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Imaginário

versão impressa ISSN 1413-666X

Imaginario v.11 n.11 São Paulo dez. 2005

 

PART I

 

Identidade e violência: a política de juventude em Ijebu-Remo, Nigéria

 

Identity and violence: the politics of youth in Ijebu-Remo, Nigeria

 

 

Insa Nolte*

Universidade de Birmingham

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

este artigo analisa as atividades políticas da juventude em Ijebu-Remo (“Remo”) desde a década de 50 até o momento atual. O aparecimento dessas atividades, nas décadas de 50 e 60, foi alimentado por discursos de origem pré-colonial, assim como foi intimamente associado ao surgimento da identidade política pós-colonial, e antifederal, de Remo. Desde o declínio político e econômico da Nigéria em meados de 80, fortes sentimentos de exclusão - reforçados ainda mais pela marginalização dos políticos iorubás no cenário da política nacional entre 1993 e 1999 - contribuíram para um fortalecimento do sentimento étno-nacionalista nas atividades políticas da juventude de Remo. Isso se exprime por meio da reinvenção e utilização de práticas culturais tradicionais que se cercam de sigilo, bem como pela definição da identidade local através de um discurso étnico. Tradicionalmente, as atividades políticas da juventude e a política de elite de Remo têm legitimado e apoiado uma a outra, mas a coesão entre esses grupos tem diminuído desde o retorno à democracia em 1999. Rivalidades em torno do acesso a recursos locais e nacionais têm gerado violentos conflitos entre grupos. As estratégias dos jovens para combaterem a exclusão social têm permanecido individualistas, em sua maior parte.

Palavras chave: Identidade política, Nigéria, Práticas culturais.


ABSTRACT

This article examines the politics of youth in Ijebu-Remo (below: Remo) from the 1950s to the present. The emergence of the politics of youth in the 1950s and 1960s drew on precolonial discourse and was closely associated with the emergence of Remo’s anti-federal postcolonial political identity. Since Nigeria’s political and economic decline in the mid-1980s, strong feelings of exclusion - strengthened further by the political sidelining of Yoruba speaking politicians in national politics between 1993 and 1999 - have contributed to a strengthening of nationalist sentiment in Remo youth politics. This is enacted through secrecy, a reinvention and utilisation of ‘traditional’ cultural practice, and the increasing definition of local identity through ethnic discourse. Traditionally, Remo youth and elite politics have legitimised and supported each other, but the cohesion between these groups has declined since the return to democracy in 1999. Rivalry and conflict over local and national resources have led to bitter intergroup fighting, and young men’s strategies to combat social exclusion remain mostly individual.

Keywords: Youth politics, Remo, Traditional cultural practice.


 

 

Na Nigéria, um número cada vez maior de violentos conflitos comunitários tem desafiado a legitimidade do estado em diferentes níveis. Muitos desses conflitos envolvem grandes números de rapazes jovens, que são mobilizados de acordo com critérios de comum origem, residência, e identidade religiosa. Esse fenômeno está intimamente associado à marginalização econômica e política desde a década de 80, do que Maier chama de “a geração perdida” nigeriana de area boys (gangues, ou patotas, de bairro), associações de juventude, vigilantes (grupos que se arrogam extra-oficialmente o papel de manter a ordem nas ruas), movimentos de nacionalismo étnico, e “cultos” (associações secretas que se constituem em torno de rituais inventados ou reinventados) (2000: 22). Embora governadores de estado e líderes locais nigerianos tenham manipulado grupos de vigilantes e outras associações de jovens para promoverem seus próprios interesses vis-à-vis o governo federal (NOLTE 2002a: 186; BABAWALE, 2002: 3-5), tais grupos continuam quase sempre agindo de forma independente desses seus patronos políticos (BAKER, 2002: 242; UKIWO, 2002: 48).

Conforme indicado por vários estudos sobre as atividades políticas da juventude nigeriana (GORE & PRATTEN, 2003; LAST, 2003), a categoria “juventude” é definida por oposição às pessoas classificadas como adultos e elders (“idosos” cuja idade é reconhecida como fonte de autoridade). Dessa forma, aquela categoria é menos imitada pela idade biológica do que por status e comportamento. Ela inclui todos aqueles que (ainda) não têm os meios materiais e o reconhecimento de que necessitariam para se estabelecerem como provedores de recursos para a manutenção de outras pessoas. Além do mais, o status de juventude afeta mais os homens do que as mulheres; primeiro, porque os homens são mais visíveis no domínio público, e, segundo, porque uma sociedade predominantemente poligâmica torna mais fácil para as mulheres estabelecerem-se como “adultas” por meio de seus maridos. Nesse contexto, as atividades políticas da juventude manifestam-se como uma categoria política e social, que é relacionada às questões sobre as relações entre as gerações e entre os sexos, bem como à capacidade de ação política dos nigerianos em geral (DURHAM, 2001: 113).

O surgimento de grupos de juventude com atuação política não apenas estabelece a juventude como uma categoria de disfuncionalidade estatal como também indica a importância dos discursos sobre localidade, tradição1 e identidade dentro do estado Nigeriano. Muitas organizações de juventude estão, direta ou indiretamente, ligadas a movimentos religiosos ou étno-nacionalistas (BABAWALE, 2002; HARNISCHFEGER, 2003; UKIWO, 2003), e a maioria delas se valem de sigilo e de práticas tradicionais. Isso gerou a sugestão de que elas refletem uma “retradicionalização” das sociedades africanas (CHABAL & DALOZ, 1999: 45). Embora as organizações de juventude em toda a Nigéria compartilhem essas características em elevado grau, sua fixação nos repertórios culturais torna necessária uma abordagem local, a fim de evitar um ponto de vista funcionalista ou presentista sobre a cultura e a tradição no estado pós-colonial (PEEL, 1989).

Se o recurso à tradição pode legitimar interesses particulares, ele só o faz de forma convincente quando invoca trajetórias já bem estabelecidas de prática e poder culturais. A política de juventude no Oeste da Nigéria é uma política de identidade, abrangendo diversos discursos populares e tradicionais, religiosos, históricos e políticos. Os discursos políticos da juventude navegam na esteira do continuado impacto da política do século XIX, bem como da instrumentalização colonial e pós-colonial das relações de poderiocais. Influenciados pelo discurso étno-nacionalista e, ao mesmo tempo, constituindo-se como parte deste, eles também se contrapõem a este quando se esforçam por construir identidades locais. Assim, a relação entre os discursos políticos da juventude e o discurso étno-nacionalista envolve graus variados tanto de apoio mútuo como de oposição.

Em muitas análises das dimensões sociais, políticas e econômicas da política pós-colonial africana, a tradição reemergente ou reabilitada surge como um desafio local ao estado ou uma defesa contra ele (CHABAL, 1992: 75-89; HERBST, 2000: 173-197). Entretanto, a associação da prática tradicional ou cultural à política de juventude violenta está intimamente ligada ao surgimento do estado pós-colonial nigeriano. O tradicional é um dos vários recursos por meio dos quais os grupos e os indivíduos têm tido acesso e se apropriado do estado desde a descolonização (BAYART, 1993; SKLAR, 1993). Como parte de repertórios mais vastos de domínio e diferença, práticas secretas e tradicionais fazem parte de discursos estabelecidos sobre versões rivais de legitimidade e classificação étnica (IGWARA, 2001). Integradas em discursos locais e nacionais, são trajetórias de rotina, que contribuem para a constituição da juventude como categoria relacional (GORE & PRATTEN, 2003: 239).

O presente artigo enfoca (até 2003) os conflitos em que se tem envolvido a juventude em Sagamu, capital de Ijebu-Remo (referido no artigo, a partir deste ponto, simplesmente como Remo), no Sudoeste da Nigéria, onde se fala o idioma iorubá, e onde o termo “iorubá” designa tanto uma identidade lingüística como uma identidade étnica, ou nacionalidade, distinta das de outras populações da Nigéria. Este artigo defende a idéia de que o surgimento da política de juventude nas décadas de 50 e 60 buscou apoio em discursos pré-coloniais. Ela foi intimamente associada ao desenvolvimento da identidade política pós-colonial, e antifederal, de Remo, que foi cada vez mais representada pela parcela da elite iorubá associada ao Grupo de Ação (Action Group) liderado por Obafemi Awolowo e aos partidos políticos que sucederam a este. A política de juventude serviu para legitimar e, ao mesmo tempo, controlar essa elite política e social local. Mas serviu também para muitos rapazes como porta de acesso à política formal e às carreiras administrativas e empresariais.

No entanto, desde o declínio econômico e político da Nigéria em meados da década de 80, essa mobilidade social tornou-se mais difícil. Fortes sentimentos de exclusão econômica, reforçados pela marginalização dos políticos de língua iorubá associados com a herança de Awolowo na política nacional entre 1993 e 1999, contribuíram para um fortalecimento do sentimento étno-nacionalista entre os iorubás, que se exprime justamente por meio da reinvenção e da utilização sigilosas de práticas culturais tradicionais, e mais e mais pela definição da identidade local dos iorubás por meio de um discurso étnico. Entretanto, as estratégias da juventude no combate à exclusão social permanecem, em sua maior parte, individualistas, e a rivalidade e o conflito na disputa pelos recursos locais e nacionais têm provocado furiosas lutas entre grupos.

A política local de juventude está intimamente associada aos interesses conflitantes da elite regional iorubá, que é constituída por uma rede de relações pessoais entre políticos, chefes tradicionais, e outros empresários, cujas malhas são, ao mesmo tempo, cerradas e inconstantes. Enquanto a política local de Remo tem sido dominada por Obafemi Awolowo e seu legado político antifederal, outras facções da elite étno-regional têm cooperado com os interesses federais. Em Remo, tanto a política de juventude quanto a política de elite apoiaram e legitimaram tradicionalmente uma a outra, embora a coesão política entre esses grupos, e dentro deles, tenha sofrido um declínio desde o retorno à democracia em 1999. As implicações desse processo ainda não estão claras, mas parecem intimamente vinculadas ao futuro do étno-nacionalismo iorubá em geral.

Além de pesquisa em arquivos e bibliotecas, este artigo baseia-se em trabalho de campo e entrevistas realizadas em Remo e no estado de Ogun entre 1996 e 2002. Durante minha mais recente viagem de pesquisa em 2002, o Chefe2 Lateef A. Sodeinde, membro do Orò de Remo, líder de grupos de vigilantes, e presidente da facção majoritária do OPC (Oodua Peoples’ Congress, “Congresso do Povo de Oodua”), mostrou-se de uma ajuda inestimável. Eu consegui conversar com alguns de seus oponentes durante a pesquisa, mas as duas últimas partes desse trabalho invariavelmente representam um ponto de vista muito mais fortemente influenciado por Sodeinde e seus partidários do que por seus oponentes. Como essas seções tentam analisar as forças por trás da rivalidade e da violência locais, eu as considero, entretanto, uma contribuição valiosa para este artigo.

 

A criação de uma política de juventude

Remo é uma região montanhosa contendo cidades de porte médio e centros de população menores, situada entre as grandes metrópoles de Lagos e Ibadan. Corresponde ao antigo distrito extremo-oeste do reino de Ijebu (um reino pré-colonial). Como em muitas outras áreas de língua iorubá, no século XIX, cada cidade de Remo era administrada por um chefe tradicional ou oba, cuja posição de poder foi, posteriormente, fortalecida por meio da integração na administração local estabelecida pelo governo colonial britânico. Mais tarde, graças a uma outra integração (menos formal) da política dos chefes tradicionais com a política partidária moderna, durante a descolonização, o Action Group - AG (Grupo de Ação - AG), liderado pelo político Obafemi Awolowo, nascido em Remo, tornou-se o partido político “normal” em Remo na década de 50.3 Essa nova identidade política foi intimamente ligada ao crescimento do apoio político local ao oba de Ofin (o bairro dominante na capital, Sagamu), que porta o título oficial de Akàrígbò (NOLTE, 2003).

