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Imaginário

versão impressa ISSN 1413-666X

Imaginario v.13 n.14 São Paulo jun. 2007

 

 

 

O território do sujeito contemporâneo e a máquina do mundo (50 anos de Eros e Civilização)*

 

The contemporary subject’s territory and the “machine of the world” (50 years of Eros and Civilization)

 

El territorio del sujeto contemporáneo y la máquina del mundo (50 años de Eros y Civilización)

 

Ricardo Toledo Neder**

Universidade de Caxias do Sul (UCS)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Embora seja um tema clássico no Ocidente, a mundi machina ou máquina do mundo é um signo polissêmico cujo desvelamento na atualidade tem afinidades com a teoria crítica em sua análise das novas formas de repressão da cultura de massa. O signo revelou-se promessa de fidelidade do pensamento ao ser e à verdade, mas após o século XX assumiu formas regressivas que não cessam de assolar o sujeito na política, na ciência e na razão. Representação de uma estética coletiva, a máquina do mundo pode ser compreendida por meio de uma psicanálise da cultura regida pela ciência e tecnologia. Tal empreendimento foi realizado por Herbert Marcuse na obra Eros e Civilização – uma interpretação filosófica do pensamento de Freud(1955) O presente ensaio – ao lembrar os 50 anos da publicação dessa obra – busca uma nova leitura do desafio de Marcuse, que fez certa psicanálise da grande recusa à máquina do mundo, a fim de identificar o caráter reprimido dessa recusa diante do poder destrutivo da civilização, utilizando o ensaio para expressar o princípio de contradição.

Palavras-chave: Máquina do mundo, Crise do sujeito moderno, Nascimento do sujeito contemporâneo, Ciência, Tecnologia e humanidades, Estética e ética, Contradições.


ABSTRACT

In spite of being a classic theme in West, the ‘mundi machina’ or machine of the world is a polysemic sign whose manifestation in the present time has resemblances with the critical theory in its analysis of the new forms of mass culture repression. The sign unveiled itself as a promise of fidelity of the thought to the being and true, but after the XX century, it assumed regressive forms that do not cease to desolate the subject in politics, science and reason. As a representation of a collective aesthetics, the ‘mundi machina’ can be understood through a culture psychoanalysis ruled by science and technology. Such enterprise was performed by Herbert Marcuse in the work Eros and Civilization – a philosophical inquiry into Freud (1955). This essay, when remembering the 50 years of this work’s publication – aims at a new reading of the Marcuse’s challenge, who carried out a certain psychoanalysis of the great refusal to the “mundi machina”, in order to identify the repressed character of this refusal before the destructive power of civilization, using the essay to express the principle of contradiction.

Keywords: Machina mundi, Crisis of the modern subject, Birth of the contemporary, Subject, Sscience, Technology and humanities, Aaesthetics and ethics, Contradictions.


RESUMEN

A pesar de ser un tema clásico en el Occidente, la mundi machina o máquina del mundo es un signo polisémico cuyo desvelamiento actualmente tiene afinidades con la teoría crítica y su análisis de las nuevas formas de represión de la cultura de masa. El signo se reveló promesa de fidelidad del pensamiento al ser y a la verdad, sin embargo después del siglo XX asumió formas regresivas que no cesan de asolar el sujeto en la política, en la ciencia y en la razón. Representación de una estética colectiva, la máquina del mundo puede ser comprendida por medio de un psicoanálisis de la cultura regida por la ciencia y tecnología. Tal iniciativa fue realizada por Herbert Marcuse en la obra Eros y Civilización – una interpretación filosófica del pensamiento de Freud (1955). Este ensayo – al recordar los 50 años de la publicación de esa obra – busca una nueva lectura del desafío de Marcuse, que hizo un cierto psicoanálisis del gran rechazo a la máquina del mundo con la finalidad de identificar el carácter reprimido de ese rechazo frente al poder destructivo de la civilización, para expresar el principio de contradicción.

Palabras clave: Máquina del mundo, Crisis del sujeto moderno, Nacimiento del sujeto contemporáneo, Ciencia, tecnología y humanidad, Estética y ética, Contradicciones.


 

 

2006

Deslocamentos1?

 

Na sociedade afluente, as autoridades raramente se vêem forçadas a justificar seu domínio. Fornecem os bens; satisfazem a energia sexual e agressiva de seus súditos. Tal como o inconsciente, cujo poder destrutivo representam com tanto êxito, estão aquém do bem e do mal, e o princípio de contradição não têm lugar na sua lógica. (Prefácio político de 1966. MARCUSE, H. Eros e Civilização – Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud).

 

 

 

Há razões para comemorarmos o meio século de publicação da obra de Herbert Marcuse, citada em epígrafe. Primeira obra da Teoria Crítica a aprofundar o diálogo filosófico de forma sistemática com as idéias de Freud, nela Marcuse afirma que as categorias psicológicas se converteram em categorias políticas (MARCUSE, 1972, p. 25).

Essa visão está na base das teses de Marcuse em Eros e Civilização. Nesse sentido, afirma a moderna simbiose entre liberdade e servidão. Superá-la exigirá caminhar para o estado do bem-estar, em contraposição ao estado do complexo industrial-militar. Embora tal perspectiva não seja o foco central das teses de Marcuse em Eros e Civilização (pois foi bem desenvolvida no livro posterior, One-Dimensional Man2) é clara a anterioridade de Eros e Civilização para essa conclusão, pois a simbiose passa pela compreensão do papel das formas de sublimação não repressivas do prazer pelo sujeito moderno.

Marcuse interrogou filosófica e politicamente por que esse sujeito continua agrilhoado à simbiose entre liberdade e servidão. Sua explicação (aqui resumida e empobrecida) pode ser descrita numa interessante passagem na qual comenta o fato de que as tentativas de revisão (e absorção das teses de Freud) apresentavam (até os anos 1960) uma correlação positiva e até entusiástica entre o papel do prazer no trabalho, e o prazer libidinal. Ora, contesta Marcuse, “se eles usualmente coincidem, então o próprio conceito de princípio de realidade torna-se supérfluo, e vazio de significado

(...), se este não governar o trabalho, não terá coisa alguma a governar, na realidade” (MARCUSE, 1972, p. 191).

O que nos convida a uma re-vivência de Eros e Civilização não é, contudo, esse ponto – fundamental para a questão se é possível uma sociedade não repressiva nos marcos do capitalismo e do socialismo avançados.

