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PsicoUSF

versão impressa ISSN 1413-8271

PsicoUSF v.10 n.1 Itatiba jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Desenvolvimento do Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF): estudos psicométricos preliminares

 

Development of Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF): Preliminary psychometrics studies

 

 

Makilim Nunes Baptista1, *

Universidade São Francisco

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi o de construir, verificar evidências de validade e fornecer medidas de confiabilidade de um inventário para avaliar o suporte familiar, intitulado Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF). O inventário foi construído baseado em diversos instrumentos de suporte familiar internacionais, bem como em dados de uma pesquisa de levantamento com participantes universitários sobre quais os quesitos necessários de uma família "ideal". Inicialmente composto por 192 itens e, após análise fatorial, reduzido a 43 itens, o IPSF foi aplicado em 346 universitários de vários cursos de uma universidade particular do interior de São Paulo. As quatro dimensões apontadas pela análise fatorial para o IPSF e seus respectivos coeficientes alfa de Cronbach foram a Inadaptação Familiar (0,88); Afetividade Familiar (0,86); Consistência Familiar (0,83) e Autonomia Familiar (0,81). Todas as dimensões apresentaram eigenvalues superiores a 1,5, explicando 42,80% da variância total, com cargas fatoriais acima de 0,45, e os resultados desta análise preliminar corroboram o propósito de construir um inventário sobre a percepção de suporte familiar.

Palavras-chave: Suporte familiar, Validade, Precisão.


ABSTRACT

The goal of this study was to develop and verify the psychometric characteristics of the Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF). This inventory was developed based on international inventories of family support and on researches with students' answers about an "idealistic family". The IPSF, firstly composed by 192 items, and administrated to 346 college students in a private university, was reduced to 43 items by factorial analysis. The four dimension name's and the Cronbach reliability indexes were Family Inadaptation (0,88), Family Affectivity (0,86), Family Consistence (0,83), and Family Autonomy (0,81). The eigenvalues were up to 1,5 in all dimensions, with factorial saturation above than 0,45, explaining 42,80% of the total variance,. The results of this preliminary analysis corroborate the purposal of an inventory about the family support construct.

Keywords: Family support, Validity, Reliability.


 

 

Introdução

Nas últimas décadas, o conceito de suporte social ganhou importância nos meios científicos, já que diversos estudos vêm apontando sua relação com o desenvolvimento e manutenção de diversos aspectos psicológicos do ser humano, tais como a auto-estima, auto-eficácia, coping, dentre outros (Bandura, 1986a; Mccoll, Lei & Skinner, 1995). O suporte social pode ser considerado como um construto multidimensional, envol-vendo componentes diversos e distintos, relacionando-se a mediadores entre o meio ambiente e seus efeitos no comportamento, bem-estar e saúde geral/mental (McNally & Newman, 1999; Weinert & Tilden, 1990).

O suporte social, segundo Bandura (1986b), é um meio de influência fundamental no comportamento das pessoas, já que auxilia na determinação de quais comportamentos serão desenvolvidos ou ativados, mediante interações recíprocas entre o meio social-indivíduo-meio social. Da mesma forma, os membros da família aprendem a se controlar por diversos mecanismos, que podem ser importantes meios de reforçamento ou punição (coerção), desencadeando neles comportamentos adequados ou distúrbios específicos. De acordo com Festinger (1975), o grupo social terá papel fundamental na criação da consonância ou dissonância cognitiva e as crenças grupais (regras para ação) determinarão o tipo de agrupamento entre os membros, bem como a forma como se darão seus padrões de relacionamentos.

O suporte social, mais especificamente o suporte familiar, pode ser considerado um dos mais relevantes amortecedores do efeito de diversos estressores na vida das pessoas, tornando-o fundamental nos estudos de resiliência psicológica. Langford, Browsher, Maloney e Lillis (1997), com base em uma revisão crítica da literatura, encontraram o suporte familiar e social associados a com-petência social, enfrentamento de problemas, percepção de controlabilidade, senso de estabilidade, autoconceito, afeto positivo, bem-estar psicológico. Ao lado disso, alto nível de suporte familiar está relacionado com baixa prevalência de transtornos ansiosos e de humor. Os suportes familiar e social adequados também possuem influência positiva nos resultados de tratamento psicote-rápico, inclusive diminuindo a recorrência de diversos transtornos, como por exemplo no caso dos transtornos de humor (Moos, 1990, Patten e colaboradores, 1997).

