que o corpo do analista testemunhe sua realização. Nesse sentido, salienta-se que a dimensão da sexualidade do dinheiro pode advir a partir de outros formatos em um tratamento on-line, como, por exemplo, quando o paciente avisa ao analista sobre a data do depósito, como as possíveis interferências dessa operação, é tomada pelo paciente, as solicitações de remanejamentos bancários, esquecimentos do pagamento na data prevista etc. (BELO, 2020). Em síntese, os embaraços que o pagamento pode promover em termos de formações inconscientes devem ser tomados como discurso dirigido ao analista também no contexto virtual.

Fábio Belo (2020, p. 43) levanta a questão de que "o pagamento virtual pode gerar a sensação de que não se está gastando". Por outro lado, afirma que o valor da moeda, tomada em sua materialidade, já carrega algo de virtual na medida em que o papel ou a moeda significa virtualmente o que vale. Ou seja, a cédula ou o metal não possui valor em si na medida em que se articula com complexos associativos oriundos da realidade psíquica inconsciente.

Além do manejo do tempo e do dinheiro, Freud institui a importância do divã, que demarca a passagem do início do tratamento para a análise propriamente dita. Sua configuração, na qual a poltrona do analista se localiza atrás do divã, é utilizada por Freud para evitar que as expressões do rosto do psicanalista possam fornecer indicações que influenciem o curso narrativo do (da) paciente, objetivando a viabilização tanto da associação livre quanto da atenção flutuante, na medida em que essas são correlatas à pulsão do olhar em sua relação com a fantasia e transferência. Portanto, Freud parece propor uma redução do visual, a fim de privilegiar o campo da cena psíquica através da palavra (talking cure). Da mesma forma, promove um convite para que o paciente interrogue sua posição frente ao psicanalista bem como o lugar onde este é colocado em relação aos ideais do ego, que devem, via de regra, ser prescindidos em uma análise (FREUD, 1913/1996).

O uso do divã resulta de "impedir que a transferência se misture imperceptivelmente às associações do paciente, isolar a transferência e permitir-lhe que apareça, no devido tempo, nitidamente definida como resistência" (FREUD, 1913/1996, p. 83). Aqui, reside a importância dada por Freud em escutar as contraposições realizadas pelo paciente referentes ao divã, cabendo ao analista não sucumbir à solicitação de recuo frente a esse lugar e considerando um manejo a partir da técnica da abstinência.

Novamente, essa configuração deve ser levada em consideração para um tratamento propriamente psicanalítico na modalidade on-line, tendo como ponto de partida: como o divã virtual será montado (câmera desligada com pacientes sob transferência, por exemplo)? Quem realizará a chamada para a sessão on-line ? Na perspectiva de Fábio Belo (2020), é o analisando quem deve realizar a primeira chamada, a fim de se produzir uma vertente capaz de representar, mesmo que precariamente, a chegada física do analisando ao consultório do analista. Contudo, essas recomendações podem ser discutidas caso a caso.

A partir desse recorte, podemos situar a importância das entrevistas preliminares para as primeiras construções do setting analítico que é, sobretudo, um lugar constituído psiquicamente, não podendo ser reduzido a protótipos estáticos. Entretanto, salientamos que a sensorialidade do encontro presencial entre analista e analisando é insubstituível, cumprindo um papel importante para a composição da função de escuta, que irá subsidiar as condições da dinâmica transferencial.

Em síntese, a forma como o paciente se dirige até a sessão on-line, o modo como o dinheiro é conduzido ao analista (transferência bancária), a temporalidade vinculada à duração das sessões bem como ao inconsciente e o uso do divã como correlato da pulsão do olhar, entre outros fatores, são diretrizes, que devem ser ratificadas e mesmo atualizadas, para as intervenções efetivadas nessa nova modalidade. Em linhas gerais, é a posição do sujeito na fantasia atrelado ao virtual, que possibilitará a escuta da estrutura do desejo por essas vias.

