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Imaginário

versão impressa ISSN 1413-666X

Imaginario v.11 n.11 São Paulo dez. 2005

 

PART I

 

Consórcio Social da Juventude de São Paulo: tecendo considerações sobre as escolhas e as perspectivas de inserção no mundo do trabalho das juventudes

 

Consórcio Social da Juventude de São Paulo: weaving considerations for choices and perspectives of insertion
in the youth work world

 

 

Antonio José Rollas de Brito*

Consórcio Social da Juventude de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem por objetivo apresentar a primeira experiência de implantação do Consórcio Social da Juventude, do Programa Primeiro Emprego, na cidade de São Paulo. O eixo norteador da apresentação é o projeto metodológico do programa, com foco de análise no processo de escolha dos cursos de capacitação pelas juventudes, bem como a relação desta com a perspectiva de inserção no mercado do trabalho. Os resultados obtidos com base em pesquisas quantitativas indicaram que o maior desafio desse programa para a inserção dos jovens não está nas juventudes, mas na ausência de espaços de escuta das políticas públicas, na falta de políticas públicas estruturais, em consonância com as emergenciais, e na própria dinâmica de autoregulação do mercado de trabalho.

Palavras chave: Juventudes e trabalho, Políticas públicas, Concepção metodológica, Sofrimento ético-político, Trajetórias e escolhas profissionais, Qualificação profissional.


ABSTRACT

This article aims to introduce the first experience of implementing Consórcio Social da Juventude from Programa Primeiro Emprego, in the city of São Paulo. The guide for this presentation is the methodological project program, focusing on the analysis of the choice process of capacitation courses made by the youth, as well its relation to labor market insertion. The results obtained from the quantitative research indicate that the major challenge of this project on the insertion of the young people is not about the youth but about the lack of dialogue with public policies, about the lack of structural public policies in accordance with emerging ones, and about its own autoregulation dynamic in the labor market.

Keywords: Youth and labor, Public policies, Methodological conception, Ethical and political suffering, Professional trajectory and choices, Professional qualification.


 

 

Introdução

As políticas públicas de juventude começam a ganhar espaço público, à medida que surgem, ao lado de várias iniciativas de governos locais, estaduais e de parte da sociedade civil, projetos e programas que buscam enfrentar dois grandes problemas indicados pelos jovens: a violência e o desemprego.

São várias as iniciativas, as concepções das políticas, assim como são diversos os resultados e as perspectivas que elas abrem para toda a sociedade brasileira.

Desde 2003, temos a possibilidade de ampliar esse debate, bem como de estimular a presença das juventudes nesses espaços, a partir de duais importantes (e tardias) iniciativas do Governo Federal: O Programa Nacional Primeiro Emprego e a Secretaria Nacional da Juventude.

Neste artigo, queremos aproveitar que ainda se desenvolve o processo de implantação do Programa Primeiro Emprego, por meio do Consórcio Social da Juventude na cidade de São Paulo, para compartilhar com os leitores a estruturação dessa experiência pela chave metodológica do projeto, bem como de algumas pesquisas e investigações realizadas com as juventudes, sobre o momento das escolhas de qual curso profissionalizante realizar, e quais expectativas são trazidas por essas escolhas.

Na primeira parte, enfatizaremos o processo de implantação do Consórcio Social, por meio da definição do seu projeto metodológico e dos objetivos gerais do programa; na segunda, apresentaremos como se deu o processo de escolhas das juventudes e os seus horizontes de inserção profissional; na terceira, apresentaremos os primeiros resultados das avaliações dessas escolhas e expectativas, fechando com uma breve conclusão sobre os desafios que ainda precisam ser enfrentados para termos uma política eficaz de inserção das juventudes no mundo e no mercado de trabalho.

 

2 - O implantação do Consórcio Social da Juventude em São Paulo (CSJ)

2.1 - O processo de definição da concepção metodológica do projeto

A construção do projeto metodológico do Consórcio “Juventude Sampa” teve como ponto de partida a combinação de três elementos, conforme a seguir:

• O plano de trabalho, cuja elaboração foi preparada desde maio de 2004, com a Prefeitura de São Paulo e entidades parceiras do Programa Bolsa-Trabalho.

• A nossa compreensão sobre os aspectos constituintes da realidade das juventudes1 no mundo do trabalho.

• O conceito de metodologia utilizado.

Esses três elementos foram fundamentais na delimitação dos nossos objetivos, da leitura crítica dos objetivos do programa e da organização do trabalho da nossa equipe metodológica. Neste artigo, vamos nos dedicar ao último elemento em combinação com o segundo.

Quando falamos em metodologia, não estamos nos referindo exclusivamente a um conjunto de práticas ou a um método específico, tampouco à perspectiva do desenvolvimento de certos meios para alcançarmos determinados fins. A metodologia, em qualquer programa ou projeto de política pública, deve ir além da relação meios-fins, tornando-se, de fato, aquilo que Oscar Jará chama de “concepção metodológica”.

Por concepção metodológica, Oscar Jará entende como a estruturação de

“toda a lógica do processo de conhecimento que vai se desenvolver através d[a] nossa estratégia educativa. A metodologia deve ser a visão global que orient[a] o processo educativo, que d[a] unidade e coerência a todos os elementos que intervêm nele, a todos os momentos e a todos os passos deste processo” (1986).

Portanto, a metodologia de um programa ou de uma política pública, em nosso caso, deve se pautar por um conjunto de princípios articulados em torno de um determinado campo teórico, que orienta o conjunto das nossas ações, a escolha dos métodos coerentes com esses princípios e as técnicas que serão desenvolvidas com os sujeitos definidos pela política ou pelo programa.

Nossa concepção metodológica toma por referência teórica a Psicologia Social Crítica, pela análise da dialética exclusão/inclusão em sua dimensão ético-política, constituindo-se num caminho, segundo Sawaia, de recuperação do indivíduo submerso nas análises econômicas e políticas, sem perder a perspectiva da dimensão pública ou coletiva: “Dá força ao sujeito, sem tirar a responsabilidade do Estado. É no sujeito que se objetivam as várias formas de exclusão, a qual é vivida como motivação, carência, emoção e necessidade do eu” (1999, 98-99). A dimensão ético-política coloca questões de análise não apenas para as estruturas e estratégias sociais de opressão e de domínio, mas também entende que “per guntar por sofrimento e por felicidade no estudo da exclusão é superar a concepção de que a preocupação do pobre é unicamente a sobrevivência e que não tem justificativa trabalhar a emoção quando se passa fome”2.

