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PsicoUSF

versão impressa ISSN 1413-8271

PsicoUSF v.11 n.2 Itatiba dez. 2006

 

ARTIGOS

 

Características psicométricas do Maslach Burnout Inventory - Student Survey (MBI-SS) em estudantes universitários brasileiros

 

Psychometric characteristics of the Maslach Burnout Inventory (MBI-SS) in Brazilian college students

 

 

Mary Sandra Carlotto 1; Sheila Gonçalves Câmara 2

ULBRA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Inventário de Burnout de Maslach (MBI-SS) foi projetado para avaliar a síndrome de burnout em estudantes. Este artigo analisa as características psicométricas (fidedignidade e validade de construto) do MBI-SS em uma amostra de 514 estudantes. A análise fatorial identificou três fatores correlatos às três dimensões originalmente identificadas no inventário: exaustão emocional, eficácia profissional e descrença, indicando que a solução trifatorial é a mais adequada, tanto estatística quanto semanticamente. Os fatores exaustão emocional e eficácia profissional alcançaram um nível satisfatório de consistência interna (0,81 e 0,74, respectivamente). Já o fator 3 (descrença) apresenta índice de consistência interna em nível moderado (0,59). Com base nos resultados encontrados, considera-se que o MBI-SS é uma escala válida e fidedigna, apresentando os requisitos necessários quanto a consistência interna e validade fatorial para ser amplamente utilizada na avaliação da síndrome de burnout em estudantes universitários.

Palavras-chave: Burnout, Inventário de Burnout de Maslach (MBI), Validade de construto, Características psicométricas.


ABSTRACT

The Maslach Burnout Inventory (MBI-SS) was projected to estimate the burnout syndrome in students. This article analyzes the MBI-SS psicometric characteristics (trustworthiness and construct validity) in a sample of 514 students. The factorial analysis identified three correlated variables to the three dimensions originally identificated in the inventory: emotional exhaustion, professional efectiveness and disbelief, an indication that the trifactorial solution is the more statistically and semantically fit. The variables emotional exhaustion and professional efectiveness reached a satisfactory level of internal consistency (0,81 and 0,74, respectively). Though, the third variable (disbelief) presents a moderated internal consistency index (0,59). According to the results, we consider that the MBI-SS is a valid and trsustworthy scale, presenting the needed requirements in terms of internal consistency and factorial validity in order to be widely used in the burnout syndrome evaluation for university students.

Keywords: Burnout, Maslach Burnout Inventory (MBI), Construct validity, Psicometric characteristics.


 

 

Introdução

A síndrome de burnout (SB) tem sido considerada um problema social de extrema relevância e vem sendo estudada em vários países. Ela surge como uma resposta aos estressores interpessoais ocorridos na situação de trabalho (Harrison, 1999; Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001).

Segundo Carlotto e Gobbi (1999), a definição de burnout mais utilizada e aceita na comunidade científica é a fundamentada na perspectiva socio-psicológica, sendo entendido como um processo e constituído por três dimensões. A primeira, exaustão emocional, é caracterizada pela falta ou carência de energia e um sentimento de esgotamento emocional. A segunda, despersonalização, é definida como a falta de sensibilidade e a dureza ao responder às pessoas que são receptoras de seu serviço e, por último, a baixa realização profissional, que se refere a uma diminuição do sentimento de competência em relação ao trabalho com pessoas.

As primeiras pesquisas sobre a SB são resultados de estudos sobre emoções e maneiras de lidar com elas, desenvolvidas com profissionais que, pela natureza de seu trabalho, necessitavam manter contato direto com outras pessoas (trabalhadores da área da saúde, serviços sociais e educação). Os estudos iniciais foram realizados valendo-se de experiências pessoais de alguns autores, estudos de casos, estudos exploratórios, observações, entrevistas ou narrativas baseadas em programas e populações específicas (Cordes & Dougherty, 1993; Maslach e colaboradores, 2001). Dos trabalhos publicados sobre a SB entre 1974 e 1981, segundo Perlman e Hartman (1982), apenas cinco, identificados nesse período, tratavam do fenômeno com alguma evidência empírica.

Assim, verifica-se que somente a partir de 1976 os estudos sobre burnout adquiriram um caráter científico, uma vez que foram construídos modelos teóricos e instrumentos capazes de registrar e compreender esse sentimento crônico de desânimo, apatia e despersonalização. Christina Maslach, psicóloga social, foi quem entendeu primeiramente, em estudos com profissionais de serviços sociais e de saúde, que as pessoas com burnout apresentavam atitudes negativas e de distanciamento pessoal. Christina Maslach, Ayala Pines e Cary Cherniss foram os estudiosos que popularizaram o conceito de burnout e o legitimaram como uma importante questão social (Farber, 1991).

