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PsicoUSF

versão impressa ISSN 1413-8271

PsicoUSF v.8 n.1 Itatiba jun. 2003

 

ARTIGOS

 

Avaliação da inteligência na primeira infância

 

Intelligence assessment in early childhood

 

 

Renata Valladão Theuer*, 1; Carmen E. Flores-Mendoza**, 2

 

 


RESUMO

Tradicionalmente, a inteligência é avaliada por instrumentos psicométricos. Em se tratando da avaliação cognitiva na primeira infância (0 a 36 meses de idade), os testes geralmente baseiam-se em critérios de desempenho psicomotor. Meio século de pesquisas tem demonstrado pouca ou nenhuma associação entre o que é requisitado nas escalas clássicas de desenvolvimento infantil e a performance cognitiva nos anos posteriores. Tais resultados fortaleceram a crença na descontinuidade do desenvolvimento da inteligência ao longo do ciclo vital. No entanto, há recentes evidências de que medidas de processamento de informação podem trazer respostas ao desafio de encontrar maiores correlações entre as pontuações em inteligência nos primeiros anos de vida e posteriores do que as obtidas por meio dos testes de desenvolvimento psicomotor. Índices de habituação visual e preferência pela novidade, bastante livres de requisitos motores, têm apresentado moderada validade preditiva em relação ao desenvolvimento cognitivo. No presente trabalho apresentam-se os principais estudos a esse respeito.

Palavras-chave: Inteligência, Primeira infância, Habituação, Preferência pelo novo.


ABSTRACT

Intelligence is traditionally measured by psychometric tools. In early childhood (0-36 months-age) the cognitive assessment is generally based on psychomotor achievement criteria. Half a century of researches has shown that there is little or no association between the requirements of classic scales of child development and the later cognitive performance in childhood or adulthood. Those results strengthened the theories that affirm the discontinuity of cognitive development throughout life span. In recent years, however, there are evidences that processing information measurements can answer the challenge of finding higher correlation between the intelligence scores of the first years of life and latter than those obtained through psychomotor developmental tests. Scores of visual habituation and novelty preferences, relatively free of motor requirements, have shown some predictive validity in relation to the cognitive development. The present study addresses some of the main studies on this issue.

Keywords: Intelligence, Childhood, Habituation, Novelty preference.


 

 

Introdução

Em qualquer sistema de saúde existem programas direcionados ao desenvolvimento de bebês que nascem ou desenvolvem condições de desvantagem, tais como bebês prematuros, portadores de síndromes, vítimas de traumatismo craniano, de extremo baixo peso e várias outras situações consideradas de risco para o desenvolvimento. A avaliação do desenvolvimento cognitivo da criança constitui-se como ponto de convergência dos diferentes programas de intervenção precoce. O desenvolvimento das habilidades mentais oferece informações para o processo de investigação diagnóstica, norteia o estabelecimento de objetivos a curto prazo e, em longo prazo, a escolha dos materiais, bem como oferece dados para a elaboração de estratégias de intervenção e para a avaliação de procedimentos e de resultados alcançados. Mas como é possível avaliar o potencial cognitivo de crianças em idade tenra? Quais são os indicadores que possibilitam afirmar a presença ou não de um atraso cognitivo? Em que medida um atraso cognitivo na primeira infância prediz dificuldades escolares ou um quadro de retardo mental em idade posterior?

A produção de informação relativa a essas questões ainda não apresentou respostas definitivas, porém mostra algumas perspectivas teóricas e empíricas para a compreensão da inteligência na primeira infância, como se verá logo a seguir.

 

Medidas tradicionais da inteligência na primeira infância

A partir de 1920, verifica-se na literatura especializada um crescente interesse por temas relacionados ao desenvolvimento infantil. Nessa época foram criados nos Estados Unidos vários centros de estudos sobre a criança. A perspectiva metodológica adotada nas pesquisas realizadas nesses centros foi o recrutamento e o seguimento longitudinal de grandes amostras da população. Não havia a princípio uma teoria do desenvolvimento subjacente, mas sim a preocupação com medidas objetivas e com a sistematização dos registros. A informação assim coletada foi organizada e descrita em escalas de desenvolvimento, ou seja, uma lista de comportamentos observáveis em determinada faixa etária. São as normas assim construídas que formam o alicerce dos tradicionais testes de bebês (Colombo, 1993).

Talvez uma das mais famosas escalas que surgiram nessa época seja a de Arnold Gesell, as quais ele próprio denominou de “Escalas de Desenvolvimento”. No caso, a proposta não era determinar e menos ainda predizer a inteligência das crianças. Seu foco de interesse foi a descrição extensiva do desenvolvimento do comportamento infantil em relação à maturação neurológica da criança. A organização desses dados compõe a escala de 144 itens a qual abrange quatro grandes áreas: o comportamento motor - desde os movimentos amplos até a coordenação motora fina - o comportamento lingüístico, pessoal-social e adaptativo. Do desempenho da criança em relação à norma é extraída a idade maturacional; esta, relacionada à idade cronológica x 100, fornece o quociente de desenvolvimento (Gesell, 1925).