Com base nesse referencial, constituímos o nosso primeiro desafio: combinar a implantação da infra-estrutura e dos instrumentais técnicos e burocráticos do programa com a estruturação de uma metodologia que viesse mostrar pontos de ruptura com princípios e métodos nas políticas públicas de trabalho, responsáveis pela “manutenção de políticas neoliberais, com a crescente mercantilização dos direitos sociais, [com] a ruptura da proteção ao trabalho e a instalação de um mercado auto-regulado” FRIGOTTO, 2004: 180-216. Ou seja, nosso desafio pautou-se pela definição de uma estratégia educacional e de geração de conhecimentos em como colocar o sujeito como centro da política, e não como “público-alvo” desta, principalmente no caso desse programa: jovens de baixa renda desempregados e pertencentes aos segmentos mais excluídos socialmente.

No caso do Programa Primeiro Emprego, consideramos como princípios das políticas neoliberais nele presentes a própria formatação do Consórcio Social da Juventude, uma vez que ele visa, apenas, ao enfrentamento de dimensão emergencial do desemprego das juventudes pobres e trabalhadoras.

Para enfrentarmos, de fato, os problemas do trabalho precoce entre os jovens, do desemprego juvenil, do trabalho precário e da falta de experiência formal, faz-se necessária a implementação de políticas de promoção de mudanças ou de reformas estruturais, que indiquem caminhos mais duradouros e consistentes, para que as juventudes possam resgatar sua credibilidade na autoridade pública e sair do isolamento social (GUIMARÃES, 2005: 149-174), sair da condição de trabalhadores precoces, para uma condição de continuidade de sua formação técnica, cultural e social, a qual contribua para a construção de uma inserção digna no mercado e/ou no mundo do trabalho, e com garantias públicas, isto é, de Estado, em torno do direito ao trabalho e ao emprego digno.

Definido o campo teórico orientador da nossa ação reflexiva e prática, escolhido o “centro” dessa ação – as juventudes – e definido o lugar desse sujeito como o “centro da política pública”, partimos para a definição dos nossos métodos de trabalho interequipe e na relação com as juventudes: planejamento participativo, prática educacional dialógica e voltada para a liberdade.

2.2 – A implantação da estrutura e do projeto metodológico do CSJ

Antes de mostrarmos a implantação do projeto, apresentaremos as principais definições e objetivos do Programa Consórcio Social da Juventude, indicados pelo próprio Ministério do Trabalho e Emprego:

“O Consórcio Social da Juventude aproveita a capacidade que as organizações da sociedade civil organizada têm de obter resultados junto ao público jovem, em situação de vulnerabilidade pessoal e risco social, em especial, nos locais em que o Estado tradicionalmente não chega. Os Consórcios Sociais da Juventude constituem instrumento para a consolidação da parceria governo-sociedade (...).

Os Consórcios são formados por entidades e/ou movimentos da sociedade civil organizada, com afinidades e interesses comuns. Cada Consórcio deve ter a sua rede composta por, no mínimo, dez entidades e/ou movimentos sociais e/ou organizações da juventude legalmente constituídas, há, no mínimo, um ano, (...).

O Ministério do Trabalho e Emprego firma convênio com uma entidade do Consórcio Social da Juventude, identificada como entidade “âncora”, podendo a entidade âncora subcontratar outras entidades para a execução das ações previstas no Plano de Trabalho.

Os jovens têm aulas de ética, cidadania e meio ambiente, inclusão digital, noções de empreendedorismo e apoio à elevação da escolaridade, além de freqüentarem uma oficina de capacitação profissional. Têm direito ao recebimento de uma bolsa de R$ 150 por mês e, em contrapartida, prestam serviços comunitários. São fixadas, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, metas de inserção dos jovens no mercado de trabalho, ao fim do curso.

Público

Os Consórcios Sociais da Juventude alcançam jovens que, em virtude de suas condições socioeconômicas, têm maior dificuldade de acesso a oportunidades de trabalho, com destaque para quilombolas e afros-descendentes, indígenas, egressos de unidades socioeducativas, em conflito com a lei, portadores de necessidades especiais, trabalhadores rurais e jovens mães.

Objetivos

Promover a criação de mais e melhores oportunidades de trabalho, emprego e renda para jovens em situação de vulnerabilidade pessoal e risco social, por meio da mobilização e da articulação dos esforços da sociedade civil organizada e ainda:

• Criar oportunidades de ocupação para jovens, incluindo o auto-emprego e o serviço voluntário.

• Melhorar a qualificação da força de trabalho de jovens.

• Melhorar a auto-estima e a participação cidadã da juventude na vida social e econômica do país.

• Dar escala às experiências bem-sucedidas da sociedade civil organizada.

• Constituir um espaço físico, denominado Centro de Juventude, como ponto de encontro das ações desenvolvidas pelas entidades da sociedade civil consorciadas em sua base social”.3

No começo dos nossos trabalhos, deparamo-nos com uma grande dificuldade, a despeito de todo o processo anterior à entrada do “Cursinho da Poli” como entidade-âncora do Consórcio Social nas regiões Norte e Sul da cidade4: a ausência significativa de estratégias ou de orientação de implantação metodológica por parte da coordenação do Programa Primeiro Emprego.

Tal situação acreditamos que se deveu ainda à pouca sistematização das experiências já realizadas em outras cidades brasileiras (Santo André, Fortaleza, Recife, Brasília, Guarulhos, Campinas etc.), além do fato, bastante comum no processo de elaboração das políticas públicas e seus respectivos programas e projetos, de que na relação de parceria Estado – sociedade civil, por medidas de controle público, acaba-se priorizando toda a estratégia de viabilização da relação meio-fins, isto é, objetivos-resultados, em detrimento da concepção metodológica propriamente dita, ou seja, a relação princípios-análise-objetivos-participação-ação-resultados-análise crítica. Sem falar, é claro, da necessária participação direta das próprias juventudes, pelo menos nas fases de implementação e desenvolvimento da respectiva política pública.