Trata-se de outra dimensão relacionada com sua tese sobre a emergência da estética na modernidade do século XVIII. Em “A dimensão estética” (título de um dos capítulos de Eros e civilização), seu objetivo foi demonstrar que

perante o tribunal da razão teórica e prática (...) a existência da estética está condenada (...), essa noção (...) resulta da “repressão cultural” de conteúdos e desempenhos que são inimigos do princípio do desempenho’ (ou da produtividade e racionalidade instrumental, RTN). (...) tentaremos desfazer teoricamente a repressão recordando o significado e função originais da estética (que é sua) associação íntima entre prazer, sensualidade, beleza verdade, arte e liberdade (...), uma associação revelada na história filosófica do termo estética (MARCUSE, 1972, p. 156).

Essa é precisamente uma das contribuições marcantes de Eros e Civilização para o momento, pois assinala a contradição atualíssima em torno da profusão de uma estética multidimensional e avassaladora, que engloba as multimídias e formas visuais (sua semiologia e semiótica) na transmissão de conhecimento e proliferação das informações na Web, publicidade e artes na comunicação enquanto elo crucial da indústria de consumo com a indústria cultural. Claro, essa estética é parte do imaginário criado pela tecnociência. Porém, o que é essa estética – senão uma certa capacidade de nos seduzir (estesia) por condensar a experiência humana da memória e do fluxo do tempo dos sentidos, a qual depois da experiência do aqui-e-agora (presente realizado) – sentimos como uma irremediável perda de substância e aura?

Parecem nascer desse sentimento de perda, as tentativas da estética em lidar com os suportes tecnocientíficos. Fazer do passado presente e extensão para o futuro captando e recriando o olhar, o paladar, o tato, a audição, o deslocamento pela imaginação e o mentar como algo corporal.

Se a relação com a técnica tem esse suporte na estética; a relação é simples e direta e nos permite – apesar da condição assexuada e descontextualizada dos dispositivos e dos maquinismos – viver coletivamente a tecnociência como condensação da ciência cognitiva dos sentidos3. Tal ciência nos une, pois os objetos e processos tecnocientíficos são instâncias culturais, mas, diante dessa condição, vivemos um estranho afeto, porque inconsciente diante da máquina. Ele nos separa justamente pelo fato da perda de substância e da aura do presente se tornar um ciclo de repetições que vai do ato de consumo no mercado para a satisfação e esgotamento do prazer do objeto consumido, e daí ao retorno ao consumo que retroalimenta a produção mediada pela tecnologia. Por isso mesmo toda a produção (de tecnologia) está embebida na estética. A disciplina estética instala a ordem da sensualidade contra a ordem da razão (repressiva), segundo Marcuse.

Assim, conviria nos apropriarmos dessa origem da grande recusa das humanidades e artes diante do inexorável avanço das ciências exatas, físicas e naturais desde o século XVIII.

 

O mal estar na cultura e o objeto tecnocientífico

“Não será verdade que toda ciência, no final, se reduz a um tipo de mitologia?

(De uma carta de Freud a Einstein, em 1932).

1931. Cresce o nazismo na Alemanha e Áustria. Nesse mesmo ano Freud (1855-1939) reedita o ensaio O mal estar na cultura. O partido nazista é eleito para o Parlamento. Freud nessa ocasião acrescentou uma única frase ao final do ensaio (após “Agora só nos resta esperar que o outro dos dois ‘poderes celestes’ – o eterno Eros – desdobre suas forças para se afirmar na luta com seu não menos imortal adversário” escreveu: “Mas quem pode prever com que sucesso e com que resultado?”).

A resposta sobreveio sete anos depois quando se refugiou na Inglaterra. “Salvar uma gaiola de passarinho enquanto a casa está pegando fogo” era como se sentia... A Alemanha se configurou uma sociedade rachada pela regra da maioria: 50% mais um governam e o restante faz oposição.

Contemporaneamente apresentamos outra cisão, a que associa o sujeito contemporâneo em busca do artificial (techné) e promove esse valor à instância mediadora entre natureza e a polis (política). Ou seja, a mediação entre a vida política do poder e o metabolismo econômico-social se expressa na rivalidade que se estabelece entre a produtividade da esfera social e a produtividade da natureza. O mito naturalista (segundo o qual pertenceria essencialmente ao passado da cultura) evidenciaria o que foi a pré-história do domínio técnico do homem sobre a natureza, algo pertencente à pré-industrialização. Ora, nada mais distante da história porque estamos diante justamente da naturalização da técnica (ROSSET, 1987, p. 62).

Na verdade, a produtividade da natureza passou a ser vista com desconfiança porque guiada pelo acaso, imprudência e desperdício, lentidão e mística (Mas não são atributos também em alta?). Em seu lugar, a esfera social assume o caráter de biopolítica (plurivisão que tem origens distintas em Arendt, Foucault e Negri).

Aplicada à esfera do corpo e da vitalidade, essa relação tem sinal trocado: converte-se em sublimação sob uma “ordem repressiva que assume a liberdade como pertencente ao domínio do princípio de desempenho” (MARCUSE 1972, p. 172). O metabolismo apropriado do consumo para cada corpo é operado como parte da sociedade de controle. Contudo, proponho observar essa passagem de outro ponto de vista, relacionado ao território criado a partir desse metabolismo.

Para ilustrar essa dimensão nada melhor do que um deslocamento de caráter estético em torno do romance Solaris do polonês Stanislaw Lem (LEM, 2003), cuja história narra estranhos acontecimentos em uma estação espacial na órbita do planeta Solaris, que forma junto com os humanos o drama vivido por um astronautapsicólogo que deve encerrar a missão, salvar os poucos tripulantes e levá-los de volta para a Mãe-Terra.

Em filme homônimo, Solaris foi representado esteticamente como um belíssimo planeta-oceano cuja trama com os humanos inaugura a sua própria história, isto é, uma protoconsciência (por meio da qual estabelecia contato com os estrangeiros ao materializar os sonhos deles). Nenhum dos cientistas antes de Chris – o astronauta- analista – tinha conseguido se livrar do pavor de estar se comunicando diretamente com um oceano semiconsciente.

Todos dispunham das artes, ciências e humanidades, além dos laboratórios... Tinham ciência e arte. Mas eram tomados de um pavor religioso ao entrar em contato com Solaris.

Antes de avançar na história, vale recordar rapidamente o argumento central de O mal estar da cultura. A civilização, ou seja, as obras e organizações para cuja instituição nos afastamos da condição primitiva de nossos ancestrais, busca atingir três fins: superar a fragilidade de nossos corpos; proteger o homem contra a natureza e regular as relações dos homens entre si.

