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PsicoUSF

versão impressa ISSN 1413-8271

PsicoUSF v.7 n.2 Itatiba dez. 2002

 

ARTIGOS

 

A coerção e suas implicações na relação professor-aluno1, 2

 

The coercion and its fallout in the relationship between teacher and student

 

 

Juliane Viecili*, 3; José Gonçalves Medeiros**

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo examinar os comportamentos de aluno com história de fracasso escolar (CFE) e alunos sem história de fracasso escolar (SFE) e os comportamentos de coerção e estimulação positiva dos professores em relação a cada grupo de alunos. Dez crianças, com idade entre 8 e 12 anos, freqüentadoras do ensino fundamental de uma escola pública, participaram do estudo, juntamente com três professores. O procedimento de coleta de dados utilizado foi a observação direta dos comportamentos em sala de aula, com registro de categorias por intervalo de tempo com aluno como foco da observação. Os resultados indicam a utilização diferenciada de coerção com alunos CFE e de estimulação positiva com alunos SFE. Discute-se o uso diferenciado de contingências coercitivas e reforçadoras em relação aos alunos CFE e SFE e seus efeitos nos comportamentos acadêmicos e não-acadêmicos de ambos os grupos de alunos.

Palavras-chave: Fracasso escolar, Coerção em sala de aula, Interação professor-aluno.


ABSTRACT

This paper intends to examine the behavior of students with histories of school failure (WSF) and students without histories of school failure (WTSF) and the coercive and reinforcing behavior of teacher in relation with each group of students. Ten children, ranging 8 to 12 years old, attending a public elementary school, and tree teachers, were the participants of the study. The data was collected through the direct observation of behavior inside the classroom, with report of categories per time interval and the student was the observation focus. The results showed the use of differentiated coercion with WSF, and the positive stimulation with WTSF. The differentiated use of coercive and reinforcing contingencies with both WSF and WTSF students, and its effects in the academic and non-academic behaviors of both groups of students are discussed.

Keywords: School failure, Coercion in the classroom, Interaction teacher-student.


 

 

Introdução

A literatura tem demonstrado uma constante, porém antiga preocupação, em compreender o fracasso escolar que continua com índices altos (INEP, 1999; Lopes, 1997 & Patto, 1993), apesar das décadas de esforço no sentido de reverter tal realidade. Os estudos sobre o assunto indicam caminhos diferentes na compreensão do fenômeno. Analisar o fracasso escolar na perspectiva de uma análise de contingências permite compreender com mais transparência o papel dos principais agentes da educação – o professor e o aluno.

Autores de tradição comportamentalista analisam o professor como responsável por proporcionar condições de ensino ao aluno. Keller (1983a, 1983b, 1996); Botomé (1987, 1998); Oliveira (1998) e Kubo & Botomé (2001) consideram a necessidade de o professor desenvolver um programa de ensino que acompanhe a aprendizagem do aluno, respeitando o seu ritmo e a sua capacidade. Segundo Oliveira (1998), esse modo de conduzir o processo de ensino contribui para o estabelecimento de condições favoráveis à interação professor-aluno.

Os objetivos educacionais têm, muitas vezes, sido confundidos com regras e normas a serem seguidas. Botomé (1987) descreve que o objetivo das instituições de ensino “é (ou pelo menos deveria ser) fazer com que as pessoas estejam aptas a lidar com a realidade em que vivem (e com que se defrontam) de maneira a transformá-la em uma direção significativa” (Botomé, 1987, p. 9). Para o autor, são as aptidões ensinadas ou desenvolvidas por meio do ensino que mudarão a realidade do país. Mas, para isso, é necessário que os objetivos de ensino sejam estabelecidos e conduzidos tendo em vista preparar a população para lidar com a sua realidade a fim de produzir o que seja significativo para a vida dessa população (Botomé, 1987). Infelizmente o que acontece são os educadores cumprirem, a qualquer custo, os planos de ensino, reproduzindo ou seguindo modismos derivados de propostas educacionais (por exemplo, as propostas de Piaget, Vigotsky, Freire, Skinner, entre outros), não levando em consideração as necessidades dos alunos e do meio no qual estão inseridos, desempenhando muito mais um papel reprodutivista do que propriamente o de um educador, fugindo, dessa maneira, da sua responsabilidade de educar.