O construto suporte familiar também pode ser considerado multidimensional e de difícil operacionali-zação, já que a literatura não oferece uma definição padrão de suporte familiar e sim a constituição dimensional deste construto. O construto suporte familiar adotado neste trabalho é baseado em Olson, Russell e Sprenkle (1983) que, fundamentados na teoria sistêmica familiar, apresentam um modelo circumplexo de interação da família. Esse modelo é baseado em três dimensões prin-cipais para a compreensão do funcionamento familiar, ou seja, a coesão, adaptabilidade e comunicação.

A coesão familiar seria definida como uma variação entre separação e conexão dos membros da família ou o vínculo emocional que seus integrantes possuem uns com os outros, sendo composta pelas coalizões internas entre os membros, os vínculos ou ligações, amizade, interesses em comum e recreação na família. A adaptabilidade se refere à capacidade da famí-lia de ser flexível para mudanças, por meio da variação na estrutura de poder e nas regras de relacionamento em detrimento de novos obstáculos ou eventos estres-santes que ocorrem no seu interior, sendo composta por assertividade, controle, disciplina, além de negocia-ção de estilos e regras. Por último, a comunicação familiar seria composta pela empatia, escuta reflexiva, comentários suportivos e a capacidade dos membros de dividirem seus sentimentos uns com os outros. Em contraposição, a comunicação negativa seria baseada em altos graus de criticismo, além de mensagens dúbias entre os familiares.

Desde a mais tenra idade, em grande parte das sociedades a família é a única referência para a criança e, com base nessa interação, formam-se as primeiras regras, valores e crenças do indivíduo, ou as crenças primárias, regras para a ação às quais a criança não tem condições críticas de refutar ou colocar em cheque (Baptista, 2004). As relações familiares podem auxiliar as pessoas no desenvolvimento de sentimentos de pertença e com-petência, atuando na capacidade do indivíduo de controlar o ambiente à sua volta e nas respostas orgânicas (imunidade) e psicológicas, tais como o aumento de recursos para o enfrentamento de crises no decorrer da vida (Fuhrer & Stansfeld, 2002).

Crianças que percebem baixos níveis de suporte social e familiar tendem a ser mais retraídas e menos ativas em seus ambientes, mais desatentas, ofensivas e não-cooperativas, além de possuírem mais desesperança, o que poderá refletir em suas vidas adultas, aumentando as chances de desenvolvimento de transtornos mentais, principalmente os de humor (Kashani, Canfield, Borduin, Soltys & Reid, 1994). O suporte familiar também está relacionado com a satisfação na vida das pessoas, principalmente em adolescentes e jovens adultos, como afirmam Pardeck e colaboradores (1991), ou seja, indiví-duos que possuem a percepção de uma família suportiva relatam maior satisfação com a vida. Da mesma forma, Ross e Mirowsky (2002) também apontam que a percepção de adequado suporte familiar estaria relacionada com o aumento no senso de segurança em relação à sobrevi-vência, em indivíduos com constantes crises de saúde.

McFarlene, Bellissimo e Norman (1995) distin-guem os conceitos estrutura e suporte familiar, sendo o primeiro composto do tipo de agrupamento da família, tal como o número de pessoas que vivem juntas, se vivem somente com um dos pais ou têm um ou os dois pais falecidos e se têm pais separados (ou convivendo com integrantes de outros casamentos). Já o conceito de suporte familiar seria composto pelo tipo de relação entre os integrantes familiares, tais como superproteção, carinho, afetividade, interesse, empatia, dentre outros conceitos. Os autores ainda relatam que não há necessaria-mente uma relação direta entre estrutura e suporte familiar, visto que um adequado suporte familiar (carinho, empatia, afetividade, pertença, aceitação, apoio e comunicação, etc.) pode advir de diferentes estruturas familiares.

Ultimamente vem se observando uma preocu-pação maior dos governos de diversos países em estudar e desenvolver programas direcionados à família, no intuito de fornecer condições para as famílias darem suporte para seus membros em diversas condições. Mngadi, Zwane, Ahlberg e Ransjö-Arvidson (2003), por exemplo, relatam que programas devem ser desenvol-vidos na África para facilitar a comunicação entre pais e filhas adolescentes que engravidam e necessitam de suporte nessa fase da vida. Similarmente, na área psiquiátrica se observa a necessidade e importância de desenvolver programas para aumentar a participação da família, especificamente o seu suporte para pacientes com doença mental (Sherman, 2003).