Tem-se também o teste de Cattell, talvez o primeiro a usar o termo “teste mental”. Foi elaborado a partir dos itens de Gesell e do Stanford-Binet (Thorndike, Hagen & Sattler, 1986), apesar de não ser considerado uma escala de bebês. O teste de Cattell abrange a faixa etária de dois a 36 meses de idade e é composto de 128 itens. Já a escala de Uzgiris e Hunt, indicada para bebês pequenos, divide-se em sete subescalas, construídas sob a inspiração das pesquisas piagetianas sobre o desenvolvimento das habilidades cognitivas na primeira infância. São apresentadas idades médias sem a intenção de oferecer dados normativos. Para uma análise detalhada dos testes de bebês citados, sugere-se a leitura de Nunes, Sisdelli & Fernandes (1994).

A exemplo do trabalho de Gesell no Instituto da Criança da Universidade de Yale, Nancy Bayley, da Universidade de Berkeley também desenvolveu uma série de normas de avaliação. Inicialmente estas foram organizadas como a Escala Mental do Primeiro Ano de Vida Califórnia (Bayley, 1933); posteriormente, a escala motora foi agregada e, finalmente, em 1969, surgiu a Escala Bayley do Desenvolvimento Infantil. Por sua contínua e rigorosa revisão, as Escalas Bayley são atualmente os instrumentos mais populares nos principais estudos sobre a primeira infância dos mais variados países. O cruzamento dos termos “Bayley” e “desenvolvimento infantil” na base de dados do Medline (novembro, 2002) gera mais de 430 títulos sobre o tema.

Apesar de não haver ainda uma padronização nacional das Escalas Bayley, estas também são amplamente utilizadas no Brasil. O Bayley tem sido instrumento para a avaliação do desenvolvimento mental de populações que precisam de cuidados clínicos, como no caso de bebês fenilcetonúricos (Diniz, 2001); também é utilizado como indicador cognitivo na avaliação da validade preditiva de exames neonatais (Mello, Dutra, Silva & Lopes, 1998) ou na avaliação de resultados de programas de intervenção precoce (Miranda e colaboradores, 1999). Contudo, estudos transculturais mostram que normas psicomotoras não têm caráter universal, assim, por exemplo, estudos com bebês da Uganda evidenciaram que a norma dos bebês americanos não se aplica aos bebês daquele país (Drotar e colaboradores, 1997). Talvez as normas americanas também não se ajustem aos bebês brasileiros e por isso algumas pesquisas nacionais, para favorecer a validade dos dados, utilizam grupos-controle para comparação dos resultados. Em boa hora, a validação da Escala Bayley é um dos projetos em andamento na Universidade de Brasília.

Em relação aos estudos brasileiros sobre desenvolvimento infantil, cabe destacar o trabalho de Marinho (1978) com crianças carentes do Rio de Janeiro, o qual forneceu dados para a organização da Escala Brasileira de Avaliação Global de Desenvolvimento da Criança. Contudo, um estudo paulista sobre instrumentos de avaliação infantil adequados às necessidades de uma Unidade Básica de Saúde verificou que esta escala tende a superestimar o desempenho das crianças em até +8 DP, fator que desencoraja seu uso (Silva, Cursino & Dias, 1993).

Outro estudo nacional que sobressai é a “Escala de Desenvolvimento do Comportamento da Criança: O Primeiro Ano de Vida”. Com base na análise detalhada de diversos testes de desenvolvimento de bebês, Batista propõe uma escala com 64 itens, padronizados para a faixa etária de um a 12 meses de vida, com uma amostra de 242 crianças de ambos os sexos, distribuídas mês a mês e trimestre a trimestre. O objetivo é oferecer um instrumento para avaliação do desenvolvimento do comportamento infantil utilizando como indicador a manifestação motora da criança (Batista, Vilanova & Vieira, 1997).

A utilização de instrumentos de desenvolvimento psicomotor para o estabelecimento do nível intelectual na primeira infância ainda não está muito clara no cenário acadêmico, pois apesar dos diversos testemunhos - inclusive dos próprios autores dos testes infantis - de que estes não foram desenvolvidos para fins de avaliação da inteligência na primeira infância (Bayley, 1933; Gesell, 1925; McCall, 1976), o próprio formato dos testes favorece esse tipo de análise. Os dados são sumarizados de forma a indicar o nível de habilidade infantil em relação à sua idade cronológica e daí deriva-se a “idade mental” do bebê. Trata-se, portanto, de uma fórmula bastante similar ao tradicional QI dos testes de inteligência para adultos. Dessa forma, os testes de bebês têm sido amplamente utilizados com fins a avaliar a inteligência infantil (Lewis, 1983).