A coerção, um instrumento comum usado em nossa sociedade para persuadir o comportamento dos outros (Sidman, 1995), está presente, também, em sala de aula, e seus efeitos são desastrosos porque, como demonstram Zanotto, 2000; Oliveira, 1998; Sidman, 1995 e Skinner, 1990, 1972, a ansiedade e o medo decorrentes dessa maneira de ensinar constituem-se em determinantes da evasão e dos comportamentos de depredação de tudo o que representa a escola.

A freqüente utilização de coerção em sala de aula deve ser revista. Skinner (1972, 1990) alerta sobre o perigo de seu uso na educação, tendo em vista que a coerção leva ao contracontrole por parte do aluno, onde o “não aprender” parece se constituir numa forma de defesa contra as “agressões coercitivas” utilizadas pelo professor. Atualmente, essa abordagem vem sendo amplamente estudada por analistas do comportamento (Medeiros, Monteiro & Silva, 1997; Oliveira, 1998; Zanotto, 2000) e, cada vez mais, têm-se procurado descrever as relações comportamentais em sala de aula entre professor e aluno como estratégia para o entendimento de como se estabelecem alguns dos determinantes do fracasso.

Para buscar compreender quais os motivos que levam os alunos a continuarem nas escolas ouvindo os professores, carregando materiais, fazendo lições de casa, Skinner (1990, 1972), Sidman (1995) e Oliveira (1998) apóiam-se no uso da coerção como controlador de tais práticas. Os estímulos aversivos podem proporcionar força e poder aos professores. Apesar de atualmente não se fazer mais uso da palmatória para punir comportamentos indesejáveis na sala de aula, Oliveira (1998) comenta que os professores usam os próprios recursos didáticos como punição: “dão aos alunos tarefas adicionais, livros para ler como castigo por alguma indisciplina” (p. 13).

Dessa forma, a coerção se tornou uma das estratégias mais utilizadas em sala de aula, tendo em vista seus efeitos imediatos. Sidman (1995) define coerção como “o uso da punição e da ameaça de punição para conseguir que outros ajam como nós gostaríamos ou a nossa prática de recompensar pessoas deixando-as escapar de nossas punições ou ameaças” (p. 17), ou seja, a utilização de contingências de punição e de reforço negativo (Catania, 1999; Sidman, 1995; Skinner, 1972). Sidman (1995) chama a atenção sobre a coerção ter se tornado uma prática comum na tentativa de controlar o comportamento uns dos outros. Mesmo que faça com que o sujeito atinja seu objetivo imediatamente, ela está fadada ao fracasso.

Nesse contesto, o controle aversivo pode desencadear tentativas de buscar aliviar ou escapar desses estímulos que causam sofrimento (Skinner, 1990; Sidman, 1995; Oliveira, 1998). O aluno pode começar a se atrasar para as aulas, ficar indiferente às explicações, conversar com colegas, realizar outras atividades no período de aula, abandonar a escola. São essas formas de controlar seus professores, o que Skinner (1990) chamou de contra ataques (ou o que Sidman [1995] denomina de contracontrole): reações violentas que os alunos realizam para se defender de medidas severas adotadas pelo professor (como pode ser percebido nos telejornais diários), aumentando cada vez mais a incidência de depredação de escolas, agressões contra colegas e professores, roubo de materiais fundamentais para o funcionamento das escolas, entre outros comportamentos “rebeldes”. Dessa forma, os alunos reagem, também, agredindo verbalmente, ou mesmo fisicamente, o professor ou a escola, numa tentativa de mostrar toda sua insatisfação contra aquele meio que o faz sofrer.

Para Oliveira (1998), existe uma razão de natureza metodológica para evitar a punição e esta está relacionada aos objetivos educacionais que prevêem ensinar novos comportamentos no lugar dos inadequados e não simplesmente a supressão temporária dos comportamentos agressivos (resultantes de procedimentos de punição). Para a autora, não se ensina com punição. Sidman (1995) considera, também, que mesmo que a filosofia da educação ensinada nos cursos de Pedagogia seja não-coercitiva, a própria prática não demonstra a utilização dessas técnicas e não ensina ao aluno (futuro professor) como ensinar sem coagir, apenas lhes ensina que coerção é ruim.

