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Imaginário

Print version ISSN 1413-666X

Imaginario vol.12 no.12 São Paulo June 2006

 

PARTE I

 

O jovem e o mundo do trabalho: consultas terapêuticas e orientação profissional

 

The young and the work world: therapeutics consultants and vocational counseling

 

 

Yvette Piha Lehman; Maria da Conceição Coropos Uvaldo; Fabiano Fonseca da Silva

Serviço de Orientação Profissional, Instituto de Psicologia - Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As mudanças no mundo do trabalho e suas conseqüências sobre a educação levaram à ampliação do público atendido pelo Serviço de Orientação Profissional do Instituto de Psicologia da USP, criando a necessidade de busca de novas modalidades e estratégias de atendimento. Este artigo descreve uma experiência desenvolvida no “cursinho da Psico”, voltado para a população de baixa renda. Considerando que a Orientação Profissional pode constituir-se como “holding”, ou um espaço de acolhimento não apenas para a crise psico-evolotutiva própria da juventude, mas também para lidar com o atual momento de fragmentação e imprevisibilidade do mercado de trabalho, utilizamo-nos do modelo das “consultas terapêuticas” desenvolvida por Winnicott, adaptado para um modelo de atendimento grupal, em vez de palestras informativas. A avaliação dos participantes aponta a adequação do modelo por oferecer um lugar para compartilhar as ansiedades, importante para o aluno que convive em um ambiente competitivo como o cursinho, resgatando, também, o espaço do grupo como possibilidade de criação de projetos pessoais e coletivos.

Palavras-chave: Orientação profissional, Consultas terapêuticas, Educação.


ABSTRACT

The changes in labor market and their consequences for education have expanded the public seen in the Vocational Counseling Center in the Institute of Psychology in USP, creating the necessity of new modalities and strategies for helping and advising this public. This paper describes an experience developed in a course which prepares students, who belong to lower classes, for attending college. Considering that Vocational Counseling can constitute as “holding” or even a sheltered space not only for the psycho-development crisis of youth, but also to understand the current moment concerning the labor market changes. It was used the Winnicott’s model of “therapeutic consultation”, which was adapted for advising a group instead of presenting informative lectures. The participants’ evaluation shows that this model is adequate for offering a place to share their worries, which is important for students, who live in competitive environment like the preparatory course for college, and also for rescuing the group space as a possibility of creating personal and collective projects.

Keywords: Vocational counseling, Therapeutic consultation, Education.


 

 

No Brasil, tradicionalmente a Orientação Profissional é associada ao jovem de classe média/alta que escolhe um curso superior ao fim do ensino médio (Lehman, 1995; Uvaldo, 1995). Fruto de uma concepção de escola em que o trabalho era um conceito estudado apenas na disciplina de física, os jovens procuravam orientação para dar continuidade ao plano já estabelecido de estudos, ou seja, até mesmo o curso superior não carregava em si necessariamente a profissionalização (Silva, 2003), sendo comuns e necessárias, durante a Orientação Profissional, discussões relacionando o curso à atividade profissional e ao mercado de trabalho, causando, dessa forma, certo desconforto necessário para a percepção mais realista do mundo do trabalho, bem como um motivador para a busca ativa de informações e reflexões.

Nesse processo, deparamo-nos, também, com o viés apresentado e reforçado pelos chamados cursinhos e escolas privadas, em que o exame de acesso ao ensino superior (vestibular) é prioritário, deslocando a atenção do jovem do fim para o meio. Ou seja, o importante é ingressar na universidade, não importa em qual curso. Grosso modo, como se em uma viagem o ponto central de preocupação e organização fosse o meio de transporte e não o local de destino, o conteúdo das malas, a finalidade da viagem, ou mesmo o que acontecerá ao chegar.

