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Imaginário

Print version ISSN 1413-666X

Imaginario vol.11 no.11 São Paulo Dec. 2005

 

PART II

 

Ensaio visual

 

Visual essay

 

 

Paula Morgado, agosto de 2005

Endereço para correspondência

 

Em maio de 2005 conheci Elenita, jovem moradora da favela do Real Parque. Fui apresentada por sua mãe, Mandão (como gosta de ser chamada Carmelita). Sem ajuda da prefeitura, ela vive de doações lutando para manter impecável a única creche da comunidade. Respeitada pelos moradores, adorada por muitas crianças, é um papo obrigatório para quem desenvolve qualquer trabalho na favela do Real Parque, próxima a Ponte do Morumbi às margens do Rio Pinheiros.

“Moradias precárias, lixo jogado pelas ruas, esgoto a céu aberto, erosões nos morros. Estes cenários marcam a vida de milhões de brasileiros que vivem em favelas e bairros degradados pelo país. São espaços que, muitas vezes, não estão restritos às periferias distantes de grandes centros comerciais. O bairro Real Parque, na zona Sul de São Paulo, é exemplo claro de uma cidade de extremos em que, ao lado de mansões, encontra-se uma parte da cidade que ainda enfrenta muitos problemas e descaso das autoridades. Neste bairro, segundo a Pesquisa Social Participante, realizada pelo Observatório Social, do Projeto Casulo, a maior parte dos mais de 4.300 habitantes, são oriundos de Pernambuco” (Própesro, Daniele, “Moradores do Real Parque resistem a precárias condições de saneamento e habitação, 07/10/2004, www.setor3.com.br)

Elenita completou o segundo grau e conseguiu uma bolsa para fazer dois cursos, de informática e de línguas (inglês e espanhol). Há três meses faz limpeza no Centro Empresarial Nações Unidas em frente à favela, do outro lado do Rio Pinheiros, mas quer “arrumar coisa melhor”. Tal como a mãe, esbanja bom humor e foi isso que me cativou e nos aproximou, além da surpresa que tive diante do resultado das imagens realizadas com uma câmera fotográfica sem nenhum recurso. Pedi a ela que me contasse, através das fotos, o seu dia-a-dia, destacando o que a incomodava e o que havia de bom em seu bairro. Entreguei-lhe dois filmes coloridos: um de 36 poses, em junho, e outro de 24 poses, na primeira semana de julho de 2005. Vimos, juntas, as fotos e montamos a história abaixo, cujo texto e fotos são de sua autoria – com exceção da seqüência de graffitis, percorrendo a favela, desta vez com minha câmera digital.

 

Um mundo melhor

Meu nome é Elenita Pereira de Lima. Tenho 21 anos. Estou escrevendo agora para contar um pouco do meu dia-a-dia. Eu trabalho na ALCOA CENU Nações Unidas que fica na Berrini nas três torres. Eu estou lá de segunda a sábado. É um lugar que só tem empresário. Aí você me pergunta: O que você está fazendo lá se só tem empresário? E eu te respondo: lá eu trabalho por quatro horas. Levanto cinco horas da manhã, me arrumo, cinco e meia pego o ônibus. Chego faltando 15 minutos para as seis horas. Bato meu cartão e começo a pegar no batente, como limpar mesas, retirar o lixo e limpar as salas de reuniões. Lá eu trabalho na limpeza. Depois de fazer as minhas quatro horas eu volto para a casa a pé. Gasto mais ou menos 20 minutos para chegar em casa. Aí a rotina continua: arrumar a casa, fazer comida, lavar roupa... Depois de tudo, ainda sobra um pouco de tempo para descansar. Mas há dias em que eu tenho que ir para os cursos. Apesar de gostar de ir, eu não tenho descanso. É um dia corrido... Sei que todo esse esforço que eu estou fazendo hoje vai ter resultado bom para a minha vida. Por que o meu objetivo de hoje é crescer na vida e ter um mundo melhor. E eu sei, e acredito, que o mundo vai melhorar. Esse é meu dia-a-dia.

Uma frase que eu acho muito bonita e sempre carrego comigo:


“Não sabendo que era difícil, ele foi lá e fez”.

Elenita P. de Lima, julho de 2005

 

 

Ensaio Visual de
Elenita Pereira Lima

 

Favela Real Parque, São Paulo, SP

Julho de 2005

 

Onde moro há muitos problemas....

 

 

Numa época em que se discute o direito à imagem, as pessoas esquecem que o direito à representação da imagem pertence a poucos, já que muitos são privados dos instrumentos para se pensar sobre ela. Um dos caminhos para se efetivar isso tem sido a inclusão visual, em suas diferentes facetas, que, velozmente, ganha espaço entre jovens de todo o mundo. Este ensaio fotográfico expressa tal desejo e aponta para o fato de que, seja qual for a origem social, os jovens não querem ser vistos dentro de guetos, pois, mais do que nunca, estão conectados às imagens produzidas no mundo, fazem parte dessa produção e querem difundir suas próprias imagens. Os clics de Elenita e os graffitis de Alex, Careta, Diego, Emol, Foco, Jair, Priscilla e Renan comprovam isso.

 

 

Endereço para correspondência
Paula Morgado
E-mail:
lopes@usp.br

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