Diante desse quadro, tendo como foco o comportamento do aluno, o presente artigo relata os resultados da pesquisa que analisou a relação professor-aluno e os controles (positivos e negativos) utilizados em sala de aula com alunos com e sem história de fracasso escolar.

 

Método

Sujeitos

Participaram como sujeitos (Ss) dez crianças e três professores responsáveis pelas classes onde a pesquisa foi realizada, sendo organizados, em relação às crianças, dois grupos de cinco Ss: alunos com história de fracasso escolar (CFE) e alunos sem história de fracasso escolar (SFE), os quais foram denominados sujeitos-alunos (Sa). Os alunos foram indicados pelos professores tendo como critério a presença ou ausência de repetências e estavam distribuídos em três turmas do ensino fundamental de uma escola da rede pública – 2a, 3a e 4a séries. As idades das crianças na época da coleta variavam de oito a doze anos.

Os sujeitos-professores (Sp) foram escolhidos dentre aqueles pertencentes ao ensino fundamental e que se disponibilizaram a participar da pesquisa. As três professoras são do sexo feminino, sendo uma da 2a série, uma da 3a série e uma da 4a série, todas do período vespertino.

Situação e material

Foram utilizados lápis, borracha, folha de protocolo para registro dos dados das observações e cronômetro. Havia também uma tabela com o nome dos sujeitos e uma tabela com o nome das categorias comportamentais e suas descrições, que ficavam disponíveis em cima da carteira.

Procedimento Geral

A coleta de dados constituiu-se de três passos. O primeiro passo compreendeu 10 sessões de observação e relato cursivo, com duração de 10 minutos cada uma, onde foi observado o desempenho do professor em relação a um aluno, bem como as respostas do aluno ao comportamento do professor. Foi observado um Sa de cada vez. Em seguida a esse procedimento, iniciou-se o segundo passo, ou seja, a caracterização e definição das categorias comportamentais. Com base no registro cursivo e nas descrições de Machado (1984) e Gil e Duran (1993), foram construídas as seguintes categorias comportamentais:

Tabela 1 - Categorias comportamentais do professor

Tabela 2 - Categorias comportamentais do aluno

Com base nas categorias elaboradas, realizou-se o terceiro passo (e o que diz respeito à coleta de dados propriamente dita): a observação direta por registro de categorias. As sessões de observação duravam 10 minutos, sendo observado um aluno por vez na relação com Sp, com intervalos de 5 segundos para observação e intervalos de 10 segundos para registro dos dados, totalizando 10 sessões de observação por aluno. Foram registrados as ações e também os eventos que as antecediam e os eventos que se seguiam. As observações foram realizadas com foco na ação do aluno, considerando os comportamentos do professor que antecediam e os comportamentos de coerção e estimulação positiva do professor que seguiam as ações dos alunos, o que permitiu ser possível analisar os eventos que levavam os professores a emitir comportamentos de coerção em relação aos comportamentos dos alunos nas condições CFE e SFE. As sessões de observação contaram com a participação de um observador auxiliar que possibilitou, ao final de cada sessão de observação, a realização do teste de fidedignidade das observações. Somente foram validadas e utilizadas para a pesquisa as sessões cujo índice de fidedignidade fosse igual ou superior a 80 por cento; as observações que não atingiram esse índice foram descartadas.

Procedimento de tratamento dos dados

Apesar da amostra ser pequena (cinco sujeitos para cada grupo – CFE e SFE) e de não se utilizar o desenho estatístico no presente trabalho, os dados foram analisados por meio do Teste “t” - de Student, via software, para pequenas amostras, processado pelo programa LABSTAT, visando verificar a significância dos dados obtidos. Os valores do “Teste t” foram significativos em três relações, a saber: os comportamentos não acadêmicos dos alunos como antecedentes ao comportamento coercitivo do professor (p<0,034), cuja média é maior para o grupo CFE; os comportamentos acadêmicos dos alunos como conseqüentes ao comportamento coercitivo do professor (p<0,046), cuja media é maior para o grupo SFE; e a categoria comportamental não acadêmica CDA dos alunos (p<0,019), cuja média é maior para o grupo CFE.