Com esse quadro, partimos para a definição das principais ações de sustentação da concepção metodológica, ao mesmo tempo em que íamos constituindo a equipe, cujo perfil veio sendo delineado, à medida que eram definidas as necessidades do projeto metodológico a serem atendidas.

Restando apenas 40 dias para o começo de todo o processo de inscrição, seleção e divulgação das entidades e das juventudes selecionadas, a equipe metodológica desenhou o projeto com base na finalidade e nos objetivos do Programa Consórcio Social da Juventude, articulando este com uma análise crítica da condição das juventudes (público-foco), no que diz respeito às suas características e possibilidades de desenvolvimento e de criação de projetos de sua autoria no espaço do Consórcio.

A análise crítica, com relação à condição das “juventudes-foco” do programa, partiu dos objetivos previamente estabelecidos pelo Programa Primeiro Emprego – CSJ. A primeira pergunta que nos fizemos foi: quem são essas juventudes em situação de vulnerabilidade pessoal e risco social, para além dos números e do ato (arbitrário) de nomeá-las e de indiferençá-las sob conceitos e visões generalistas como: excluídos, desempregados, vulneráveis, com baixa auto-estima etc.? A que falta de participação cidadã o programa se refere? Por que propor, já nos objetivos, o emprego voluntário e o auto-emprego?

Como respostas a essas indagações, que acabam por criar uma identidade a todo um segmento da juventude, e assumindo a postura de colocar o sujeito no centro da política pública, apresentamos algumas das caracterizações indicadas no Programa Primeiro Emprego sobre esses jovens, mas como fonte de pesquisas e releitura crítica dessa realidade nacionalmente concebida. A estas acrescentamos algumas outras informações e conhecimentos sobre o perfil socioeconômico das juventudes que iríamos trabalhar, considerando as experiências pessoais da equipe e de colaboradores, assim como de apoiadores externos ao projeto, em particular daqueles que já haviam vivido a experiência de implantação do Programa Bolsa-Trabalho na cidade de São Paulo5:

(a) São jovens inseridos precocemente no mundo do trabalho, que têm experiências profissionais fragmentárias, descontínuas, precárias etc., decorrentes da necessidade de aumentar ou garantir uma renda mínima de sobrevivência para as suas famílias.

(b) São jovens que trazem consigo a pouca escolaridade e/ou a exclusão escolar, como marcas de sofrimento e humilhação, e que se perpetuam no ato de procurar trabalho decente e salários dignos, ou até mesmo de submissão ao trabalho precário.

(c) São jovens que, atingidos pelo desemprego de longa duração ou, em alguns casos, pela falta do Primeiro Emprego, têm grandes dificuldades de planejar uma trajetória profissional coerente com um projeto de vida digna, que combine a continuidade dos estudos com o aprimoramento técnico-profissional e cultural.

(d) São jovens que trazem estigmas sociais como marcas de sofrimento ético-político, decorrentes de preconceitos de classe, raça/cor, sexo, opção sexual, credo religioso, local de moradia, de ser portador de deficiência física ou mental, estar sob algum tipo de medida socioeducativa, além do preconceito da própria condição de “estar jovem”.

(e) São jovens que trazem uma grande desconfiança e descrença no poder público (leia-se governos), enquanto a (in)capacidade deste em resolver seus problemas mais imediatos.

(f) São jovens que não participam de espaços de participação política, considerados por muito deles considerados ‘tradicionais’, como conselhos, grêmios estudantis, associações de bairro, partidos políticos etc., e que em muitos casos se sentem usados por manobras políticas, quer seja do governo, quer seja das representações da sociedade civil.

Com base nesse segundo perfil delineado pela equipe, e que ainda se apresenta de maneira bastante geral das juventudes participantes do Consórcio, definimos três objetivos que chamamos de “garantia” da concepção metodológica: (1) estimular os jovens na organização das suas experiências de trabalho anteriores, como forma de reelaboração e valorização de suas trajetórias profissionais, precoces ou não; (2) apoiar, por meio de debates, de pesquisas e dos próprios cursos, a construção/reflexão sobre os seus projetos de inserção profissional no mundo e/ou no mercado de trabalho; (3) constituir espaços públicos de debate e reflexão crítica nos espaços dos Centros de Referência das Juventudes (CRJs), particularmente sobre a relação entre as juventudes e os modos de inserção profissional no mercado de trabalho.

A esses objetivos foram somados o perfil das juventudes que iríamos receber, os objetivos descritos no Plano de Trabalho da entidade âncora e a meta de inserção de 40% desses jovens nas diferentes modalidades do mundo do trabalho: voluntário, autônomo, formal, empreendedorismo, cooperativismo, estágio, lei do aprendiz etc6.

A realização desses objetivos teria sua realização garantida com base em quatro ações estruturantes, citadas a seguir:

a) Desenvolver uma política de preparação de formadores com as entidades executoras, considerando sua diversidade, origens, práticas e visões diferenciadas em relação ao trabalho com as juventudes.

(b) Realizar pesquisas de perfil socioeconômico e de trajetórias profissionais, como meio de captar, ouvir, conhecer e entender as demandas das juventudes para a área do trabalho.

(c) Constituir os Centros de Referência da Juventude (Centros da Juventude, para o MTE), como espaços públicos de viabilização da participação política, cultural, educacional etc., das juventudes, bem como de avaliação dos objetivos do programa, para além dos instrumentos de controle e avaliação oficiais.

(d) Buscar nas ações comunitárias7 (serviço voluntário) atividades voltadas para melhorar as suas próprias vidas e de outros jovens da comunidade/entorno.

Para cada uma dessas ações foram previstos os seguintes instrumentos de organização e sistematização do trabalho, respectivamente:

(a) Encontros de formação de formadores (a cada 15 dias – Módulo Básico) e reuniões metodológicas semanais com as respectivas coordenações pedagógicas das entidades.