O poder sobre a natureza não é o único objeto do esforço ou sacrifício cultural, constata Freud. Sua posição é de que não devemos inferir, daí ser o progresso técnico um valor menor para a economia de nossa felicidade. Embora tenha a cultura se mostrado eficaz nos dois primeiros casos, argumenta, não parece haver sido tão bem sucedida em proteger o homem dos sofrimentos relativos à vida em comum com seus semelhantes (FREUD, MEC, p. 682).

Sua avaliação é cautelosa: O homem tornou-se uma espécie de Deus de prótese... Através da ciência e tecnologia contudo, o homem não se sente feliz em seu papel de semelhante a Deus. É claro que sentimo-nos felizes pelo acesso a beleza a limpeza e a ordem nas nossas cidades... (Idem, p. 685).

Mas não se trata – adverte – de concordar com o preceito de que civilização é sinônimo de aperfeiçoamento com o qual se constitui a estrada para a perfeição... Pré-ordenada para os homens. Ao contrário, acreditava que Civilização equivale à renúncia aos instintos poderosos (Idem, p. 688).

Em outras palavras, será possível encontrar um equilíbrio entre as reivindicações do indivíduo e as exigências culturais?

Como é bem conhecido, a resposta diz respeito às forças primitivas que mobilizaram no princípio do desenvolvimento da civilização os homens para atingir uma resolução de um lado, no plano das pulsões do Eu, e noutro plano, assegurar a auto-conservação por meio da colaboração, como necessidade, a fim de lutar juntos contra a natureza e garantir a sobrevivência.

A pressão das necessidades vitais (Ananké) foi a primeira e poderosa pedagogia para os instintos. A segunda força é a satisfação genital que levou o macho a conservar consigo seu objeto sexual. Aqui Eros acarretou o surgimento da família primitiva (descrita em Totem & Tabu, cuja narrativa faz de Eros e Ananké os pais da civilização humana). Nesse estágio a sexualidade humana estava longe de aparecer como inimiga da civilização.

Isso nos leva de volta à história de Solaris. O astronauta psicólogo, esgotado, adormece profundamente na sua primeira noite na estação orbital; mais tarde ao acordar depara-se com sua primeira mulher, Hary, que falecera há 10 anos e com quem tinha vivido intensa paixão interrompida pela morte.

Após um primeiro momento de repulsa e estranheza diante dela, Chris aceita a mulher (para a preocupação ainda maior dos colegas cujas tentativas de lidar com a matéria de seus sonhos tinham sido um desastre). Diante disso um deles – cientista ortodoxo e racionalista – defende que o oceano Solaris seja bombardeado com radiações eletromagnéticas. Outro era um cientista comportamentalista, que reagia aos apelos do oceano como quem estava experimentalmente testando suas criações no laboratório.

Chris afastou essas duas condutas e adotou uma terceira, que chamarei do método fenomenológico, no qual é abolida a cisão sujeito-objeto. Chris aceita Hary como sua companheira e juntos passam a viver um segundo casamento pleno de erotismo e emoções profundas, o que gera, é claro, uma extraordinária mutação em ambos pela troca de subjetividades. Ela, por seu turno, torna-se cada vez mais dotada de memória, capaz de (re)lembrar pessoas, cenas e situações vividas pela outra mulher. Com isso, adquire o poder de relembrar, e assim penetra na vida de Chris com plenos direitos de se considerar quase-humana.

No ensaio de Freud, sua tese de que a harmonia original entre sexualidade e civilização teve de ceder lugar ao conflito dá origem a por que a comunidade mais ampla entrou em luta com a família. Esta tendia a se isolar na moral dos laços sangüíneos (drama de Medeia no teatro grego) enquanto o casal mantinha o monopólio da economia sexual. A civilização procurou desviar essa economia sexual para objetivos culturais (a proibição do incesto, entre outras). A tese de que a civilização é inimiga da sexualidade já havia sido anunciada em 1912, em Contribuição à psicologia do amor).

Mas no O mal estar na cultura, Freud explicitou a hipótese de que a civilização poderia não ser a única responsável pela involução da sexualidade humana (essa “função em estado de involução como parecem ser nossos dentes e cabelos”). Por sua própria natureza, a função sexual se negaria – no que lhe cabe – a proporcionar-nos uma satisfação plena e nos obrigaria a escolher outros caminhos, diz Freud. Aqui parece que estamos diante da seguinte questão: Se essa falta não é efeito da civilização... Poderia bem ser sua origem?

Qualquer parceiro(a) sexual é insatisfatório(a), pois estamos diante de uma relação impossível entre os sexos (de que nos fala Lacan, para quem a civilização substitui a relação sexual impossível pelas relações sexuais (MILLOT, 1987, p. 111).

De volta ao relato sobre Solaris, constatamos que a paixão une Hary/ Solaris e Chris. Em uma das cenas mais impactantes dessa fase, tudo se passa como se as recordações e sonhos de Chris fossem também memória para informar Solaris quanto aos elementos constitutivos da condição humana. Uma dessas situações é recriada quando Chris em idade adulta visita a mãe jovem antes de ficar grávida dele mesmo.

O encontro é carregado de conotações eróticas, porque a jovem mulher reconhece o filho que será seu futuro bebê. Não consegue tocá-lo porque se apercebe enamorada por ele. E Chris não entende o que está acontecendo porque pensa e reage como uma criança de 10 anos. Freud chega à conjectura de que as forças da necessidade e do amor – ao constituir a origem da civilização – poderiam ter resultado em outro quadro.

Bem podemos imaginar uma comunidade civilizada composta por tais indivíduos duplos (casais) que saciando sua libido em si mesma, estariam unidos pelos laços do trabalho e de interesses comuns. Em semelhante caso a civilização não teria por que subtrair à sexualidade qualquer soma de energia. Porém, não existe e nunca existiu um estado tão desejável. O que acontece então, consecutivamente à dissolução do complexo de Édipo, na concepção de O mal estar na cultura? Retomemos em busca de um fio da meada a partir de Solaris.

O que acontece depois com o Hary-Solaris no auge da paixão por Chris? Ela desaparece, enquanto ele entra num estado de consciência liminar e febril, mal distingue o que acontece. Ficamos sabendo por meio de Snaut (o comportamentalista) que o oceano está muito estranho desde que Hary desaparecera. Agora era possível ver a formação de ilhas.

Parecem ilhas como as da Terra, que vão se formando em meio ao oceano surgindo da massa líquida da matéria.