Os resultados estão apresentados na forma de ocorrência relativa. Na Figura 1, a ocorrência relativa foi obtida com base no número total de emissões de uma determinada categoria registrada, dividido pelo total dessa categoria, considerando os dois grupos de Sa (CFE e SFE). Na Figura 2, a ocorrência relativa foi calculada baseada no número total de emissões de uma determinada categoria registrada, dividido pelo total dessa categoria em cada um dos grupos (CFE e SFE) separadamente. Assim, no eixo das ordenadas, consta um índice com variação entre 0 e 1 para cada uma das categorias registradas. A ocorrência relativa referente ao Sa CFE e SFE foi representada em gráficos para permitir análises comparativas entre os dois grupos.

 

Resultados

A Figura 1 apresenta os comportamentos emitidos pelos alunos em sala de aula. Verifica-se a predominância de comportamentos acadêmicos para o grupo SFE, com exceção das categorias comentar (CMA) e responder (RSA), enquanto para o grupo CFE predomina a emissão de comportamentos não acadêmicos.

Figura 1 – Ocorrência relativa das categorias comportamentais dos alunos.

A ocorrência relativa das categorias acadêmicas (parte esquerda da Figura 1) de Sa mostra que os alunos SFE cumprem as tarefas escolares (CTA) com ocorrência de 0,56, maior, portanto, do que a dos alunos CFE (0,44); ficam atentos às explicações (FAA) do professor com ocorrência de 0,56 contra 0,44 para os alunos CFE; pedem informação ao professor (PIA) em 0,62 contra 0,38 para os alunos CFE e chamam o professor (CPA) em 0,68 contra 0,32 para alunos CFE. Em relação aos comportamentos do grupo CFE, a ocorrência relativa da categoria comentar (CMA) é da ordem de 0,60 contra 0,40 para alunos SFE. Por sua vez, a ocorrência de responder ao professor (RSA) é muito próxima para ambos os grupos (0,52 para CFE e 0,48 para SFE).

Dentre os comportamentos não acadêmicos, apresentados na parte direita da Figura 1, com predominância para o grupo CFE, verifica-se uma ocorrência relativa de 0,61 para os comportamentos de distração (CDA), contra 0,39 para os alunos do grupo SFE. A ocorrência relativa de comportamentos de interação com colegas (ICA), com 0,64 do índice, é maior para os alunos CFE do que para alunos SFE, com índice de 0,36. Igualmente, a ocorrência de recusa às atividades (RCA) é da ordem de 0,60 para o grupo CFE contra 0,40 para os alunos do grupo SFE. No que se refere às atividades de informar algo não relacionado com a atividade (INA), a ocorrência dos alunos CFE é da ordem de 0,67 contra 0,33 para alunos SFE. A ocorrência relativa do comportamento de prestar atenção a algo não relacionado à tarefa (PAA) é da ordem de 0,64 para o grupo CFE contra 0,36 para o grupo SFE. A categoria cumprir ordens (COA) teve apenas uma ocorrência no grupo CFE e outros comportamentos (OA) não tiveram nenhuma ocorrência, por isso não estão presentes no gráfico.

Os dados apresentados na Figura 2 são relativos às categorias comportamentais dos alunos que sofreram positivamente (parte direita da Figura) pelo professor, em que a ação do aluno é o foco de observação e o comportamento do professor corresponde aos estímulos reforçadores ou punidores desses comportamentos.

Pode ser visto nessa Figura que o professor utiliza com mais freqüência coerção com alunos CFE do que com alunos SFE e estimula positivamente mais os comportamentos dos alunos SFE do que alunos CFE. A categoria acadêmica comentar (CMA) e a não acadêmica distrair-se (CDA) do grupo CFE são as mais punidas, com ocorrência relativa de 0,75 contra 0,25 para as mesmas categorias do grupo SFE. Para a categoria não acadêmica de interação com o colega (ICA), a ocorrência de ambos os grupos é da ordem de 0,50. Nas categorias acadêmicas cumprir tarefas escolares (CTA) e ficar atento às tarefas executadas (FAA), o professor utilizou coerção em 4 ocorrências com grupo CFE e nenhuma com o grupo SFE. Por se constituírem em valores reduzidos, os índices não estão apresentados na Figura. Na categoria acadêmica pedir informação ao professor (PIA) ocorreu um episódio coercitivo com o grupo SFE e nenhum com o grupo CFE; na categoria acadêmica, responder à solicitação do professor (RSA), foram duas ocorrências com o grupo CFE e nenhuma com o grupo SFE; na categoria não acadêmica informar algo não relativo à atividade de sala de aula (INA) houve uma ocorrência de coerção com o grupo CFE e nenhuma com o grupo SFE. Na categoria acadêmica chamar o professor (CPA) e nas categorias não acadêmicas recusar-se a executar uma atividade designada pelo professor (RCA), cumprir ordem dada pelo professor (COA), prestar atenção a pessoas extraclasse (PAA) e outros comportamentos (OA) não aparecem incidentes coercitivos relativos à prática do professor.