Para a avaliação da inteligência de crianças pequenas portadoras de limitações motoras severas, como no caso da paralisia cerebral, as escalas de desenvolvimento tradicionais também têm sido utilizadas como instrumento de avaliação do desenvolvimento cognitivo (Macpherson & Butterworth, 1988). Entretanto, deve-se considerar que se a relação entre indicadores psicomotores e inteligência na população “normal” merece atenção especial da comunidade acadêmica, cabe questionar no caso de crianças com desordens do movimento o que está sendo revelado com o uso de provas que requerem destreza motora, além da própria desordem motora.

Nesse sentido, é de vital importância esclarecer a natureza e validade do construto “inteligência” que vem sendo avaliado nos usuais testes de bebês. Em Gesell (1925) e também no conceito de sistematogênese descrito por Bayley (1970), o desenvolvimento infantil se constrói de baixo para cima e o desempenho sensório-motor descrito nas escalas constituiria a base do desenvolvimento mental adulto. A hipótese de uma integração neuronal que se processa de baixo para cima e que se observa nos comportamentos sensório-motores da primeira infância implica a expectativa de que o desempenho nos testes de bebês possa predizer o desenvolvimento mental posterior, isto é, quanto melhor for o desenvolvimento psicomotor na primeira infância, maior será o nível intelectual em idade posterior.

 

Validade preditiva dos testes de bebês

Existem diversas pesquisas longitudinais que avaliam a validade preditiva dos testes de bebês. Os resultados alcançados com base nos diferentes testes, tais como o Bayley, Gesell e Cattel, têm sido similares. A análise dos resultados dessas pesquisas, realizada por Fagan e Singer (1983), é apresentada na Tabela 1, a qual foi reproduzida com a autorização do primeiro autor.

Tabela 1 - Correlação entre Medidas Psicomotoras e QI Posteriores

Os dados apresentados sugerem que o desempenho sensório motor guarda maior validade preditiva em populações de risco do que em populações normais. McCall confirma essa tendência apresentando uma série de estudos que avaliam longitudinalmente crianças de risco ou com deficiências estabelecidas, e considera que as correlações em determinadas populações especiais podem se aproximar de 0,70 a 0,80 (McCall, Hogarty & Hurlburt, 1972). Lamentavelmente, é expressivo o índice de resultados falsos positivos e portanto não há possibilidade de discriminar entre uma população e outra. Também considera-se que a inclusão de pessoas com deficiências severas possa ter favorecido correlações mais altas (Cohen & Parmelee, 1983).

Nos estudos com populações sem fatores de risco para a deficiência mental, praticamente não são encontradas correlações entre medidas de desenvolvimento mental na primeira infância e nos anos posteriores. Em uma pesquisa realizada por Bayley (1949), somente a partir dos quatro anos de idade foi encontrada alguma correlação entre medidas realizadas na infância e performance cognitiva posterior. Esses estudos foram fartamente replicados, e as correlações entre medidas tradicionais do desenvolvimento infantil, principalmente as realizadas no primeiro ano de vida, têm se apresentado uniformemente baixas (Bornstein & Sigman, 1986).

Considerando as baixas correlações entre o desempenho em testes de bebês e o nível de inteligência posterior, os resultados apresentados falam em favor de uma descontinuidade entre a performance cognitiva nos primeiros anos de vida e em períodos posteriores.

Existem diversas alternativas que buscam explicar as limitações em prever o desempenho mental com base no desempenho nos testes tradicionais de bebês. Algumas questionam as propriedades psicométricas desses testes, porém os resultados encontrados não corroboram essa hipótese: a consistência interna, a validade do teste-reteste e a validade a partir de diferentes observadores têm sido altas, iguais ou acima de 0,80. No entanto, as avaliações longitudinais das amostras, com intervalos mais longos entre teste e reteste, demonstram uma instabilidade dos resultados ao longo dos anos (Colombo 1993; McCall, 1983). Questiona-se o que de fato é instável, se o desenvolvimento mental ou o que é medido nos testes.

Alguns supõem que mudanças acontecem na criança e que o tempo e a experiência modificam qualitativamente a natureza da inteligência. Transições qualitativas no desenvolvimento são uma perspectiva compartilhada por teóricos piagetianos. Modificações estruturais explicariam a descontinuidade da inteligência e sugeririam evidências contra a existência de uma inteligência geral ou, no caso de haver uma inteligência geral, não seria esse um atributo fixo ou estável. Análises sobre a possível descontinuidade da inteligência ao longo do ciclo vital estão disponíveis nas publicações de Eysenck e Kamin, 1981; Lewis, 1983; McCall, Hogarty e Hurlburt, 1972.

A análise fatorial dos itens dos testes tradicionais de desenvolvimento infantil tem oferecido apoio à hipótese de transições qualitativas no desenvolvimento infantil. Esse procedimento estatístico possibilita avaliar “o grau de parentesco” entre os diferentes itens dos testes. Os dados obtidos, quando agrupados com base nas relações de covariância dos itens, são reduzidos, o que facilita a interpretação dos dados. Dessa forma, pesquisadores constataram que diferentes fatores emergem em diferentes idades: aos 6 meses a atenção visual sobressai, aos 12 meses prepondera a imitação, aos 18 meses a compreensão verbal é a medida principal, enquanto aos 24 meses a fluência verbal e a maturidade gramatical são performances significativas (McCall & colaboradores, 1972).