Ao que indaga Chris: “o Oceano está mudando?”. E na seqüência perde a consciência e se vê na sua terra natal. Passeia pela casa onde viveu desde criança até se casar e lá encontra o pai em meio aos livros, animais, plantas e água, tudo e todos nos mínimos detalhes, como aparentemente foi a vida que viveu lá.

Mas desconfia de algo... Chove água quente dentro da casa. Chris então percebe que está numa das ilhas de Solaris recriada por Hary. Dessa forma, Eros desempenha um papel chave na construção de um novo território de cultura porque consegue articular o drama vivido pelos tecnocientistas (o cartesiano e o comportamentalista) e (o fenomenólogo) Chris, em sua paixão por Hary, em meio ao drama de cientista, que deveria descobrir a resposta que o planeta Solaris lhe colocava. Diante dessa nova constelação, o astronauta-analista encerra a missão trazendo de volta a tripulação para a Terra.4

O papel da cultura – seja com a criação de novos territórios (Eros) seja com a produção da civilização relacionada aos imperativos de Ananké (a deusa grega da Necessidade) – significa hodiernamente a tecnologia (para compreender isso basta o leitor se perguntar como passar sem ela em seus afazeres diários!). Isso nos repõe a pergunta de Freud em O mal estar. Qual a (nossa) capacidade de introjeção da agressividade? Em outras palavras, como seres finitos devemos introjetar a destruição e a morte (seja boa ou ruim como uma inevitável finitude) sem recalque e sem que isso acabe autodestruindo a humanidade?

Nesse ponto, aparentemente, Freud se separa de suas concepções anteriores: a civilização não é mais considerada como o inimigo principal da sexualidade.

Pelo contrário, une-se a Eros e juntos geram condições de criar comunidades cada vez mais amplas e complexas. Nessa condição o principal obstáculo seria a pulsão de morte, ou variante disso, que Marcuse chama de princípio Nirvana (a morte como transcendência final de todos os conflitos).

Em sua luta contra Tanatos, a civilização se serve não apenas da sexualização dos laços sociais, como também usa outro recurso, que consiste em produzir um retorno da agressividade contra o próprio sujeito. Nesse quadro dar-se-ia a introjeção da agressividade pela formação do super-eu, no que resulta um campo de interiorização da autoridade paterna num momento consecutivo à dissolução do complexo de Édipo.

O super-eu (que é também superego cultural) assume a agressividade que o sujeito dirigia primitivamente contra a autoridade. Ela agora é endereçada ao eu. O que antes era polaridade com o pai se converte nas comunidades amplas em adesão e polaridade ao chefe. O verdadeiro problema da civilização passa ser o choque entre pulsões de vida e pulsões de morte ou em que medida a civilização conseguirá sufocar as forças de destruição.

Na visão de O mal estar na cultura, o caminho que o sujeito moderno escolheu para esse fim – o sentimento de culpa – age paradoxal-mente, na medida em persiste sem reduzir os poderes auto-destrutivos.

Qual o fundamento do mal-estar na civilização, no quadro atual? É o sentimento de culpa diante da insatisfação de desejos (“a cultura emite uma ordem e não pergunta se é possível ao indivíduo obedecê- la... Pressupõe que o ego de um homem é psicologi-camente capaz de tudo que lhe é exigido, que o ego dispõe domínio total sobre o id” [MEC, p. 698]).

Estaríamos, talvez, diante de um Freud “antipedegogo” para quem o que gera sentimentos de culpa não é tanto a renúncia deliberada à satisfação dos desejos, mas sim o não-reconhecimento de seu recalcamento?

Torna-se inevitável para o sujeito o não-reconhecimento de seu recalcamento simplesmente porque isso equivale a efetivamente renunciar ao objeto de desejo. No caso da relação entre sujeito e tecnologia, o objeto (que é na sua essência humano, embora tecno-científico) passou a integrar a galeria nobre dos objetos de desejo. Ledo engano, pois talvez não estejamos diante nem da satisfação tampouco de desejos, porque o objeto tecnocientífico, enquanto parte da nossa parafernália eletroeletrônica, nossos carros, os aviões e toda sorte de máquinas inteligentes (dos computadores aos iPods), não se tornam substitutos de um real-de-discórdia-que-nossos-desejos-constituem.

Essa estética do objeto tecnológico – diria Marcuse em Eros e Civilização – instaura uma sublimação repressiva, por isso mesmo bloqueadora de novos territórios culturais.

Mas que-real-de-discórdia-carregam-nossos-objetos-tecnocientíficos?

Algo muito reduzido, pois sua manipulação nos induz a pensar que não estamos recalcando. Ao contrário, nos dá a sensação de utilização plena do desejo. A grande diferença é que no passado (século XIX) o recalcamento não mobilizava a capacidade de autodestruição suficiente para o aniquilamento da espécie (essa ameaça que gira perigosamente ora como uma reação ao catastrofismo ora como suicídio coletivo).

Hoje (século XXI) essa capacidade está plenamente instaurada como um sistema de reconstrução/destruição mobilizada pelas inúmeras coleções de objetos falantes da tecnologia do nosso diaa- dia. Freud5 apenas constatou o problema:

(É certo que) os homens tenham adquirido sob as forças da natureza um tal controle que com sua ajuda não teriam dificuldade em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. Sabem disso, e é disso que provém grande parte da inquietação, infelicidade e a ansiedade coletiva (FREUD, 1992).

 

Uma filosofia para os objetos tecnocientíficos

Se o mundo como imagem desvanece, uma nova realidade cobre toda a terra. A técnica é uma realidade tão poderosamente real – visível, palpável, audível, ubíqua – que a verdadeira realidade deixou de ser natural ou sobrenatural: a indústria é a nossa paisagem, nosso céu e nosso inferno. (PAZ)

Mudemos de percurso, de tal forma que nos deixemos tocar por fragmentos da criação do ensaio e da poesia em torno do objeto tecnocientífico no cotidiano. Como se constrói uma circunstância cultural que pode ser um campo de amortecimento, apropriação ou deslocamento diante da máquina, numa trajetória próxima de um devaneio ou aproximação da tecnociência aos valores do cotidiano (BACHELARD)?

Clipe – “é um desses objetos que não observamos e à primeira vista, desinteressante. Mas ele mantém coisas unidas e evita que elas se dispersem. É um objeto que faz seu trabalho de forma fiel e séria. O clipe, à sua maneira, é um tipo de figura da ética” (DROIT, 2004).