Para o desenvolvimento, a avaliação do suporte familiar e, conseqüentemente, o desenvolvimento de programas sociais, torna-se fundamental a construção de inventários que possuam evidências de validade em avaliar o construto suporte familiar. A década de 80 foi um período de grande foco no suporte familiar, com diversas medidas que o avaliavam, provenientes de mo-delos teóricos distintos (Corcoran & Fischer, 1987; Epstein, Baldwin & Bishop, 1983; Green, Kolevzon & Vosler, 1985; Olson, Portner e Lavee, 1985; Parker, Tupling & Brown, 1979).

Apesar da necessidade de desenvolver instru-mentos com evidências de validade para a avaliação de suporte familiar, no Brasil se observam poucas iniciativas em construir e/ou validar instrumentos relacionados a esse construto, apesar de sua importância no cenário da saúde mental e física. Por exemplo, quando se consulta o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (CFP-SATEPSI, 2004), não se localiza qualquer inventário de suporte familiar validado para a língua portuguesa ou mesmo em processo de tramitação, para utilização em clínica ou programas de atendimento familiar.

As iniciativas para construir um teste que avaliasse o suporte familiar ocorreram na década de 80 e merecem uma breve descrição. Carneiro (1983) desen-volveu uma Entrevista Familiar Estruturada (EFE), constituída de tarefas verbais e não-verbais, aplicadas na família com o intuito de avaliar a dinâmica familiar por meio de uma visão sistêmica processual. Essa entrevista fornece dados para um diagnóstico familiar em clínica, necessita de toda a família reunida e seu tempo de aplicação pode variar de 30 a 90 minutos. A EFE avalia dimensões relativas a comunicação, regras, papéis, liderança, conflitos, manifestação de agressividade, afeição física, interação conjugal, individualização, integração, auto-estima e interação familiar como facilitadora de saúde emocional. Por se tratar de uma entrevista, podem-se observar algumas características no seu uso e avaliação, como, por exemplo, a presença de um profissional experiente para conduzir o processo, bem como a necessidade da avaliação familiar também por um profissional familiarizado com a teoria sistêmica. Por último, por ser uma entrevista que utiliza tarefas e permite a fala aberta dos integrantes da família, a avaliação dos seus resultados exige habilidades específicas, além de favorecer a interpretação subjetiva dos resultados.

Pasquali e Araújo (1986) desenvolveram o Questionário de Percepção dos Pais (QPP), contendo 43 itens que avaliam a percepção que os filhos (adolescentes) possuem de seus pais em quatro fatores principais, quais sejam, a figura do pai sendo avaliada como companhei-rismo e amizade, disciplina punitiva, disciplina lassa e centralização no filho. Outros quatro fatores surgiram na avaliação da figura da mãe, quais sejam, intimidade amiga, superproteção, controle lasso e punição, sendo que a precisão variou entre 0,61 e 0,89 para os oitos fatores constituintes. Uma das limitações deste instrumento é a dificuldade de aplicação em famílias com estrutura não padronizada, como por exemplo, filhos que não conhecem os pais ou dos quais um dos pais saiu de casa quando o filho apresentava tenra idade, ou mesmo em famílias em que há relações de apadrinhamento, já que o foco da escala está diretamente relacionado ao pai e à mãe.

Lummerts e Biaggio (1987) também desenvolve-ram uma escala para medir o nível de satisfação do adolescente em sua família, com 64 itens e fidedignidade variando de 0,33 a 0,71. Os indicadores que constam na escala são a relação entre o pai e a mãe, nível socio-cultural da família (nível educacional dos membros, interesse por assuntos diários, acompanhamento da escolarização dos filhos), relacionamento entre os irmãos e a relação entre pais e filhos. Essa escala é restrita a adolescentes e também avalia especificamente as relações entre famílias com estrutura tradicional, o que ultimamente vem se modificando no tecido social brasileiro.

Recentemente Gomide (2003) desenvolveu um Inventário de Estilos Parentais (IEP), composto por 42 questões abordando práticas educativas de pais em relação aos filhos adolescentes, sendo o instrumento composto por estilos parentais negativos, tais como abuso físico, punição inconsistente, disciplina relaxada, monitoria nega-tiva e negligência, além de duas estratégias educacionais positivas, ou seja, a monitoria positiva e o comporta-mento moral. Tal instrumento é específico para o público adolescente e pode ser utilizado para apontar famílias de risco e famílias positivas na educação dos filhos.