Uma outra hipótese que vem sendo apontada por estudos contemporâneos considera que a pouca validade preditiva dos testes de bebês não é explicada pela descontinuidade da inteligência, mas pelo que vem sendo considerado como “inteligência”. Os testes de bebês baseiam-se largamente em tarefas sensoriais e motoras, tais como alcançar e segurar objetos ou imitar. Pondera-se que esses indicadores de inteligência são muito distintos da performance intelectual exigida nos anos posteriores (Bornstein & Sigman, 1986). No caso, não seria a cognição que se modifica nos primeiros anos de vida, mas sim os itens dos testes de bebês (Colombo, 1993). Desde 1970 têm sido direcionados esforços na busca de indicadores que não requisitem habilidades motoras. Esses estudos têm trazido evidências de que há alguma continuidade ao longo do desenvolvimento mental e que é possível avaliar essa continuidade com base nos primeiros meses de vida.

 

Processamento de informação e competência cognitiva: evidências de continuidade

Estudos com população adulta estabeleceram a relação entre atenção, velocidade de processamento de informação e resolução de problemas. Vários procedimentos foram criados visando avaliar a eficiência do processamento de informação também na primeira infância. Dentre as medidas que têm sido utilizadas, tais como a de discriminação auditiva, a de transferência cross-modal e a de antecipação visual, sobressaem dois indicadores da habilidade mental na infância: a habituação visual e a resposta da criança ao novo.

Habituação

A habituação refere-se ao declínio da atenção visual da criança diante de um estímulo do ambiente. Para garantir que o fato não se dá por adaptação ou fadiga, logo após o período de familiarização um novo estímulo é ofertado. Se a criança recobra a atenção inicial diante do novo, é fácil supor que houve reconhecimento da mudança do estímulo e, portanto, que uma memória do estímulo anterior foi criada. Claro está que se a criança não tinha experiência prévia com o estímulo anterior, essa memória ter-se-ia formado durante o processo de habituação. A habituação é então considerada uma forma simples de aprendizagem. Esse raciocínio direcionou esforços para medir o processamento e transformação do estímulo novo em estímulo familiar (McCall & Carriger, 1993).

O procedimento para avaliação da medida da habituação é realizado basicamente valendo-se de apresentações sucessivas de um estímulo (por projetor de slides ou na tela do computador ou em cartões) e da monitoração e do registro do tempo de fixação visual da criança a esse estímulo durante cada ensaio. Apesar da simplicidade da descrição, existe uma série de variações do procedimento e estas direcionam diferentes possibilidades de análise (Colombo, 1993).

Uma das principais diferenças em relação ao tipo de procedimento refere-se ao tempo de apresentação do estímulo. Na primeira versão do procedimento, cujos estudos mantêm ainda certa popularidade, um estímulo é apresentado à criança por um tempo e em número predeterminado de vezes, com ou sem intervalos entre estímulos. Por exemplo, um estímulo é apresentado 10x por 30’’ a cada vez, independentemente do comportamento da criança. A variável dependente é a duração do olhar da criança a cada ensaio. Grandes decréscimos, quedas mais rápidas ou quantidades pequenas de tempo de fixação acumulada são usualmente interpretados como estilos mais eficientes de processamento de informação (Bornstein & Sigman, 1986).

Segundo Horowitz, Paden, Bhana e Self (1972), quando o examinador determina a duração do ensaio, é possível que algumas crianças não consigam habituar-se no tempo proposto, enquanto para outras o tempo pode ser extenso demais, de modo a fazer a criança saciar-se do estímulo. Por tais razões, a versão de ensaios fixos é criticada por não ser sensível às diferenças individuais. Assim, a função da habituação, por meio desse procedimento, não pode ser considerada representativa de nenhum dos sujeitos tomados individualmente

Em resposta às limitações descritas, buscou-se estabelecer critérios que levassem em conta o comportamento da criança. Com este objetivo surgiu uma segunda versão do procedimento de habituação. Nesta, os estímulos são apresentados por intervalos fixos de tempo, mas os ensaios cessam a partir do momento em que a criança atinge um critério de tempo absoluto, por exemplo, a criança “fixa” o estímulo por três segundos ou menos em dois ensaios consecutivos após um número mínimo de cinco ensaios (McCall, Hogarty, Hamilton & Vincent, 1973). Contudo, nos estudos cujo critério é realmente controlado pela criança o tempo de fixação visual de cada uma irá determinar não somente o número de ensaios, mas a duração de cada um.