Figura 2 – Ocorrência relativa de categorias dos comportamentos dos alunos que são seguidas pela ação de coerção e de estimulação positiva do professor.

Na parte direita da Figura 2, verifica-se que o professor estimulou positivamente mais os comportamentos acadêmicos de pedir informação (PIA) e responder (RSA) dos alunos SFE, com ocorrência relativa de 0,80 e 0,67, respectivamente, enquanto para o grupo CFE esses índices são da ordem de 0,20 e 0,33, respectivamente. A categoria acadêmica de ficar atento (FAA) é mais estimulada positivamente no grupo CFE, com ocorrência relativa de 0,75, enquanto, para o grupo SFE, esse valor é da ordem de 0,25. As categorias acadêmicas chamar o professor (CPA) e comentar (CMA) ocorrem com valores idênticos de estimulação positiva para ambos os grupos, com ocorrência de 0,50 para as duas categorias. Na categoria acadêmica cumprir tarefas escolares (CTA), houve três ocorrências de estimulação positiva para o grupo SFE e nenhuma para o grupo CFE, não sendo possível estabelecer comparação. As categorias não acadêmicas de distrair-se (CDA), recusar-se a executar uma atividade designada pelo professor (RCA), informar sobre algo não relativo à atividade de sala de aula (INA), interagir com o colega (ICA), cumprir ordem dada pelo professor (COA), prestar atenção a pessoas extra-classe (PAA) e outros comportamentos (OA) não foram estimuladas positivamente nos períodos de observação.

 

Conclusão

Os dados desta pesquisa revelam que alunos com história de fracasso escolar (CFE) e alunos sem esse histórico (SFE) comportam-se diferentemente em sala de aula. Do mesmo modo, os professores utilizam coerção e estimulação positiva diferentemente com ambos os grupos, punindo mais os comportamentos dos alunos CFE e reforçando positivamente mais os comportamentos dos alunos SFE.

Nota-se que há uma diferença significativa quanto a comportamentos acadêmicos e não acadêmicos para cada grupo. Os alunos SFE concentram-se mais do que os alunos CFE, no cumprimento das atividades relacionadas às tarefas a serem executadas, o que deve ocorrer porque são mais solicitados a participar das atividades propostas em sala de aula. Mesmo assim, dentre os comportamentos acadêmicos, os alunos CFE comentam mais sobre atividades de sala de aula (CMA) do que os alunos SFE. Essa diferença poderia ser explicada porque esses alunos têm, provavelmente, maior dificuldade de compreender as explicações do professor, o que estaria propiciando uma freqüência mais alta de comentários. Em relação aos comportamentos não acadêmicos, esses aparecem com maior freqüência no grupo CFE, em contrapartida aos comportamentos acadêmicos que, em sua maioria, são emitidos pelo grupo SFE. A diferença, em termos de freqüência de participação, de cada um dos grupos de sujeitos com as questões relacionadas às atividades em sala de aula, indica que os alunos SFE são mais ativos e participam mais das atividades acadêmicas, enquanto os alunos CFE emitem com maior freqüência comportamentos não relacionados às atividades de sala de aula. O índice mais elevado de distração e de busca de interação com o colega, por parte dos alunos CFE, pode estar demonstrando falta de interesse nas tarefas e até fuga da sala de aula, discutida por Skinner (1972), Sidman (1995) e Oliveira (1998). Para esses autores, quando o controle aversivo é utilizado na escola, o aluno pode buscar uma forma de escapar desse controle. Dentre essas formas de fuga, podem ser considerados o atraso para as aulas, o ficar indiferente às explicações, as conversas com colegas, a realização de outras ações no período de aula e até o abandono da escola. A recusa em participar das atividades solicitadas pelo professor por parte dos alunos CFE indica a não-participação das atividades em sala de aula por falta de motivação e de interesse, uma vez que o professor propicia-lhes menor quantidade de reforçamento positivo ou estimulação.