Também nos últimos anos, Benetti e Balbinotti (2003) desenvolveram uma escala nomeada de Inventário de Práticas Parentais, utilizada com o objetivo de avaliar as práticas de socialização empregadas por pais e mães em filhos com idade escolar. O foco do instrumento está no envolvimento afetivo, didático, disciplinar e aspectos sociais do envolvimento parental com os filhos em idade escolar, sendo direcionado a pais de crianças e adolescentes que desenvolvem atividades escolares.

Assim, pode-se verificar que os instrumentos internacionais carecem de estudos de adaptação para a língua portuguesa e observa-se uma lacuna no desenvolvi-mento de inventários de percepção de suporte familiar. Os poucos instrumentos nacionais relacionados a esse construto possuem como objetivo avaliar a relação dos pais com os filhos, e não a percepção que as pessoas, independentemente de faixa etária, possuem do suporte familiar. É importante lembrar que o suporte familiar pode ser oferecido não somente pelo pai e mãe, mas por diferentes estruturas alternativas existentes nos dias atuais. Sendo assim, o objetivo da presente pesquisa é a construção e a análise de evidências de validade e precisão de uma escala para avaliar a percepção sobre o suporte familiar, nomeado inicialmente de Inventário de Percepção do Suporte Familiar - IPSF.

 

Método

Construção dos itens

Os itens do Inventário de Percepção de Suporte Familiar - IPSF foram construídos com base em diversos instrumentos nacionais e internacionais, tais como o Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scale (FACES-III), de Olson, Portner e Lavee (1985) citado por Corcoran e Fischer (1987); o Family Assessment Device (FAD), de Epstein e colaboradores (1983); o Family Awareness Scale (FAZ), de Green e colaboradores (1985); o Parental Bonding Instrument (PBI), de Parker e colaboradores (1979) e o Questionário de Estilos Parentais de Gomide (2003). Além do embasamento dos instrumentos relatados an-teriormente, foi realizada uma pesquisa (não-publicada) com 100 estudantes universitários de Psicologia, de uma universidade do interior de São Paulo, com a pergunta aberta "Na sua opinião, o que é uma família ideal?"

Todos os 192 itens inicialmente foram listados e adaptados para a língua portuguesa, com o objetivo de adequar palavras e expressões idiomáticas de outras culturas para a brasileira e evitar a utilização de palavras pouco utilizadas no cotidiano de nossa língua (normati-zação lingüística). Também foram feitas adaptações para padronização do tipo de pergunta para a escala Likert de quatro pontos (nunca, poucas vezes, muitas vezes, sem-pre), que foi adotada no inventário de aplicação inicial, além da padronização do tempo verbal das afirmações.

Os itens foram alocados nas dimensões me-diante a análise de conteúdo do autor e se distribuíram da seguinte forma: afiliação e pertencimento (19 itens); afetividade familiar (24 itens); conflito e resolução de problemas familiares (22 itens); papéis e funções familiares (19 itens); familiaridade/funcionamento geral (30 itens); aceitação familiar (33 itens); apoio familiar (13 itens); comunicação familiar (32 itens).

Participantes

Um total de 346 estudantes universitários de idades variando entre 17 e 55 anos (M=24,67; SD=6,36 anos) de uma instituição de ensino superior do interior de São Paulo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e anuíram as participações na pesquisa. Houve uma perda de 13,5% dos 400 questionários respondidos inicialmente, que apresentaram mais de 5% das questões não respondidas e foram inutilizados para o banco de dados.

A maior parte era do sexo feminino (76,6%); solteiros (85%); principalmente dos cursos de psicologia (44%) e administração (15,4%), dentre outros (pedagogia, secretariado, turismo, enfermagem, biologia). Em relação à estrutura familiar, 59,2% moravam com a família nuclear, seguidos de 26% que moravam em repúblicas ou pensões.

Procedimento e análise

A coleta de dados ocorreu de forma coletiva nas salas de aula, demorando aproximadamente uma hora para a resposta ao instrumento. Tomou-se o cuidado de se esclarecer o objetivo da construção de um inventário que avaliasse a percepção sobre o suporte familiar, a importância da resposta de todos os itens, além de informar a não-existência de respostas corretas.

Para estudar a validade relativa à estrutura interna dos itens, foi utilizada a análise dos componentes principais, com rotação varimax, com o objetivo de controlar a ortogonalidade dos fatores. Foram calculados os coeficientes de consistência interna pelo procedimento de alfa de Cronbach para a análise da precisão. Para tanto, utilizou-se o SPSS, versão 11,5 para as análises descritiva e inferencial.