Nos experimentos controlados pela criança, considera-se o início do ensaio um tempo mínimo de fixação do estímulo - usualmente em torno de 0,3 segundos - e o final também o mesmo período de tempo que a criança não fixa o estímulo. A seqüência continua até que o tempo de fixação dos estímulos nos últimos dois ou três ensaios seja igual ou inferior a 50% do nível basal. Em virtude de ter sido observado que grande parte das crianças fixa o estímulo por mais tempo no início da seqüência de apresentações, vários estudos consideram o nível basal como a média do tempo de fixação da criança nas duas ou três primeiras apresentações (Bornstein & Benasich, 1986). No entanto, em 40% das crianças a fixação mais longa ocorre em um momento posterior da seqüência de apresentações e, para adequar o procedimento a essa possibilidade, outros estudos são desenhados de forma a recalcular o tempo basal no caso de haver longos picos de fixação ao longo do processo. A preocupação com o olhar mais longo justifica-se pela hipótese de neste ocorrer o pico do processo de aprendizagem (Colombo, 1993).

No paradigma onde o critério é oferecido pela criança, além do declínio na atenção visual e da duração total da fixação, é possível a avaliação também de outras variáveis. Visto que cada ensaio começa e termina de acordo com o olhar da criança, a duração do primeiro e/ou segundo ensaio, a duração do ensaio mais longo (ou do tempo do olhar de pico), o número de ensaios necessários para a criança atingir o critério ou ainda a inclinação da curva de habituação também têm sido considerados na análise dos experimentos de habituação (Bornstein & Benasich, 1986; Slater, 1995).

Outra variável que tem sido analisada refere-se aos padrões do processo de habituação. McCall (1979) foi o primeiro a interessar-se pelo tema. Utilizando um procedimento controlado pelo examinador, ele verificou três padrões distintos de habituação aos cinco meses de idade (“exponential-decrease”, “increase-decrease” e “fluctuating patterns”). Seguiu-se uma série de outros estudos cujo foco é o curso de desenvolvimento do processo de habituação e a validade e estabilidade das diferenças individuais. Observa-se que, conforme a idade aumenta, há uma maior tendência para padrões flutuantes de habituação, com picos de fixação mais tardios na seqüência de apresentações. Os resultados modificam proposições arraigadas nos primórdios da teoria da aprendizagem, as quais supunham um modelo de curva linear e decrescente (Bornstein & Benasich, 1986).

Em uma detalhada revisão sobre os resultados alcançados por meio do paradigma de habituação, Colombo (1993) considera que, dentre as variáveis estudadas, o tempo de fixação visual é a melhor medida. Essa constatação decorre de ter sido verificado que o tempo de fixação tende a cair de forma dramática com a idade, dado que sugere uma função desenvolvimental. Estudos evidenciam ainda que o tempo de fixação visual correlaciona-se significativamente com outras medidas, como memória de reconhecimento, desenvolvimento motor e complexidade da brincadeira. Também verifica-se que crianças que se desenvolvem em contextos de maior nível educacional tendem a diminuir seu tempo de fixação visual mais rapidamente ao longo do desenvolvimento (Colombo & Mitchell, 1990). Crianças de risco estabelecido para deficiência mental, como no caso da Síndrome de Down, apresentam olhares mais longos. Colombo (1993) argumenta também que a duração da fixação visual é uma variável que está implícita em todas as demais variáveis.

Apesar das considerações de Colombo (1993) sobre fixação visual, medidas de taxa de declínio também têm apresentado moderada validade preditiva e têm sido amplamente utilizadas (Ruddy & Bornstein, 1982; Sigman, Cohen, Beckwith & Parmelee, 1986).

Uma síntese dos resultados de alguns estudos direcionados à validade preditiva das medidas de habituação visual podem ser observados na Tabela 2.

Tabela 2 - Correlação entre Medidas de Habituação e QI Posterior

Resposta ao novo

Outra medida que tem sido relacionada com a habilidade mental no primeiro ano de vida é a quantidade relativa de fixação visual ao estímulo novo em comparação com o familiar. Enquanto a habituação é a medida de um processo cognitivo, a resposta ao novo é considerada um produto da aprendizagem. Duas medidas são usualmente utilizadas: avalia-se o restabelecimento da atenção (desabituação) ante o novo estímulo após um procedimento típico de habituação, ou ainda a preferência pela novidade com base no pareamento de um estímulo novo com outro previamente familiarizado.

Nos procedimentos cujo foco é o restabelecimento da atenção, avalia-se a magnitude da fixação visual da criança a um estímulo novo em relação ao nível de fixação apresentado no final de um procedimento típico de habituação. Considera-se que a proporção ou a porcentagem de atenção ao estímulo novo sinaliza o índice de discriminação do estímulo e a memória do estímulo anterior. Mas para garantir que de fato seja o restabelecimento da atenção aquilo que está sendo medido, é necessário o controle de algumas variáveis. Uma das possibilidades de erro é que eventualmente o maior tempo de fixação pode dever-se a um fenômeno de regressão espontânea à média da criança. Para evitá-lo, uma das alternativas é introduzir um grupo-controle onde o estímulo não é modificado após o período de habituação. Os níveis de fixação visual desse grupo são utilizados como referência para interpretar os níveis de fixação visual do grupo que recebe um estímulo novo (Bertenthal, Campos & Haith, 1983).