Ao procurarmos bibliografia especializada na área de Orientação Profissional, deparamo-nos, freqüentemente, com trabalhos que têm por base a proposta de Bohoslavsky (1983, 2001), ou críticas a esse modelo, mas que na maioria das vezes não rompem com o estereotipo da Orientação Profissional voltada para quem ingressa em um curso superior. Essa parcela seleta da população beneficiada pela orientação é algo preocupante quando se trata de um país em que a grande maioria, até mesmo entre os jovens, encontra-se em graus variados de pobreza e, portanto, afastado do ingresso em cursos superiores.

Ciente desse panorama, o Serviço de Orientação Profissional do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (SOP) sempre buscou nos seus 35 anos de existência novos modelos de atuação, pesquisados e desenvolvidos com base no contato direto com a comunidade e suas necessidades.

O SOP oferece atendimento gratuito, referência para orientadores educacionais e profissionais, bem como serve de termômetro das transformações da educação e do trabalho na cidade de São Paulo, recebendo jovens oriundos de várias regiões da cidade, o que possibilita um mapeamento da situação da educação em escolas públicas, privadas e cursinhos.

Mudanças sociais trouxeram um novo público ao SOP: adultos (Uvaldo, 2002), aposentados, maior diversificação da população jovem: universitários em crise com o curso (Lehman, 2005); jovens de baixa renda, pessoas com deficiências, enfim, uma amostra mais significativa da população da cidade e de relações com o trabalho ou com o desemprego. Essas alterações são frutos da mudança do cenário produtivo da cidade, com a desindustrialização dos anos 90 (Pochmann, 2000) e a nova vocação de São Paulo como prestadora de serviços, transformações desencadeadas por questões econômicas e processos como a globalização e a reestruturação produtiva.

Essa nova configuração da população que procura o SOP fez com que tanto a equipe fixa, quanto os estagiários e os pós-graduandos mobilizassem-se em busca de entender e, com base nessa compreensão, desenvolver novas formas de intervenção que respondam a essas demandas. Assim, hoje no SOP, temos em andamento atendimentos específicos para adultos com baixa escolaridade, com ensino médio, nível superior, para aposentados, psicóticos, pessoas com deficiência, entre outras clientelas.

E para os jovens? Em 2005, das 938 pessoas inscritas no SOP, 59,9% tinham entre 16 e 18 anos, havendo semelhança no número de inscritos vindo de escolas públicas e privadas. O discurso hegemônico diferencia-se dos jovens que procuravam o SOP entre as décadas de 70 e 80, em que o grande foco era “descobrir” um curso e uma profissão que pudessem dar vazão às suas aptidões e à realização pessoal. É fato que, nessa época, o acesso ao nível superior não era tão estimulado, e os detentores de curso superior eram exceção na população, facilitando a entrada no mercado de trabalho. Hoje, defrontamo-nos com um contexto considerado por muitos (Frigotto, 2004; Pochmann, 2004) como de desemprego endêmico, em que o aumento do período de estudo é apontado como salvação e no qual o jovem que procura o SOP acredita que se não tiver um curso superior não terá oportunidade de ingresso no mercado de trabalho.

Do jovem que trazia a necessidade de auto-conhecimento para encontrar a ocupação que mais o realizasse, passamos hoje para os jovens que colocam como questão primeira e fundamental as oportunidades de trabalho da carreira escolhida, deixando a realização pessoal para um plano secundário.

Essa perspectiva é reforçada pela pesquisa de Costa (2002) que ao estudar os fatores que exercem maior influência na opção profissional entre alunos de uma escola pública, encontra 63% dos jovens que consideram o mercado de trabalho como um fator determinante contra 26% de alunos que apontam a realização pessoal como fator mais importante. Silva (2003) confirma essas informações em pesquisa realizada em escolas pública e privada.

 

Questionamentos dos jovens

Haverá lugar para mim? Como posso sobreviver neste novo mundo do trabalho? O modelo de escolha baseado na definição pessoal, gostos e nos valores em primeiro lugar, parece ficar pouco relevante diante das novas questões trazidas pelo capitalismo avançado.