A importância das diretrizes inicias do tratamento obteve destaque nos relatos contidos nas entrevistas. Os (As) psicanalistas demonstraram consonância com os descritos pilares técnicos indicados nas Entrevistas Preliminares. As falas dos (das) quatro psicanalistas entrevistados(as) evidenciam que a não aplicação ou o extravio das recomendações de Freud acerca das Entrevistas Preliminares compromete, de maneira incisiva, a condução de uma análise nessa modalidade, pois comprometeria o estabelecimento da transferência, devendo o crivo quanto à necessidade, ou não, do estabelecimento de entrevistas presenciais prévias ser considerado em face da demanda para atendimento nessa modalidade.

A respeito das questões presenciais vinculadas à corporeidade, Christian Dunker (2018), no prefácio do livro Psicoterapia on-line (SIQUEIRA; RUSSO 2018), afirma que abordagens que valorizam a transferência e a qualidade da relação interpessoal como um fator determinante para a cura vão encontrar mais dificuldades no ambiente on-line. Tais dificuldades podem ser de diversas ordens, como: "alterações na experiência de si próprio e na percepção do outro, quando ele se acha reduzido ao tamanho e à dimensão de uma imagem" (p. 14); "redução das respostas do paciente e das apreciações periféricas que ele tem da situação" (p. 15); como também problemas relativos à preservação do sigilo e à confidencialidade em um ambiente passível de interferências externas, como a invasão de hackers.

Com base nessa discussão, percebemos preocupações similares nas falas dos (das) psicanalistas entrevistados (as), que, em sua maioria, priorizavam o presencial, principalmente quando a transferência ainda não estivesse estabelecida. Todavia, consideramos que algumas pessoas, em função de diversas condições pessoais e até mesmo de ordem socioeconômica, podem enfrentar dificuldades em relação a uma condição de presencialidade prévia ao tratamento on-line. Pensemos, por exemplo, em pacientes residentes em regiões interioranas, onde não há psicanalistas. Além disso, destacamos a relevância dos atendimentos on-line no contexto devastador da vigente crise sanitária instaurada pela COVID-19, sendo necessária a reinvenção do fazer clínico pelo viés tecnológico.

Por outro lado, podemos inferir que o manejo em situações de sofrimento intenso pode ser reduzido no ambiente virtual. Por exemplo, gestos simples, como entregar um lenço de papel para alguém que está chorando, ficam comprometidos na virtualidade assim como parece haver uma redução na dimensão do ato em análise, o que compromete diretamente a escuta, como apontado por um dos (das) psicanalistas entrevistados (as) neste estudo.

É válido, também, salientarmos que Freud dá destaque ao ato falho pelo fato de este portar uma fala recalcada endereçada ao analista à medida que atualiza uma cena inconsciente na atuação transferencial (acting-out) (QUINET, 2002). Analogamente, em Psicopatologia da vida cotidiana, Freud (1901/1990) traz o caráter acidental e pontual do ato, sendo preciso haver uma destituição do saber a priori, para que o inconsciente possa ser posto em ato convocando a escuta. Nesse aspecto, o ato, também, pode compor o manejo do analista, inclusive, como atenção flutuante6 dirigida à cena inconsciente do analisando. Portanto, as inúmeras possibilidades de intervenções em ato, que necessitariam da corporeidade do analista, podem ser reduzidas na modalidade de atendimento on-line, assinalando um dos impasses dessa modalidade.

Todos esses dispositivos dizem respeito à constituição da função transferencial como ponto de diferenciação entre as entrevistas preliminares e a análise propriamente dita. Dessa maneira, tais diretrizes freudianas apontam, indubitavelmente, para as demandas endereçadas ao lugar do analista em tal alcance que Freud as situa como principal foco do tratamento. Ele pontua que é necessário se conceber um tempo para seu estabelecimento e o devido cuidado quanto às interpretações e ao manejo das resistências localizadas a princípio.