Máquina de lavar roupa – “Muitas religiões inventaram mitologias com ciclos depois da morte, as almas são lavadas, desprovidas de todas as suas memórias e sujeiras e refeitas como novas. Na máquina de lavar colocamos as roupas sujas e, ao final de um ciclo, recuperamos roupas que não têm mais memória” (DROIT, 2004).

O fósforo – “Acendendo o fósforo acendo Prometeu, o futuro, a liquidação dos falsos deuses, o trabalho do homem. O fósforo: tão rabbioso quanto secreto. Furioso, delicado. Encolhe-se no seu casulo marrom; mas quando chamado e provocado, polêmico estoura, esclarecendo tudo. O século é polêmico. O gás não funciona hoje. Temos greve dos gasistas. A Itália tornouse a Grevelândia. Mas preferimos essa semi-anarquia à ‘ordem’ fascista. O fósforo, hoje em férias, espera paciente no seu casulo o dia de amanhã desprovido de greves. O dia racional, o dia do entendimento universal, o dia do mundo sem classes, o dia de Prometeu totalizado. O fósforo é o portador mais antigo da tradição viva. Eu sou pela tradição viva, capaz de acompanhar a correnteza da modernidade. Que riquezas poderosas extraio delas! Subscrevo a grande palavra de Jaurès: ‘De l´autel des ancêtres on doit garder non lês cendres mais le feu’” (MENDES, 1994).

Dinheiro – “Conhecem o estudo sobre tabus terapêuticos? Analistas foram interrogados sobre aquilo que sentem que nunca poderiam fazer com um paciente. Descobriu-se que tocar e segurar, gritar e bater, beber com, beijar, ficar nu e fazer sexo eram todos menos proibidos do que ‘emprestar dinheiro a um paciente’. O dinheiro constelou o tabu máximo. Pois o dinheiro sempre nos leva para dentro do mar, incertos, quer venha como brigas de herança, fantasias sobre um carro novo e casas antigas, batalhas matrimoniais sobre gastos, assaltos, sonegação de impostos, especulações do mercado, medo de ir a bancarrota, pobreza, caridade – quer esses complexos aparecem em sonhos, nas salas (...) pois aqui nos fatos do dinheiro está o grande oceano e talvez enquanto passamos o arrastão nesse fundo do mar durante uma hora de análise, possamos pescar um caranguejo louco ou um peixe com shekel em sua boca” (HILMANN, 1993, p. 103).

Para o filósofo, o poeta e o psicanalista, a imagética dos objetos não humanos (naturais ou artificiais) tornou-se entrelaçada com o inconsciente. Mimesis segundo Platão (Marx diria “fetiche”; enquanto o leninismo operaria um salto para adotar uma visão “fisicalista” da história e a conseqüente naturalização mecanicista como notou Matos [1998, p. 105]).

A imagética forma um campo de similitudes/mimetismos que pressupõe linguagens dotadas de impacto fundador na cultura comum – todos os aparelhos (objetos) geram um campo lingüístico novo. Os objetos e os sistemas de máquinas por não serem exclusivamente mercadorias tampouco “isso” psicanalítico são uma presença de intersubjetividade, diante da qual insistimos em (des)conhecer esse outro (LATOUR, 1994, 2001; LYOTARD, 1983).

Os objetos tornaram-se extensão e materialidade dos nossos corpos. Contudo, só aprendemos a identificar como nosso o encontro de corpos da intersubjetividade humana. E ela, cada vez mais mediada por objetos, não se dá conta de que necessita de outra individuação presente no objeto técnico. Essa é outra classe de objeto, diz Simondon,

pensado e construído pelo homem [que] não se limita apenas a criar uma mediação entre o homem e a natureza, ele é um misto estável do humano e do natural, contém o humano e o natural (...). A atividade técnica (...) vincula o homem à natureza. (SIMONDON, 1989).

As imagens da física contemporânea aprofundam o réquiem para a mundi machina. A vivência de transformações irreversíveis acarretadas pelo encontro com o outro passou a ser sentida como oposição à antiga ordem identitária negação da ameaça de auto-desintegração (VAR. AUT., 1992).

Passamos a ter de aceitar que a representação da co-existência dos corpos não é neutra, está carregada de perturbações para a ordem desses corpos, gera transformações irreversíveis para a coexistência e pode nos levar à destruição.

Quando (e se de fato aceitamos em situações concretas que) as transformações não são portadoras de destruição, isso pode significar que já assumimos uma personalidade coletiva psicopatológica (Bateson) que se apropriou da vontade de controlar o controle dessa destruição. O que leva o sujeito contemporâneo justamente a essa condição é ser capaz de assumir as conseqüências do reconhecimento do titanismo.

 

Titanismo como tentativa de controle sobre o controle da natureza

O titanismo é a relação do sujeito do conhecimento com a potenciação de toda tecnologia que se distingue da técnica. Essa última é marcada pela relação entre meio-fim inserida numa base social, cultural, ecológica.

A tecnologia, ao contrário, embora seja também uma relação meiofim, se aplica universalmente independente de contextos concretos (CUPANI, 2004, p. 497). Há pelo menos três grandes estéticas do titanismo hoje.

Todo domínio de conhecimento científico se define pelo seu horizonte tecnocientífico dividido entre uma expressão substantiva (pensemos numa teoria sobre o vôo) ou operativo (caso de uma teoria sobre as decisões ótimas sobre o trânsito aéreo numa região). O outro se expressa como um desejo e/ou necessidade e enquanto tal pode ser convertido em fim de si mesmo (meu desejo de locomoção está sempre associado, por exemplo, ao automóvel). O terceiro tipo de titanismo é o poder tecnocientífico que se tornou a principal (e última) forma de dominação (em contraste com a de origem de classe ou religião, ou tradição) (CUPANI, 2004, p. 509; NEDER, 2002).

As conseqüências são múltiplas e polimórficas... Nesse campo as representações de resistência que fazemos das relações do sujeito contemporâneo com o outro (moderno) adquirem a figuração da trama, enredamento, tecido. Essa relação se abre como desconfiança pois nem imaginamos como isso irá ajudar o sujeito contemporâneo em suas/nossas relações com os vizinhos na família, no amor, na vida erótica, na produção, na cidade, na escala microssocial. Como se pudéssemos dizer que o dilema socialismo versus barbárie não é mais apropriado, e que agora se trata de busca do sujeito ou barbárie? (TOURAINE, 2004).