Já nas entrevistas de triagem realizadas com jovens no SOP, há exemplos de pessoas próximas, às vezes os próprios pais, que estudaram, dedicaram-se à profissão, que tudo levava a crer que teriam uma trajetória de sucesso e hoje estão desempregados ou fazendo “bicos”. Isso gera uma grande incerteza quanto à escolha e ao futuro.

Mas, curiosamente, a dúvida recai sobre o curso a escolher, as profissões melhor remuneradas ou de futuro, e não sobre o modelo de carreira. Ou seja, o caminho previsto pela maioria ainda é o de obter uma boa educação formal (ensino médio e curso superior), fazer estágio em uma boa empresa, ser efetivado, dando-se o desenvolvimento profissional e da carreira de forma quase automática, fruto de dedicação e tempo de serviço.

Para esse jovem ser empreendedor, é necessário investir em si próprio por meio de cursos de línguas, informática, na linguagem corrente: “turbinar o currículo”. E este também é o modelo que encontramos nas camadas mais pobres da população, que por não conseguir inserção no mercado de trabalho continuam na escola, esperando que esse esforço traga ganhos financeiros e uma ascensão social. O que oferecer a esses jovens que incluídos no processo educacional almejam uma posição no mercado de trabalho? E o que fazer então com os também excluídos da escola? Pochmann alerta para o lugar no mercado de trabalho destinado ao jovem no atual contexto social: diante das transformações atuais na economia brasileira, as alternativas ocupacionais do jovem estão distantes, cada vez mais, dos setores modernos da economia e associadas, geralmente, aos segmentos de baixa produtividade, bem como à alta precariedade do posto de trabalho. Hoje, os padrões ocupacionais dos jovens apontam para o agravamento do quadro de marginalização e desagregação social produzido pelas políticas macroeconômicas e reproduzidas pelo funcionamento desfavorável do mercado de trabalho. (2000: 55)

Dubar (1997) considera que, para a geração atual, o confronto com o mercado de trabalho acontece em condições bastante desfavoráveis, pois hoje defrontamo-nos com uma alta taxa de desemprego, um processo acelerado de mudanças tecnológicas e organizacionais, um prolongamento da vida escolar e um acesso cada vez menos a um emprego considerado estável. E alerta, mesmo quando há o reconhecimento pelo mercado de trabalho das competências e pertinência do indivíduo, ou seja, a possibilidade de ela ser uma “identidade profissional para si”, já não existe a possibilidade de ela ser diferente, estando sempre obrigada a sofrer ajustes e mudanças.

Para além da escolha de uma profissão ou ocupação, ou ainda da obtenção de um diploma, DUBAR (1997) dá ênfase à necessidade de uma construção pessoal, de uma estratégia identitária que ponha em jogo a imagem do eu, suas capacidades e a realização de seus desejos, sempre considerando a realidade vivida. A Orientação tem, enfim, uma nova questão: criar sentidos em uma realidade fragmentada e em mudança constante.

O que fazer? Como orientar? Essas perguntas não são apenas nossas, fazem eco com as questões de outros pesquisadores da área (Hansen, 1997; Savickas, 1995; Lehman, 1995; Osipow, 1990).

 

Implicações para um novo modelo de intervenção

Passamos, durante a adolescência, por uma crise psico-evolutiva que pode gerar momentos ou períodos de regressão. Assim como o bebê, o adolescente necessita de uma membrana delineadora para poder buscar novas formas de integração do Ego com os novos papéis adultos a serem assumidos – entre eles, o da profissão.

Essa tarefa, no entanto, torna-se mais complexa na medida em que, no atual momento, o capitalismo mostra-se mutante e imprevisível, tornando as representações frágeis e fragmentadas, colocando em risco os vínculos. Sem reconhecimento daquilo que é criado, o adolescente sente que fracassou e não percebe que o ambiente foi inadequado, sentindo-se desvitalizado, sem força para acreditar na sua ação criativa.

