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PsicoUSF

Print version ISSN 1413-8271

PsicoUSF vol.10 no.1 Itatiba June 2005

 

RESENHA

 

O mosaico da violência: a perversão na vida cotidiana

 

 

Aletéia Henklain Ferruzzi1

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 

Prado, M. C. C. A. (Org.). (2004). O mosaico da violência: a perversão da vida cotidiana. São Paulo: Vetor, 431 p.

"Não se deve julgar um livro pela capa". Popularmente muito se escuta esta frase e esta obra é prova dessa afirmação. Ao ler o título desse livro não se imagina o seu conteúdo, ou a crueldade dos casos que as autoras corajosamente atenderam e relataram. O livro trata-se de uma reunião de artigos de profissionais que desenvolvem trabalhos relacionados a algum tipo de violência. Seus primeiros capítulos abordam a violência infantil, sobretudo a violência sexual cometida em crianças. Os capítulos finais abordam temas como a gravidez soropositiva, homossexualidade e relação familiar, droga-dição, suicídio e comportamentos autoquíricos.

O primeiro capítulo foi escrito por Maria do Carmo Cintra de Almeia Prado, organizadora da obra, e recebe o título O mosaico da violência. A autora apresenta alguns termos como violência, violência social, narcisismo, perversão, conforme a teoria psicanalítica e que auxiliam na compreensão dos relatos de quatro situações de violência infantil que relata no final do capítulo, como também para compreensão de toda a obra.

O capítulo Atendimento psicológico a crianças vítimas de abuso sexual: alguns impasses e desafios foi redigido por Susana Engelhard Nogueira e Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá. As autoras mostram a importância do atendimento de crianças vitimizadas, de compreender sua dinâmica e o desenvolvimento psíquico das mesmas. Dados sobre a violência infantil no Brasil, Itália e França são apresentados. Ao final do capítulo são relatados dois atendimentos realizados no ambulatório pediátrico do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Pensando nas mães de crianças vítimas de abuso sexual, Márcia Ferreira Amendola desenvolveu o capítulo Mães que choram. A autora propõe uma avaliação psico-lógica e uma hipótese diagnóstica obtida por meio de alguns instrumentos psicológicos, como o Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister, o Rorschach, entre outros. A autora apresenta o caso de quatro mães que tiveram suas filhas violentadas e que denunciaram seus agressores. Com base nos resultados, levantou-se como hipótese diagnóstica para essas "mães protetoras" (forma como as apelidou) o Transtorno de Personalidade Dependente, e acrescentou-se que são vulneráveis a desordem de ansiedade e a alguns sintomas de ansiedade, entre outras reações como choro imotivado, angústia, medo, vivência de cunho persecutório, aumento da pressão arterial. Destaca-se no final do capítulo a importância das denúncias, como também das falsas denúncias, que são muitas vezes feitas por mães que querem prejudicar seus ex-companheiros na disputa pela guarda de seus filhos. Levanta-se como hipótese diagnóstica para essas mães o Transtorno de Personalidade Borderline.

O capítulo O estranho, a perversão e a criança é escrito por Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá. Por meio da análise do conto Homem de areia (Hoffmam, 1933) e de pequenos relatos de atendimento, a autora apresenta alguns comportamentos típicos de indivíduos que cometem violência contra crianças, explorando o mentir, o cinismo e outros como parte do comporta-mento narcisista que norteia o pensamento daqueles que cometem tais atos. Ao final do capítulo a autora faz um breve comentário acerca do papel do psicólogo ou de qualquer adulto na vida de uma criança vitimizada, de forma que esta consiga se recompor.

Valéria Castro Chagas de Azevedo, em A gravidez soropositiva, fala da gravidez e de sua representação para a mulher, da importância do acompanhamento psicológico da gestante nesse período em virtude das transformações físicas e psicológicas que ocorrem, e aborda a impotência e o cuidado materno. Na seqüência, a autora aborda a questão da gravidez soropositiva, apresentando dados gerais sobre a doença e sobre a forma de atendimento que é dado à gestante soropositiva no ambulatório de pré-natal de um hospital público universitário. São apre-sentados cinco relatos de atendimentos e suas adequa-ções terapêuticas conforme cada paciente. As caracte-rísticas clínicas da doença, as características psicológicas da personalidade pré-mórbida e o estigma social são características destacadas no final do capítulo, que influenciam a adaptação à condição de ser soropositiva.

O capítulo Violência familiar e homossexualidade: as vítimas do silêncio é de autoria de Maria de Fátima Leite-Ferreira e Maria do Carmo de Almeida Prado. As autoras distinguem os tipos de agressividade entre a maligna e benigna. Apresentam uma contextualização histórica do homossexualismo até a homossexualidade em alguns relatos de atendimentos com casais com relações estáveis. As autoras observaram que 60% das mulheres e 50% dos homens fizeram relatos de violência intrafamiliar, sem que lhes fossem perguntados. Levantou-se a hipótese que essa porcentagem poderia ser ainda maior se o assunto tivesse sido abordado. As autoras acreditam que a violência intrafamiliar na infância tenha um papel muito importante na perturbação da identidade de gênero e na orientação homossexual, e que os efeitos que a violência produz no psiquismo se propagam aos seus descendentes.

Drogadição, autoquiria e dinâmica borderline é o título do capítulo onde Juliana Peixoto Pereira apresenta um estudo de caso e, por meio dele, explora termos como drogadição, autoquiria, dinâmica borderline, narcisismo, suicídio e alguns fundamentos da teoria de Melanie Klein. A autora relata sobre um encaminhamento que lhe foi feito pelo departamento de psiquiatria, de um paciente de difícil atendimento, pois já tentara suicídio três vezes, tinha episódios de fúria e se autolesionava, tinha idéias homicidas e fazia uso de drogas. Analisando a evolução do tratamento, a história de vida e a recaída do paciente, juntamente com a teoria psicanalítica, a autora conclui que, quando há frustrações, mobiliza-se algo muito destrutivo em seu mundo interno, algo que não é novo, mas revivenciado de sua primeira infância, decorrendo um grande estrago no seu mundo interno. O paciente relatado teve uma infância violenta por causa de um avô paterno e submissão do pai ao invés de protegê-lo.

Por fim, Organizadores psíquicos e suicídio: retratos de uma autópsia psicossocial, das autoras Fátima Gonçalves Cavalcante e Maria Cecília de Souza Minayo encerra a obra. As autoras apresentam dados internacionais e nacionais sobre o suicídio, bem como a sua definição e seus tipos. Por meio de uma visão multidisciplinar - psicológica, sociológica e antropológica - as autoras fazem uma análise, ou autópsia psicológica, de três casos de suicídios ocorridos em uma cidade de Minas Gerais, onde os índices de suicídios são acima da média nacional. Cada caso exposto é marcado por estruturas psíquicas distintas: psicótica, neurótica e perversão. As autoras concluem que as ideações suicidas devem ser levadas a sério, compreendidas e tratadas, não somente as questões físicas, mas em toda a sua complexidade, o que inclui as questões psicológicas envolvidas. E ainda destacam que os efeitos destrutivos da violência em geral, da violência de gênero, da violência doméstica causam profundo impacto afetivo, pessoal e social e demandam cuidados especiais.

A violência é tema muito discutido por profissio-nais de diversas áreas e pela população em geral. Esse livro apresenta uma abordagem voltada ao atendimento das vítimas de violência. Trata-se de uma obra repleta de estudo de casos que elucidam as formas de violência e algumas modalidades de atendimento às vítimas, segundo a abordagem psicanalítica, sendo por isso recomendado para profissionais que trabalham com violência, em especial aos psicólogos e estudantes de psicologia.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: aleteia_ferruzzi@hotmail.com

 

 

Sobre a autora:

1 Aletéia Henklain Ferruzzi é psicóloga e mestranda em Psicologia na Universidade São Francisco.