O interesse que burnout está despertando na atualidade vem ocasionando uma maior abrangência em seu campo de estudo. Das primeiras investigações centradas em profissionais de ajuda, outros âmbitos profissionais foram pesquisados, e, mais recentemente, têm surgido estudos com estudantes (Borges & Carlotto, 2004; Carlotto, Nakamura & Câmara, 2006; Martinez & Pinto, 2005; Schaufeli, Martinez, Pinto, Salanova & Bakker, 2002; Sheri & Dodd, 2003; Willcock, Daly, Tennant & Allard, 2004).

A ampliação do conceito de burnout em estudantes - ou seja, a uma atividade pré-profissional -, embora já tenha emergido em alguns estudos dispersos ao longo dos anos, foi proposta com rigor e suporte empírico por Schaufeli, Salanova, González-Romá e Bakker (2002), no estudo que confirmou a estrutura trifatorial original do Maslach Burnout Inventory (MBI-GS) de Maslach, Jackson e Leiter (1996), instrumento que avalia burnout em trabalhadores. O conceito de burnout em estudantes também se constitui de três dimensões: exaustão emocional, caracterizada pelo sentimento de estar exausto em virtude das exigências do estudo; descrença, entendida como o desenvolvimento de uma atitude cínica e distanciada com relação ao estudo; e baixa eficácia profissional, caracterizada pela percepção de estarem sendo incompetentes como estudantes (Martinez, Pinto & Silva, 2000).

Cushway (1992) refere que o início de burnout pode se dar já durante a fase acadêmica, no período de preparação para o trabalho. Estudos têm demonstrado que o burnout pode começar durante o período de formação e prosseguir durante a vida profissional. Investigação realizada por Agut, Grau e Beas (2002) encontrou nas três dimensões estudadas um nível moderado de burnout na amostra global; já na amostra de estudantes da área das ciências humanas, percebe-se diferença significativa na dimensão exaustão emocional.

A identificação da SB em estudantes pode constituir um indicador de possíveis dificuldades, tanto em nível de êxito escolar como profissional, possibilitando intervenções preventivas, como sugerem Martinez, Pinto, Salanova e Silva (2002). Estudos nesse sentido podem ser benéficos para educadores, estudantes, futuros empregadores e clientes (Balogun, Helgemoe, Pellegrini & Hoeberlein, 1995).

Histórico e evolução do MBI-SS - Maslach Burnout Inventory - Student Survey

O instrumento mais utilizado para avaliar burnout em trabalhadores que, pela natureza de seu trabalho, necessitam manter contato direto com outras pessoas é o MBI-HSS (Maslach Burnout Inventory-Human Services Survey). A necessidade de avaliar burnout em outras ocupações nas quais não ocorre ou ocorre atendimento eventual de pessoas fez com que fosse desenvolvida a versão MBI-GS-Maslach Burnout Inventory - General Survey (Schaufeli, Leiter, Maslach & Jackson, 1996). Este movimento de ampliação do conceito de burnout fez com que estudiosos desenvolvessem o MBI-SS (Maslach Burnout Inventory - Student Survey) para avaliar a síndrome em estudantes, ou seja, como este vivencia seu estudo, de acordo com três dimensões conceituais do MBI-GS, exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional.

Inicialmente o instrumento continha 16 questões. Após processo de validação em amostra de 1.661 estudantes de universidades da Espanha, Portugal e Holanda, foi excluída uma das questões, passando o instrumento a se constituir de 15 itens (Schaufeli e colaboradores, 2002).

O MBI-SS é um instrumento utilizado exclusivamente para a avaliação da síndrome, não levando em consideração os elementos antecedentes e as conseqüências resultantes de seu processo. Ele avalia índices de burnout de acordo com os escores de cada dimensão, sendo que altos escores em exaustão emocional e descrença e baixos escores em eficácia profissional (esta subescala é inversa) indicam alto nível de burnout (Schaufeli e colaboradores, 2002).

Gil-Monte e Peiró (1997) reforçam a importância de avaliar o MBI, independente de sua versão, como um construto tridimensional, ou seja, as três dimensões devem ser avaliadas e consideradas, a fim de manter sua perspectiva de síndrome.

Estudos de validação do MBI-SS em outros países têm apresentado a mesma distribuição fatorial, ou seja, 3 fatores. Tendo em vista a escassez de estudos brasileiros com esse inventário, este estudo buscou investigar as características psicométricas do MBI-SS (Schaufeli e colaboradores, 2002) em uma amostra de estudantes universitários brasileiros.