Para Lehman (1996), o processo de Orientação Profissional baseado numa abordagem clínica como a que propôs Bohoslavsky (1983) pode constituir-se como sustentação, ou “holding”, facilitando a criação de um espaço potencial para a ilusão e o delineamento desses novos vínculos adultos. A importância e a qualidade do “holding” enfocam a influência decisiva de um ambiente facilitador (Winnicott, 1975).

Como bem aponta Outeiral (1994: 34),

“a criatividade na adolescência articula-se necessariamente com a noção de limite (...), da criação de um espaço protegido dentro do qual o adolescente poderá exercer sua espontaneidade e criatividade sem receio e risco. Precisamos nos lembrar que não existe conteúdo organizado sem um continente que lhe de forma”.

Esta nova forma de encarar a Orientação Profissional e a juventude fez-nos questionar o valor das palestras que freqüentemente eram proferidas pelos membros da equipe do SOP em escolas públicas e privadas. Nessas palestras, tratávamos da importância do auto-conhecimento do jovem e apresentávamos informações sobre as carreiras. Em geral, essas atividades terminavam com um tiroteio de perguntas, algumas objetivas, outras nem tanto, o que mostrava que a mera conscientização da necessidade de um processo de escolha mais ativo não auxiliava a platéia como gostaríamos, que ficava ávida por alguma orientação ou compreensão do processo.

Com base nessa constatação e na importância que passamos a dar ao “holding” em nossos trabalhos, interessamo-nos em pesquisar a aplicabilidade de um modelo similar às “consultas terapêuticas” proposta por Winnicott. Utilizamos o modelo inicialmente em atendimentos individuais (Lehman, 2001) e, posteriormente, em grupos. Hoje, essa modalidade substitui as palestras que realizávamos em escolas e instituições. Relatamos, a seguir, uma experiência realizada no cursinho pré-vestibular do IP-USP.

 

Definindo as consultas terapêuticas

Winnicott (1975, 1984) define consultas terapêuticas como um método de comunicação significativa, entre terapeuta e paciente, num tempo e espaço definidos. Nestas consultas (o autor sugere que não ultrapassem de três), o terapeuta procura fornecer um ambiente adequado e uma disposição psíquica facilitadora para a emergência de uma relação humana confiável, na qual possam vir à tona os problemas e os conflitos para que o paciente possa experimentar um estado de “descoberta” diante desses aspectos desconhecidos. O encontro, portanto, visa favorecer a integração de aspectos do próprio paciente, anteriormente dissociados (Lescovar, 2001). Em virtude desse caráter imprevisível das consultas, cada encontro adquire uma configuração própria, resultado da interação e das características do par paciente-terapeuta.

A vivência compartilhada é a principal intervenção das consultas, e “o terapeuta adota uma postura ativa, já que realiza pontuações, interpretações que funcionam como ‘disparadores’, fazendo circular os conteúdos inconscientes, favorecendo as associações.” (Oliveira, 2001: 262)

A flexibilidade é, assim, a marca das consultas terapêuticas, requerendo um manejo particular da transferência, que deve ser conduzida de forma que não coloque o paciente em excessiva dependência da figura do terapeuta.

 

Relato de experiência

A pedido dos alunos do cursinho do Instituto de Psicologia da USP, o Centro Acadêmico Iara Iavelberg, responsável pelo seu funcionamento, requisitou ao Serviço de Orientação Profissional um atendimento. Nosso modelo usual (cinco encontros com três horas de duração cada) era capaz de atender apenas à uma pequena parte dos alunos, pois uma porcentagem deles, dividindo seu tempo entre o trabalho e o estudo, não tinha horários disponíveis. Além disso, não havia possibilidade de incluir a atividade no período de aulas em razão da escassez de dias letivos. Na época, os únicos horários disponíveis eram os das duas aulas de Lógica, aos sábados, cujo professor, apesar de já contratado, não havia iniciado seu trabalho. Contando com 90 minutos, durante três semanas, organizamos uma pequena equipe de cinco psicólogos que se propuseram a desenvolver o trabalho.