 

Resultados

Primeiramente foi efetuada uma análise pelo modelo de Rasch (Wright & Stone, 1979) constando que a escala Likert de quatro pontos não discriminava suficientemente bem todos os intervalos. Com base nesse resultado, os intervalos foram diminuídos para que os dados apresentassem melhor ajuste em todos os itens. Por este motivo, readaptaram-se os dados para uma escala Likert de três pontos, a saber, "sempre ou quase sempre", "às vezes", "quase nunca ou nunca".

Inicialmente foi realizada uma análise fatorial exploratória a fim de se avaliar se os 192 itens eram passíveis de ser fatorados e quantas dimensões uma primeira análise sugeriria, utilizando como parâmetros eigenvalues iguais ou maiores que 1 e cargas fatoriais acima de 0,30. Sendo assim, o KMO foi de 0,864, com nível de significância de 0,0001, apresentando x2=41094,6. Nesta análise foram retirados 46 fatores, explicando 75,2% da variância total e o scree plot demonstrou um fator determinante, convertido em 25 interações.

O próximo passo foi retirar os itens que se encontravam em mais de um fator, excluir aqueles que possuíam conteúdos semelhantes, com cargas fatoriais acima de 0,45 e eigenvalues acima de 1,5. O KMO encontrado nesta segunda análise foi de 0,921 e o teste de esferidade de Bartlett foi significativo ao nível de 0,0001, apresentando x2=5178,32 (df=903), demonstrando que as correlações parciais foram bastante satisfatórias para dar prosseguimento ao modelo de análise fatorial. A Tabela 1 mostra a análise da variância das quatro dimensões encontradas, contendo 43 itens, explicando 42,80% da variância total.

 

 

O scree plot é apresentado na Figura 1 e indicou a preleção de quatro grandes fatores para o inventário. Vale ressaltar que o primeiro fator demonstrou uma variância bastante superior aos outros três fatores.

 

 

Os fatores encontrados receberam as seguintes denomina-ções e composições: fator 1 (Inadequação Familiar), composto por 14 itens; fator 2 (Afetividade), composto por 10 itens; fator 3 (Consistência), composto por 11 itens e fator 4 (Autonomia), composto por 8 itens. É importante destacar que o número de itens do fator Afetividade era inicialmente superior a 32 itens, sendo retirados aqueles com menores cargas fatoriais, a fim de que as dimensões tivessem um número de itens não tão discrepantes, ou seja, variando de oito a quatorze itens.

O fator 1 (Inadequação Familiar) foi o fator que representou a percepção de inadaptação do indivíduo em relação ao seu suporte familiar, sendo constituído de itens de todas as outras três dimensões. Este primeiro fator não pode ser considerado, portanto como uma dimensão isolada, mas a percepção geral de um baixo ou inadequado suporte familiar. É interessante notar que as cargas fatoriais deste fator são representadas de forma positiva, em virtude da inversão das pon-tuações na planilha de análise. O fator 2 (Afetividade) aglutinou os itens referentes às relações afetivas positivas intrafamiliares, desde o interesse pelo outro, até a expressão verbal e não-verbal de carinho. No fator 3 (Consistência) agruparam-se os itens referentes aos papéis e regras dos integrantes familiares, bem como as estra-tégias de enfrentamento de situações-problema enfren-tadas pela família. Por último, no fator 4 (Autonomia) aglomeraram-se os itens sobre a percepção de autonomia que o indivíduo tem perante sua família.

 

 

Em relação aos índices de confiabilidade, o fator 1 (Inadaptação Familiar) apresentou o valor do alfa de Cronbach de 0,88; seguido do fator 2 (Afetivi-dade Familiar), com o valor de 0,86; fator 3 (Consistência Familiar), com o valor de 0,83 e, por último, o fator 4 (Autonomia Familiar), com alfa de Cronbach de 0,81. Como observado, todos os fatores apresentaram valores maiores que 0,70, considerados como satisfatórios para os índices de confiabilidade (Cronbach, 1951).

 

Discussão

O objetivo desta pesquisa foi construir e verificar as qualidades psicométricas iniciais do Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF). Este inventário visa identificar a percepção que o indivíduo possui do suporte familiar e pode ser aplicado (dependendo das instruções) à estrutura familiar de base (pai, mãe, irmãos, outros) ou à família de criação (tios, padrinhos, outros), que não necessariamente será nuclear ou de estrutura tradicional. Também poderá ser avaliada a percepção da família atual, se o indivíduo for casado ou amasiado, tendo ou não filhos.