 

Método

Amostra

A amostra do tipo proporcional estratificada constituiu-se de 514 estudantes matriculados no segundo semestre de 2004. Os sujeitos de pesquisa pertencem a todos os cursos da área da saúde (Psicologia, Enfermagem, Medicina, Odontologia, Farmácia, Biomedicina, Fonoaudiologia, Fisioterapia) de uma instituição universitária da região metropolitana de Porto Alegre. A maioria é do sexo feminino (80,4%), solteira (75%), sem filhos (78,3%) e possui em média 26 anos (DP=8,83). Dedica-se exclusivamente ao curso (61%), realizando uma média de 5 disciplinas (DP=1,78) e não faz estágio curricular (65,4%). Reside na região metropolitana de Porto Alegre (69,2%) e mora com a família (80,2%), que lhe custeia os estudos (68,2%).

Instrumento

Foi utilizado o MBI-SS, forma adaptada por Schaufeli e colaboradores (2002). O instrumento consiste de 15 questões que se subdividem em três subescalas: Exaustão Emocional (EE) (5 itens); Descrença (DE) (4 itens) e Eficácia Profissional (EP) (6 itens). Todos os itens são avaliados em escala Likert de 7 pontos, variando de 0 (nunca) a 6 (sempre).

O instrumento foi validado pelos autores (Schaufeli e colaboradores, 2002) em amostras de estudantes universitários. Os sujeitos pertenciam a universidades da Espanha ( EE=0,74; EP=0,76; DE=0,79), Portugal ( EE=0,79; EP=0,69; DE=0,82) e Holanda ( EE=0,80; EP=0,67; DE=0,86).

O inventário, na versão utilizada neste estudo, foi traduzido para o português do Brasil da versão original em inglês (Schaufeli e colaboradores, 2002), utilizando-se como subsídio adicional as versões em espanhol e em português de Portugal. A tradução do inglês foi realizada por três psicólogos bilíngües, em separado, e depois foram comparadas as versões. A tradução obtida foi passada novamente para o inglês por outros dois psicólogos bilíngües (back-translation) a fim de verificar sua equivalência semântica e sintática. O desenvolvimento dessa etapa permitiu que fosse realizado ajuste em um item, identificado por um dos psicólogos como expressão muito branda para o conceito de exaustão da SB. Assim, substituiu-se "sinto-me cansado pelos meus estudos" por "sinto-me consumido pelos meus estudos".

Foi realizado um estudo piloto com 30 estudantes universitários de um curso da área da saúde que possuíam características similares aos indivíduos da população a ser estudada, seguindo orientação de Barbetta (2001). O instrumento mostrou-se de fácil compreensão e o tempo médio de realização foi de 15 minutos.

Procedimentos

Primeiramente foi realizado contato com as direções dos cursos de graduação para a apresentação dos objetivos de estudo, a fim de obter-se autorização para aplicação do instrumento. Este, na sua versão definitiva, foi aplicado em salas de aula aleatoriamente selecionadas, após a autorização do professor. Uma equipe de alunos pertencentes ao Laboratório de Pesquisa em Psicologia foi treinada para a aplicação do instrumento, visando unificar as instruções e possíveis informações que poderiam ser solicitadas pelos respondentes. Os sujeitos foram orientados a responder uma única vez o instrumento, já que alguns alunos cursavam outras disciplinas que iriam compor a amostra. A aplicação ocorreu em outubro de 2004, mês no qual não haveria provas ou outros eventos acadêmicos importantes. A pesquisa tem aprovação do Comitê de Ética da instituição de afiliação dos pesquisadores, tendo sido realizados os procedimentos éticos conforme resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no que diz respeito à pesquisa com seres humanos.

Os dados foram analisados mediante pacote estatístico. Inicialmente foi realizada uma análise exploratória dos dados, de modo a verificar a qualidade da digitação e a presença dos critérios para análise multivariada (García-Jiménez, Gil-Lores & Rodríguez-Gomez, 2000). O exame de missing identificou 27 questionários com respostas em branco, determinando a exclusão destes da amostra. Assim, do total de 541 instrumentos, foram utilizados 514.

A validação das dimensões de burnout foi feita por medidas de adequação da amostra à análise fatorial, determinação do número de fatores adequados à análise fatorial e distribuição do construto em dimensões pelo método de componentes principais. A confiabilidade foi avaliada por meio do alfa de Cronbach.