Aos alunos apresentamos a proposta como três atividades independentes, sendo a participação voluntária, durante os sábados à tarde. Em média, cada encontro teve 100 participantes.

A cada encontro foi proposta uma atividade ou um jogo, escolhido de acordo com os contínuos diagnósticos do processo grupal. Isso porque, para Winnicott (1975), a aplicação cega de uma técnica é inútil para o paciente: ela deve levar em consideração as necessidades observadas durante o atendimento.

 

Primeiro encontro

Durante um breve aquecimento, no qual se estimulou a fala espontânea do grupo, observamos um grande receio pela escolha, ou, em outras palavras, uma expectativa de que os psicólogos ensinassem a forma certa de escolher. Com base nessa percepção, utilizamos a “Viagem dos seus sonhos” de forma semelhante ao “jogo de rabisco” (Lescovar, 2001), como meio de favorecer o espaço potencial de resgate de confiança, da capacidade de se colocar no futuro de forma criativa e espontânea. Distribuímos folhas de cinco cores diferentes aos componentes do grupo e pedimos que escrevessem suas respostas às perguntas que seriam realizadas. Requisitamos que não comentassem as respostas e evitassem olhar as dos companheiros.

 

A viagem dos seus sonhos

Vocês participaram de uma promoção do IP-USP e, por isso, receberam esse cupom (folha). Com ele, concorrerão a uma viagem de sete dias para qualquer cidade do mundo. Por favor, escrevam:

1. Para onde vocês gostariam de ir?

2.  O que pretendem fazer lá?

3.  Vocês podem levar um acompanhante?

4. Vocês podem escolher entre ficar hospedados em um hotel cinco estrelas, com direito a US$ 50 para despesas, ou em um hotel três estrelas, com direito a US$ 100. Qual vocês escolhem?

5.  Vocês tem direito ao aluguel de um carro; por favor, escrevam que carro seria?

Bom, todos vocês foram contemplados! Mas, para isso, tivemos que realizar algumas adaptações:

6. Vocês não poderão mais levar o acompanhante – o que fazer então?

7. Não podemos mais disponibilizar o carro; como vocês se locomoverão?

8. O dinheiro não fará parte do pacote. O que farão?

9. Não podemos mais enviar cada um para um destino. “Na verdade, vocês se juntarão em grupos de dez, usando como critério as cores do papel, e escolherão para onde ir”.

Após o término da discussão, acompanhada por um dos orientadores, cada grupo apresentou a sua escolha e falou do processo.

Pouco a pouco, puderam verbalizar que não existia uma escolha ideal, que cada um tinha uma forma de escolher, que não podemos prever tudo que irá ocorrer no futuro. Os alunos terminaram o trabalho demonstrando grande alívio e comentando o quanto gostaram de realizar a atividade. Por meio do jogo, houve o resgate da confiança no potencial próprio para viabilizar o projeto futuro.

 

Segundo encontro

Iniciamos o encontro com uma retomada do que acontecera no anterior. Novamente, com base na fala espontânea, surgiram os temas faculdade, mercado de trabalho, vestibular e profissões.

Escrevemos cada um deles em um pedaço de papel, e os participantes dividiram-se em quatro grupos. Os temas foram, então, sorteados e, no centro da sala, materiais gráficos ficaram disponíveis (lápis de cor, canetas hidrográficas, papel colorido, cartolina e tesouras). Cada grupo recebeu uma série de gravuras que poderiam, ou não, ser utilizada na produção que fariam a partir da discussão. Alertamos que não colocassem o título nos trabalhos, já que os colegas teriam de adivinhar o tema desenvolvido.

Os grupos participaram animadamente. Após o término da atividade, os cartazes foram trocados e cada grupo falou sobre o trabalho confeccionado pelo grupo vizinho.

Todos os relatos foram semelhantes, apesar da diversidade dos temas, dando ao grupo a vivência profunda de que os medos e fantasias eram comuns e poderiam ser compartilhados.