Localmente, a descolonização da política nigeriana foi representada, de forma freqüente, como um conflito entre a juventude instruída e os “elders” tradicionais.4 Mas essa representação esconde os laços íntimos e a pouca diferença, em âmbito de educação moderna, entre as elites respectivamente engajadas na política das chefias tradicionais e na política partidária moderna.5 Também esconde o fato de que os obas de Remo, legitimados pela tradição, popularizaram a política partidária, ao mesmo tempo que os líderes da política partidária influenciaram a escolha de obas e outros chefes.

Processos semelhantes ocorreram em outros lugares da Nigéria Ocidental e Setentrional, onde as autoridades tradicionais desempenharam importantes papéis nos períodos pré-colonial e colonial (SKLAR, 1963). 6Por meio de uma assimilação recíproca de elites em Remo, as elites tradicional e política uniram-se para apoiar o AG de Awolowo na década de 50.

Em si própria, a continuação da influência dos chefes tradicionais sobre a política pós-colonial de Remo não ocorreu apenas em virtude da assimilação das elites políticas tradicionais e partidárias (fenômeno comum a várias regiões da Nigéria), mas também em decorrência do projeto de Obafemi Awolowo de criar uma política da nação definida em termos políticos. Como os obas fazem remontar o estabelecimento de seus reinos ao mítico herói fundador Oduduwa, esses obas foram vistos como capazes de exercer um papel importante na criação de uma moderna nação como “comunidade imaginada” (ANDERSON, 1983). Embora esse projeto não tenha tido êxito quanto ao estabelecimento de uma unidade duradoura, acima das divisões herdadas da história, entre as diversas elites locais, ainda assim causou a ampliação do papel cultural e político dos obas dentro do emergente bloco étno-regional constituído pelas populações de língua iorubá - embora sem, com isso, conseguir amalgamar as facções internas desse bloco.

Em Remo, a inclusão de elites tradicionais locais na política partidária também contribuiu para uma recriação de categorias relacionais mais antigas, representando a juventude como protetora moral da comunidade.7 Como a autoridade ex-officio dos obas foi reduzida e muitos deles decidiram se candidatar a cargos políticos, os obas e outros chefes tradicionais de Remo estimularam a renovação de certas associações cívicas que haviam sido importantes no período imediatamente pré-colonial, a fim de, com isso, mobilizar apoio político. A mais ativa entre essas associações era o Orò, uma associação cívica - formada apenas por homens - que era, hierarquicamente, a menos elevada das duas organizações que se responsabilizavam pela execução dos criminosos da cidade8.

Representando a voz geral dos ancestrais, Orò decapitava suas vítimas e era também responsável por proteger a comunidade contra a feitiçaria. As mulheres eram proibidas de observar as manifestações (“saídas na rua”) do Orò, e a liderança da associação era restrita aos homens de um certo número de famílias locais. Entretanto, todos os cidadãos masculinos podiam participar das “saídas” do Orò e de seu festival anual. Dentro da cidade, o festival Orò atuava como nivelador da condição masculina e como uma fonte de solidariedade e união entre os homens (OGUNBA, 1967: 150). Além de celebrar a solidariedade masculina, Orò também tinha uma tradição de denunciar publicamente e punir aqueles que fossem considerados culpados de solapar a coesão da cidade. Quando o papel da política partidária expandiu-se durante as décadas de 40 e 50, a tradição Orò de escarnecer, denunciar e, até mesmo, punir fisicamente aqueles designados como adversários foi revivida e convertida em pressão contra os rivais políticos e oponentes do AG. Em muitas cidades, os mesmos homens eram simultaneamente militantes do AG e membros do Orò (L. A. SODEINDE, 23.08.02). Dessa forma, a ampliação da participação política durante os anos 50 estabeleceu as atividades políticas da juventude como veículos do fervor nacionalista e de novas aspirações educacionais, e, ao mesmo tempo, como a voz da autoridade política e moral dos ancestrais, exercida através da associação Orò.9

 

Política de juventude e de elite em Remo

Na momento da independência, em 1960, o AG, liderado por Obafemi Awolowo, permaneceu em oposição ao governo federal da Nigéria, e a vida política de Remo concentrou-se cada vez mais em uma forte desconfiança em relação à agenda do poder federal. Essa desconfiança foi confirmada em 1962, quando o AG dividiu-se e Obafemi Awolowo foi deposto por seu rival Ladoke Akintola, o qual contava com o apoio do governo federal. Nas eleições federais de 1964, o grupo de Akintola fez campanha como Partido Democrático Nacional Nigeriano (NNDP), enquanto a oposição formou a United People’s Grand Alliance -UPGA.

Durante essa divisão da vida política, as elites de Remo e os grupos de jovens permaneceram firmemente associados a Awolowo. Os partidários da UPGA em Remo começaram a levar consigo folhas de palmeiras em alusão ao símbolo do Action Group, a palmeira. Como símbolo cultural, isso se referia à criação dos espaços sagrados para a adoração dos òrìsà (divindades tradicionais dos iorubás), bem como à demarcação dos bosques do Orò e de outras associações que se manifestam através de cerimônias em que aparecem figuras mascaradas. Práticas culturais tradicionais tornaram-se uma característica marcante da política de juventude. O partido de Awolowo tornou-se - pelo menos na imaginação popular em Remo - uma força espiritual local. O fato de que muitos homens eram ao mesmo tempo militantes do AG/UPGA e membros do Orò refletia-se no apoio, especialmente com relação a medidas de segurança, dado por muitos grupos do Orò, a manifestações noturnas de caráter político partidário (A. ADEKOYA, 04.08.02). As canções de luta compostas antes das eleições na Região Oeste da Nigéria remetiam à imagem da palmeira:

 

Egbé olópè l’awa o se o,
egbé olópè l’awa o se o,
àyà wa ò já,
àyà wa ò já,
egbé olópè l’awa o se o!
Nós somos a associação da palmeira (duas vezes),
Não temos medo (duas vezes),
Nós somos a associação da palmeira!

Essa canção, em particular, não apenas ilustrava a assimilação de política partidária ao universo político da tradição local, como também fazia alusão textual à emergente vontade política de usar a violência. O verso àyà wa ò já (“não temos medo”) não somente expressava a prontidão dos cantores para a batalha, como fazia alusão a esta pelo uso de uma expressão que rimava - com tons silábicos contrastantes (a língua iorubá é uma língua tonal) - com o termo jà (lutar).10

As eleições de 1965 foram de extrema importância pelo fato de as eleições federais de 1964 terem sido boicotadas pela UPGA. Quando o governo falsamente proclamou que a UPGA perdera essa eleição, fortes tensões acumuladas explodiram. Nos dias e nas semanas seguintes, os jovens politicamente ativos tornaram-se os líderes de uma revolta popular, à qual se somaram pessoas de ambos os sexos e diferentes níveis socioeconômicos (ANIFOWOSE, 1982: 230-231).

Uma multidão enraivecida incendiou a infra-estrutura estatal, as casas e outras propriedades de membros do partido NNDP. A violência foi direcionada a todos que fossem vistos cooperando com o NNDP, e líderes desse partido foram assassinados nas cidades de Iperu, Ikenne e Sagamu, em Remo. O Oba Abimbolu de Ode Remo, que havia se filiado ao NNDP por ambição pessoal, foi expulso de sua cidade (Nigerian Tribune, 29.11.65). A violência foi planejada pela UPGA e, por causa do uso de gasolina na destruição de pessoas e propriedades, os ataques foram denominados “Operation Wetie (Wet It)”. Durante toda a crise, os militantes partidários e as associações tradicionais cooperaram sistematicamente. Muitos dos que foram mortos foram decapitados, uma marca tradicional das execuções Orò.

Com essa deterioração da situação política, muitos começaram a temer que Ijebu e Remo pudessem ser bombardeados pelo governo federal. O referido governo era visto como dominado por interesses políticos pertencentes, sobretudo, ao norte da Nigéria. Suspeitava-se de que houvesse uma quinta-coluna em Remo constituída não somente por partidários do NNDP, mas também por imigrantes e muçulmanos, vindos das regiões setentrionais da Nigéria e estabelecidos em Sagamu. Essa suspeita foi reforçada pelo fato de que os líderes de Sabo (o bairro dos imigrantes em Sagamu, sob a autoridade do Akàrígbò) haviam começado a pressionar o NNDP para obter a reclassificação de Sabo como cidade independente. Isso foi percebido como uma ameaça à unidade e à identidade de Remo (T. ADEDOYIN, 05.08.02).

Num ataque contra as aspirações políticas de Sabo, a juventude do AG e da UPGA, bem como as associações Orò, em Sagamu, planejaram uma operação denominada em código como “Operação Salvação”: do início de dezembro de 1965 em diante, muitas casas de imigrantes do norte estabelecidos em Sabo foram destruídas, e alguns desses imigrantes foram queimados vivos, enquanto outros foram decapitados por Orò. Os ataques em Sabo tanto marcam como significam o fim da Primeira República. Antes do golpe militar anti-NNDP de janeiro de 1966, a polícia e o poder judiciário não conseguiram controlar a crise, e um grande número de imigrantes nortistas muçulmanos fugiu de Remo por temer a morte (Nigerian Tribune, 17.12.65).

Dessa forma, nas décadas de 50 e 60, a política de juventude passou por um processo no qual práticas culturais tradicionais foram identificadas com o partidarismo político e vice-versa. Numa reinterpretação moderna de atitudes pré-coloniais, Orò foi intimamente associado à defesa da união moral-política da comunidade. As atividades do Orò também refletiram as mudanças na imagem que a comunidade tinha de si própria. A não ser as instituições coloniais, não tinha havido cooperação política institucionalizada unindo todas as cidades de Remo desde o século XIX. As atividades do Orò, em cada cidade, mantiveram-se independentes umas das outras até 1965, quando se uniram contra o que foi visto como um inimigo comum. Após esse ano, a cooperação das associações Orò tornou-se uma característica de política de Remo, e, de 1972 em diante, as 37 associações Orò de Remo passaram a reunir-se regularmente no palácio do Akàrígbo Moses Awolesi em Ofin (L. A. SODEINDE, 23.08.02). Como membro eminente do AG, oba de Remo, e também membro da poderosa família Liyangu (uma das famílias com direito de pleitear o título de oba) à qual Hannah Awolowo - a esposa de Obafemi Awolowo - também pertencia, Awolesi representou e encarnou aspectos centrais da identidade política local.

A transformação do Orò em instituição da política popular de Remo não somente refletiu a crescente coesão política da área, como também demonstrou que essa coesão baseava-se na percepção de diferenças étno-regionais e religiosas. O apoio político a Awolowo também refletiu um forte ressentimento contra a exclusão dos interesses de Remo da esfera do poder federal nigeriano, e contra o setor da elite regional que era visto como subordinado aos interesses do governo federal. Através das atividades do Orò, aquela exclusão foi recriada em âmbito local, embora com relações de poder invertidas. Os “nativos” de Remo - definidos por seu acesso potencial ao Orò ou por sua concreta participação neste - viam-se como “donos” da política de Remo, enquanto os imigrantes vindos das regiões muçulmanas do norte da Nigéria eram vistos como pessoas que deviam ser excluídas daquela política. Por essa razão, em 1972, Sabo tornou-se a única área de Remo que não tinha nenhum representante nas assembléias do Orò no palácio do Akàrígbò. Durante as décadas de 70 e 80, visitas regulares pelas associações regionais de Orò, lideradas pelo Orò de Ofin, provaram aos habitantes de Sabo que o Orò expressava as relações locais de poder e controle.11

Como os partidos políticos foram interditados durante a maioria dos anos do regime militar, disputas locais continuaram, freqüentemente, a ser expressas por práticas culturais tradicionais. Entretanto, como após 1966 o Orò ficou cada vez mais associado à identidade coletiva de Remo e à exclusão dos imigrantes nortistas, as competições políticas da juventude entre cidades ou partidos políticos distintos passaram, muitas vezes, a assumir formas culturais tradicionais diferentes do Orò, como o ritual dos mascarados Egúngún.12 Um Egúngún “do AG”, isto é, um mascarado encarnando o espírito de um ancestral envolto em panos estampados com o retrato de Obafemi Awolowo, palmeiras e slogans daquele partido político, tornou-se aparição freqüente em muitas cidades durante esses anos.