(b) Criação de um banco de dados com informação individualizada das juventudes, incluindo todo o seu histórico de participação, presença nas atividades, ações comunitárias, além das pesquisas de perfil socioeconômico (início das atividades), de trajetórias profissionais, das escolhas dos cursos, e de avaliação das atividades.

(c) Estruturar adequadamente as salas e as oficinas dos Centros de Referência, e constituir uma Ouvidoria8 pelos próprios jovens participantes do programa, eleitos dentre o conjunto de representantes de cada turma, estabelecendo um sistema de co-gestão na garantia dos objetivos e metas do próprio consórcio, além de envolvê-los no processo de apropriação dos Centros de Referência como espaços público-comunitários de participação e viabilização de projetos socioculturais e econômico-empreendedores.

(d) Viabilizar um espaço de planejamento entre as entidades executoras, os(as) coordenadores(as) dos Centros de Referência, os(as) ouvidores(as) e representantes de turma, visando o desenvolvimento de ações comunitárias voltadas para os próprios participantes e à comunidade do entorno.

Delineado o perfil e a caracterização básica das juventudes que viriam para o Consórcio; indicados os objetivos e as ações estruturantes, com os seus respectivos instrumentais de realização, entendíamos ter completado os principais elementos constituintes da concepção metodológica norteadora do programa, orientada para o resgate do papel das juventudes na sociedade, visando a seu fortalecimento como ator político e desvelando os mecanismos nefastos da inclusão social perversa em face da sua condição de classe, faixa etária, gênero, raça/cor, deficiência física etc.

Com certeza, a viabilização de tal projeto enfrentou, e enfrenta, situações bastante adversas, particularmente aquelas decorrentes da implantação física (infraestrutura), de gestão (na articulação meios-fins, a indefinição quanto aos fins), além dos próprios limites definidos pela estrutura geral do projeto; por exemplo, o curto tempo de duração da presença dos jovens, as diferenças existentes entre o trabalho e o interesse das entidades como rede executora, o pouco acúmulo – e a falta de socialização do que já existe – com relação ao desenvolvimento metodológico desse projeto em âmbito nacional, além do inevitável descompasso entre a metodologia e a inserção profissional, fruto da natureza contraditória entre os objetivos definidos pela concepção metodológica e a realidade do mercado “auto-regulado” de trabalho.

Como meio de avançarmos na tessitura que envolve a construção desse projeto, tendo as juventudes como o seu principal sujeito, e movidos pela própria natureza da concepção metodológica, qual seja, a de gerar conhecimentos num espaço de prática e de liberdade públicas, vamos compartilhar algumas informações (as primeiras que estão sendo sistematizadas), que falam sobre o processo de escolhas dos cursos pelas juventudes e sua articulação, possíveis perspectivas de trajetória profissional, por meio do CSJ.

 

3 – O processo de escolhas das juventudes e os horizontes de inserção profissional

O Consórcio Social da Juventude de São Paulo estruturou-se, conforme o Plano de Trabalho assinado entre o Cursinho da Poli e o MTE, fundamentalmente, na realização de cursos voltados para o estímulo à participação cidadã da juventude, também chamado módulo básico, num total de 200 horas, e de cursos específicos voltados para a melhoria da qualificação da força de trabalho dos jovens, também de 200 horas. No total, as atividades de curso somam 400 horas, mais as 100 horas de ação comunitária.

Apresentaremos, brevemente, alguns resultados dos módulos básico e específico, originados de pesquisas de instrumentais de gestão e controle oficiais (módulo básico) e de instrumentos de pesquisa de conhecimento dos sujeitos (área de metodologia).

3.1 - Avaliação do módulo básico a partir dos instrumentos de monitoramento oficiais

O módulo básico do projeto foi dividido em quatro estruturas de capacitação: formação cidadã; saúde, meio ambiente, e qualidade de vida; inclusão digital; e apoio ao processo de melhoria escolar nas áreas de português e matemática. Participaram desse módulo sete entidades, distribuídas nos CRJ das regiões Sul e Norte.

O perfil geral das juventudes que responderam aos questionários de avaliação é o seguinte: .

57,2% consideram-se afrodescentes e 8,3%, descendentes de índios ou indígenas.

51,6% são do sexo masculino e 48, 4% são do sexo feminino.

55% estão entre 16 e 18 anos; 34,3% dos 19 aos 21, e 10,7% dos 22 aos 24 anos.

49,8% têm o ensino médio incompleto; 35,6%, o médio completo, 9,2% o fundamental completo, e 5,4% o fundamental incompleto.

1,5% declararam ser portadores de alguma deficiência.

1,2% declararam estar em conflito com a lei ou sob medida socioeducativa.

De maneira geral, os cursos do módulo básico foram bem avaliados, particularmente no que diz respeito a:

. avaliação do(a) formador(a): 60,4% de ótimo/bom;

. aprovação do conteúdo dos cursos: 61,1% de ótimo/bom;

. aprovação para a forma de ministrar os cursos: 58,5% de ótimo/bom;

. aprovação crítica para a atuação da coordenação dos centros de referência: apenas 25,3% de ótimo/bom, diante de 21,3% de ruim. 31,1% das juventudes não responderam.

Com relação às expectativas levantadas pelos cursos do módulo básico:

. 60,7% acreditam que o curso possibilitará seu crescimento pessoal e profissional.

. 58,3% acreditam que o curso favorecerá sua inserção no mercado de trabalho.

. 51,9% esperavam que o curso fosse melhor.

. 22,4% esperam abrir o seu próprio negócio, expectativa rejeitada por 51,7%.

De modo geral, o levantamento das expectativas durante o módulo básico confirma algumas das indicações do perfil das juventudes que realizamos antes da sua chegada:

(a) Estão em busca de novas experiências ou de novos conhecimentos que lhes permitam organizar alguma estratégia de profissionalização. Isso parece coincidir com a faixa etária da maioria: dos 16 aos 18 anos.

(b) A maioria espera se inserir no mercado de trabalho, o que parece não validar muito as opções pelo auto-emprego ou pelo serviço voluntário.