 

Mundi Machina como Imaginário

Fonte: Secretaria de Planejamento da Prefeitura do Município de São Paulo, 1988.

“Vês aqui a grande máquina do Mundo,

Etérea e elemental, que fabricada

Assim foi do Saber, alto e profundo,

Que é sem princípio e meta limitada.

Quem cerca em derredor este rotundo

Globo e sua superfície tão limada,

É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende

Que tanto o engenho humano não se estende”

(CAMÕES, L. Os Lusíadas. Canto X, estrofe 80. 1569).

Toda crítica literária é uma forma de ciência social, o que se aplica aos que buscaram desde os anos 1960 do século passado no Brasil decifrar o imaginário de Carlos Drummond de Andrade (1902- 1987) ao produzir um dos mais enigmáticos poemas-ensaio da língua portuguesa – “A máquina do mundo”.

Gerado exatos 383 anos depois de Os Lusíadas, de Camões, não para descrever a glória de alcançar o entendimento da scientiae sobre os mistérios das sucessões e revoluções dos mundos terrestre, lunar e celestial. Ao contrário, o que parece intrigar os que se ocuparam da estética literária como expressão da sociedade, o poema “A Máquina do Mundo” também não é a euforia iluminista da condição humana diante da revolução de Copérnico e Kepler.

Para os críticos, parece que lhes pesou na consciência o fato de Drummond registrar a perda da aura dessa imagem. Essa perda foi recuperada pelo poeta mineiro, que registrou o tempo cíclico e mítico dos antigos e o fez (seu pessoal) deambular pelo tempo linear ou cronológico, fio-terra do aqui-e-agora da decaída modernidade.

A partir dessa condição é que o poema projeta uma interrogação que parece ser “por que, se houve perda da aura, a presença desse signo insiste em simular que aponta para o futuro”? Sua estética (do poema) é propícia aos tons esmaecidos e sombrios. Ainda não é noite, mas fecho da tarde.

O narrador explora uma estrada de Minas, território alegórico (e concreto o suficiente para dele nos fazer familiares, pois estamos no mundo afetivo e inconsciente). É suporte para os passos de um homem sob a luz decaída do dia.

 

A máquina do mundo6

C.D.A.

“E como eu palmilhasse vagamente

uma estrada de Minas, pedregosa, e

no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos

que era pausado e seco; e aves pairassem

no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo

na escuridão maior, vinda dos montes

e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu

para quem de a romper já se esquivava

e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta, sem

emitir um som que fosse impuro nem

um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção

contínua e dolorosa do deserto, e

pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende

a própria imagem sua debuxada

no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando

quantos sentidos e intuições restavam

a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,

se em vão e para sempre repetimos

os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,

a se aplicarem sobre o pasto inédito

da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma

ou sopro ou eco ou simples percussão

atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,

em colóquio se estava dirigindo:

”O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,

mesmo afetando dar-se ou se rendendo,

e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza

sobrante a toda pérola, essa ciência

sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,

esse nexo primeiro e singular,

que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente

em que te consumiste... vê, contempla,

abre teu peito para agasalhá-lo.”

As mais soberbas pontes e edifícios,

o que nas oficinas se elabora,

o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,

os recursos da terra dominados,

e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre

ou se prolonga até nos animais

e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,

dá volta ao mundo e torna a se engolfar,

na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,

suas verdades altas mais que todos

monumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solene

sentimento de morte, que floresce

no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance

e me chamou para seu reino augusto,

afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder a

tal apelo assim maravilhoso, pois a fé

se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima - esse anelo

de ver desvanecida a treva espessa

que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas

presto e fremente não se produzissem

a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,

e como se outro ser, não mais aquele

habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade

que, já de si volúvel, se cerrava

semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;

como se um dom tardio já não fora

apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,

desdenhando colher a coisa oferta

que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara

sobre a estrada de Minas, pedregosa,

e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,

enquanto eu, avaliando o que perdera,

seguia vagaroso, de mãos pensas”

O sujeito sofre uma experiência inaudita, pois tem diante de si objeto dotado da estranha capacidade de comunicação clara e nítida cuja intersubjetividade é automática sem palavras ou sinais, pura imagética (“assim me disse, embora voz alguma/ou sopro ou eco ou simples percussão/atestasse que alguém, sobre a montanha,// a outro alguém, noturno e miserável,/em colóquio se estava dirigindo”).

A distinção entre humano e não-humano, abolida pela fusão, é de menor importância. Agora passa para primeiro plano algo mais grave, o problema ético da adesão a essa intersubjetividade mecânica.

Drummond (leitor de Dante) com seu poema-ensaio funda a expressão da ontologia em torno de um duplo deslocamento. O primeiro – assinalado na obra de Camões – é marcado pela reflexividade (ou autoconsciência) diante de um signo que provém do Renascimento, cuja semântica está enraizada na escola clássica da articulação entre valores das belas-artes, trabalhos mecânicos e biografia, retórica, crítica, história, antropologia, sensualidade, educação e costumes (signo 3, a cujos valores Marcuse se refere no capítulo sobre estética em Eros e Civilização).

Esse imaginário foi deslocado pelo poder do racionalismo e empirismo científicos do Iluminismo (signoμ ) aprofundados pela revolução industrial burguesa.7

O signo μ é aprofundado em fins do século XX (estamos imersos nele, como o sujeito do poema), mas submetido ao estilhaçamento da totalidade mental e estética do signo 3 – que presidia a representação científica de progresso e humanidade do Iluminismo. (Se é ou não um fato universal, o estilhaçamento assume feições e circunstâncias concretas que devem ser pesquisadas onde e como, ou se, de fato, isso ocorre, é o que propõe o poema). A ameaça é oscilante. Sempre que se manifesta, há um deslocamento de que (a nossa) autopercepção (reflexividade) está ameaçada ou já foi capturada pelo mecanismo da máquina. Torna-se automatismo, operação.

Vejamos esses dois deslocamentos com vagar.

Antes dos tempos modernos, toda técnica era enraizada culturalmente e como tal era associada a um ardil (um Cavalo de Tróia é um produto da cultura grega). Hoje a ciência se ergueu sob os ombros da tecnologia (signo μ) que trata com desdém toda técnica que se supõe enraizada no senso comum ou na prática cultural. (Essa distinção aberta pela modernidade do século XVIII nos diz que Prometeu roubou a técnica do fogo; é certo – mas não como dominar o calor e o movimento das águas para converter isso em eletricidade tampouco fazer da produção artesanal indústria de massa... Signo μ desaparece sob o signo 3 ).