 

3.2 - A transferência: rede basilar

Destacamos que, no texto A dinâmica da transferência, Freud (1912/1996) considerava a transferência somente como resistência imposta à cura devido às reedições das moções (conflitos) infantis sobre a figura do médico (psicanalista). Entretanto, no trabalho de 1913, esse conceito é realocado como rede basilar para que o tratamento ocorra, sendo a via pela qual o analista deve operar (FREUD, 1913/1996).

Deriva daí que o saber inconsciente e sua relação com o recalcado só podem ser sustentados a partir do suporte transferencial e que seu efeito resulta da intensidade de investimento depositado sobre a figura do analista. A transferência manejada pelo método de abstinência, que consiste na recusa do analista às demandas substitutivas dos desejos não realizados que recaem sobre o tratamento (FREUD, 1919[1918]/2017), conduz à superação das resistências e repetições, possibilitando o engendramento de novas ligações e o reposicionamento do analisando frente ao sintoma.

Considera Freud (1913/1996, p. 89): "O paciente, contudo, só faz uso da instrução na medida em que é induzido a fazê-lo pela transferência; é por esta razão que nossa primeira comunicação deve ser retida até que uma forte transferência se tenha estabelecido". Logo, uma das funções iniciais do tratamento reside na intensificação da transferência dirigida ao analista, para que, a posteriori, seus efeitos sejam elaborados durante o tratamento. Não obstante, o tratamento exclusivamente on-line, sem sessões presenciais prévias, sustentaria um manejo técnico capaz de intervir em possíveis intensificações sintomáticas contidas no início?

Chama-se a atenção para a obra Recordar, repetir e elaborar (FREUD, 1914/1996) em que o pai da Psicanálise atribui o conceito de transferência ao de repetição. Decorre, portanto, que o paciente não promove a recordação dos conteúdos recalcados, mas incorpora-os como modo de atuação na relação com o analista. Nesse sentido, ao invés de se lembrar, o recalcado se inscreve pela via da repetição em ato a partir da transferência.

A relação entre transferência, repetição e resistência implica pensar a maneira como o conflito é atualizado em uma análise. Nas palavras de Freud (1914/1996, p. 93): "Quanto maior a resistência, mais extensivamente a atuação (acting out) (repetição) substituirá o recordar". Ora, o paciente repete sob condições da resistência o conflito psíquico pela via transferencial. O conceito de repetição situa, a partir da transferência, o marco e a condição de entrada em uma análise, Reitera Freud (1914/1996, p. 93): "Antes de mais nada, o paciente começará seu tratamento por uma repetição deste tipo".

Nessa perspectiva, o início de uma análise procede de uma mudança de posição do paciente em relação ao seu sintoma ao fazer reconhecer neste as motivações inconscientes anteriormente dominadas e negadas pelo recalcado. Tal reconhecimento não se designa, necessariamente, no acesso ao conflito no nível consciente, mas correlaciona-se, diretamente, com a atuação como modo de recordar (FREUD, 1914/1996).

É através dessa política que todo início de tratamento consiste no aumento de intensidade quanto à transferência e, consequentemente, quanto ao conflito psíquico, dado que acentua o sintoma antes não evidenciado pelo paciente. Nesse cenário, a transferência surge como sinalização, que dirigirá às intervenções do analista, constituindo um campo intermediário de transição entre sintoma cotidiano e sintoma transferencial. Temos, pois, a criação de uma vertente artificial em que o analista é capaz de operar. Situa Freud (1914/1996, p. 96):

Contanto que o paciente apresente complacência bastante para respeitar as condições necessárias da análise, alcançamos normalmente sucesso em fornecer a todos os sintomas da moléstia um novo significado transferencial e em substituir sua neurose comum por uma "neurose de transferência", da qual pode ser curado pelo trabalho terapêutico.