 

Terceiro encontro

O procedimento inicial foi semelhante ao do começo do segundo encontro, relembrado o que acontecera no anterior. Baseando-nos no que disseram, propusemos que desenhassem ou escrevessem, enfim, que representassem de algum modo a forma como viviam e sentiam o vestibular. Posteriormente, pedimos a todos que se reunissem em duplas e que um apresentasse ao outro o seu trabalho. Depois as duplas tornaram-se quartetos e octetos. Finalmente, pedimos uma representação corporal, uma produção grupal do tema que estava sendo explorado. Participaram ativamente dessas atividades e puderam, por meio dela, perceber que o monstro era apenas uma prova.

A avaliação realizada após o término da atividade apontou uma grande satisfação por terem participado do trabalho. Sentiam-se menos angustiados e mais próximos uns dos outros.

A partir desse momento, puderam perguntar sobre profissões de uma forma mais solta e descontraída, expressando as dúvidas que não podiam ser verbalizadas anteriormente.

Como vimos, os orientadores e o próprio grupo favoreceram a emergência do objeto subjetivo de cada participante. Orientadores e orientandos, transitando entre a realidade subjetiva e a compartilhada, criaram um espaço potencial para o amadurecimento dos jovens, por meio do reconhecimento das suas dificuldades e necessidades no contexto de escolha.

 

Avaliação

Cerca de dois meses depois, aplicamos questionários de avaliação das atividades, e o retorno foi o dos mais positivos: o depoimento de alguns alunos apontava que, depois do trabalho, estavam mais tranqüilos quanto à sua escolha; outros mobilizados para a procura de informações sobre profissões; e, ainda, outros sentiam motivados a participar de um atendimento em Orientação Profissional nos moldes tradicionais do SOP (Lehman e Silva, 2001; Silva, 1995).

Nessa modalidade, o mais importante não é proporcionar a aquisição de informações e conhecimento, mas proceder ao estabelecimento de uma relação pessoal, norteando um processo de exploração e investimento, em que as pessoas diante das experiências e significações, tenham oportunidade de lhes conferir sentidos e criar estratégias próprias.

 

Conclusão

Pudemos observar que a adaptação da Consulta Terapêutica à Orientação Profissional proporcionou aos participantes a possibilidade de experimentar uma qualidade de relação humana confiável o bastante para que expusessem o conflito emocional característico desse momento pré-vestibular, o que levou a uma aliança terapêutica. As Consultas Terapêuticas passaram a constituir uma espécie de jogo de interação em que os participantes estabeleciam um diálogo através do brincar mútuo.

Deve-se ressaltar, ainda, a importância do espaço grupal, em que o jovem pode resgatar a confiança para além de si na relação, e ver o outro não como um competidor pela vaga do vestibular, mas como um aliado para o pleno desenvolvimento de seu projeto. Este é um dos fatores de maior desgaste na relação do aluno com o cursinho, não poder compartilhar e confiar no outro. Grande parte dessas instituições estimula a competição e, como conseqüência, a rivalidade e a disputa por espaço com o seu vizinho de carteira, expressa pela concorrência do vestibular.

Assim, ao atendimento em Orientação Profissional cabe conter as recordações, os desejos e as aspirações desse jovem, bem como possibilitar a constituição de um espaço confiante, levando-o a uma experiência psíquica de ser ele próprio no seu tempo e espaço, estabelecendo uma identidade interiorizada (Bleger, 1980), pressupondo um sentido coerente e não fragmentado, um sentido de continuidade do ser ao longo do tempo (passado, presente e futuro).

 

Bibliografia

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Endereço para correspondência
Yvette Lehman
Instituto de Psicologia da USP
Av. Prof. Mello Morais, 1721, Bloco D.
05508-900 São Paulo, SP
Tel.: 3091-4174
E-mail: yplehman@usp.br

Recebido em 10/10/2005
Aceito em 03/12/2005