Uma outra variável importante é o tipo de procedimento de habituação ao estímulo familiar. No caso dos estudos cujo critério de tempo de habituação é determinado pelo examinador, considera-se que a variância no restabelecimento da atenção ao novo pode estar relacionado ao fato de a criança ter ou não realmente se habituado ao estímulo anterior (Bornstein & Sigman, 1986).

Uma forma de superar algumas das limitações citadas é o pareamento dos estímulos. Num exemplo típico uma criança é familiarizada com um estímulo durante a apresentação simultânea de dois exemplos desse estímulo por um período fixo de tempo (60 segundos, por exemplo). Após a familiarização, a criança é testada (usualmente duas vezes, cada uma por 10 segundos) diante do estímulo familiar apresentado ao mesmo tempo que o estímulo novo. O posicionamento de cada um dos estímulos é alternado à direita e esquerda da linha média. Nessa versão de comparação entre pares, o tempo de fixação da criança a um estímulo ou outro revela a preferência pelo novo. Maior fixação do novo em detrimento do familiar é interpretado como maior eficiência no processamento de informação (Fagan & Singer, 1983).

Nesta versão de comparação de pares de estímulos, o tempo de familiarização ao estímulo também é uma questão. Assim como praticado nos primeiros procedimentos de habituação, o tempo de familiarização pode ser predeterminado independentemente do comportamento da criança. Contudo, durante o tempo de exposição ao estímulo, as crianças o fixam por períodos distintos e, na tentativa de igualar a tarefa para os sujeitos, ao invés do examinador determinar com antecedência o tempo de familiarização, o critério de familiarização é dado pela quantidade acumulada de fixação visual da criança ao estímulo. No experimento utilizado por Rose, Feldman, Wallace e McCarton (1989), por exemplo, o estímulo é disponibilizado para familiarização até que a criança o tenha fixado por cinco segundos. Importante observar que o objetivo aqui é diferente daquele dos procedimentos de habituação. Apresentar um estímulo até que a criança se habitue, teoricamente, iguala os sujeitos perante a tarefa, e não a tarefa diante dos sujeitos. Obviamente, o tempo também tem sido manipulado em razão da idade do sujeito e da complexidade dos estímulos. Interessante observar que, mesmo após a breve familiarização tipicamente oferecida nesse tipo de procedimento, a partir de três meses de idade, aproximadamente, os bebês já demonstram preferência pelo novo (Rose & Feldman, 1990).

Um desafio enfrentado pelos investigadores das medidas de restabelecimento de atenção, preferência pelo novo e medidas de habituação constitui os índices de precisão. Estes são geralmente muito baixos e, portanto, merecem avaliação. Nos procedimentos de habituação, a duração da fixação visual é a variável que tem mostrado melhor correlação no teste-reteste, entre +.39 a +.66, dependendo do estudo (Colombo, 1993). A precisão das medidas de restabelecimento da atenção às vezes apresenta-se próxima a zero. Considera-se que os baixos índices justificam-se por estas medidas serem geradas tomando por base uma única tarefa e logo após um procedimento de habituação (Slater, 1995). A versão de comparação de pares, a qual usualmente agrega medidas de várias tarefas após um tempo mínimo de familiarização, traz medidas de precisão um pouco mais consistentes. Fagan e Detterman (1992), em uma revisão de vários estudos utilizando medidas de preferência pela novidade concluem que os índices de precisão variam entre +.28 e +.65. Maior número de tarefas e a utilização de faces humanas como estímulos parece que tendem a aumentar a precisão desse tipo de procedimento.

De qualquer forma que se olhe, os coeficientes de precisão nas medidas de processamento de informação são baixos. Argumenta-se que é complicado exigir precisão em medidas de bebês, não apenas pelas variações de estado geral, temperamento e humor que os bebês experimentam, como também pelo ritmo de desenvolvimento próprio à faixa etária (Slater, 1995).

Ao contrário dos baixos índices de precisão, a validade das medidas de habituação e de preferência pelo novo em idade tenra tem sido razoável na predição do desenvolvimento mental posterior. Fagan e Detterman (1992) discutem a relação entre precisão e validade nos testes de bebês tradicionais e nas medidas de processamento de informação. Argumentam que o fato de os testes psicomotores serem precisos mas com pouca validade preditiva sinaliza que a validade do construto não pode ser inferida com base na precisão. Os resultados de alguns estudos que avaliam a validade preditiva valendo-se das medidas de preferência pelo novo podem ser observados na Tabela 3.

Várias são as questões procedimentais e diversas são as variáveis que emergem do comportamento visual infantil. Fato é que a preferência pelo novo e as medidas de habituação, tais como o tempo total de duração do olhar ou tempo do olhar de pico, são medidas que parecem prever com maior acurácia a competência cognitiva em anos posteriores do que os tradicionais testes de bebês.