(c) São jovens bastante críticos com relação às informações e aos cursos que são ministrados. Esses cursos permitem crescimento pessoal e profissional, podem contribuir para a inserção profissional, mas precisam de mais e melhores conteúdos.

(d) O desejo da grande maioria parece ser pela inserção no mercado de trabalho, pelo menos, neste primeiro momento de avaliação dos cursos. (e) A maioria, ou cursa, ou está cursando o ensino médio (85,4%). Esse dado constitui um elemento de análise não previsto pela nossa equipe, pois esperávamos jovens com o ensino fundamental completo e incompleto.

Durante o módulo básico, as juventudes deixam claro o desejo de continuar o processo de aprendizagem e de busca por novas experiências/conhecimentos. A necessidade da inserção, como em alguns casos pudemos identificar, se dá por pressão da família, ou de algum outro grupo de convívio social. A busca pela inserção surge mais entre os jovens mais velhos, na condição de jovens pais ou mães, arrimo de família, ou de famílias sem renda. Portanto, não são todas e quaisquer “oportunidades” de inserção que esses jovens estão dispostos a aceitar. Muito menos de cursos com carga horária muito inferior ao necessário para a qualificação básica para o trabalho.

3.2 - O processo e os resultados das escolhas dos cursos do módulo específico e as expectativas das juventudes

As escolhas das juventudes pelos cursos específicos aconteceram dentro de uma lista fechada de cursos. Tal processo aconteceu em razão de quatro situações objetivas:

(a) Por se tratar de uma “experiência-piloto” na cidade de São Paulo, o projeto ainda apresenta poucos referenciais técnicos de mercado, com relação à indicação de áreas profissionais para a realização dos cursos. A única referência possível a ser considerada foi a da gestão municipal de 2001-2004, por meio do Programa Bolsa-Trabalho.

(b) O projeto assinado entre o Ministério do Trabalho e Emprego e a entidade âncora (Instituto do Grêmio Politécnico para Desenvolvimento da Educação - Cursinho da Poli) já indicava algumas das áreas profissionais a serem realizadas no módulo específico.

(c) A necessidade de se contemplar as propostas das entidades já envolvidas com a elaboração desse projeto, desde maio de 2004, e as que vieram a se integrar a partir de fevereiro de 2005.

(d) A releitura das ofertas de inserção já existentes, com base nas informações da Delegacia Regional do Trabalho – DRT-SP.

O quadro final dos cursos oferecidos ficou distribuído nas seguintes áreas:

Serviços: nas áreas de telemarketing, assistente administrativo e recepcionista.

Serviços no setor de arte, cultura e esportes: preparação para eventos esportivos, produção de eventos culturais e artísticos, vitrinismo, brinquedoteca, produção de eventos hip-hop, dança de rua, grafite, produção musical hip-hop, direção e produção de vídeo digital (oficinas de som, de dança, de grafite e de preparação de eventos).

Serviços no setor de informática: informática, edição/finalização vídeo digital, fotografia digital e web design (laboratórios de informática).

Serviços na área ambiental: auxiliar de gestão em ecoeficiência.

Serviços de construção civil: gesso, pintura e acabamento.

Produção/moda: confecção e customização (oficina de corte e costura).

Produção alimentar: gastronomia e segurança alimentar (cozinha-escola).

Comércio: atendente comercial.

Ao todo, foram oferecidos cerca de 37 cursos para as duas unidades: Lapa (18) e Santo Amaro (19).

Faltando 12 dias para o início do módulo específico, e cinco dias antes do término do módulo básico, apresentamos a todos os jovens os cursos que seriam oferecidos, os principais conteúdos que seriam desenvolvidos, as habilidades específicas que seriam estimuladas e os pré-requisitos, ou a ênfase em determinadas áreas do conhecimento que seriam mais requisitadas dos jovens (matemática, comunicação e expressão, escrita etc.). Os critérios de escolhas e desempate foram definidos com a Ouvidoria das duas unidades e contemplaram: a possibilidade de os jovens poderem escolher até três cursos, em ordem decrescente de importância; a prioridade nas vagas, em caso de empate, para os jovens com maior presença durante o módulo básico e, em seguida, os jovens com maior número de horas de ação comunitária já realizada. Durante os últimos dias do módulo básico, a área de metodologia e a de inserção preparam um plantão de dúvidas e esclarecimentos antes do dia “D”, em que os jovens fariam diretamente suas escolhas nos laboratórios de informática, via Internet, onde todo o sistema foi desenvolvido pelos técnicos do consórcio, e a operacionalização foi realizada com o apoio de jovens monitores.

3.2.1 - Os resultados das escolhas das juventudes nas duas unidades

Os resultados das escolhas trouxeram algumas surpresas para a nossa equipe, considerando a diversidade de cursos oferecidos. No total, entre as duas unidades, 1.737 jovens fizeram as três escolhas. Cerca de 120 não quiseram escolher nenhum dos cursos, comparecendo diretamente no primeiro dia do módulo específico nos cursos que estavam por completar o total de vagas ofertadas.

Nossa primeira surpresa foi a concentração das escolhas dos jovens em três grandes setores: cerca de 32% do total das três escolhas recaíram sobre os cursos de serviços na área de telemarketing e assistente administrativo, seguidos das áreas de serviços em arte, cultura e esportes, 24,2%, e serviços em informática e digital, 23,2%.

A segunda foi que do total da “primeira opção”, 37% escolheram a área de serviços de telemarketing e assistente administrativo, seguida das áreas de serviços em informática e digital, 25,2%, e serviços em arte, cultura e esportes, 18,4%.

Ao verificarmos os números de cada escolha em relação aos cursos mais procurados nas duas unidades, vamos identificar algumas situações bastante significativas, acompanhadas de pequenas diferenças em relação aos dados anteriores:

. 48% das primeiras escolhas concentraram-se em cinco cursos: segurança alimentar, assistente administrativo, web design, técnicas administrativas e informática.

. 36% das segundas escolhas também se concentraram nos mesmos cinco cursos, alterando apenas assistente administrativo para fotografia digital. . 36% das terceiras escolhas recaíram sobre os mesmos cursos/áreas, incluindo-se, aí, o curso de produção de eventos culturais.