 

Resultados

Validação do construto

Antes da realização da análise fatorial foram contemplados alguns critérios necessários à sua realização. A adequação da amostra foi mensurada pelos seguintes critérios: determinante da matriz de correlação, medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), teste de esfericidade de Bartlett e medidas individuais de adequação da amostra (MSA).

O valor da determinante da matriz de correlação calculado para a amostra foi de 1,812, um valor bastante baixo, indicando que as variáveis são bastante intercorrelacionadas. Isto foi confirmado pelo teste de esfericidade de Bartlett (X2= 1999,3; p<0,001). Tais valores rejeitam a hipótese nula de que não haja intercorrelação entre os valores, evidenciando que a matriz de dados é adequada para proceder à análise fatorial. O índice de adequação da amostra de KMO foi calculado em 0,854, considerado excelente por Bisquerra-Alzina (1989). Os índices de MSA individuais foram todos altos, variando de 0,405 a 0,830.

Para realização da análise fatorial foram incluídos os mesmos 15 itens do MBI-SS (versão original) da versão em português. Assumindo, de acordo com o manual do MBI, que os fatores são correlacionados entre si, a fim de manter a perspectiva de síndrome (embora sejam avaliados como dimensões independentes) (Maslach e colaboradores, 1996), foi utilizado o método de extração de fatores usando componentes principais, com rotação Oblimin direta. Os três fatores encontrados segundo a distribuição de seus componentes e de seus autovalores (eigenvalue 1,000) e considerando um ponto de corte de 0,30, permitiram identificar uma distribuição fatorial bemdelimitada, tanto em relação à proximidade dos itens na análise quanto à aderência à teoria.

Como se observa na Tabela 1, os autovalores foram: 4,45 (fator 1), 1,90 (fator 2) e 1,23 (fator 3). O primeiro fator (exaustão emocional), mais forte, explica 31,83%, o segundo (eficácia profissional), 13,61% e o terceiro (descrença), 8,82% da variância.

 

 

Pela análise fatorial pode-se observar que alguns itens (1, 3, 5, 6, 8, 10,13 e 14) saturaram acima do ponto de corte de 0,30 em mais de um fator, no entanto, optou-se, estatisticamente, por mantê-los no fator em que a saturação foi maior, considerando-se que a distribuição foi coerente também semanticamente.

Os três fatores encontrados mediante a análise fatorial do MBI-SS apresentam a mesma configuração semântica das dimensões de burnout propostas na adaptação: exaustão emocional, eficácia profissional e descrença. Os 5 itens que compõem o fator 1 expressam claramente a dimensão de exaustão emocional, de estar desgastado em relação aos estudos e atividades acadêmicas. O fator 2, composto de 6 itens, refere-se diretamente aos sentimentos e situações que caracterizam a eficácia profissional, ao sentimento de não estar sendo competente na situação de estudante. Já o fator 3 (4 itens) focaliza aspectos indicativos de descrença, de distanciamento em relação aos estudos.

Na Tabela 2 se apresentam a média, o desvio padrão e o valor do alfa de Cronbach para cada fator, além das correlações obtidas. A média para a dimensão de exaustão foi de 2,88 (DP=1,42), para eficácia profissional, 4,90 (DP=0,90) e para descrença 1,03 (DP=1,22). Ao observarmos os valores de correlação (Pearson) verifica-se ser mais forte (e positiva) a correlação entre exaustão e descrença (r=0,44, p<0,001), sendo um pouco menores e negativas as correlações entre descrença e eficácia profissional (r=-0,39, p<0,001) e entre exaustão e eficácia profissional (r=-0,33, p<0,001).

Os coeficientes de correlação encontrados refletem uma tendência geral nos estudos que utilizam o MBI, também nas suas outras versões. A dimensão de eficácia profissional diferencia-se das demais não somente por sua configuração positiva, mas também por misturar-se, em certa medida, a uma percepção de eficácia mais geral. As dimensões de exaustão e descrença têm sua origem e manifestação diretamente no campo da atividade profissional. Neste caso, o estudo.

 

 

Esses resultados indicam a fidedignidade do MBI-SS na amostra estudada, demonstrando a capacidade desta adaptação do instrumento na medição da síndrome de burnout em estudantes. Os dois primeiros fatores, exaustão emocional (0,81) e eficácia profissional (0,74), constituem-se em subescalas com índice satisfatório de consistência interna. O fator 3 - descrença - obteve um coeficiente considerado moderado, de 0,59. A partir dos resultados obtidos, conclui-se que cada uma das subescalas do Inventário de Burnout tem sua confiabilidade interna dentro dos padrões de aceitação.