A coerção foi utilizada, com índices mais elevados, com os alunos CFE para punir tanto os comportamentos não acadêmicos como distração (CDA), interação com o colega (ICA), quanto os acadêmicos de fazer comentários referentes às atividades acadêmicas (CMA) dos alunos. Essa última categoria acadêmica foi uma das categorias acadêmicas mais empregadas pelo grupo de alunos CFE. Ou seja, os alunos CFE emitem menos comportamentos acadêmicos e, ainda, são punidos. A única categoria comportamental do grupo SFE que recebe punição proporcional ao grupo CFE é interação com o colega (ICA), categoria não acadêmica. Em relação a esse aspecto, Leite (1988), ao apresentar explicações para as causas do fracasso escolar, afirma que a exigência feita pelos professores aos alunos é distinta e está relacionada com a expectativa do professor em relação ao desempenho do aluno. Assim, o professor pode estimular positivamente mais as ações dos alunos aos quais credita a possibilidade de terem um rendimento melhor e, contrariamente, estimular menos aqueles alunos que já possuem um histórico de reprovação. Desse modo, por causa da expectativa menor, o interesse do professor nas ações do grupo CFE pode diminuir, levando o professor a estimular positivamente menos esse grupo de alunos. Assim, critérios distintos de avaliação, indicados por Resende (2000), podem estar contribuindo para o uso de práticas discriminatórias pelo professor em sala de aula e, com isso, propiciando, ainda mais, o desenvolvimento do fracasso escolar dos alunos que já apresentam esse histórico. E a história de fracasso escolar, já existente, pode ser fortalecida ainda mais no âmbito escolar por meio de notas; ou no âmbito social, mediante atividades realizadas por esses alunos e com esses alunos.

Do mesmo modo que a freqüência de comportamentos não acadêmicos é mais alta para os alunos CFE, nota-se que os professores reforçam menos os comportamentos acadêmicos desse grupo de alunos. O grupo de alunos SFE recebe, por sua vez, mais reforçamento positivo ou estimulação para os comportamentos acadêmicos, o que deve contribuir para sua maior participação em sala de aula. O fato de o grupo CFE receber menos estimulação positiva que o grupo SFE pode ser explicado em razão dos mesmos emitirem mais comportamentos não acadêmicos do que os alunos SFE, como estar mais distraídos, conversar mais com os colegas e participar menos das atividades acadêmicas; dessa maneira, proporcionam ao professor menos oportunidades de incentivo das atividades acadêmicas ou, pelo contrário, por serem menos estimulados a participar, apresentam maior índice de comportamentos não acadêmicos, ou ainda, os comportamentos não acadêmicos podem estar ocorrendo pela utilização inadequada da coerção por parte do professor, demonstrada pelos índices de que foi utilizada tanto para comportamento não acadêmico quanto para comportamento acadêmico.

A utilização incorreta da punição por parte do professor pode levar, como discute Skinner (1972), ao fortalecimento do comportamento indesejado. Quando o professor utiliza a coerção indiscriminadamente, isto é, tanto para punir comportamentos acadêmicos quanto para não acadêmicos, o aluno não identifica qual de seus comportamentos é o indesejado. Dessa forma, a utilização da coerção pode estar produzindo fuga ou esquiva, conforme indica Sidman (1995) e comentam Oliveira (1998) e Skinner (1972), demonstrada pelos comportamentos não acadêmicos dos alunos que mais recebem coerção. Catania (1999) considera que a fuga ocorre como decorrência da suspensão dos efeitos da coerção. Já, na esquiva, o estímulo aversivo não está presente, com o organismo se comportando para evitar o seu aparecimento, ou seja, se comporta preventivamente em relação aos efeitos aversivos. O autor descreve o uso cotidiano dos termos afirmando que “fugimos de circunstâncias aversivas presentes, mas nos esquivamos de circunstâncias potencialmente aversivas que ainda não ocorreram” (Catania, 1999, p. 117). Sidman (1995) comenta que o ser humano (e outros animais) busca formas de se desligar dos efeitos do reforçamento negativo e punição (ou coerção), estando, dentre essas formas apresentadas, o desligamento e a desistência da escola, no caso da relação ocorrer em sala de aula. Por desligamento, o autor comenta que o aluno finge que não escuta o que o professor diz, e distrai-se fazendo outras coisas, mas quando a coerção aumenta, o desligamento já não basta e ocorre, então, a desistência – começa com o aluno indo vagarosamente para a escola, atrasando-se, criando doenças fictícias, faltando às aulas e, finalmente, não aparecendo mais na escola. Os comportamentos não acadêmicos dos alunos CFE podem bem ilustrar essa questão. Dessa forma, pode-se dizer que os comportamentos não acadêmicos dos alunos CFE podem estar servindo, de algum modo, para a fuga das contingências aversivas impostas pelos professores. Assim, também, quando o professor usa coerção indiscriminadamente e repetidas vezes com os alunos CFE, pode-se pensar que a pouca participação desse grupo nas atividades acadêmicas pode ser uma forma de evitar expor-se aos estímulos aversivos.