Tabela 3 - Medidas de Resposta ao Novo e QI Posterior

 

Possíveis interpretações para as evidências de continuidade

Alguns estudos direcionam discussões sobre a relação entre as medidas de habituação e as medidas de resposta visual ao novo. Bornstein e Ruddy (1984) realizaram ambas as medidas na mesma amostra de crianças de quatro meses de idade e encontraram r= 0.45, p < 0.03. Dependendo da escolha metodológica, é possível encontrar o mesmo valor, mas inversamente proporcional, como no caso dos resultados apresentados por O’Connor, Cohen e Parmelee (1984). Colombo (1993) discute a possibilidade de que as medidas de habituação e preferência pelo novo reflitam processos diferentes e independentes. A habituação refletiria a velocidade de codificação, enquanto a preferência pelo novo relacionar-se-ia a memória visual. Bornstein e Sigman (1986) explicitam similaridades no curso ontogenético de ambas as medidas e sugerem que o fato, agregado aos resultados obtidos por meio de outras medidas de processamento de informação como discriminação auditiva e transferência cross-modal, evidenciam que a habituação e a preferência pelo novo refletem habilidades mentais centrais.

Há laboratórios que preferem as medidas de habituação. Colombo (1993), por exemplo, sugere que as medidas de preferência pelo novo realizadas baseadas em procedimentos com critério de tempo fixo apenas diferenciam entre as crianças que conseguiram ou não se habituar no tempo previsto. Outros pesquisadores, como Fagan e Singer (1983), utilizam largamente versões pareadas dos procedimentos de preferência pelo novo e questionam a validade da utilização da taxa de habituação como indicador cognitivo, argumentando que o fato de as crianças demonstrarem preferência pelo novo após breve período de familiarização reflete que não é necessário decréscimo na atenção visual para que tenha sido formada uma representação do estímulo.

A maioria dos estudos interpreta as diferenças na performance infantil nas medidas descritas como diferenças nas habilidades de processamento de informações. A velocidade e a habilidade em codificar o estímulo, o acesso à representação assim formada e a eficácia em comparar o estímulo familiar com o novo, são aspectos que diferenciam observadores ágeis de observadores lentos e evidenciam melhor desenvolvimento cognitivo do primeiro grupo (Slater, 1995).

McCall (1994) propõe uma outra alternativa para interpretação dos resultados. Concorda que a eficiência no processamento da informação é necessária, mas argumenta que não é suficiente para explicar a validade preditiva observada. Sugere que a habilidade da criança em inibir a atenção ao estímulo familiar reflete-se em ambas as medidas, tanto de habituação como de preferência pela novidade, e que essa habilidade seria crucial para o desenvolvimento mental posterior.

A importância dos processos inibitórios encontra ressonância em outros estudos, os quais afirmam que o desenvolvimento da habilidade em inibir estímulos irrelevantes relaciona-se à maturação cerebral e correlaciona-se com QI (Harnishfeger & Bjorklund, 1993). Há laboratórios cujas pesquisas têm como foco a habilidade de sustentar a atenção; neles, os procedimentos e as variáveis analisadas diferem das descritas aqui, mas também a capacidade de controlar a atenção e sua relação com a competência cognitiva é amplamente explorada (Ruff, Capazzoli & Weissberg, 1998).

 

Medidas de processamento de informação em populações clínicas e de risco

Medidas de habituação têm sido utilizadas no acompanhamento longitudinal de crianças a termo em comparação com crianças prematuras e de baixo peso, ou seja, com crianças com história de risco para um atraso do desenvolvimento. Em um estudo longitudinal com 93 crianças prematuras, a medida da duração da fixação visual no início da apresentação do estímulo aos quatro meses de idade correlacionou-se com o WISC-R aos 8 anos de idade (+.36, p < 0.05). Seus autores concluíram que a medida auxilia na avaliação da cognição da criança jovem, mas não pode ser utilizada para identificar individualmente a criança de risco para um atraso cognitivo (Sigman & colaboradores, 1986).

Para avaliar o efeito da exposição à cocaína no período pré-natal, 61 crianças expostas a cocaína no útero e 47 crianças-controle foram avaliadas aos três meses de idade por meio de um paradigma de habituação associado à medida de restabelecimento de atenção e também por meio do Bayley. Comparadas com crianças não expostas à droga, as crianças expostas à cocaína apresentaram dificuldades em iniciar e manter o procedimento de habituação; contudo, aquelas crianças que conseguiram alcançar o critério de habituação o fizeram com índices similares aos do grupo-controle e demonstraram a mesma taxa de restabelecimento de atenção diante do novo. No Bayley, as crianças expostas a cocaína apresentaram resultados mais baixos na escala de desenvolvimento motor, mas ambas as amostras apresentaram a mesma performance mental. Conclui-se que os efeitos da cocaína em crianças jovens dá-se a ver mais na competência em regular a atenção que na capacidade de processamento de informação (Mayes, Marc, Chawarska & Granger, 1995).