. 40% do total das três escolhas concentraram-se nos cursos/áreas de maneira decrescente: segurança alimentar (448), técnicas administrativas (396), web design (362), informática (344), fotografia digital (245), assistente administrativo (173) e produção de eventos culturais (102).

Ao detalharmos um pouco mais esses números por unidade e por escolhas, veremos de maneira ainda mais específica onde se concentraram as escolhas:

CRJ Norte

(1) As primeiras escolhas, que somaram 860, foram as que apresentaram o maior grau de concentração de cursos ou áreas: 62,5% do total distribuídas em apenas cinco cursos; seguidas de 53,7% para segundas escolhas (= 860) e 47,3% para terceiras escolhas (= 860), ambas entre cinco cursos.

(2) Os cursos de telemarketing, assistente administrativo e informática/digital, concentraram 90,5% do total das primeiras escolhas, e 87% do total das segundas escolhas.

(3) No conjunto das três escolhas, os cursos que mais tiveram aceitação em termos absolutos foram: web design (362), assistente administrativo (334) e fotografia digital (331).

CRJ Sul

(1) O grau de concentração das escolhas foi maior do que no CRJ Norte, em que: 73% do total das primeiras escolhas em apenas cinco cursos; 60,7% do total das segundas escolhas em cinco cursos; e, 55,6% para o total das terceiras escolhas.

(2) Só o curso de gastronomia e segurança alimentar concentra cerca de 21% do total das primeiras escolhas; e 17,5% do total das terceiras escolhas.

(3) Os cursos nas áreas de telemarketing e administrativa, concentraram cerca de 45% do total das segundas escolhas.

(4) No conjunto das três escolhas os cursos que mais tiveram aceitação em termos absolutos foram: assistente administrativo (573), segurança alimentar e gastronomia (448) e informática (344).

3.2.2 – O atendimento das escolhas em relação aos cursos ofertados

Ao realizarmos o levantamento das possibilidades de atendimentos das escolhas dos jovens, considerando o número de vagas ofertadas, os horários escolhidos e os critérios de desempate, chegamos ao seguinte quadro por unidade:

CRJ Norte

Foram contemplados 48% do total das primeiras escolhas, 20% das segundas e 11,5% das terceiras; cerca de 20,5% não foram contemplados em nenhuma das três escolhas.

Das escolhas não contempladas, a maioria foi inscrita nos seguintes cursos: auxiliar de gestão em ecoeficiência: 30 de um total de 90 vagas; direção e produção de vídeo: 23 de 90 vagas; vitrinismo: 18 de 30; edição e finalização de vídeo: 14 de 90; atendente comercial: 12 de 60; apoio a eventos: 12 de 30; segurança alimentar: 11 de 30.

CRJ Sul

Foram contemplados 47% do total das primeiras escolhas, 18% das segundas e 13,5% das terceiras; cerca de 21,5% não foram contemplados em nenhuma das três escolhas.

Das escolhas não contempladas, a maioria foi inscrita nos seguintes cursos: auxiliar de gestão em ecoeficiência: 49 de um total de 90 vagas; corte e costura: 27 de 60 vagas; produção eventos hip-hop: 19 de 30; produção musical hip-hop: 18 de 30; corte, costura e customização hip-hop: 16 de 30; apoio a eventos esportivos: 14 de 60; acabamento (gesso, texturização e pintura): 12 de 60.

Os dados referentes às escolhas suscitam um certo grau de desconfiança na relação entre a busca por maior conhecimento/experiências e o grau de concentração das escolhas em cursos que, efetivamente, contratam as juventudes no mercado de trabalho.

Um dado que consideramos bastante relevante foi o volume de atendimento das escolhas feitas pelas juventudes. É fato que, se tivéssemos mantido a estrutura anterior do Plano de Trabalho, com a não-possibilidade de escolha por parte das juventudes, pouco poderíamos detectar da forma como eles vivenciam esse processo de escolher um curso para a capacitação profissional, estimulados pela possibilidade (que não é pequena) de inserção no mercado de trabalho.

Mais uma vez, as escolhas parecem guiar-se pela necessidade, ou pelo que já conhecem de possibilidade efetiva de trabalho no mercado. Num outro momento, analisaremos as escolhas individuais, procurando observar essas possíveis contradições. É importante assinalar que a estrutura burocrática e de gestão não nos permitiu, em tempo oportuno, realizar pesquisas qualitativas com as juventudes, como forma, inclusive, de garantir o papel de sujeitos no processo de definição das políticas públicas de trabalho.

 

4 – As avaliações iniciais dos cursos do módulo específico a partir das escolhas e expectativas

A avaliação dos cursos aconteceu ao término das 140 horas de atividades do módulo específico e, em decorrência de problemas técnicos no Centro de Referência da Região Sul, a pesquisa foi realizada apenas com as juventudes da Região Norte.

As juventudes que responderam à pesquisa corresponderam, com relação ao universo das escolhas (primeira, segunda ou terceira opção), aos dados já apresentados anteriormente: 46,5% dos que avaliaram o curso, o escolheram como primeira opção, 19,3% como segunda opção, 17,2% como terceira opção e 17% não escolheram o curso em nenhuma das opções.

Perguntados sobre o que os motivou a escolher determinado curso como primeira escolha, obtivemos o seguinte resultado: . 42,5% estão em busca de novos conhecimentos ou experiências na área do curso.

. 24,3% não tiveram nenhuma motivação particular, indo “na sorte” ou porque o nome chamou-lhe a atenção na hora de escolher.

. 21,6% escolheram o curso porque querem seguir alguma carreira/profissão na área ou ter alguma experiência de trabalho.

. 6,1% esperam conseguir trabalho rápido na área do curso escolhido. Em correspondência aos motivos da primeira escolha, quando perguntados se o curso está correspondendo às expectativas confiadas, 80% responderam que sim. Entretanto, para 95% o curso está trazendo conhecimentos novos, ou seja, além de serem atendidas às expectativas pela busca de novos conhecimentos, os cursos, de um modo geral, estão contribuindo para agregar novos conhecimentos àqueles que buscam seguir carreira ou ampliar seus estudos/profissão na área. Nesse contexto, merecem destaque os seguintes cursos: edição e finalização em vídeo digital, vitrinismo, acabamento (pintura e gesso), atendente comercial e assistente administrativo, web design e gestão em ecoeficiência.