O instrumento ficou constituído de quatro di-mensões principais, sendo a primeira (Inadaptação Familiar) um conjunto de indicadores negativos das outras três dimensões. Essa constituição favorece o clínico à obtenção, por meio desta única dimensão, de uma visão global da percepção do suporte familiar. Utilizando-se das outras três dimensões (Afetividade, Consistência e Autonomia familiares), poderá ser obtida uma avaliação mais específica da percepção do suporte familiar.

As dimensões encontradas no IPSF vêm ao encontro de dimensões avaliadas por instrumentos inter-nacionais bastante utilizados, em razão das qualidades psicométricas em suas culturas em clínica e pesquisa. Por exemplo, o IPSF avalia, em suas dimensões Afetividade e Autonomia Familiares, itens semelhantes aos avaliados pelo Parental Bonding Instrument (Parker & colaboradores, 1979) nas dimensões Carinho/Indiferença e Autonomia/ Superproteção. A dimensão Afetividade Familiar do IPSF avalia itens semelhantes das dimensões Resposta e Envolvimento Afetivos do McMaster Family Assessment Device - FAD (Epstein e colaboradores, 1983), bem como as dimensões intituladas de Consistência e Inadaptação do IPSF trazem itens semelhantes às dimensões do FAD, intituladas como Comunicação, Regras, Resolução de Problemas e Funcionamento Geral, respectivamente. A organização fatorial vai ao encontro dos achados teóricos de outros instrumentos de suporte familiar, indicando a possibilidade de medir o construto suporte familiar.

Por último, baseado no modelo de Olson e colaboradores (1983), a coesão familiar, definida como o vínculo emocional que os membros da família possuem uns com os outros, também composta de limites, coalizões, disponibilidade de tempo em conjunto, tomada de decisões, interesses e recreações, é expressa na dimensão Afetividade Familiar do IPSF. A segunda dimensão do modelo circumplexo define adaptabilidade familiar como a capacidade do sistema familiar em sofrer modificações e mudar regras em resposta a situações de estresse, incluindo a assertividade, disciplina e negociação de estilos e regras, expressa na dimensão denominada Consistência Familiar do IPSF. A terceira dimensão comentada por Olson e colaboradores (1983) se refere à comunicação como uma função crítica de auxiliar as famílias para as mudanças exigidas nas duas dimensões anteriormente citadas, expressa nas dimensões Afetividade e Consistência Familiar do IPSF. A quarta dimensão do IPSF, denominada Autonomia, pode ser entendida como parte de modelos derivados da dimensão de coesão do modelo circumplexo, utilizado por Beavers (1977), que considera a adaptabilidade familiar ou a flexibilidade uma dimensão central e importante no desenvolvimento familiar.

Os resultados iniciais de construto e con-fiabilidade do IPSF demonstraram índices bastante satisfatórios para os parâmetros convencionados. No entanto, futuras pesquisas deverão ser realizadas para buscar outras evidências de validade (convergente, discriminante, grupos contrastantes, conteúdo). Ao lado disso, uma nova aplicação do instrumento deve ser executada, a fim de verificar se as estruturas fatoriais se mantêm estáveis, além da busca pela padronização dos escores na população brasileira, levando-se em consideração algumas variáveis sociodemográficas, tais como sexo, idade, nível de escolaridade, dentre outras.

Considera-se, no entanto, que o Inventário de Percepção de Suporte Familiar - IPSF pode ser muito útil no desenvolvimento de pesquisas sobre as caracterís-ticas da família brasileira, bem como os tipos de suporte existentes. Espera-se ainda que o IPSF possa auxiliar clínicos que trabalham em contextos familiares a dia-gnosticar o tipo de suporte percebido por seus pacientes/ clientes e auxiliar em diagnósticos familiares complexos.

 

Referências

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Recebido em março de 2005
Reformulado em maio de 2005
Aprovado em junho de 2005

 

 

1 Endereço para correspondência: Rua Dr. Miguel Pierro, 61 - Cidade Universitária II - Barão Geraldo - 13083-300 - Campinas-SP - E-mail: makilim.baptista@saofrancisco.edu.br

Sobre o autor:

* Makilim Nunes Baptista é docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco, Itatiba/São Paulo; doutor pelo Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Campinas.

 

Agradecimentos

Agradecimentos especiais ao prof. dr. Fermino Fernandes Sisto pelo apoio na análise estatística do instrumento, o qual foi fundamental para o desen-volvimento do IPSF.