Portanto, o início de uma análise versa sobre a transformação de uma queixa em uma demanda vinculada ao analista, havendo uma modificação entre uma demanda transitiva atribuída a uma necessidade de cura, ou uma remoção de sintomas, para uma demanda intransitiva correspondente ao enigma do sintoma, que é transmutado como suposição de saber ao analista. Em síntese, a entrada em uma análise não se dá pela via da resposta, mas pelo modo como o sintoma será questionado pelo paciente (QUINET, 2002). Dessa maneira, a importância da transferência reside na presentificação da realidade inconsciente. É somente pelo acesso à atuação, à repetição e à resistência que o analista pode escutar a estrutura do desejo inscrito nas formações do inconsciente e no sintoma.

Frente a esse pressuposto fundamental, podemos inferir que a transferência deve ser condição e bússola para a intervenção do analista quanto à solicitação de atendimentos nessa modalidade. Esse índice surgiu com ênfase nas falas dos (das) psicanalistas entrevistados (as) como um fator que deve estruturar a escuta do inconsciente, sendo o nível mais recorrente dos conteúdos contidos nas entrevistas. Um (Uma) dos (das) psicanalistas, inclusive, destacou que muitos pacientes já desenvolvem um primeiro lampejo de transferência antes da primeira sessão. Podemos pensar que a presencialidade facilita o estabelecimento da transferência. Porém, até que ponto se mostra imprescindível?

Mediante isso, foi possível demonstrarmos alguns dispositivos técnicos, que devem ser levados em conta quanto à demanda de atendimento à distância. Tais diretrizes, como salienta Freud (1912/2017), atuam como recomendações, e não como regras rígidas, ao tratamento. A única regra fundada pelo autor diz respeito à associação livre. O atendimento on-line é uma modalidade possível de ser viabilizada pela escuta analítica. No entanto, sua aplicação deve respeitar dispositivos do campo técnico. Nesse sentido, o analista deve preservar, o máximo possível, condições, que permitam que a associação livre e a atenção flutuante ocorram.

Conforme aponta Fábio Belo (2020), alguns estudos em Psicanálise recomendam que se realizem atendimentos presenciais sempre que possível. Por outro lado, o autor situa a importância em não se idealizarem o setting clínico e os fazeres em Psicanálise, ponderando a necessidade de uma reflexão pormenorizada quanto à viabilidade técnica que esse enquadre comporta. Ademais, o autor, ainda, traz exemplos expressivos contidos na própria história psicanalítica ao situar a relevância das experiências de supervisões à distância (cartas) fornecidas por Freud, que possibilitaram, mesmo que precariamente, o trabalho concernente ao ensino e transmissão em Psicanálise no mundo.

É infecundo pensar a isenção do analista frente à nova demanda. Posto isso, reivindicar o inconsciente freudiano na contemporaneidade é, sobretudo, situar a posição do sujeito, que demanda o tratamento por essa via. A justificativa de neutralidade, formalismo e ortodoxia oriunda de critérios estéticos de setting nos parece expressar uma psicanálise afastada do comprometimento ético, que situa o sujeito como efeito histórico e social de seu tempo. Contudo, como demonstrado pelos (as) psicanalistas participantes deste estudo, para pensar as possibilidades do enquadre psicanalítico no virtual, faz-se indispensável situar diretrizes freudianas da composição da função de escuta, tendo na transferência seu fundamento direcionador.

 

3.3 - Posição do analista: impasses cruciais para o horizonte psicanalítico

Conforme nos demonstra Freud (1930[1929]/1996), a cultura, em cada época, estabelece trocas sociais ordenadas pelo enquadre pulsional, que articula uma demanda impossível de se satisfazer plenamente. Assim, ao apontar a perda inerente a cada avanço da civilização, ele, também, indica o surgimento de formas de mal-estar emergentes a partir de determinados modos de funcionamento da cultura corrente. Portanto, além de situar as fecundas possibilidades trazidas pela modalidade on-line, é importante indagarmos sobre o contexto cultural de sua aplicação, visto que esta, também, aponta para os impasses inerentes ao modo de organização dos sujeitos na cultura globalizada.