Tal deslocamento operado no/pelo capitalismo parte de uma estética do corpo que se constata moderno ao reinventar o território, pois decorre da geometria e da matemática do espaço o controle sobre a precisão do deslocamento.

O sujeito clássico era alguém que se imaginava sob a simbiose entre artes, humanidades e a oficina numa trama de epopéia. Tal como o surgimento do romance foi uma fissura entre o homem e o mundo em oposição à epopéia,8 assim também parece similar a narrativa dos múltiplos territórios do sujeito contemporâneo. Essa narrativa fragmentada nunca se fecha, não permite a pacificação entre o conceito e a coisa, diante do romance moderno dos séculos XIX e XX. Na raiz dessa inquietude está o fato de que (...) o sujeito que pesquisa deve acostumar-se a pensar que o plural do “eu” nem sempre é o “nós” das comunidades ou dos “coletivos”. O plural referido a um único sujeito revela não haver um só modo de pensar, sentir, acionar um objeto ou modelo cultural (CANEVACCI, citado por MATOS, 1998, p. 151).

O que isso leva senão ao não-idêntico da identidade? Que por não ser nunca idêntica a si mesma, a identidade se apresenta na grande metáfora da viagem – deslocamento no espaço e no tempo, referida ao território interno do próprio viajante, nele arriscamos nossa própria transformação (MATOS, 1998, p. 151).

Se o sujeito narrador está fincado nessa arena aberta pela máquina do mundo do segundo deslocamento, desse território é impossível fugir, deslindar, retirar-se como se tudo pudesse equacionarse pela chegada da noite.

Esse território é o que aproxima “A Máquina do mundo” de toda uma geração de intelectuais (marginais ou integrados aos ideários socialistas no Brasil) diante da aceleração da modernidade no pós Segunda Guerra Mundial, que se perguntavam: como conciliar essa aceleração com a trajetória de um sujeito em renúncia a essa modernidade? A métrica antiga, com a utilização de termos etimologicamente arcaicos para descrição de uma totalidade com a qual não se identifica.

Drummond parece rechaçar a máquina, mas permanece no território que se expressa inicialmente como uma estrada de Minas (algo inescapável, esse território, inexaurível e destino para fundar as contradições do ser diante da transformação do mundo).

A dimensão da (grande) recusa do sujeito – diante da sedução da máquina – não é um abandono do território na qual a luta se trava. O palco em que ambos (homem e máquina do mundo!) pelejam é antes, um ardil, pois ao fazer do artifício (ardil) seu maior domínio, o sujeito contemporâneo tem de responder à máquina no plano do contradomínio, no qual o paradoxal é justamente o fato de que a separação do sujeito aparece como fundante do território, em desintonia com o mundo.

Ao se (des)colocar na defensiva, o sujeito narrador se aproxima da representação do eu como um afeto (fenomenológico) de total fusão entre o mundo e a máquina... Mas está diante de uma figuração. O (meu) mundo real – nos diz o sujeito drummoniano – é múltiplo, polivalente, simultâneo e vago, mistério e ciência.

Conflito e separação, racionalidade e emoção, distinção para operar ou integrar? Esses dilemas não existem na proposta de fusão, combinação e articulação, fruição em sentido do mimetismo homem- natureza-máquina (fusão proposta pela máquina). O sujeito drummoniano rechaça essa possibilidade iluminista. A cisão é dele, é inalienável seu direito nesse sentido. Sua resposta: “não”! (Consegue? Deve fazer dessa aproximação uma promessa de unidade. Parece deslocado da estética mundo/máquina; sente-se diante de uma situação paradoxal no contato com o outro, pedindo uma resposta). E a aproximação é deslocamento (pois a densidade dramática do sujeito é cuidadosamente auscultada pelo outro).

A máquina constata a condição estrangeira e alienada do sujeito narrador (por sagacidade? ingenuidade? fraqueza?) e o interpela pedindo sua adesão explícita ao projeto de acesso a um conhecimento capaz de revelar por meio d’”essa ciência sublime e formidável/ mas hermética, essa total explicação da vida/esse nexo primeiro e singular/que nem concebes mais, pois tão esquivo”.

No primeiro deslocamento (renascentista) ainda não havia o problema do desencontro entre ciências, artes e filosofia (aberto no século XVIII pelas ciências especialistas). No segundo deslocamento a mundi machina assume um imaginário, que é construção arbitrária diante do acaso da Natureza. Tal construção arbitrária é também marcada pelo nascimento da estética – assinalada por Marcuse em Eros e Civilização.

O poema-ensaio de Drummond nos coloca diante da recusa à concepção naturalista de unidade feita a partir da separação e posterior reelaboração para melhor controlar e operar própria do racionalismo e empirismo, que preside a relação sujeito e objeto das ciências especialistas.

Mas a estética não está em situação diversa se a posicionarmos face a face com o antigo naturalismo e criacionismo das causas finais herdado da escolástica medieval quando as artes da cópia fixaram imitação para o naturalismo (AUERBACH, 1971).

Nas humanidades e artes, a estética do naturalismo e humanismo antes do século XVIII persistiram graças à mimese e aos deslocamentos, não mais como fusão entre realidade simbólica e realidade psicológica. A separação pode, assim, ser anterior à grande recusa da estética.

A fidelidade de Penélope a Ulisses já foi vista como uma metáfora filosófica para exprimir a fidelidade do pensamento (razão) ao ser (sentimento, emoção, sensualidade). Já para o sujeito drummoniano conciliar pensamento e ser num mesmo território será preciso – ao contrário de Ulisses – não retornar a casa (da razão), mas perfazer um périplo em torno das mimeses que unem o sujeito às humanidades e artes.

Há uma dupla representação: de um lado a dissociação entre pensamento e ser; de outro a conciliação entre eles não passa apenas pelo problema do conhecimento (cons-ciência enquanto reflexividade). Estamos diante da outra reflexividade, a que incide sobre o naturalismo dos automatismos e das repetições. Sem esse território (ora histórico, ora ontológico) não há sujeito, não há máquina do mundo. Os críticos e ensaístas que se debruçaram sobre esse poema não dizem que estamos diante de uma alegoria e símbolo passadista; afirmam – ao contrário – sua atualidade, pois no coração (do poema) há uma luta do sujeito contra a relação entre a condição humana e o automatismo, repetição (essa face negra que é difícil perceber, mas está estampada como acídia, segundo decifrou Bosi em 1987).