 

Discussão

Como se observa pelos resultados da análise fatorial, a distribuição do MBI-SS na amostra de estudantes universitários brasileiros apresenta 3 fatores que, quanto à estrutura e composição da solução fatorial, são similares ao modelo teórico de burnout em estudantes, como propõe Schaufeli e colaboradores (2002). Isto é, os 3 fatores obtidos agrupam os itens referentes a exaustão emocional, eficácia profissional e descrença, respectivamente. Com base na distribuição das cargas fatoriais, pode-se considerar que todos os 3 fatores aparecem diferenciados com relação à sua unidimensionalidade.

Embora alguns itens tenham se mostrado ambivalentes, saturando acima de 0,30 em mais de um fator, na análise fatorial sem delimitação de fatores, as três dimensões se apresentam claramente definidas com os itens agrupados semanticamente nos fatores correspondentes, semelhante ao que ocorre com o MBI (Byrne, 1993; Carlotto & Câmara, 2004; Gil-Monte & Peiró, 1997; Koeske & Koeske, 1989; Maslach & Jackson, 1981). Nesse sentido, a solução fatorial mais adequada parece ser, efetivamente, a trifatorial, posto que mantém a estrutura teórica do inventário, de acordo com a definição conceitual da síndrome de burnout.

O teste de fidedignidade avaliado pelo alfa de Cronbach, neste estudo, constatou que as subescalas de Exaustão Emocional (0,81) e Eficácia Profissional (0,74) apresentam uma boa consistência interna (alfa> 0,70), o que possibilita a criação de um índice a partir da média dos escores atribuídos aos itens pertencentes a essas subescalas. A de Descrença possui fidedignidade mais baixa (0,59), diferente dos índices alcançados em estudos com as amostras portuguesa, holandesa e espanhola.

Com relação à subescala de Exaustão Emocional, os índices obtidos no estudo seguem a tendência de estudos de outros países, aproximando-se mais dos resultados encontrados na amostra holandesa (0,80). Esse aspecto pode evidenciar que tal dimensão é a menos vulnerável a questões culturais, uma vez que o sentimento de desgaste pelo estudo e as questões que o abordam têm um caráter mais universal, pela estreita relação dessa dimensão com o construto de estresse (Shaufeli e colaboradores, 2002).

No caso da subescala de Eficácia Profissional, o alfa obtido alcançou um índice mais elevado que o das amostras de estudantes portugueses (0,69) e holandeses (0,67), aproximando-se ao valor encontrado na amostra espanhola (0,76). Considerando a síndrome de forma mais ampla, é possível pensar que diferenças culturais tenham influência na maneira como esta dimensão se apresenta em estudantes de outros países (Shaufeli e colaboradores, 2002).

No que tange à dimensão de Descrença, a validade de construto encontrada foi regular (0,59), considerando-se o número de itens que saturaram neste fator (4 itens). Koeske e Koeske (1989) ressaltam a discrepância quantitativa entre o número de itens componentes de cada subescala, o que pode influenciar nos alfas. Já as médias e desvio padrão são similares aos encontrados em um estudo brasileiro com estudantes de nível técnico (Borges & Carlotto, 2004).

O atual panorama dos estudos sobre burnout em estudantes, mesmo que incipiente no Brasil e em fase embrionária também nos países europeus, revela que o MBI-SS é uma escala válida e fidedigna nos diferentes contextos nos quais a síndrome tem sido estudada. Considerando a amostra de estudantes utilizada no presente estudo, podemos afirmar que a versão brasileira do MBI-SS apresenta os requisitos necessários quanto a consistência interna e validade fatorial para ser amplamente utilizada na avaliação da SB em estudantes universitários.

Há que se ter cautela com a generalização dos resultados obtidos, uma vez que este estudo foi realizado com estudantes universitários da Região Sul do país, o que pode apresentar algumas diferenças em relação a estudantes de outras regiões em virtude de questões culturais que se fazem presentes no cotidiano da realidade educacional brasileira.

 

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Endereço para correspondência
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Recebido em junho de 2005
Reformulado em outubro de 2006
Aprovado em outubro de 2006

 

 

Sobre os autores:

1 Mary Sandra Carlotto é psicóloga, mestre em Saúde Coletiva (ULBRA-RS), doutora em Psicologia Social (USC/ES); professora do Curso de Psicologia - ULBRA/Canoas e pesquisadora do LAEPPSI - Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia.
2 Sheila Gonçalves Câmara é psicóloga, mestre em Psicologia Social e da Personalidade e doutora em Psicologia (PUCRS), professora do Curso de Psicologia - ULBRA/Canoas e do PPGSC - Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e pesquisadora do LAEPPSI - Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia.