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PsicoUSF

versão impressa ISSN 1413-8271

PsicoUSF v.8 n.1 Itatiba jun. 2003

 

RESENHAS

 

A clínica do possível: tratando de dependentes de drogas na periferia de São Paulo

 

 

Augusto Rodrigues Dias*

Endereço para correspondência

 

 

Lima, S. A. (2001). A clínica do possível: tratando de dependentes de drogas na periferia de São Paulo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 170 p.

A drogadição é um fenômeno que assola nossa sociedade e traz consigo uma gama enorme de sofrimento. Indivíduos de todas as idades e classes sociais, em especial, os de classes menos privilegiadas, são, todos os dias, induzidos ao seu consumo. Sob esse enfoque, a obra resenhada traz reflexões sobre a dependência de drogas e sobre os procedimentos que o Espaço Fernando Ramos da Silva (EFRS) emprega no atendimento aos que procuram auxílio.

O livro escrito por Sérgio Alves Lima, resultado de sua dissertação de mestrado, apresenta uma descrição e análise da criação e desenvolvimento dessa instituição de atendimento a dependentes de drogas no município de Diadema, região metropolitana sul de São Paulo, apoiadas no referencial teórico de W. D. Winnicott e T. W. Adorno. São discutidas, ao longo dos capítulos, as dificuldades de aplicação tanto de referenciais teóricos quanto as advindas de ordem prática.

Sérgio Alves Lima inicia o livro com uma contextualização do município de Diadema. Expõe dados estatísticos que permitem a compreensão de um município de baixa renda, constituído preponderantemente por pessoas jovens, expostas às dificuldades de sobrevivência, principalmente, às condições alarmantes de potencialidade de morte por agressões (homicídios), e da Instituição, com os tipos de atividades desenvolvidas e modo de funcionamento, tais como o atendimento de grupo, atendimento de família, as oficinas terapêuticas, entre outros.

O capítulo dois, intitulado O Atendimento de Grupo, traz definições sobre o conceito de grupo, enfatizando a presença de uma ideologia dominante em seu interior que, se não assinalada e discutida, é sempre reproduzida, não permitindo ao indivíduo adquirir identidade e autonomia. Com base nas definições, o autor sustenta a idéia da utilização da psicoterapia de grupo como uma ferramenta da equipe de profissionais do EFRS, com vistas ao atendimento e safistação da demanda e também da credibilidade do atendimento em si e, especialmente, como instrumento para a reflexão sobre a prática e os papéis desempenhados pelos participantes, quer por profissionais, quer por atendidos, com o intuito que estes adquiram capacidade crítica, autonomia e identidade.

No capítulo três, O Atendimento de Família, valendo-se de um referencial teórico de saúde mental abrangente, define a família como intimamente responsável pela conduta socialmente aceita ou desviante na sociedade e discorre sobre a participação dessa no processo de recuperação do paciente. Com base nesse referencial, descreve os tipos de trabalhos desenvolvidos com os familiares dos pacientes, salientando que as experiências acumuladas por eles são enriquecedoras para outros que, por intermédio dos depoimentos, passam a enxergar dificuldades que tinham como resolvidas e soluções que não haviam sido percebidas como saídas alternativas para seus problemas.

O capítulo quatro trata das Oficinas Terapêuticas como técnica utilizada na socialização de pacientes, tendo como objetivo propiciar, na experiência estética, uma relação menos autoritária entre os pacientes e os técnicos, criando um espaço “transicional” (Winnicott). A arte, sob o ponto de vista do autor, seria responsável por um duplo processo terapêutico, pois os pacientes/ familiares e os terapeutas envolvidos na tarefa de ter que lidar com a dependência de drogas teriam a possibilidade de uma visão crítica sobre tal conduta.

No capítulo cinco, são traçadas as considerações teóricas e práticas do atendimento individual. A visão da extrema dificuldade de individuação na sociedade atual permeia a compreensão sobre a gênese do processo de dependência nos indivíduos atendidos no EFRS. Com base em uma reflexão sobre a sociedade de consumo e o conseqüente processo de alienação do indivíduo, o dependente de drogas surge como um depositário de grande parte do que há de ruim na sociedade e, ao mesmo tempo, denunciador do status quo. A proposta do EFRS era, por meio da possibilidade da convivência institucional, proporcionar aos atendidos a domação dos instintos ou da sublimação dos sofrimentos que eram, provavelmente, na visão do autor, as causas que levavam os indivíduo à busca da intoxicação. O objetivo era propiciar algo que pudesse restaurar-lhes a capacidade de proporcionarem a si mesmos momentos de felicidade sem o uso da substância química.

No capítulo seis, a prevenção ao uso de drogas é tratada. As premissas básicas são as de que a prevenção não seja uma abordagem policialesca e moralista, não se tornando ocultadora dos conflitos sociais que levam à manutenção do estabelecido, mas sim, requerendo sempre atenção a autonomia do sujeito. Assim, a atuação do EFRS consistiu na discussão em escolas, consideradas um espaço de excelência para a prevenção, nas quais potencializou o papel do educador como um indivíduo crítico, e procurou construir um espaço relacional entre professor e o aluno com resistência às estereotipias sociais.

Em síntese, o autor, com o intuito de desmistificar a dependência de drogas e retirar a culpa do indivíduo, buscou expor as contradições sociais de nossa sociedade, as quais, sob seu ponto de vista, são as responsáveis pela drogadição. Além desse aspecto, pretendeu levar o leitor a refletir sobre o estado de alienação em que vivemos.

Os capítulos se mostraram bem estruturados e articulados, com um bom embasamento teórico e um posicionamento crítico claro. Desse modo, o livro pode ser recomendado aos profissionais e estudantes da área de saúde que trabalham com a questão das drogas, sendo uma fonte de referência importante para reflexões e como parâmetro no desenvolvimento de projetos voltados ao tratamento e prevenção à dependência de drogas.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: psicodias@directnet.com.br

 

 

* Augusto Rodrigues Dias é psicólogo e mestrando do Programa de Mestrado de Psicologia da Universidade São Francisco.

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