Tal estado sombrio cobra hoje o direito a seu próprio território que é o do jogo improdutivo e inútil (MARCUSE, 1972, p. 173) contra a repetição.

E o que é a repetição, nesse contexto do automatismo, para o sujeito contemporâneo?

O mito de Midas é esclarecedor a esse respeito. Amaldiçoado pelos deuses a reproduzir tudo que tocasse, Midas pede misericórdia e confessa que está cansado

(...) de reduzir ao mesmo tudo que é diferente, de procurar sempre o denominador comum, de fazer comparações e estabelecer equivalências, de trabalhar por associação e justaposição, e não por contato e contágio, de isolar, julgar, avaliar! (SANTOS, 1989A).

Midas estava entediado pela repetição do movimento de “dominar o que tocamos convertendo-o em objeto de nosso desejo (pois isso), é o próprio movimento que nos converte, a nós senhores, em escravos” (idem, 1989A).

 

Finis

Um criador não é um ser que trabalha pelo prazer.

Um criador só faz aquilo de que tem absoluta necessidade.

(G. Deleuze)

Todas as tentativas da semiótica visual capitularam diante da impossibilidade de descobrir a significação sem recorrer à língua como intercessor.

A duração, a permanência e a memória não são qualidades inerentes à substância visual. Nisso que reside sua maior possibilidade de registrar – o acontecimento, a memória – reside também a possibilidade de traí-la, não só por que a imagética é um veículo frágil, mas, sobretudo, porque a memória é facilmente perecível, por meio da coleta do fait-divers, do episódico e transitório, passagens. Essa traição está inscrita geneticamente em todas as dimensões figurativas na multimídia, vídeo e cinema. Elas (dimensões figurativas) incidem sobre uma dupla problemática. A primeira é a tensão entre conteúdo vivido e forma (estética) que assume a possibilidade de criação de um objeto, processo ou redução técnica dessa experiência.

Seu princípio teórico é convertido em operacional. Algo é universal porque opera no plano do deslocamento (ou ao adquirir a qualidade do deslocar-se, se universaliza?).

A segunda problemática pertence ao campo da elaboração sobre o controle da técnica (repetição ou alteração desse tempo-artíficionatureza). Tal busca da continuidade no tempo e espaço leva a vários transtornos que antecedem os deslocamentos.

Algo que se desdobra, por isso mesmo, em vários outros temas que têm em comum o equívoco de querer separar o artificial. Ele não apenas se confunde com o natural como freqüentemente não sabemos (mais) dos limites entre o natural e o cultural, arbitrado e convencionado, do fabricado pelo homem e gerado por processos espontâneos.

Como hipótese futura conviria melhor potencializar essa problemática da co-produção (ser e mundo) e co-evolução entre artificial e a vida não-humana por diversos movimentos na cultura contemporânea. Todos eles são perpassados pela traição virtual já em curso avançado em torno da rentabilidade de um vasto empreendimento tecnocientífico no qual o princípio básico é o de reorganizar a natureza.9

 

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Endereço para correspondência
E-mail: rtneder@rc.unesp.br

Recebido em 26/07/2006
Aceito em 04/10/2006

 

 

* Para Cla e Jô
** Pesquisador da Associação Scientiae Studia de Filosofia e Historia da Ciência (Faculdade de Filosofia Letras e Ciencias Humanas FFLACH/ USP), participante do coletivo do Nücleo do Imaginário (Instituto de Psicologia) e prof. Dr. no IGCE/UNESP Rio Claro. Formação; Cientista social. 1 Todo deslocamento (Verschiebung em Freud) assume na perspectiva de Lacan (2003, p. 174) correspondência lingüística na metonímia (que consiste em designar uma coisa A pelo nome de outra B em virtude de uma relação não de semelhança ou similaridade, mas de contigüidade, de interdependência real entre ambas). O deslocamento metonímico – extensamente trabalhado pelos autores da teoria crítica da Escola de Frankfurt – está presente em A nostalgia do inteiramente outro quando Adorno nomeia, por exemplo, nostalgia (Sehnssucht), simultaneamente, nostalgia (passado) e ânsia (futuro) (MATOS, 1998, p. 25)
2 Publicado em português no Brasil sob o título A ideologia da sociedade industrial (Rio de Janeiro: Zahar, 1968)
3 A expressão é de Alexander Amadeus Baumgarten (século XVIII) apud Carpeaux (1985, p. 917) e Marcuse (1972, p. 163)
4 O roteiro e o filme Solaris desagradaram profundamente o autor da história Stanislaw Lem, que renegou a idéia sugerida por Tarkosky no filme de que o cosmo é desagradável e que a missão deveria voltar para a Mãe Terra. Ao contrário, no romance a estação espacial permanece em órbita de Solaris (“Meus livros irão desaparecer”, diz Lem. Entrevista de Stanislaw Lem. Folha de S. Paulo. 22/fev./2003. Ilustrada)
5 Freud leitor de Baudelauire? “La vraie civilization (...) n´’est pas dans le gaz, ni dans la vapeur, ni dans les tables toournantes. Elle est dans la diminuition des traces du pêché original” nos diz Charles Baudelaire, citado por Marcuse (1972, p. 141-142)
6 Carlos Drummond de Andrade, 2001
7 No poema de Drummond, os críticos têm assinalado que há um contraste da máquina do mundo como quintessência do Iluminismo, a qual assume a figura metonímica da sociedade (BOSI, 1987). Seu contraste é avassalador: enquanto o poema é permeado de escuridão “na máquina o que se vê são imagens de luz e grandiosidade (calma pura, clarão equilibrado, memória dos deuses, a total explicação da vida, a ciência sublime, o nexo primeiro e singular, os recursos da terra dominados, as verdades altas (BISCHOFT, 2005). Ver também O ensaio como forma filosófica – Horkheimer e a Escola de Frankfurt, em que Olgaria Matos tematiza os aspectos noturnos da Aufklãrung e a tendência à dominação nas experiências políticas, abordados pelo autores dessa tendência (MATOS, 1998)
8 Agradeço a Viviana Bosi por ter sugerido uma pista interpretativa sobre a teoria do romance em Lukács, que iluminou essa passagem
9 Interessante caso nesse sentido, o de um cienttista brasileiro, Otto Gottlieb, bioquímico que propõe uma nova forma de organizar e entender os vegetais a partir da química dos produtos naturais. Gottlieb pratica o que esteticamente podemos classificar como o papel de ator-chave na invenção de pontes entre artifício e a vida não humana, na qual estamos mergulhados (FAPESP, 1999).

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