Atualmente, as relações humanas estão cada vez mais mediadas por instrumentos tecnológicos como celulares e computadores. Nesse cenário, a comunicação plurilocalizada, imediata e móvel surge como um facilitador que rompe com as barreiras materiais, instituindo um modo de pertencimento articulado integralmente aos bancos de dados, da transmissão e dos símbolos eletrônicos indissociáveis de aparelhos (OTERO; FUKS, 2012). Do mesmo modo, trata-se de uma lógica pautada na gestão mercadológica, que visa à aceleração de processos. Nesse sentido, há a primazia de tendências imediatistas e práticas em detrimento da efetividade de um tratamento (CHIARETI, 2016, p. 43).

Nas ponderações da socióloga Sherry Turkle (2011), paralelamente à era digital, surge uma geração em que a conectividade promovida pela tecnologia é preferencialmente utilizada em detrimento ao ônus do encontro presencial com o outro. Tem-se, a partir disso, duas consequências. A primeira concerne à oferta de instrumentos cada vez mais imediatos e funcionais para a interação entre os indivíduos, estabelecendo relações condicionalmente rápidas e efêmeras, posto que eleva a presença do outro a uma categoria sempre excedente. A segunda se refere ao surgimento de um novo arranjo para a intimidade relacionado à simplificação e criação de espaços controlados frente aos impasses e imprevisibilidades de estar concretamente na presença do outro, designando um terreno onde as relações humanas estão amplamente reduzidas às conexões.

Tais questionamentos foram levantados pelos (as) psicanalistas na categoria de análise "Posição do Psicanalista". Ao se pautarem em aspectos éticos da teoria, ressaltaram a importância da reflexão e questionamento em relação à naturalização dos ideais tecnológicos globalizados e aos interesses de mercado que o atendimento on-line pode, por vezes, abarcar. Nessa perspectiva, trata-se de questionar a universalização e os ideais mercadológicos, que visam à saturação dos veículos de subjetivação, seja na lógica diagnóstica contemporânea, seja nas estruturas de regulação dos modos como a demanda de tratamento pode ser vinculada na prática clínica (DUNKER, 2014).

Dessa maneira, destacamos que o uso das tecnologias na clínica não deve ser atribuído à aplicação indiscriminada na medida em que, também, demarca impasses frente às formas de subjetivação e reinvenção da intimidade dos laços sociais na atualidade. Como reitera Christian Dunker (2018, p. 15) no prefácio do livro Psicoterapia on-line de Siqueira e Russo (2018), esse terreno implica cautelas para a clínica psicanalítica, posto que altera a experiência de "si próprio e da percepção do outro quando ele aparece reduzido ao tamanho e à dimensão de uma imagem".

Não somente, os imperativos para os modos de relação na era digital podem afetar os complexos discursivos e suas articulações enunciativas, como podem, também, acarretar dificuldades para determinadas operações psíquicas vinculadas à experiência da fala e da linguagem para a subjetividade contemporânea. Portanto, é pautando-se na crítica à sujeição social às disciplinas universalizantes que a clínica psicanalítica pode apontar, em seu horizonte, as possibilidades e limites dos espaços virtuais de linguagem para emergência subjetiva nesses contextos.

 

4 - Considerações finais

Por fim, este relato de experiência visou a apresentar direções técnicas, que permitam a ampliação do debate concernente à modalidade de atendimento on-line sem esgotar suas vicissitudes. Ratificamos que a bússola para intervenções nesse âmbito deve ser tomada a partir da constituição da função transfe rencial, instância que compõe o maior desafio para a prática dos (das) psicanalistas nesse cenário, levando-nos a deixar seu estatuto em aberto: é possível uma clínica integralmente on-line sem a presença concreta do corpo para perspectivas futuras em Psicanálise?