Para 74%, os novos conhecimentos que estão sendo ensinados, permite-lhes buscar trabalho na respectiva área. Porém, alguns cursos parecem não confirmar essa possibilidade: direção e produção de vídeo digital, fotografia digital, vitrinismo e preparação para eventos esportivos. Os que mais confirmam a tendência de procurar trabalho depois do curso são: atendente comercial, operador de telemarketing, assistente administrativo e preparador de eventos esportivos.

Os cursos na área de tecnologia da informação/mídia, embora tenham trazido novos conhecimentos, não possibilitaram às juventudes visualizar uma forma de inserção no mercado de trabalho:

. 48% não relacionaram o curso de produção e direção de vídeo digital. . 37% no caso de auxiliares em ecoeficiência.

. 35% em fotografia digital.

. 31% em web design.

. 28% em edição e finalização em vídeo digital.

Talvez, a dificuldade de visualizar uma inserção no mercado de trabalho venha da própria condição desse mercado que, na maioria dos casos, conta com uma maioria de trabalhadores autônomos, ou “freelancer”, e é pouco estruturado em termos oferecer uma carreira profissional, na forma de contratação em carteira.

A grande maioria das juventudes, isto é, cerca de 88% até o momento da escolha dos cursos, nunca havia trabalhado na área relativa ao curso que estava realizando. Dos 12% restantes, que afirmaram ter trabalhado na área do curso, 5% trabalharam sem carteira assinada por mais de três meses, 3,5% trabalhou na forma de bicos ou com a família, e 2,1% como trabalho voluntário. Apenas 0,05% trabalhou com carteira assinada por mais de três meses. Os setores entre os que trabalharam sem direitos trabalhistas e sociais foram: atendente comercial, assistente administrativo, apoio em eventos, acabamento e web design. No trabalho voluntário destacam-se: eventos esportivos, área de informática, assistente administrativo e comercial.

Para 86,7% das juventudes, os cursos estão contribuindo para ajudá-los a definir algum tipo de estratégia para sua inserção no trabalho. As estratégias previamente indicadas são:

· 28,7% pretendem buscar inserção no mercado de trabalho. Destacam-se, aqui, os cursos na área de assistente administrativo e comercial, recepcionista/auxiliar de eventos e acabamento (construção civil). · 27,4% vão aguardar o consórcio oferecer uma vaga no mercado de trabalho, principalmente nas áreas de assistente administrativo, acabamento, informática/mídia e eventos esportivos.

· 24,7% vão continuar procurando outros cursos na área. Com destaque para aqueles na área de informação/informática/mídia.

Cerca de 80% das juventudes pretendem conseguir um trabalho na própria área do curso. Exceções para os de acabamento, vitrinismo, dança de rua, fotografia digital e direção/produção de vídeo digital.

Durante a realização do curso, cerca de 27% realizaram algum tipo de atividade remunerada esporádica (bico) na área escolhida, com destaque para fotografia digital, auxiliares em ecoeficiência, preparação de eventos esportivos, edição e finalização em vídeo digital e acabamento (gesso, pintura e texturização). Ainda durante os cursos, 22% participaram, ou de entrevistas ou de seleção, ou receberam algum tipo de proposta de trabalho na área do curso, em especial telemarketing, atendente comercial, apoio a eventos e assistente administrativo. Por outro lado, 27,5% participaram de entrevista/seleção para uma outra área que não a do curso. Este foi o caso das juventudes que estão cursando assistente administrativo, recepcionista de eventos, edição e finalização em vídeo digital, auxiliares em ecoeficiência, fotografia digital e web design.

Perguntados sobre os tipos de atividades/serviços que não gostariam de trabalhar, as juventudes responderam:

· 26% em telemarketing.

· 21% na construção civil.

· 16% como dj/grafite.

· 9,7% no setor de costura/customização.

· 4,2% em escritórios/administrativos.

Por outro lado, as áreas que se mostraram com maiores possibilidades de eles virem a escolher um trabalho são:

- Setor de alimentação: hotéis, bares, restaurantes, grandes lojas e franquias.

- Informática para escritório e mídia.

- Serviços na área ambiental. - Direção e produção de vídeo digital.

- Organização de eventos culturais, esportivos e artísticos.

 

5 – Tecendo algumas considerações a partir do projeto metodológico

Uma crítica recorrente às políticas públicas, cujo público-alvo são as juventudes, está na herança do Estado autoritário, que se revela de modo particular no Brasil, por meio de duas dimensões: a paternalista-assistencialista e a modernização conservadora. Em ambas as dimensões está presente “a forte separação entre mecanismos de decisão, formulação e implementação das políticas, desarticulação entre a política econômica e a política social, e dificuldades em construir experiências sensíveis às diversidades, elemento muito importante num país cujas necessidades sociais, setoriais, locais e regionais são relativamente heterogêneas” (TOKMAN et all, 2003: 53).

Essa crítica continua, infelizmente, válida para o valoroso esforço de constituição de um Programa Nacional de Primeiro Emprego, dirigido às juventudes, em particular àqueles de baixa-renda, baixa escolaridade etc., como é o caso do Consórcio Social da Juventude. Onde está a validade da crítica?

Embora o programa Consórcio Social da Juventude contemple a remuneração de técnicos para viabilizarem a implantação local do programa (o que a maioria dos projetos não faz), o tempo de permanência das juventudes (400 horas) visando à capacitação profissional para a inserção é insuficiente, sobretudo, quando os próprios jovens estão dizendo que seu principal objetivo, nesse momento, não é a inserção, mas dar continuidade ao processo de formação profissional, entendendo por esse processo a necessidade de serem apoiados na difícil tarefa da escolha profissional.