As decorrências da utilização de coerção em sala de aula contradizem os objetivos escolares de formar cidadãos críticos e livres. Nunes (1990) aponta para um fator importante e pouco considerado na relação educacional de que os alunos com história de fracasso escolar apresentam baixa auto-estima e sentimentos de impotência e incapacidade, levando a criança ao que a autora chamou de desamparo adquirido e à depressão. Andery & Sério (1997) ressaltam essa idéia descrevendo as implicações do controle aversivo, resultando na formação de sujeitos passivos, quietos e que temem o ambiente que lhes é hostil. Dessa forma, alunos que são mais punidos e menos reforçados sentem-se aflitos e inseguros em participar das atividades acadêmicas propostas pelos professores, o que explicaria os altos índices de comportamentos não acadêmicos do grupo CFE que, por medo ou insegurança, não participam das atividades acadêmicas.

Os dados do trabalho demonstram a complexidade do fracasso escolar que interfere prejudicialmente no desenvolvimento acadêmico do aluno. O que se verificou foi que há um (pré) conceito dos professores em relação a determinados alunos e isso os leva a se comportarem de modo diferente em relação aos que apresentam história de fracasso escolar e àqueles que são considerados alunos bons ou regulares e que nunca foram reprovados. O fato é que o professor, como personagem central nessas relações, estimula o fracasso, mediante práticas coercitivas com o grupo de alunos que mais necessitaria de apoio e reconhecimento. Práticas que perpassam pelas relações pedagógicas professor-aluno, pela disposição física das carteiras dos alunos na sala de aula, pelas diferenças no trato de alunos com condições socioeconômicas diversas delineiam uma realidade enraizada no meio educacional e que precisa ser analisada e discutida com mais interesse pelos profissionais da educação.

Mais uma vez se evidencia a necessidade de se reestruturar a formação de professores para que tenham condições de identificar e lidar com seus próprios preconceitos, de observar e avaliar suas próprias ações e corrigir seu desempenho. Para isso, o professor precisa ter clareza dos assuntos e comportamentos que tenham significado para o aluno; precisa utilizar a avaliação como um instrumento de aprendizagem e não de coerção e, principalmente, precisa ser capaz de investir sua habilidade e seu conhecimento para produzir condições para o aluno aprender comportamentos de valor, na certeza de que as implicações das atividades coercitivas interferem na formação dos sujeitos/ cidadãos brasileiros.

 

Referências

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Recebido em 26/04/2002
Revisado em 25/08/2002
Aceito em 21/10/2002

 

 

* Juliane Viecili é graduada em Psicologia pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões em 1998, mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2002. Atualmente leciona no curso de Psicologia da Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC. Atuação e pesquisa em Psicologia da aprendizagem.
** José Gonçalves Medeiros é orientador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC, bolsista do CNPq e consultor científico de Estudos de Psicologia (Natal) e Interação (Curitiba), além de editor da Revista de Ciências Humanas da UFSC. Faz parte, como líder, do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil.
1 Agradecimentos à CAPES pelo financiamento parcial da pesquisa.
2 O presente artigo é parte da dissertação de mestrado da primeira autora, orientada pelo segundo, e defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, em fevereiro de 2002.
3 Endereço para correspondência:
Estrada do Bom Jesus, 628 - Vargem do Bom Jesus - Florianópolis-SC - 88058-020
E-mail: jviecili@hotmail.com e medeiros@mbox1.ufsc.br