Reforça-se a viabilidade do atendimento à distância para perspectivas futuras psicanalíticas. No entanto, a indagação e a reflexão referentes aos imperativos mercadológicos de facilitação e a aceleração de processos também devem compor o horizonte psicanalítico nesse campo. Na contramão da massificação de disciplinas tecnológicas, a Psicanálise escuta a subjetividade de sua época sem, no entanto, deixar de apontar a inadequação do desejo frente aos ideais sociais globalizados.

 

 

Referências

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.         [ Links ]

BARBOSA, A. et al. As novas tecnologias de comunicação: questões para a clínica psicanalítica. Cad. De Psicanálise. - CRPJ, Rio de Janeiro, v. 35, n. 29, p. 59-75, 2013. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cadpsi/v35n29/a04.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2020.         [ Links ]

BELO, F. Clínica psicanalítica on-line: breves apontamentos sobre atendimento virtual. São Paulo: Zagodoni, 2020.         [ Links ]

CHIARETTI, P. Discurso, subjetividade e novas tecnologias: você, sem fronteiras. Revista Rua, Campinas, v.1, n. 22, p. 33-44, 2016. Disponível em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rua/article/view/8646065/13208>. Acesso em: 14 ago. 2019.         [ Links ]

DUNKER, C. Questões entre a psicanálise e o DSM. Jornal de Psicanálise, São Paulo, v. 47, n. 87, p. 79-107, 2014. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0103-58352014000200006>. Acesso em: 27 set. 2019.         [ Links ]

FIGUEIREDO, L. A psicanálise e a clínica contemporânea. Contemporânea - Psicanálise e Transdisciplinaridade. Porto Alegre, n. 07, p. 9-17, 2009. Disponível em: <http://www.revistacontemporanea.org.br/revistacontemporaneaanterior/site/wp-content/artigos/artigo202.pdf>. Acesso em: 20 out. 2019.         [ Links ]

FREUD, S. (1950[1895]). Projeto para uma psicologia científica. Rio de Janeiro: Imago, 1977. p. 395-452. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 1).         [ Links ]

FREUD, S. (1901). Sobre a psicopatologia da vida cotidiana. Rio de Janeiro: Imago, 1990. p. 2-180. (ESB, 6).         [ Links ]

FREUD, S. (1912). A dinâmica da transferência. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 59-66. (ESB, 12).         [ Links ]

FREUD, S. (1912). Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico. In: Fundamentos da clínica psicanalítica. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. (Col. Obras incompletas de Sigmund Freud).         [ Links ]

FREUD, S. (1913). Sobre o início do tratamento. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 74-89. (ESB, 12).         [ Links ]

FREUD, S. (1914). Recordar, repetir e elaborar. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 90-97. (ESB, 12).         [ Links ]

FREUD, S. (1919[1918]). Caminhos da terapia psicanalítica. In: Fundamentos da clínica psicanalítica. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. (Col. Obras incompletas de Sigmund Freud).         [ Links ]

FREUD, S. (1926). A questão da análise leiga. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 110-164. (ESB, 20).         [ Links ]

FREUD, S. (1930[1929]). O mal-estar da civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 38-92. (ESB, 21).         [ Links ]

FREUD, S. (1933[1932]). Novas conferências introdutórias sobre psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1990. p. 3-124. (ESB, 22).         [ Links ]

FREUD, S. (1937). A análise finita e a infinita. In: Fundamentos da clínica psicanalítica. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. (Col. Obras incompletas de Sigmund Freud).         [ Links ]

FREUD, S. (1937). Construções em análise. In: Fundamentos da clínica psicanalítica. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. (Col. Obras incompletas de Sigmund Freud).         [ Links ]