Essa falta de “casamento” entre o perfil esperado pelo Programa e o perfil real das juventudes corre um sério risco de levar a uma frustração tanto das entidades, do corpo técnico, como também das juventudes. O mais delicado dessa situação pode ser o crescimento do descrédito das juventudes, em particular, com as políticas públicas de governo.

Os dados de escolhas e expectativas das juventudes indicam claramente que, antes da busca pela inserção, mesmo ao se tratar de jovens com baixa-renda, não é a expectativa principal. O CSJ, com base nas atividades da área de inserção, acabou por reforçar uma estrutura já conhecida pelos jovens: as áreas que oferecem trabalho para eles, não lhes proporcionam novos conhecimentos, sujeitam-nos a condições precárias, negam seus direitos e garantem um rendimento muito baixo. Neste último caso, temos o fato de cerca de oito jovens terem se recusado a comparecer ao processo seletivo do Mc’Donalds, por não quererem ver se transformando em “Mc’ Escravos”, ainda que isto lhes custe um bom currículo, caso passe pela fase de nove meses de treinamento em todos os setores de atendimento e de alimentação.

Uma conclusão interessante que pudemos tirar dessa experiência, que ainda se realiza (termina no início de agosto nestas regiões), é que o grau de leitura crítica da realidade do mercado de trabalho que esses jovens apresentam, é maior do que o grau de necessidades que lhes imputamos, a título de convencê-los a aceitar ofertas de trabalho de um mercado auto-regulado, bem como que deveria se constituir como o foco real de uma política pública que provocasse uma mudança estrutural nesta relação entre o capital e o trabalho. Talvez, aí, essas juventudes possam começar a dar alguma credibilidade às ações governamentais. E a gente também!

 

Referencias

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XICO, Lara. “Conversas sobre Trabalho e Juventude”. Caderno Jovens e Juventude: Contribuições. Projeto Redes Juventudes. Recife: julho de 2004.

 

PUBLICAÇÕES E REVISTAS

Seminário Regional Juventud, Diversidad cultural e desarrollo local: propuestas e ideas contra la exclusion social.. Chile: CIDPA: Fundación Friedrich Ebert. Dezembro de 2003.

TOKMAN, Victor E., CORROCHANO, M. C. & GOUVÊA, J. L. Desemprego juvenil no Cone Sul: uma análise de década. São Paulo: Fundação Friedrich Ebert. 2003.

Revista Movimento. Juventude, educação e sociedade. Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Nº 01. Rio de Janeiro: maio de 2000.

 

 

Endereço para correspondência

Antonio José Rollas de Brito R. Augusta, 1460, ap. 32 - Consolação
01304-001 São Paulo, SP
Tels./fax: 3283-4734 (res.) Cel: 9115-3885
E-mail: ajrbt@uol.com.br
E-mail: brito_consorcio@yahoo.com.br

Recebido em 07/04/2005
Aceito em 30/05/2005

 

 

 

* Coordenador Metodológico do Consórcio em São Paulo, pela entidade-âncora. Doutorando em Psicologia Social pela PUC-SP. Economista e Mestre em Psicologia Social pela PUC-SP.
1 Usaremos o termo ‘juventudes’ em nosso artigo, pelo fato de ele melhor expressar as diversidades e as diferenças que caracterizam esta condição humana ‘de estar jovem’. (N.do A.)
2
Termo utilizado a partir do conceito de ‘sofrimento ético-político’ de Sawaia, Bader B. O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão. In: SAWAIA, Bader B. (org.) As artimanhas da Exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.         [ Links ] p. 97-118.
3 Texto extraído do site www.mte.gov.br do Ministério do Trabalho e Emprego (29/07/05)
4 O Cursinho da Poli foi a entidade-âncora indicada pelo MTE para implantar o Consórcio nas regiões Norte e Sul da cidade, acolhendo cerca de 2.000 jovens, sendo em torno de 1.000 jovens para cada região. Como definimos centralizar todo o funcionamento das atividades nos Centros de Referência das Juventudes (CRJ), isto é, nos espaços onde havia prédios do Cursinho, uma unidade ficou na Lapa, atingindo principalmente as juventudes da região Noroeste (Brasilândia, Pirituba, Cachoeirinha, Perus etc.), e a outra unidade na região do Socorro, atingindo as juventudes daquele lado da represa (Guarapiranga, Parelheiros, Jd.Ângela, Santo Amaro etc.). OCSJ contou com uma turma exclusiva numa Associação de Deficientes Visuais (CADEVI) com a participação de 20 desses jovens.
5 foi criado em julho de 2001 e era parte da Estratégia Paulistana de Inclusão Social. Tinha como objetivos: oferecer meios para que os jovens de baixa renda se mantivessem vinculados à rede de ensino, além de oferecer uma capacitação adicional voltada ou não ao mercado de trabalho. 6 6 Constitui obrigatoriedade contratual do Programa Consórcio Social da Juventude, a inserção de, no mínimo, 40% do total das juventudes participantes nas diferentes modalidades de emprego, trabalho ou geração de renda. A obrigação da inserção pode ser de responsabilidade exclusiva da entidade-âncora ou de responsabilidade compartilhada entre a entidade-âncora, a Rede Executora e o Conselho Consultivo (composto por entidades da sociedade civil com presença destaca nas relações de trabalho ou em trabalhos com as juventudes).
7
As ações comunitárias ou voluntárias, segundo nossa compreensão, é de responsabilidade da entidade-âncora ou de cada Coordenação dos Consórcios Sociais. Os jovens devem cumprir durante todo o momento que permanecem no consórcio, 100 horas ou 25 horas-mês de ação comunitária, como contrapartida do benefício de R$ 150,00 mês ou R$ 600,00 pelo tempo total de permanência no CSJ.Simulações de brigas entre adolescentes, que facilmente ultrapassa a fronteira entre o que é simulado e a real agressão.

8
A Ouvidoria faz parte da estrutura oficial do CSJ. Porém fica a cargo das entidades definirem o perfil, a atuação e o papel da Ouvidoria no CSJ. No nosso caso, os jovens foram indicados do conjunto dos representantes das turmas. Em alguns casos, os consórcios contratam ouvidores para a ‘escuta’ das juventudes.

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