Durante a Segunda República (1979-1983), Remo, mais uma vez, uniu-se para apoiar o Unity Party of Nigeria - UPN (Partido Nigeriano da Unidade), liderado por Awolowo.13 A política cotidiana caracterizou-se por disputas em torno da escolha dos candidatos da UPN aos cargos eletivos, e por outras formas de política personalista. Nesse contexto, as “saídas” à rua de mascarados Egúngún foram associadas a esse tipo de política, e freqüentes conflitos entre mascarados Egúngún ocorreram durante comícios políticos e votações para escolha de candidatos. De fato, ao se aproximarem as eleições de 1983, as saídas de mascarados Egúngún haviam se tornado tão grande fonte de desordem que todas as facções políticas concordaram em parar de enviá-los aos comícios de seus oponentes políticos (Daily Times, 30.07.83).

Nos termos dessa política personalista, a Segunda República foi caracterizada pela reciclagem de antigos protagonistas e pela reabilitação da facção pró-Awolowo dentro da política iorubá (um processo que já tinha começado sob o regime militar). Como, para muitos, desde a década de 60, a figura de Awolowo tinha passado a representar o sonho da união política de todos os iorubás, seu respaldo conferiu, ou pelo menos confere agora, de modo retrospectivo, a mais alta legitimidade possível às atividades políticas da juventude de Remo e aos seus líderes. Muitos dos líderes da juventude da época da Segunda República mostraram-se capazes de tirar partido dos contatos políticos que tinham feito nessa época durante as décadas seguintes. E também, graças às qualificações educacionais que procuraram obter, assim como ao acesso à educação que realmente tiveram, estabeleceram-se com sucesso como homens de negócios ou como políticos locais. Por exemplo, Dipo Odujinrin, um líder da juventude de Remo que se tornou advogado na década de 60 e passou a de 70 trabalhando para vários empreendimentos comerciais de investidores ligados a Awolowo, foi eleito ao senado estadual em 1983.14 Dessa forma, de 1950 até meados da década de 80, as atividades políticas da juventude de Remo funcionaram, para muitos jovens ambiciosos, como um ponto de partida para carreiras promissoras de administradores, homens de negócios e políticos.

Em direção inversa, as atividades políticas da juventude de Remo legitimaram as elites tradicionais, bem como as elites político-partidárias locais. O atual líder da juventude e do Orò de Sagamu, Chefe Lateef A. Sodeinde (entrevistado em 23.08.02), afirma que o próprio Obafemi Awolowo era o homem que agia “por trás” das atividades da UPGA e da juventude Orò naquela época. Sendo assim, os atos de violência exercidos pela juventude foram úteis aos beneficiários do novo cenário político local, o que fez da juventude engajada em militância político-partidária e dos grupos Orò uma poderosa ferramenta nas mãos da elite política de Remo. Como mostra a agressão contra os partidários do NNDP em Remo, em 1965 e 1966, a violência da juventude foi direcionada contra aquelas elites locais que eram consideradas como se estivessem agindo contra a frente unida da região e - implicitamente - contra a existente hierarquia tradicional e política. Em apoio à orientação etnista cada vez maior da política partidária de Awolowo, as atividades políticas da juventude não apenas apoiavam a política de elite tradicional de raízes pré-coloniais, como também se apropriavam de discursos culturais pré-coloniais não restritos a essa elite, na forma do Orò e do Egúngún. O Orò, em particular, tornou-se vinculado à definição da identidade local, em termos de um discurso cada vez mais etnicista, e à exclusão dos imigrantes cuja língua maternal não fosse o iorubá.

Dessa forma, a criação de uma identidade pan-iorubá tornou-se um projeto local compartilhado pela juventude e pelas elites de Remo. Entretanto, apesar de seu grandioso objetivo, esse processo permaneceu nitidamente local, pois Orò não é uma instituição pan-iorubá. De fato, a importância do Orò na política de Remo indica que o projeto político pan-iorubá não foi implementado, de maneira uniforme, por toda a Nigéria Ocidental. Sua associação íntima com lideranças locais também chama a atenção para as divisões internas da elite regional, potencialmente mobilizável para a liderança do projeto.

 

Marginalização política e econômica: a política de práticas culturais e segredo

Após o retorno do regime militar em 1983 e a introdução das políticas de Ajuste Estrutural em 1986, o uso da tradição e de práticas culturais para mobilização da juventude ganhou uma importância local ainda maior. Esse passo em direção a um uso maior de práticas culturais tradicionalmente cercadas de segredo refletiu uma mudança de tipo de clientela: com a economia em recessão e os governos militares das décadas de 80 e 90 cada vez mais vistos como anti-iorubá, a política da juventude tornou-se, cada vez mais, um refúgio para aqueles que se sentiam excluídos das oportunidades educacionais, políticas e econômicas, que compartilhavam uma sensação de sofrimento e de estarem sob ameaça, bem

como que se reuniam para defender suas comunidades, uma já que a polícia tornava-se, cada vez mais, incapaz de controlar o crime na região. Como em muitas partes da Nigéria, onde movimentos de grupos de vigilantes conseguiram se estabelecer com sucesso (GORE & PRATTEN, 2003: 211; HARNISCHFEGER, 2003: 24, 28-30; UKIWO, 2002: 40), em Remo a polícia federal era, há muito tempo, considerada pelos habitantes locais como corrupta e incapaz de manter a segurança. Quando as oportunidades econômicas diminuíram e os índices de criminalidade no estado de Ogun e, principalmente, ao longo da rodovia Lagos-Ibadan em Remo elevaram-se, muitas comunidades expressaram indignação por sua vitimização. Em resposta às reclamações, o governo federal encorajou as administrações locais a estabelecerem regulamentos que legalizassem grupos de vigilantes sob o controle dos obas (Daily Times, 12.09.86). De 1986 em diante, grupos de vigilantes foram estabelecidos em todas as cidades de Remo. Em meados da década de 90, os vigilantes começaram a matar, em Remo, aqueles que consideravam culpados (The Guardian, 17.09.96). Os corpos das pessoas executadas eram geralmente decapitados e depois queimados, bem como abandonados nas margens das estradas como advertência.

Em virtude do vasto apoio público aos grupos de vigilantes, a polícia não conseguia impedir o fortalecimento desses grupos, embora, a princípio, eles estivessem organizados apenas em escala local e limitassem suas atividades a determinados bairros de certas cidades. Uma queixa a propósito de atividades feita em 1996, pelo delegado de polícia local, foi recusada pelo Conselho Tradicional de Remo sob a alegação de que, ao contrário dos vigilantes, a polícia tinha o hábito de aceitar suborno para permitir a fuga de criminosos (Ikenne Local Government File 124, 16.10.96). Além disso, como conseqüência da indignação pública diante do assassinato de uma mãe e seu filho por assaltantes armados em Sagamu, em 1997,15 a polícia foi cada vez mais considerada como relutante em proteger os habitantes locais. Na qualidade de instituição federal, a polícia era vista como parte do aparato estatal de controle e discriminação manipulado pelo ditador Abacha, e os policiais, que, em sua maioria, não sabiam falar, eram cada vez mais acusados de preconceitos étnicos. Assim que a história do assassinato espalhou-se, as empresas locais e as famílias de melhor posição começaram a apoiar financeiramente os vigilantes,16 e estes começaram a coordenar suas atividades em toda a região de Remo.

Enquanto muitos vigilantes autodenominavam-se ode ou “caçadores”, evocando, assim, tradicionais noções de segurança comunitária, eles freqüentemente eram “flanelinhas” e rapazes desempregados que tinham crescido no período do declínio da qualidade da educação a que tinham acesso, quando esta foi reprivatizada em toda a antiga Região Ocidental da Nigéria. Mesmo para aqueles rapazes jovens que haviam concluído o ensino médio e até o universitário, as oportunidades nos setores privado e público diminuíam em decorrência de uma queda nos preços internacionais do petróleo, da má-administração das receitas dentro da Nigéria e da imposição de políticas neo-liberais de ajuste estrutural. Entretanto, graças ao apoio público e ao preço relativamente baixo das armas de mão no mercado internacional (AMUSAN, 2001: 65), os jovens que aderiram aos (cada vez melhor armados) vigilantes começaram a excluir, sistematicamente, a polícia das cidades de Remo à noite.

O apoio local aos vigilantes também se fundamentou na crença de que eles tinham à sua disposição formas mágicas de detecção e segurança que protegeriam o inocente, um sentimento compartilhado por outras comunidades nigerianas (HARNISCHFEGER, 2003: 30-35; GORE & PRATTEN, 2003). Em Remo, essa proteção mágica era ganha através de uma íntima cooperação dos vigilantes com o Orò. Embora os grupos de vigilantes e os grupos Orò não se tornassem idênticos, muitos rapazes jovens ou eram membros de ambas as organizações, ou eram membros de uma, porém cooperavam informalmente com a outra. Assim, muitos dos jovens envolvidos nas atividades dos vigilantes usavam amuletos de origem Orò para sua proteção espiritual. Os vigilantes também adotavam outras técnicas culturais, associadas a rituais de mas carados mas não ao Orò, para proteção espiritual: eles começaram a usar roupas especiais - pretas - e a falar num idioma secreto, que era ininteligível àqueles que não foram iniciados (L. A. SODEINDE, 23.08.02). Da mesma forma que o Orò, os grupos de vigilantes eram endossados e apoiados por políticos locais, assim como chefes tradicionais.

Após a anulação da eleição de Abiola à Presidência da Nigéria, em 1993, o antifederalismo, mais uma vez, tornou-se uma importante plataforma de união política. E, exatamente como durante a década de 60, a frustração pela exclusão dos interesses do poder foi expressa, por meio da associação secreta Orò, através da intimidação daqueles que estivessem associados ao governo federal. Freqüentes “saídas” à rua do Orò dirigiram-se a Sabo durante 1993, o que resultou em, pelo menos, um violento conflito com a juventude imigrante de origem nortista. Em 1994, após a captura e a prisão de Abiola pelo governo de Sani Abacha (um nigeriano do norte), um empresário e clínico geral estabelecido em Lagos, Dr. Frederick Faseun, fundou o Oodua Peoples’ Congress - OPC, a fim de salvaguardar os interesses étnicos dos iorubás dentro da coalizão ampla dos grupos de oposição ao governo federal. Quase imediatamente, seções do OPC foram fundadas em Remo. Embora alguns líderes locais do OPC pertençam a famílias relativamente prósperas, e embora os militantes de base do OPC não pertençam, de maneira exclusiva, a camadas socioeconomicamente desprivilegiadas da população, a maioria dos ativistas do OPC vem dos mesmos níveis sociais a que pertencem os vigilantes e os membros do Orò (MAIER, 2000: 230).

De novo, cooperação entre o OPC, o Orò e os vigilantes, bem como participação simultânea nessas organizações pela juventude e seus lideres, prevaleceu na política de resistência ao governo federal durante esse período de ditadura militar. O coordenador do OPC (facção Faseun) em Sagamu, Chefe Lateef A. Sodeinde, também participa, de forma regular, das assembléias do Orò no palácio do Akàrígbò. Vínculos pessoais e organizacionais com a elite local foram estabelecidos desde cedo, e o OPC - assim como o Orò e os grupos de vigilantes - operou com o conhecimento e o apoio do novo Akàrígbò, Michael Sonariwo, que tomou posse em 1990 com o apoio de Hannah Awolowo (L. A. SODEINDE, 23.08.02).