Em um estudo brasileiro direcionado à avaliação da percepção auditiva de fala em crianças com Síndrome de Down, o paradigma de habituação e a resposta ao novo foram utilizados na avaliação de 12 bebês de três a 12 meses de idade emparelhados com 12 bebês sem a síndrome. Os bebês com Síndrome de Down gastaram em média o dobro do tempo do grupo-controle para alcançar os critérios de habituação e, mesmo após atingirem os critérios, demonstraram preferência pelo estímulo habituado em detrimento do estímulo novo (Tristão, 2001).

A revisão de literatura evidencia que as medidas de preferência pelo novo têm sido, dentre as medidas de processamento de informação, as mais utilizadas em populações clínicas. Em uma série de estudos longitudinais com uma amostra total de 389 crianças, Fagan e Haiken-Vasen (1997) verificaram que, aos 3 anos de idade, 6,6% dessa amostra apresentava QI abaixo do corte para retardo mental, e destas, 85% apresentavam medidas de preferência pela novidade abaixo da média no primeiro ano de vida. Altos índices de sensibilidade e especificidade também foram encontrados na identificação de crianças com leve atraso no desenvolvimento mental e com desenvolvimento normal.

As medidas de processamento de informação também têm permitido o acesso a populações onde é impossível a utilização dos testes tradicionais de bebês. Nesse sentido, vale destacar a pesquisa de Von Tetzchner e colaboradores (1996) na qual as tarefas de preferência pela novidade propostas por Joseph Fagan (Fagan & Detterman, 1992) são utilizadas para a avaliação das diferenças individuais em uma população de meninas com Síndrome de Rett, uma condição clínica cujas possibilidades de avaliação das funções cognitivas são sabidamente reduzidas.

Em relação à utilização clínica das medidas, há um estudo de caso apresentado por Drotar, Mortimer, Shepherd e Fagan (1989) em que a medida de preferência pelo novo nos primeiros meses de vida é utilizada para avaliar o desenvolvimento mental de uma criança nascida com lesão medular alta e, portanto, sem movimentação ativa nos quatro segmentos do corpo. No caso, a medida em acordo com a média esperada direcionou esforços da equipe hospitalar para adequar as manobras e o aparato do qual o bebê era dependente as necessidades de estimulação de um bebê com desenvolvimento normal.

 

Perspectivas e direções futuras para pesquisas

Apesar dos diversos estudos citados, verifica-se que os resultados das medidas de processamento de informação têm tido maior impacto teórico do que prático. As investigações, iniciadas na década de 70, dependem do desenvolvimento de equipamentos especiais para melhor registro das observações efetuadas. Até o momento, os níveis de correlação são ainda modestos para o diagnóstico individual e a correlação não é maior do que as observadas com relação ao status socioeconômico dos pais, o qual é mais fácil de avaliar (McCall & Carriger, 1993). No entanto, estas pesquisas representam teoricamente o primeiro indício substancial de continuidade entre comportamentos específicos da primeira infância e inteligência posterior, o que não pode ser observado com a aplicação de testes tradicionais de bebês.

As correlações poderão aumentar na medida em que as limitações metodológicas que rodeiam as tarefas de habituação e de preferência pelo novo sejam superadas, como por exemplo, delinear tarefas que melhor reflitam as diferenças individuais de habituação, pareando-as a tarefas de preferência pelo novo, utilizando tanto estímulos visuais quanto auditivos. Por outro lado, é curioso que os índices de validade de tais medidas são similares aos encontrados em tarefas de processamento básico (ex. Tempo de Inspeção) aplicadas a adultos para investigar também as diferenças individuais em inteligência (Deary, 1996). No entanto, os índices de precisão das tarefas de processamento para bebês são baixos se comparados aos encontrados em adultos talvez porque como dito anteriormente, os bebês apresentam maior variabilidade psicofisiológica do que os adultos. Nesse sentido, a realização de estudos de neuroimagem em bebês normais e com deficiência mental (ex. Síndrome de Down) que estejam sendo submetidos a tarefas básicas de processamento podem fornecer algumas pistas sobre o porquê da baixa precisão.

Em se tratando de populações com desordens motoras severas, a utilização de medidas de habituação e de preferência pelo novo constituem, pois, uma valiosa alternativa para avaliação do funcionamento cognitivo, daí a necessidade de maior investimento investigativo. No Brasil ainda não se conhecem estudos utilizando tais indicadores e dada a validade que essas medidas apresentam, elas merecem especial atenção da comunidade científica nacional.

 

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Recebido em março de 2003
Reformulado em junho de 2003
Aprovado em junho de 2003

 

 

* Renata Valladão Theuer é psicóloga, especialista em Educação Especial e mestranda em Psicologia do Desenvolvimento na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais.
** Carmen Elvira Flores-Mendoza é especialista em Psicologia Escolar pela PUCCAMP, mestre em Psicologia Clínica pela PUCCAMP, doutora pelo Instituto de Psicologia da USP, professora adjunta do Departamento de Psicologia da UFMG e coordenadora do Laboratório de Avaliação das Diferenças Individuais do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.
1 E-mail: renata@bhz.sarah.br
2 E-mail: carmencita@ufmg.br

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