MANZINI, E. Entrevista semi-estruturada: análise de objetivos e de roteiros. Seminário internacional sobre pesquisa qualitativa em debate, Bauru, 2004. Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/Instituicao/Docentes/EduardoManzini/Manzini_2004_entrevista_semi-estruturada.pdf>. Acesso em: 25 set. 2019.         [ Links ]

NÓBREGA, S. Psicanálise online - Finalmente saindo do armário? Estudos de Psicanálise, Belo Horizonte, n. 44, p. 145-150, 2015. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0100-34372015000200016>. Acesso em: 21 jan. 2020.         [ Links ]

OTERO, C.; FUCKS, B. B. A internet e a reinvenção de si. Polêmica, v. 11, n. 2, p. 193-211, 2012. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/3092>. Acesso em: 12 jan. 2020.         [ Links ]

PIETA, M. et al. Desenvolvimento de protocolos para acompanhamento de psicoterapia pela Internet. Contextos Clínicos, São Leopoldo, v. 8, n. 2, p. 129-140, 2015. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-34822015000200003>. Acesso em: 13 jan. 2020.         [ Links ]

QUINET, A. As 4+1 condições da análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.         [ Links ]

RÜDIGER, F. Sherry Turkle, percurso e desafios da etnografia virtual. Fronteiras - estudos midiáticos. Rio Grande do Sul, v. 14, n. 2, p. 156- 163, 2012. Disponível em: <http://revistas.unisinos.br/index.php/fronteiras/article/view/fem.2012.142.09>. Acesso em: 15 Set. 2020.         [ Links ]

SIQUEIRA, C.; RUSSO, M. Psicoterapia on-line. São Paulo: Zagodoni, 2018.         [ Links ]

TURKLE, S. Alone together. Nova York: Basic Books, 2011.         [ Links ]

 

Artigo recebido em: 11/12/2020
Aprovado para publicação em: 25/10/2021

Endereço para correspondência
Tatiane Regina de Assis Sousa
E-mail: souzatatiane161@gmail.com
Ismael Pereira de Siqueira
E-mail: ismael.psicologia@unilavras.edu.br

 

 

*Graduanda do décimo período em Psicologia pelo Centro Universitário de Lavras (UNILAVRAS). Lavras, MG, Brasil.
**Mestre em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor Universitário e Coordenador da Clínica-Escola de Psicologia do Centro Universitário de Lavras (UNILAVRAS). Psicanalista. Lavras, MG, Brasil.
1Agradecimentos ao Programa Bolsa a Iniciação Científica e Tecnológica Institucional (PIBIC)/Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
2Vale informarmos que o Núcleo Laço Analítico Escola de Psicanálise de Lavras/MG foi inaugurado em 2017, sendo um Núcleo recente na cidade, principalmente no momento em que a pesquisa foi desenvolvida, o que justifica, em certa medida, o número restrito de participantes na pesquisa.
3Termo cunhado e popularizado pelo psicanalista francês Jacques Lacan (QUINET, 2002).
4No caso Emma von N. decorrido em O Projeto (1895), Freud (1950[1895]/1977) evidencia que são necessárias ao menos duas cenas para a constituição do trauma. Ou seja, este se dá, ou é ativado, em um movimento de significação retroativa, sendo construído apenas em um segundo momento.
5Atos falhos, sonhos, chistes, lapsos, sintomas dentre outras formações que evidenciam o inconsciente ao apontar o fracasso do recalque (FREUD, 1901/1990).
6Freud (1912/2017) apresentou a atenção flutuante mais expressamente no texto Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico para designar a postura do analista frente à associação livre. Esse método consiste na escuta do analista sem privilegiar um elemento específico no discurso manifesto do analisando, posto que, para Freud, o significado e o valor dos relatos só se desdobram a posteriori. Dessa forma, deixando sua atenção suspensa, o analista atinge, por meio do sistema inconsciente, a expressão latente do sintoma, subjacente ao relato trazido pelo analisando.

Creative Commons License