A continuação de fortes vínculos entre as elites de Remo e sua juventude politizada, durante as décadas de 80 e 90, mostra que a recriação pós-colonial de antigas categorias relacionais de “juventude” e “elders” continuou por todo esse período. Como os grupos de jovens locais, assim como os vigilantes e o OPC, tornaram-se permanentemente militarizados, seus líderes adotaram, quase sempre, ”nomes de guerra” ligados a tradições bélicas e pré-coloniais que datam do século XIX. Entretanto, enquanto, durante a maior parte do século XIX, a rivalidade e a competição pessoal entre os chefes militares enfraqueceu e dividiu os obas de Remo, pelo contrário, a militância política pós-colonial da juventude não desafiou a união política local; integrou-se a esta para resistir a uma ameaça externa.

A captura e a prisão de Abiola, em 1994, foram seguidas por diversas greves de grande impacto em toda a Nigéria, enquanto muitas cidades de Remo reagiram à crise mobilizando o Orò. Este, o OPC e os vigilantes cooperaram na triagem de não-nativos e dissidentes. Ônibus e carros foram parados, e, mais uma vez, grupos de imigrantes e viajantes vindos do Norte da Nigéria, bem como outras pessoas consideradas associadas a Abacha, foram insultados e espancados (Daily Sketch, 20.07.94). Quando Faseun foi aprisionado, em 1996, o OPC passou à clandestinidade, e as atividades secretas tornaram-se ainda mais centrais ao programa de todos os grupos de juventude politicamente militantes. Isso se refletiu na recusa em discutir publicamente, ou cara a cara com estranhos, a estrutura e os membros do OPC, e também no uso de recursos espirituais para assegurar a solidariedade entre os membros do grupo.

O sigilo que envolve o Orò, os vigilantes e o OPC também teve o efeito de impedir fortemente as mulheres de participar dessas organizações. Ainda assim, embora não houvesse participantes do sexo feminino no Orò ou nos grupos de vigilantes, mulheres participavam do OPC - mas elas eram normalmente excluídas da participação em conflitos físicos. Tudo isso refletia o fato de que a diminuição de oportunidades econômicas e de patrocínio afetavam, em particular, os rapazes, enquanto, para as moças, era muitas vezes possível estabelecerem-se como amantes ou esposas de homens de situação mais abastada que as sustentavam ou as ajudavam.17 A implementação estratégica de tradições culturais ocorreu, então, com tendência a uma masculinização indireta da cultura e da tradição. No momento em que escrevemos este artigo, sua exclusão das principais formas de protesto não é considerada relevante pelas principais organizações femininas de Remo, e pode não durar muito (E. ADEKOYA, 04.08.02). Ainda assim, essa exclusão contrasta com o fato de que Hannah Awolowo teve intensa atuação na política de Remo ao longo de décadas. E contrasta, também, com a participação de grupos de mulheres nos conflitos políticos do passado (DENZER, 1994), bem como com a participação de mulheres em conflitos étno-nacionalistas e na política de juventude em outras partes da Nigéria; por exemplo, no Delta do Níger (UKEJE, 2002).

Enquanto as atividades do Orò, dos vigilantes e do OPC contêm fortes referências à cultura e à tradição, elas, muitas vezes, não refletem o passado, mas são adaptações modernas e provavelmente bastante alteradas de práticas culturais mais antigas. Muitas dessas práticas também são nitidamente não-elite, ou seja, não associadas, de modo direto, à autoridade dos obas e de outros chefes políticos tradicionais, mas ligadas, sobretudo, à autoridade dos sacerdotes tradicionais e dos mestres de rituais, assim como de associações cívicas. Como os guerreiros do século XIX, os membros do OPC protegem-se com jùjú (amuletos), aos quais é atribuída a capacidade de torná-los invulneráveis a balas. Outras práticas culturais tradicionais incluem juramentos, participação na divinação Ifá e adoração de certos òrìs´à ou divindades tradicionais. A tatuagem usada como identificação pelos membros do OPC é o Odù Ifá (verso dos textos divinatórios Ifá) Èjì Ogbè, que indica grandes possibilidades (A. ADEKOYA, 04.08.02).

Durante os anos de regime militar nas décadas de 80 e 90, o crescente uso do sigilo e de práticas culturais tradicionais refletiu o desenvolvimento de uma forma específica e localizada de nacionalismo étnico, no qual a prática cultural local do Orò misturou-se a conceitos de defesa comunitária, bem como às aspirações e à política pan-iorubás do OPC. O sigilo certamente fez parte das estratégias utilizadas para “anular” a exclusão do poder vivenciada em âmbito federal (GORE & PRATTEN, 2003: 239). Entretanto, diferentemente dos estudos de caso no Delta do Níger e na Nigéria Oriental discutidos por GORE e PRATTEN (2003) e por HARNISCHFEGER (2003), em Remo, as práticas secretas da juventude tinham uma dimensão adicional: elas eram aprovadas e apoiadas por uma elite local e tradicional submetida a pressões, visando focá-la a dar público apoio ao governo federal.

Embora chefes tradicionais, como o Akàrígbò, apelassem publicamente pela solução pacífica dos conflitos (National Concord, 17.03.97), esses chefes sentiam-se indiretamente fortalecidos vis-à-vis o governo regional e o governo federal pelos atos de violência praticados pela juventude. O Orò, os vigilantes e o OPC eram uma evidente ameaça a qualquer líder local que se sentisse tentado por ofertas partidas do governo federal, e eram, assim, uma força de apoio às hierarquias locais existentes. Além do mais, eles demonstravam ao mundo exterior que as elites de Remo - e a herança pró-Awolowo que estas representavam - gozavam de robusto apoio local e de legitimidade aos olhos das camadas populares.

A continuada influência dos chefes tradicionais sobre as atividades políticas da juventude de Remo, e de outras regiões, reflete a também continuada atração exercida pelo projeto pan-iorubá durante as décadas de 80 e 90. A associação da autoridade tradicional com autenticidade e legitimidade possibilitou representar a oposição política ao governo federal como uma política de resistência a perseguições de fundo étnico ou cultural. Como parte da herança política de Awolowo, a qual continua sendo cuidadosamente administrada desde sua morte em 1987, o apoio a essa política foi fortalecido ainda mais pelo fato de que a opinião pública continuou, em grande parte, a considerar os interesses como excluídos da agenda do governo federal.

O apoio direto e indireto do Orò, dos vigilantes e do OPC às autoridades tradicionais de Remo também se tornou parte da termino logia do discurso político nigeriano em geral. Valendo-se, freqüentemente, de critérios de atribuição vagos e duvidosos, as atividades políticas da juventude permitiram que os políticos descrevessem as complexas relações entre as várias facções das elites e outros grupos de interesse como conflitos entre - de um lado - a autenticidade cultural, a responsabilidade e a identidade (e até mesmo a sociedade civil) e - do outro lado - a corrupção estatal, o interesse militar e a arrogância federal. Entretanto, o enraizamento de práticas de segredo, e de outras práticas ditas tradicionais, no discurso político nigeriano bloqueou a avaliação crítica da herança histórica dessas mesmas práticas, bem como do uso de heranças históricas para exprimir os modernos descontentamentos político-sociais das elites vigentes e da juventude.

 

Orò, imigrantes vindos do Norte, e violência étno-religiosa: a política de identidade

Desde a década de 90, a atividade da juventude tem sido intimamente associada à violência étnica e religiosa, bem como a outras formas de violência popular em muitas partes da Nigéria (MAIER, 2000). Esse fenômeno está ligado à maneira particular de inserção dos homens jovens na intensa competição por influência entre os blocos étno-regionais da Nigéria. Entretanto, reflete também a crescente desigualdade econômica dentro do país e a importância cada vez maior, até mesmo de nichos econômicos marginais (UKIWO, 2003: 134). Em Remo, durante a década de 90, como resultado do sentimento antifederal, as relações entre os habitantes locais e os imigrantes do norte tornaram-se ainda mais tensas e mais ameaçadas por atos de violência praticados pela juventude. Em 1997, um conflito econômico a respeito do transporte de óleo cru aumentou ainda mais a tensão entre os dois grupos.

Sob o patrocínio de Alhaji Wada Nas, um consultor especial do General Abacha, um armazém para produtos de óleo cru havia sido instalado em Mosimi (sul de Sagamu). Um parque de “veículos de reboque”, em que os caminhões-tanque que transportavam os produtos de petróleo de Sagamu para a Nigéria setentrional esperavam sua vez, foi construído na vizinha Kara (New Nigerian, 23.12.96). Contudo, tanto o armazém de Mosimi quanto a National Union of Road Transport Workers - NURTW (União Nacional de Trabalhadores do Transporte Rodoviário - (NURTW) no parque de reboques de Kara eram chefiados por um nigeriano do norte. Muitos habitantes locais sentiam que esse fato refletia a tentativa do governo de Abacha de manter o controle da receita do petróleo nigeriano totalmente nas mãos dos nigerianos do norte.

Multiplicaram-se as alegações de favoritismo aos nigerianos do norte no parque de reboques de Kara e em Mosimi. Os iorubás envolvidos no transporte de óleo alegavam que seus colegas nigerianos do norte furavam as filas de espera, que nem sempre os devidos pagamentos lhes eram integralmente cobrados, e que tinham acesso preferencial aos produtos de óleo mais procurados (L. A. SODEINDE, 23.08.02). Essas atitudes anti-nortistas mobilizaram, em particular, homens economicamente marginalizados que atuavam no Orò, nos grupos de vigilantes e no OPC, porque muitos deles trabalhavam como “flanelinhas”, ou motoristas, e eram membros da NURTW.

As queixas, a propósito do controle do transporte de óleo por nortistas em Kara e em Mosimi, ecoavam ressentimentos econômicos mais antigos. Embora Remo seja um grande produtor de noz de cola, os habitantes de Remo não têm controle sobre o mercado dessa noz. O comércio local de cola está firmemente nas mãos de nigerianos setentrionais que exportam o produto para o norte. Os preços da cola e, até mesmo, sua negociabilidade são determinados pela procura no norte. A recusa periódica dos compradores de cola a oferecer o preço de custo, ou qualquer preço, pelas nozes de cola tem gerado conflitos no mercado de Sabo desde os primórdios desse comércio no início do século XX. Os habitantes de Remo que atuam no comércio da noz de cola são, na maioria, mulheres que vendem esse produto em pequenas quantidades e também negociam em outros tipos de produtos agrícola. Embora seus prejuízos fossem de significância relativamente baixa do ponto de vista macroeconômico, eles atingiam um grande número de famílias e tornavam-se mais graves em períodos de declínio econômico, como a década de 90. Por isso, os ressentimentos das comerciantes de noz de cola amplificaram muito a repercussão nas camadas populares de Remo das reclamações a respeito do transporte de óleo (S. OKEOWO, 20.08.02).

Embora algumas famílias de imigrantes vindas do norte tivessem habitado Remo por mais de um século, os nortistas não somente continuaram sendo vistos como “pessoas de fora”, mas também foram cada vez mais classificados puramente nesses termos. Seus vínculos reais ou imaginários com o governo federal, e sua exclusão da hierarquia tradicional, bem como do nível popular da arena política nas formas que estes passaram a ter na Nigéria pós-colonial, impediram a integração dos nortistas à sociedade de Remo. Em virtude de seu relativo poder econômico, os nigerianos do norte eram vistos não só como beneficiários do governo federal, mas também como agentes da opressão. Todos esses fatores contribuíram para que, em Remo, os nortistas fossem percebidos como simples “inquilinos” que haviam, com a ajuda do governo federal, se tornado mais poderosos do que os “donos da casa” (S. OKEOWO, 20.08.02).

O isolamento real dos detentores de poder de Remo em relação ao regime de Abacha afetou tanto a elite tradicional quanto os vendedores nas feiras e os jovens. Apesar da popularidade do Akàrígbò Sonariwo, outro oba de Remo, o oba de Ijokun (outra área de Sagamu), usou a situação para aumentar seus meios de ação e expandir sua própria esfera de influência. Como Sabo havia sido estabelecida nas terras cultiváveis de Ijokun, a partir da metade da década de 90, ele tentou aumentar seu quinhão na renda do mercado de Sabo. Graças à prudência de ambas as partes e à pressão de outros líderes de Remo em favor de uma frente unida, esse conflito de interesses não se inflamou demasiadamente nem mobilizou a juventude politizada. Entretanto, o controle do Akàrígbò sobre Sabo foi um tanto enfraquecido, e o Orò de Ofin chegou a fazer algumas visitas a Sabo (relativamente pouco agressivas, após 1996).

As relações locais de poder foram afetadas de maneiras complexas após a morte do ditador Sani Abacha em 1998, e quando Olusegun Obasanjo foi eleito Presidente da Nigéria em fevereiro de 1999. Obasanjo era um ex-militar, e a maior parte do apoio que teve veio do norte e do leste da Nigéria. Entretanto, em julho de 1999, ele já estava sendo considerado por uma parte significativa da opinião pública como alguém que “marginalizava o Norte” (Abuja Mirror, 14-20.07.99). Simultaneamente, sua reputação em Remo e no restante do oeste da Nigéria começou a melhorar. A nova percepção das relações de poder, em âmbito federal, afetou os inúmeros conflitos em Remo de formas diversas. O Akàrígbò conseguiu terminar sua disputa com Ijokun em termos favoráveis a si próprio. Para confirmar o restabelecimento de sua autoridade sobre Sabo, ele anunciou que o Orò de Ofin iria lá em 18 de julho. Ao mesmo tempo, os homens e as mulheres de negócio de etnia, envolvidos no transporte do óleo e no comércio da noz de cola, começaram a ser mais agressivos em suas demandas econômicas vis-à-vis os nigerianos nortistas.

Na mesma época, vários estados da Nigéria setentrional tinham começado a discutir a introdução do código penal da Sharia (a lei islâmica) como lei estadual. A intensificação fervorosa da devoção islâmica funcionava, há bastante tempo, como uma crítica implícita à corrupção política no Norte da Nigéria, e, agora, tornava-se um desafio político ao novo governo federal. Essa atitude foi também adotada (com adaptação às circunstâncias locais) pelos muçulmanos nortistas que habitavam Remo. Quando a comunidade de Sabo foi informada da próxima visita do Orò, vários grupos de rapazes muçulmanos de origem nortista sentiram que deveriam defender sua área contra essa prática cultural não-islâmica. O Seriki Hausawa e outros líderes comunitários dos imigrantes, que tinham habitado Sabo por mais de uma geração, recomendaram cautela (H. B. SHEHU, 26.07.02). Mas muitos outros imigrantes nortistas, relativamente recém-chegados, não tinham consciência de que a ausência de visitas do Orò em anos recentes tinha sido somente devida à disputa entre o Akàrígbò e o oba de Ijokun. Em vez disso, achavam que Orò tinha parado de fazer visitas a Sabo porque já era um desacreditado ritual de feitiçaria, o qual “nada tinha a contribuir à sociedade” e “devia ser condenado” (M. N. Chindo, 19.07.02). De acordo com esse ponto de vista, um desafio ao Orò serviria à glória do Islã e, ao mesmo tempo, ajudaria a derrotar as tentativas de outros de se apropriarem do poder econômico dos muçulmanos habitantes de Sabo.

Em 18 de julho de 1999, em Sabo, um violento conflito ocorreu quando uma muçulmana Hauçá, em vez de se trancar em casa de janelas fechadas, viu passar os sectários do Orò (coisa tradicionalmente interditada a mulheres); ela foi brutalmente espancada por eles e morreu na mesma noite, em conseqüência disso. Na manhã seguinte, vários homens jovens de Sabo saíram às ruas portando armas de fogo e outras armas. Em seguida, penetraram na área de Sagamu conhecida como Ajegunle, e lá começou a luta entre eles e os “nativos” Sagamites (os “Sagamitas” de origem iorubá, variavelmente referidos como “Orò”, “OPC” ou “grupos de vigilantes”, e incluindo, de fato, membros de todos essas organizações). Mais tarde, a luta foi transferida para Sabo e levou à perda de muitas dezenas de vidas, bem como à destruição de muitas casas. Foram assassinadas entre 60 e 100 pessoas (The Guardian, UK, 20.07.99 e The Guardian, 23.07.99). A polícia interveio somente no segundo dia do combate, quando este já se travava em Sabo, o que confirmou percepções locais da polícia como força de intervenção pró-norte.

Nesse conflito de 1999, tanto a prática do Orò quanto a reação de Sabo mostraram claramente a identificação cada vez maior do conceito de “comunidade moral“ com práticas culturais mais amplas e com a etnicidade. O sentimento pan-iorubá - evidente na cooperação com o OPC - legitimou as atividades do Orò em Sabo, enquanto a política pan-islâmica associada com o Norte da Nigéria inspirou a resistência de Sabo ao Orò. Além disso, o conflito mostrou que a identidade étno-religiosa era cada vez mais considerada a base das oportunidades econômicas. Muitos habitantes nortistas deixaram Sagamu e, após o combate ter sido noticiado na imprensa nigeriana, a violência alastrou-se para várias das principais cidades do país, opondo os nigerianos do norte aos iorubás.

Em Remo, o conflito foi visto como um triunfo da juventude local, o qual confirmava que, na região, o acesso aos recursos e o controle destes pertenciam de direito aos “nativos” da região, isto é, aos iorubás. Sabo ficou confirmada como uma área habitada por “inquilinos” e subordinada aos “donos da casa” - os iorubás de Remo. Já em 2003, o presidente da NURTW de Kara era um nativo de Remo, e o administrador do armazém de Mosimi era também um iorubá. O controle do comércio da noz de cola no mercado de Sabo, antes exclusivamente reservado aos nigerianos do norte, estava agora aberto, em parte, à população local. Além disso, a autoridade do Akàrígbò sobre Sabo continuou sendo demonstrada por meio de práticas culturais locais. De um lado, o direito do Orò de visitar Sabo não é mais disputado. Do outro, o Seriki Hausawa de Sabo passou por uma cerimônia de instalação baseada em tradicionais práticas culturais dos iorubás vis-à-vis imigrantes muçulmanos, que lhe deu legitimidade como representante de Sabo no palácio do Akàrígbò. Assim, em 2000, ele recebeu do Akàrígbò o turbante que é o emblema dessa função, depois de ter sido ritualmente preparado para isso pelos representantes das associações cívicas de Ofin (H. B. SHEHU, 26.07.02).

Quatro dias após o fim do conflito de julho de 1999, um Acordo de Paz fora assinado no palácio do Akàrígbò (A. ADEKOYA, 20.08.02). O conflito de 1999 e sua resolução lançam muita luz sobre o relacionamento entre a política da elite local de Remo e a política da juventude. A derrota dos nortistas restaurou a estrutura hierárquica que correra risco de desmantelamento pelas ações de alguns obas durante a década de 90. Sabo voltou a estar sob o firme controle do Akàrígbò. Além disso, ao expressar de forma violenta os sentimentos anti-Norte, aos quais a elite tradicional só se podia referir de maneira indireta e discreta, os jovens mais uma vez reforçaram o poder da elite de Remo e de outros membros da facção pró-Awolowo da elite iorubá, ao demonstrar o apoio popular de que gozavam esses setores da elite.

Além do mais, por sua maneira de participar nas negociações de paz no palácio do Akàrígbò, Orò e outros grupos criaram a ilusão de que a violência local nada tinha a ver com a elite tradicional. O Akàrígbò pôde ser visto como figura de paz. Ficou sendo o árbitro de um conflito em que um lado lhe dera poderes renovados, enquanto o outro ameaçara sua hegemonia. Mas suas sugestões foram aceitas por ambos os lados porque ele se apresentou - e foi aceito - como observador neutro e paternal de um conflito entre duas facções da “juventude”. Desse modo, o Akàrígbò não se consolidou apenas como líder da comunidade “nativa” de Remo, mas também como representante legítimo de toda a população local. Nesse caso, a categoria “juventude” ofuscou a clara associação dos interesses econômicos e políticos com a identidade e a etnicidade, e, assim legitimou a anexação dos interesses dos imigrantes vindos do norte à esfera sob o controle do Akàrígbò.18

 

Faccionalismo político e vantagens de cargo: a política de aspirações

Durante todo o fim da década de 90, as atividades políticas da juventude em Remo estiveram intimamente associadas com o Chefe Lateef A. Sodeinde, presidente do OPC. Ele foi também um dos líderes do Orò presentes às assembléias regulares no palácio do Akàrígbò e um homem de fortes vínculos com os vigilantes. Entretanto, desde o fim do regime de Abacha, a unidade dos grupos jovens em Remo vinha se fragmentando, e a liderança de Sodeinde vinha sendo disputada. Como em outras partes da Nigéria (HARNISCHFEGER, 2003: 27), lutas pela liderança nas associações de jovens também eram intimamente associadas a conflitos pelo controle de oportunidades financeiras dentro da comunidade.

Essas lutas em torno do acesso a recursos locais influenciaram, de forma particular, a política de Remo, após 1999. Diferentes pontos de vista sobre o retorno da democracia já tinham dividido o OPC no plano nacional. O programa de transição conduzido pelos militares de 1998 a 1999 havia sido rejeitado pelo OPC como não-democrático. Os líderes do OPC exigiam, então, uma conferência constitucional ampla para determinar o futuro da nação. Entretanto, no início de 1999, Faseun apoiou publicamente Olu Falae, o candidato à presidência apresentado pelo partido AD (Alliance for Democracy, um partido étno-nacionalista iorubá). A implícita aceitação por Faseun do pacto eleitoral de lançar dois candidatos iorubás à presidência, nitidamente destinado a apaziguar de maneira superficial os nacionalistas étnicos iorubás, enfureceu muitos membros do OPC. Ganiyu Adams, até então seu lugar-tenente, tentou tirar de Faseun o cargo de coordenador nacional do OPC. Após Obasanjo ter sido eleito, Faseun revidou expulsando o grupo de Adams por “desordem, atividades antipartidárias e terrorismo desnecessário”, porque Adams tinha estimulado lutas com a polícia nas áreas Isolo e Mushin de Lagos (Tempo, 11.03.99).

A divisão no OPC, em âmbito nacional, coincidiu com esforços cada vez maiores de políticos e outros líderes, locais e regionais, para assumirem o controle das atividades políticas da juventude, a fim de reposicionarem-se em situação de vantagem dentro do contexto do novo regime democrático. Com base nas velhas suspeitas locais a respeito da existente polícia federal, o recém-eleito governador de estado de Ogun, Segun Osoba, e outros governadores de estados, com maioria de habitantes de língua iorubá, exigiram a federalização dos serviços policiais locais, enquanto as atividades da juventude reforçavam a posição desses governadores nas negociações políticas com o governo federal. A legitimidade popular das atividades do OPC e dos vigilantes sancionava a política de oposição adotada no âmbito nacional pelo governo do estado de Ogun. Da mesma forma, líderes da juventude obtiveram acesso a recursos estaduais por meio dessas alianças, o que permitiu aos grupos de jovens politicamente ativos, e às lideranças da política partidária, benefícios mútuos. Entretanto, os benefícios potenciais do acesso a recursos estaduais também contribuíram para a continuação das rivalidades entre diferentes facções do OPC e de outras militâncias juvenis, no âmbito local.

Em Remo, por volta de 1998, Sodeinde havia estreitado relações com a elite política local, que continuava dominada pelo partido étno-nacionalista iorubá Aliança pela Democracia (AD), o qual incluía Osoba e os presidentes das três áreas de administração local então existentes em Remo. Sodeinde beneficiou-se, financeira e socialmente, do laço entre a política da juventude e a política partidária, tanto através de contatos políticos e pequenos contratos quanto por seu controle sobre os grupos de vigilantes, cujo poder era crescente. Essa renovada importância das atividades políticas da juventude refletiu-se numa (modesta) elevação no status social de Sodeinde. Em 2002, ele vivia ainda em uma casa “de família” na companhia de muitas outras pessoas e não tinha um carro particular. Mas, pouco tempo depois, ele já passou a ter recursos pessoais suficientes para casar-se com uma segunda esposa. A cobiça pelos benefícios acessórios ao fato de ser líder da juventude, assim como o fim da ditadura militar que tinha sido geralmente vista como ameaça a todos, cada vez mais encorajou outros a buscarem se apropriar da posição de Sodeinde.

Por volta de 2000, uma facção rival (pró-Adams) do OPC já surgira sob a liderança de um homem geralmente conhecido como “Irawo” (estrela), que acusara Sodeinde e seus “rapazes” (boys) de abuso de poder19. Ainda em 2000, essa facção cometeu o assassinato do líder vigilante “Sakuta”, um dos “rapazes” de Sodeinde. Esse assassinato ecoou sentimentos populares a respeito de abusos de poder no exercício de função pública, porque Sakuta tinha alugado um gerador para uma ocasião particular e, depois, recusou-se a pagar por isso, pois o proprietário não havia fornecido combustível com o gerador. Em 2001, as duas facções nacionais do OPC negociaram uma suspensão das hostilidades, e as facções locais do OPC em Sagamu seguiram esse exemplo. Numa concessão à facção de “Irawo”, o novo líder dos vigilantes, “Orokutan”, foi demitido pacificamente e substituído por “Balogun”, um candidato de compromisso que ainda estava no poder em 2003, e que foi fortemente apoiado pelo Akàrígbò. Apesar desse acordo, o líder do grupo pró-Adams, “Irawo”, foi assassinado em maio de 2002 (J. Opayemi, 20.08.02). Desde sua morte, o grau de oposição entre a facção de Sodeinde (pró-Faseun) e a de “Irawo” (pró-Adams) do OPC e dos vigilantes jovens tem variado em virtude de competições locais. Vários membros do OPC mudaram de facção desde 1999. Mas a associação Orò de Remo continuou livre de divisões, e oferece um espaço para contato e cooperação entre os membros de grupos diferentes. Alguns conflitos entre as diferentes facções das organizações da juventude de Sagamu também são vinculados às rivalidades políticas intrapartidárias. Durante 2002, em Remo, o AD continuou sendo o partido mais influente do momento, e a maioria dos conflitos políticos importantes surgiram de rivalidades pessoais em torno das posições controladas pelo partido. Dessa forma, as eleições partidárias internas para a escolha do candidato AD à presidência da recém-criada Administração Local Central de Sagamu foram contestadas por dois candidatos com apoios diferentes entre os jovens. Joko Adekunbi, ex-membro de outra Administração Local em Sagamu, viu-se amparado pela facção do OPC (pró-Faseun) liderada por Sodeinde, por uma parte dos vigilantes e por Tolu Daudu, ex-Comissário da Saúde no Estado de Ogun. Seu adversário, Bamgbola Akinsanya, recebeu apoio da facção de “Irawo” (pró-Adams) do OPC, de outro setor dos vigilantes, e de “Awo” Awofala, ex-Diretor da Escola Secundária do Distrito de Remo (J. Opayemi, 20.08.02). De maneira crucial, os dois candidatos nem representavam grupos sociais diferentes, nem defendiam idéias ou projetos políticos diferentes. Aparentemente, apenas representavam redes rivais de clientelismos locais.20

As maneiras como se tem comportado a competição entre os grupos de juventude de Sagamu ressaltam que, como no conflito em Sabo em 1999, até mesmo os nichos econômicos mais secundários são de extrema importância para rapazes jovens economicamente desfavorecidos. Os esforços de ambas as facções do OPC para controlar os vigilantes, bem como o envolvimento de várias facções jovens nos escrutínios intrapartidários, indicam, de forma muito clara, a importância dos lucros materiais gerados por essas “economias políticas” locais, e, implicitamente, a ausência de oportunidades econômicas alternativas. As estratégias extremadas dos jovens de Sagamu se cruzam, de modo complexo, com aquelas das elites locais, bem assim com os esforços destas para construir redes de patrocínio e apoio que lhes permitam competir pelo poder dentro do universo do discurso regional étno-nacionalista.

Apesar da ênfase na retórica de exclusão política, a partir de 1999 as linhas de conflito entre diferentes grupos de juventude parecem, sobretudo, traçadas pelo desejo de ganhar o controle de nichos econômicos e políticos e de obter vantagens pessoais. Na verdade, a violência serve não apenas para demarcar os limites entre os autóctones e “os de fora” de acordo com critérios étno-religiosos, mas também para demarcar os limites entre as facções políticas locais que buscam apropriar-se dos recursos econômicos e políticos disponíveis. Daí, a grande complexidade das relações entre os líderes da juventude e as elites locais. Essas relações caracterizam-se por alianças de apoio mútuo, legitimação recíproca e controle. Mas tais alianças são volúveis porque subordinadas a ambições pessoais que competem entre si em múltiplos níveis.

A volubilidade das atividades políticas da juventude sob o regime democrático enfraquece a posição daquelas elites locais que tinham sido fortalecidas pelo apoio unificado da juventude durante o regime militar. Claramente, a identidade política da juventude é expressa por atividades que visam ganhar influência política para obter controle de recursos e redistribui-los para fins de vantagens individuais. Mas é importante levar em conta que isso também exprime um discurso emergente sobre os aspectos sociais da cidadania. Contudo, a própria natureza das rivalidades entre os grupos de jovens politicamente ativos demonstra que esse discurso não contém nenhuma crítica coerente das enormes desigualdades que caracterizam a estrutura social existente. No momento, as atividades políticas da juventude refletem a constituição dessa categoria de agentes políticos como categoria social “em si”, mas não “para si”.

 

Uma derrota da juventude local e a eleição de 2003: o fim do antifederalismo em Remo?

A perda da coesão nas atividades políticas da juventude de Remo, desde o retorno à democracia, também levou a uma derrota política a juventude local e os líderes da elite local em abril de 2003, quando o controle do OPC e dos vigilantes sobre a segurança e o policiamento na região - controle esse que era a garantia da importância política dessas organizações em termos das estratégias políticas nacionais - foi fundamentalmente contestado. Numa noite de domingo, em março de 2003, Kehinde Ogunjimi, que era estudante em Abeokuta, foi morto, em frente à casa de sua própria família em Sagamu, pelo grupo de vigilantes liderado por “Balogun”. Seus assassinos alegaram que Ogunjimi não soube provar sua identidade e era parecido com um conhecido membro de uma gangue de assaltantes local. Após a execução de Ogunjimi, seu corpo foi levado ao palácio do Akàrígbò.

Tanto o assassinato quanto a remoção do corpo enfureceram a família da vitima, que entrou em contato com grupos locais adversários de “Balogun”, bem como com colegas de Ogunjimi em Abeokuta.21 Na segunda-feira seguinte, esses grupos invadiram o palácio do Akàrígbò e o incendiaram com, pelo menos, uma dúzia dos carros pertencentes a esse oba. Como houve retaliação por parte dos vigilantes de que “Balogun” era o chefe, deu-se início a uma batalha, e as casas de outro oba, de vários outros chefes tradicionais e do próprio “Balogun” foram atacadas e saqueadas, com prédios pertencentes à administração local (Vanguard, 18.03.02, 21.03.03).

A intervenção imediata do governador do Estado de Ogun, Segun Osoba, e de vários obas e outros chefes tradicionais de Sagamu, bem como do Aláké de Abeokuta, apaziguou a situação após muitas horas de distúrbio (This Day, 25.03.03). O Akàrígbò, assim como outras vítimas, mais uma vez, culparam a polícia por não ter intervindo a tempo de deter os vingadores de Ogunjimi e acusaram os policiais de terem estimulado as destruições. Entretanto, e sobretudo porque os edifícios destruídos na batalha incluíam diversas propriedades públicas, as dimensões do distúrbio foram tão grandes que atraíram a atenção do governo federal. Uma delegação do governo federal foi enviada, e seu líder impôs o toque de recolher desde a noite até o amanhecer em Sagamu.

Embora líderes locais tivessem atribuído os saques e as depredações ao que chamaram de “exército federal de ocupação”, ainda assim o governo federal encarregou a força policial móvel paramilitar federal do policiamento do toque de recolher em Sagamu (This Day, 24.03.03). A perda do controle sobre a segurança urbana neste local, sob a pressão de grupos rivais existentes na própria Sagamu ou vindos de Abeokuta, e a presença da polícia móvel privaram o OPC e os vigilantes chefiados por Balogun de um terreno político que haviam conquistado e controlado durante anos. Isso também afetou as elites locais mais intimamente identificadas com as atividades políticas da juventude, inclusive o Akàrígbò Michael Sowemimo.

Naquele momento, a violência contra os líderes tradicionais locais foi interpretada na área como fruto da rivalidade dentro do Estado de Ogun entre as populações que falam o dialeto Egba da língua iorubá (falado em Abeokuta) e aquelas que falam o dialeto Ijebu dessa mesma língua. Durante toda a década de 90 e mesmo depois, rivalidades semelhantes, quase sempre baseadas na inclusão desigual dos lideres tradicionais de diferentes áreas na economia política do estado, caracterizaram - e dividiram - a política iorubá (NOLTE, 2002b). Porém a derrota do governador do Estado de Ogun, Segun Osoba (pertencente ao partido AD), pelo candidato do PDP, Gbenga Daniel, nas eleições nacionais de abril de 2003, lança uma outra luz sobre aquele conflito.

O crescente apoio no Sudoeste da Nigéria ao Presidente Obasanjo, desde sua eleição em 1999, tem-se refletido em apoio cada vez maior ao seu partido, o PDP. Num ambiente político em que é freqüente mudar de um partido para outro, até mesmo na Assembléia Nacional, membros do AD cujas aspirações políticas foram frustradas por rivais locais transferiram-se não somente para os partidos alternativos de âmbito local, mas também para o PDP. Assim, em setembro de 2001, o membro do AD Gbenga Daniel, um bem-sucedido homem de negócios que se sentia frustrado em suas ambições políticas, passou para o PDP. Como ele era, desde muito tempo, um dos que financiavam a política nacionalista iorubá, foi-lhe fácil conquistar rapidamente o apoio de importantes figuras capazes de mobilizar a opinião pública em seu favor, inclusive o YCE (Yoruba Council of Elders, “Conselho Iorubá de Figuras Notáveis - por seu status e experiência”), o partido político Afenifere e Hannah Awolowo - a viúva de Obafemi Awolowo (This Day, 12.10.01). Logo, tornou-se o candidato do PDP nas eleições para governador do estado de Ogun. Embora Daniel, que morava em Lagos, reivindicasse vínculos familiares com Ijebu e Remo, ele gozava de maior apoio no oeste do Estado de Ogun, nas áreas Egba e Egbado, do que no leste do estado. O profundo enraizamento do AD e de seu programa antifederal na política de Remo debilitava aí o PDP, enquanto as principais facções políticas na terra natal do Presidente Obasanjo, Abeokuta e em Abuja, tudo era feito para canalizar para o presidente a votação de seu estado natal.

Os ataques por grupos de jovens às casas e a outras propriedades da elite tradicional de Remo, bem como a intervenção federal que se seguiu e que transferiu o policiamento das mãos dos vigilantes chefiados por “Balogun” para a polícia federal móvel, certamente enfraquecera o controle dos assuntos locais pelo AD. O fato de que a juventude de Abeokuta contara com apoio dentro da própria Sagamu também demonstrava que um grande número de jovens locais, não satisfeitos simplesmente com abalar o poder de “Balogun”, estava, também, decidido a apoiar o governo federal - sobretudo se o novo governador, aliado com o governo federal, contasse ainda assim com o apoio da família Awolowo e continuasse a invocar o legado de Obafemi Awolowo (This Day, 07.04.03). Assim, desde a eleição, várias centenas de membros do AD em Remo passaram-se para o PDP.

Dessa forma, as atividades da juventude politicamente militante de Remo, sendo motivadas e influenciadas por ambições individuais e grupais, pelas estratégias das elites e pela atração exercida por oportunidades econômicas locais, estão também diretamente envolvidas na freqüente reconfiguração das alianças políticas regionais. Como o terreno político continua em movimento, os resultados dessas atividades parecem difíceis de prever. No passado, as atividades políticas da juventude tinham oferecido nítido respaldo às correntes antifederais da política regional. Entretanto, a atual dominância do PDP no Estado de Ogun, obtida com o apoio de boa parte (embora, provavelmente, não da maioria) da juventude local, rompe com aquela tradição antifederal. No presente momento histórico, isso indica uma considerável falta de coesão entre os líderes locais. No passado, normalmente, situações de desunião da elite tradicional foram provocadas pelas estratégias adotadas, de forma individual por certos obas, e tendiam a ser efêmeras, de maneira precisa, em decorrência da intervenção da juventude politicamente ativa. Pelo contrário, a atual falta de coesão dentro da elite surgiu em paralelo à divisão dentro da militância política da juventude. Portanto, o triunfo local do PDP também pode demonstrar que a juventude politicamente organizada atingiu, agora, um grau maior de independência em relação às elites tradicionais.22

O fato de que uma parte da juventude de Remo agora dê seu apoio ao PDP, e à política pró-federal deste, não implica, porém, que as atividades políticas da juventude estejam já totalmente emancipadas dos interesses da elite. Mas certamente demonstra a futura possibilidade de uma tal emancipação, sobretudo no que diz respeito às hierarquias locais de natureza tradicional (obas etc.). Embora os obas continuem desempenhando um importante papel dentro da política étno-regional, eles permanecem associados, sobretudo, às realidades locais e às formas de rivalidade de conteúdo local. Assim sendo, se a política da juventude chegar a se constituir como política de conteúdo regional, ou mesmo federal (e pró-Obasanjo), isso poderia levar a uma estratificação social da política étno-regional.

 

Conclusão

Como demonstrado neste artigo, as atividades políticas da juventude de Remo, no sentido contemporâneo dessa noção, surgiram no fim do período colonial. Mas a proeminência do Orò nesse nível de atividade aponta também para antecedentes no período pré-colonial e, principalmente, no século XIX. Durante o período que discutimos no artigo, a militância política das camadas jovens da sociedade tem sido caracterizada por sua referência a práticas veiculadas pela tradição cultural, por sua participação ativa na construção de identidades locais e por sua complexa relação de mútuo controle e legitimação com as elites locais. A continuidade não apenas da existência dessa política da juventude, mas também de seus discursos, contradiz a hipótese (formulada por alguns autores) de uma “retradicionalização” da Nigéria (ver CHABAL & DALOZ, 1999). Entretanto, a violência e o individualismo da política da juventude sugerem que ela não contém nenhuma crítica coerente da sociedade existente. Em vez disso, ela simplesmente ilumina os vários meandros ao longo dos quais são negociadas as identidades locais, regionais e sociais, bem como as várias maneiras como essas identidades são - às vezes de forma violenta - inseridas no discurso político do estado nigeriano.

As atividades políticas da juventude em Remo e em outras áreas da Nigéria, discutidas por, entre outros, GORE & PRATTEN (2003), HARNISCHFEGER (2003) e UKIWO (2003), mostram que o estado nigeriano é, ao mesmo tempo, fraco e forte. A apropriação do policiamento e da responsabilidade pela segurança pública, por grupos de vigilantes, não foi apenas manifestação gratuita de atitudes políticas antifederais, mas refletiu, também, de maneira clara, as deficiências do próprio aparelho estatal federal. A opinião corrente de que a polícia era relutante em arriscar suas vidas, e sempre pronta a aceitar subornos, refletia a realidade da estagnação dos salários dos policiais desde meados da década de 80, assim como o fato de o governo estar em atraso freqüente com o pagamento desses salários. Contudo, foi precisamente o poder financeiro do estado que continuou sendo o alvo das estratégias coletivas de protesto e rebelião, bem como de inserção no próprio estado mediante atividades políticas locais e orçamentos administrativos. A persistente falta de oportunidades educacionais, econômicas e matrimoniais para os homens jovens sugere que a inserção destes nas estratégias políticas étno-regionais aconteceu através de manobras complexas e contraditórias, que visavam tanto apropriar-se do aparelho estatal quanto desmantelá-lo.

Como também demonstrado pelos estudos sobre o Sul da Nigéria, retromencionados, as atividades políticas da juventude são um meio de ligação - positiva ou negativamente - entre as situações locais e as alianças de âmbito nacional e étno-regional, por meio de redes de comunicação, cooperação política e patrocínio econômico. Entretanto, a natureza da política de patrocínio difere de uma área para outra do país e depende de trajetórias locais. Em virtude do caráter extremamente faccionário da política iorubá - nascido de antecedentes datando do século XIX - a política da juventude em Remo apresenta uma longa história de legitimação das elites locais vis-à-vis as facções regionais e o centro federal. Além disso, a herança de nacionalismo pan-iorubá legada por Obafemi Awolowo consagrou o papel das elites tradicionais na política local. Assim, a história das atividades políticas da juventude em Remo também é a história da relegitimação das elites tradicionais locais, ou seja, dos obas e de outros chefes tradicionais.

Em Remo, uma aceitação local cada vez maior do governo federal, desde o retorno à democracia em 1999, demonstra que a natureza das ligações entre ambientes locais e o estado federal nigeriano não é rigidamente fixa, assim como que as identidades políticas locais permanecem sujeitas a variações. A atenuação do antigo sentimento antifederal em Remo reflete a nova percepção de que os iorubás, antes marginalizados ou excluídos, afinal conseguiram acesso ao poder federal. Novas pesquisas poderão talvez revelar que as identidades local e étno-regional de ser Remo e iorubá passaram a ter um valor diferente e potencialmente maior dentro da Nigéria durante os últimos anos (IGWARA, 2001). Dentro dos contextos local e regional das atividades políticas da juventude, ainda não está claro que impacto esse fenômeno poderá ter. Uma relação mais próxima da juventude local com o governo federal, e com outras facções regionais, debilitaria ainda mais a unidade política das elites locais e dos chefes tradicionais dentro da política iorubá. Ao mesmo tempo, o apoio eleitoral que o Presidente Obasanjo recebeu em 2003 de sua região natal - governadores do PDP foram também eleitos nos antigos estados de Ondo, Osun, Oyo e Ekiti, antes controlados pelo partido AD - pode conferir nova legitimidade aos projetos políticos pan-iorubás.

Mais e mais, as atividades políticas da juventude de Remo estão se preocupando com as diferenças sociais, ainda que de forma circunstancial e indireta. Essas atividades são uma plataforma para os esforços desesperados, e cada vez mais violentos, por parte de homens jovens, de se livrarem da pobreza e da insegurança em condições econômicas que continuam difíceis. Entretanto, a subordinação de todo interesse coletivo às estratégias individualistas de sucesso torna as atividades políticas da juventude uma arena fragmentaria e complexa, dominada por alianças e lealdades pessoais mutáveis. Esse faccionalismo é uma resposta à freqüente instrumentalização da juventude pelas elites e, claramente, impede trajetórias políticas estáveis. Ao mesmo tempo, a variabilidade inerente dessa situação continua evitando a apropriação completa da juventude pelas estratégias políticas da elite. Contudo, estudos comparativos da juventude, em outras áreas onde se fala iorubá, são evidentemente necessários para investigar essa questão mais a fundo.

Se, de um lado, seria precipitado dizer as possíveis formas de atividade política da juventude no futuro, do outro, pode-se concluir, com base no presente estudo, que essa atividade política continuará refletindo a dinâmica nacional, regional e local da política de elite, bem como as oportunidades econômicas disponíveis aos jovens do local que se associem com facções da elite a fim de receber o patrocínio destas. A esse respeito também, estudos comparativos são necessários. É provável que muito dependerá do sucesso (ou fracasso) da atual política do Presidente Obasanjo de incluir grupos iorubás tradicionalmente antifederais no discurso político nacional, bem como de ampliar as oportunidades de melhoria de vida para as camadas populares. O sucesso dessa política federal poderá gerar, na juventude, um discurso abrangente voltado para a crítica das desigualdades sociais. Mas o seu fracasso, e a resultante frustração das expectativas populares, muito possivelmente levaria a insatisfação social a expressar-se por meio de um estreito nacionalismo iorubá.

 

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Arquivos do Governo local

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Entrevistas

Alhaji Mohammed Namadina Chindo, 19.07.02. Alhaji Chindo é um imigrante de primeira geração em Sabo. Ele se mudou para Remo em 1992 e dirige um trailer do armazém de petróleo de Kara para Gusau (Norte da Nigéria). A entrevista foi realizada pelo meu assistente de pesquisa, o Sr. Adesanya Adekoya.        [ Links ]

Alhaji Haruna Babali Shehu, 26.07.02, o pai de Alhaji Shehu estabeleceu-se em Sagamu como negociante de noz de cola, e todos os seus filhos têm estudado, trabalhado e vivido em Remo. Alhaji Shehu tem sua própria empresa de transporte para Sokoto e é ex-Vice-presidente do Clube Progressista de Sagamu (uma associação de empresários de Hauçá e Iorubá), bem como representante da Comunidade Hauçá na Comissão de Relações Públicas da Polícia. Como líder comunitário e conselheiro do Seriki Hausawa, ele foi um dos signatários do tratado de paz de 1999 no palácio do Akàrígbò. A entrevista foi realizada pelo meu assistente de pesquisa, o Sr. Adesanya Adekoya.        [ Links ]

Chefe Dr. Adesino Adekoya, 04.08.02 e 20.08.02. Ele é um especialista da divinação Ifá, empresário e político de âmbito estadual que foi membro do MDJ (Movimento para Democracia e Justiça) antes de aderir ao partido AD. É também líder da juventude local e presidente do conselho de artes e cultura do Estado de Ogun desde 1999.         [ Links ]

Chefe Erelu Adekoya, 04.08.02. Ela é a presidente da Liga Feminina do Estado de Ogun. Desde 1999, ela tem ocupado diversos cargos políticos no âmbito federal, inicialmente como membro do partido conservador APP conservador; em seguida, após 2002, representando o partido progressista PLP (Progressive Liberation Party, “Partido Progressista pela Libertação”); e, atualmente, em nome da APGA (All Progressives Grand Alliance, “Alianca Geral de Todos os Progressistas”) - uma aliança formada, em sua maioria, por partidos com base no Sul da Nigéria e sem ligação com o partido AD.

Chefe Tokunbo Adedoyin, 05.08.02. Ele é filho do falecido político do NCNC Adeleke Adedoyin, que foi declarado vencedor da eleição de 1965 contra Hannah Awolowo e defendia a independência de Sabo. Ele é advogado com escritórios em Lagos e Sagamu e representa a comunidade de Ofin (Sagamu) em diversos casos locais.         [ Links ]

Chefe Segun Okeowo, 20.08.02. Ele é ex-líder estudantil, ativista da seção local do partido AD, e empresário. Ele tem representado os interesses da comunidade de Makun (Sagamu) em várias disputas locais. Evangelist Kolade Segun-Okeowo, 21.08.02. Dramaturgo que trabalha com uma companhia religiosa de artistas por todo o estado de Ogun, bem como historiador local.        [ Links ]

Chefe Lateef A. Sodeinde, 23.08.02. Sodeinde é o mais importante líder da juventude em Remo. Ex-corretor de seguros, ele foi um dos fundadores do OPC no estado de Ogun. É o atual presidente em Remo da facção Faseun (a facção majoritária) do OPC, e também ocupa um elevado posto no Orò de Ofin. Ele tem participado de assembléias regulares de todos os grupos Orò de Remo por mais de uma década.         [ Links ]

Prince Juwon Opayemi, 20.08.02. Prince Opayemi é o editor do The Community News, jornal local que cobre eventos em Remo e em todo o estado de Ogun, bem como líder da juventude na Igreja Anglicana de Remo.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Insa Nolte
E-mail: m.i.nolte@bham.ac.uk

Recebido em 1 de agosto de 2005
Revisão recebida em 2 de setembro de 2005
Aceito em 24 de agosto de 2006

 

 

* Insa Nolte é professora assistente de cultura africana no Centro de Estudos da África Ocidental (CWAS) da Universidade de Birmingham. Versões anteriores deste trabalho foram lidas por Lynne Brydon, Axel Harneit-Sievers, Tom McCaskie e Rita Nnodim, que contribuíram com valiosos comentários e sugestões.
1 Os termos “tradição” e “tradicional” são usados, neste artigo, para descrever todas as formas de autoridade e prática que se legitimam através de referências culturais ao passado pré-colonial - real ou imaginário.
2 O termo “Chefe” designa, neste artigo, duas realidades diferentes, mas ligadas entre si. De um lado, aqueles que têm títulos tradicionais como o de Oba (geralmente traduzido como “rei”) e outros títulos associados a funções tradicionais, e que desempenham no cotidiano as funções tradicionalmente associadas a tais títulos. De outro lado, aqueles que, por serem figuras importantes na política de partidos, ou ricos benfeitores, ou figuras notáveis por alguma outra razão, receberam títulos tradicionais (ou inventados em estilo neo-tradicional) em caráter, por assim dizer, honorífico, e, dessa forma, não desempenham funções tradicionais no dia a dia.
3 Outros fatores que contribuíram para o apoio (em certo momento quase total) ao partido AG em Remo foram as experiências negativas dos imigrantes em Ibadan (cidade governada pelo NCNC), bem como a presença, cada vez mais destacada, de Obafemi Awolowo no cenário nacional, que ajudaram a facilitar a autopercepção de Remo como comunidade unida contra forças “exteriores”.
4 Em Remo, o interesse na educação e o apoio ao nacionalismo foram fortemente associados à emigração. Havia poucos empregos disponíveis, no local, para os alunos que completavam sua educação escolar em Remo, e muitos cidadãos instruídos foram viver em Lagos ou Ibadan, onde acabavam se envolvendo na política nacionalista. Da mesma forma que Obafemi Awolowo, muitos deles viajavam regularmente entre esses centros de poder e suas cidades natais, bem como estabeleciam-se como líderes da política partidária local.
5
Quase todos os governantes tradicionais de Remo envolveram-se na política partidária e aderiram ao NYM em 1936, ano de sua fundação (The Ijebu Weekly News, 22.08.36). Além disso, como mostra a correspondência cada vez maior com as autoridades coloniais, muitos chefes tradicionais de Remo já eram alfabetizados em inglês, em meados da década de 30.
6 Esse processo nem foi uma retradicionalização de uma sociedade colonial anteriormente “moderna”, nem uma modernização de uma elite tradicional estática. O regime colonial na Nigéria havia sido constituído graças à cooperação e à subjugação das estruturas de poder locais, que se distinguiam do estado colonial importado como realidades não só autóctones como tradicionais. Quando a administração previamente britânica abriu-se aos nigerianos, dois setores políticos, cada um com sua trajetória distinta, passaram a existir para políticos ambiciosos.
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Como indicam diversos excelentes estudos locais (APTER, 1992; PEEL, 1983), processos semelhantes provavelmente aconteceram em outras regiões onde se falava iorubá. Entretanto, como não foi publicado nenhum estudo explícito (regional ou local) sobre as atividades políticas da juventude de Iorubá até o momento, fica difícil dizer até que ponto tais processos assemelhavam-se à trajetória local descrita no presente artigo. 8 Enquanto Orò parece ter sido a única associação cívica, formada apenas por homens, responsável pela execução dos criminosos nas áreas Egba, a maioria das cidades de Remo também tem a associação Èlúkú, que desempenha funções semelhantes e explicitamente pertencente aos elders (“h mens respeitados por sua idade, sua experiência e seu status) da cidade. Weisser (1992) oferece uma visão geral da literatura etnográfica geral sobre Orò, e Peel (2000, 2002) discute a prática histórica do Orò em Abeokuta, em bastante detalhe. A descrição e a análise mais detalhadas do Èlúkú, em Ijebu e em Remo, são de “Adesola” no The Nigerian Chronicle, entre 30 de abril e 9 de julho de 1909. Um crítico e colaborador da descrição do Orò feita por Adesola na mesma fonte, “Niepos”, sugere que Orò tenha sido uma exportação cultural de Egbaland para outras áreas de língua iorubá (The Nigerian Chronicle, 01.10.09).
9 É provável que esse processo tenha permanecido contestado e que alguns grupos cristãos e muçulmanos locais tenham se oposto, pelo menos, às práticas públicas do Orò, as quais confinavam mulheres, impediam os muçulmanos de rezarem, bem como proibiam o rufar de tambores mesmo na igreja durante qualquer “saída às ruas” do Orò. Entretanto, nenhuma referência direta a oposição local ao Orò pôde ser encontrada nas fontes e nas entrevistas realizadas na década de 90 e a partir de 2000 - quando certa resistência às práticas públicas do Orò foi mobilizada por cristãos e muçulmanos iorubás - apenas respostas ”diplomáticas” foram obtidas de pessoas que se consideravam nativas de Remo. É bem provável que essa atitude tolerante (em público) seja de corrente do importante papel exercido pelo Orò na organização da resistência antifederal em Remo desde a década de 60.
10 A técnica de uso de tons contrastantes em rimas é quase sempre utilizada nas canções do Orò.
11 11 A exclusão ativa dos habitantes do norte da política popular, por intermédio do Orò, pode explicar porque as práticas do Orò são toleradas pela grande maioria dos cristãos e muçulmanos em Remo, atualmente. Como as práticas do Orò tornaram-se um indicador da identidade de Remo, aqueles que se opunham às suas práticas identificavam-se como “estrangeiros”. Enquanto a maior parte do apoio ao Orò pelos nativos de Remo reflete a identidade que adotaram, os imigrantes nortistas estabelecidos em Sabo expressavam sua exclusão também mediante Orò. Embora até mesmo os homens não-nativos normalmente sejam convidados a se juntar a essa marcha de mascarados em locais públicos, e todas as mulheres possam indiretamente juntar-se aos festivais Orò contribuindo comida ou dinheiro aos homens que nele participam, as mulheres de Sabo - bem como a maior parte dos homens de lá nada contribuíam.
12 Por exemplo, a rivalidade entre as regiões de Ofin e Makun, em Sagamu, pelo controle do mercado de Falawo e de duas cidades menores, Ibido e Igbepa, ocasionou várias incursões de mascarados Egúngún de Ofin a Makun (Segun-Okeowo 1990). Como Makun proíbe a prática do Egúngún em seu território, houve retaliação por parte de sua juventude que espancou alguns dos mascarados. Os conflitos entre essas áreas foram expressos através dos mascarados, a partir da década de 60, com a última grande batalha ocorrendo em 1988 (K. Segun-Okeowo, 21.08.02).
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O UPN venceu as eleições governamentais no estado de Ogun, criado em 1976, com uma maioria dos votos de aproximadamente 90%.
14
Líderes da juventude de Remo desse período também se tornaram juízes, senadores, industriais, advogados, médicos, diretores de escola, presidentes de administrações locais e chefes tradicionais.
15 De acordo com testemunhas, os ladrões descobriram que a mulher tinha muito pouco a ser roubado e, enfurecidos, mataram seu bebê. A mãe desesperada suplicou, então, que eles a matassem também, e eles o fizeram.
16 Um caso semelhante, no qual indignação moral por um assassinato foi seguida pelo estabelecimento e pela legitimação de uma força de vigilantes privada ocorreu em Aba, em 1998 (HARNISCHFEGER, 2003: 24).
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Dessa forma, a proliferação de grupos secretos e de jovens é uma expressão de protesto contra uma ordem na qual eles têm poucas chances de estabelecerem-se, economicamente, e de tornarem-se parceiros sexuais e pais. De forma irônica, essas políticas sexuais são ilustradas de modo exemplar pelo vencedor da eleição de 1993, Moshood Abiola, o qual dizem ter dado uma casa a todas as mulheres que deram a luz a um filho dele.
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Desde 1999, grupos de jovens controlaram, de forma rígida, a política e as práticas religiosas em Sabo. Após os ataques da Al-Quaeda aos EUA em setembro de 2001, aumentou a suspeita de que os habitantes de Sabo apoiariam atividades terroristas. Em novembro de 2001, seis clérigos muçulmanos paquistaneses e estudantes celebraram o início do Ramadan com a comunidade migrante em Sagamu. Quando um deles se referiu publicamente ao sofrimento da comunidade muçulmana nos motins de 1999, um assunto cuidadosamente evitado pelos oradores locais, residentes do local alertaram o Akàrígbò. Com a permissão do Seriki Hausawa, os paquistaneses e seus anfitriões foram detidos e entregues ao Serviço de Imigração da Nigéria, que os deportou imediatamente por incitamento de violência religiosa (IRIN News Nigéria, 19.11.01; This Day, 23.11. 01).
19 Para proteger os informantes e os atuantes envolvidos na política da juventude, eles não são aqui identificados, a menos que tenham dado expressa autorização para isso. Muitos homens jovens usam “nomes de guerra” como “Irawo” (estrela), sob os quais são conhecidos no âmbito público, sem que se possa facilmente associá-los à sua vida privada.
20 Ambos os candidatos do AD à presidência da Administração Local Central de Sagamu são funcionários públicos bem-sucedidos com históricos sociais e educacionais semelhantes: Adekunbi é ex-funcionário da administração local e Akinsanya, ex-policial. Além disso, ambos contam com o apoio de líderes locais mais influentes. Na verdade, a rivalidade entre Akinsanya e Adekunbi cruza limites de família e amizade: um dos mais notáveis partidários locais de Akinsanya é Olode Oku, ex-presidente do governo local e mentor político de Adekunbi em 1999. De modo inverso, Sodeinde, um dos jovens partidários de Akinsanya, é primo de Adekunbi.
21 Foi alegado que um certo número de estudantes de Abeokuta estavam agrupados na prática de “cultos” secretos celebrados no campus universitário. Esses cultos promovem solidariedade entre seus participantes e utilizam técnicas de proteção sobrenatural similares às dos grupos de juventude descritos em Remo. Em virtude da natureza da comunidade universitária, tais cultos também podem incluir estudantes vindos de outras regiões. Uma das razões pelas quais a resposta de Remo aos agressores não foi bem-sucedida pode ter sido que, no momento do combate, Remo não tinha nenhuma universidade pública secular (A bem-sucedida Universidade Batista Babcock - uma universidade privada - é localizada na cidade de Ilisan, em Remo, mas seus alunos, até agora, abstiveram-se totalmente de se envolver na política local.). A falta de uma universidade local já foi suprida. Num terreno doado pelo oba de Idotun, um aliado da família Awolowo, a Faculdade de Saúde e Ciências Olabisi Onabanjo foi estabelecida próximo a Ikenne. Ex-funcionários acadêmicos e administrativos da vizinha Olabisi Onabanjo University - Universidade Olabisi Onabanjo, OOU, antiga Ogun State University - Universidade do Estado de Ogun ou OSU, em Ago-Iwoye (Ijebu), envolveram-se na política local de Remo no lado oposto à facção jovem de “Balogun”, e pode ter sido por essa razão que os estudantes da OOU não tenham se envolvido naquele conflito.
22 Em junho de 2005, um conflito semelhante - e similarmente politizado - ocorreu em Ijebu entre os alunos da Universidade OOU, de um lado, e o chefe tradicional de Ago-Iwoye, o Orò local e os vigilantes e membros do OPC, do outro (This Day, 21.06.05). É possível que conflitos semelhantes em regiões com melhores condições de educação universitária pública e secular explorem mais a fundo a diferença educacional e aspiracional entre diferentes grupos de jovens, do que sugere o presente estudo de Remo.

 

 

 

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