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PsicoUSF

versão impressa ISSN 1413-8271

PsicoUSF v.14 n.2 Itatiba ago. 2009

 

ARTIGOS

 

Método de Rorschach na avaliação psicológica de crianças: uma revisão de literatura

 

Rorschach in children psychological assessment: a literature revision

 

 

Rose Nascimento *; Janari da Silva Pedroso **; Airle Miranda de Souza ***

Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta uma discussão acerca do psicodiagnóstico na infância mediante o uso do teste de Rorschach. O objetivo deste trabalho foi revisar os estudos empíricos nacionais e internacionais sobre a avaliação psicológica de crianças pela utilização do teste de Rorschach. Identificaram-se publicações nesta temática, os principais temas abordados e métodos utilizados, bem como listaram-se os procedimentos e resultados obtidos. Conclui-se que as crianças de faixa etária compreendida entre os três e seis anos não apresentam representatividade nos estudos abordados e que existe uma tendência em utilizar o teste de Rorschach para avaliar problemas de aprendizagem.

Palavras-chave: Avaliação psicológica, Rorschach, Crianças.


ABSTRACT

This article presents a discussion about the psychodiagnostic in children through the use of test Rorschach. The objective of this study was to review the national and international empirical studies on the psychological assessment of children using the Rorschach test. Publications were identified in this area, the main topics discussed and methods used, and list up the procedures and results. It is concluded that children of age group between three and six years have no representation in the studies discussed and that there is a tendency to use the Rorschach test to evaluate the learning problems.

Keywords: Psychological evaluation, Rorschach, Children.


 

 

Introdução

A infância é permeada por fases distintas do desenvolvimento e ao ser avaliada necessita de vários recursos complementares para uma investigação segura. Esse campo da avaliação psicológica está em processo de crescente ampliação, o que evidencia a necessidade de elaboração de instrumentos e técnicas adequados e padronizados para a realidade brasileira.

O teste de Rorschach é um valioso instrumento que soma à avaliação psicológica de crianças, pois proporciona importantes informações para a compreensão do funcionamento emocional, social e cognitivo.

Pasian (2002), ao realizar uma pesquisa sobre a produção científica relativa ao psicodiagnóstico de Rorschach no Brasil a partir da década de 1930, detectou somente cinco estudos normativos voltados para a área infantil (até treze anos), dentre os quais encontra-se o trabalho de Jacquemin (1976) que, ao verificar a escassez de aplicação da prova de Rorschach na população infantil e a importação dos parâmetros estrangeiros para servir de base e comparar com os resultados brasileiros, se propôs a elaborar um atlas das respostas de 480 crianças "normais", meninos e meninas, entre 3 e 10 anos e 11 meses, escolares de Ribeirão Preto, e tendo em vista construir repertórios brasileiros, adequados à nossa realidade. O fato inédito do trabalho está na inclusão de crianças pequenas, na faixa de 3 a 5 anos, para as quais não se dispunha de normas até então.

Jacquemin (1976) destaca que a aplicação do teste de Rorschach em crianças, principalmente nas idades menores - 3 a 5 anos - é um trabalho complexo, pois envolve fatores totalmente diversos daqueles previstos na técnica usual para o sujeito adulto. A instrução deve levar em conta a capacidade de compreensão da criança pequena e, para ser bem sucedido, o trabalho deve fazer parte de uma situação de jogo, atividade essencial para a criança "normal". Breves interrupções ocorrerão com certa frequência, uma vez que é próprio da criança mesclar suas atividades ou interrompê-las abruptamente, para continuar em seguida, de acordo com sua motivação.

Sendo assim, na pesquisa acima referida, a título de exemplo do trabalho com Rorschach em crianças, o teste foi aplicado individualmente, numa sessão reservada para isso. Foi sempre introduzido como "um novo jogo a ser realizado" procurando-se antes fazer reviver o clima de bom relacionamento aplicador-sujeito, já estabelecido em sessão anterior. A instrução nesses casos era dada da seguinte maneira:

Hoje vou mostrar a você alguns quadros e em cada um deles você vai me dizer o que aparece, o que poderia ser. Você me dirá o que você acha que parece... Cada pessoa vê coisas diferentes [...] Não há certo ou errado nesse jogo e você pode dizer tudo o que achar que parece. Quando você tiver falado tudo, pode devolver o quadro e eu lhe darei outro (Jacquemin, 1976, p. 19).

Com esse estudo a prática de psicólogos clínicos obteve uma referência no trabalho com crianças, entretanto, uma das sugestões de Jacquemin (1976) era que se fizessem trabalhos com outras populações.

Outra adaptação do teste de Rorschach para a população infantil consiste nas recomendações propostas por Pedroso (2008), que embasado mo método Silveira (Sociedade Rorschach de São Paulo, 2006a; Sociedade Rorschach de São Paulo, 2006b), sugere que se faça um pré-teste chamado Pré-Rorschach para estimular as associações da criança. Essa técnica consiste em utilizar uma folha de papel em branco manchada com tintas coloridas no momento da aplicação e dobrada ao meio, criando uma figura abstrata semelhante às do teste de Rorschach original, e solicitar que a criança fale sobre o que vê naquela imagem ambígua.

Diante da necessidade de se ampliar o conhecimento a respeito da utilização do teste de Rorschach na população infantil para subsidiar possíveis intervenções ou novas pesquisas nesse campo, o objetivo do presente estudo é contribuir com o aprofundamento das discussões de cunho teórico-metodológico, apresentando uma revisão dos estudos empíricos sobre o uso do teste de Rorschach na avaliação psicológica de crianças.

 

Método

A fim de atingir o objetivo proposto, buscou-se contemplar os estudos realizados a partir da década de 1990, período este definido do primeiro até os mais recentes trabalhos na área, caracterizando-os em relação aos principais temas e métodos utilizados (participantes, instrumentos e delineamentos). A busca pelas publicações ocorreu em bases de dados eletrônicas que identificaram grande parte da produção científica nacional e internacional sobre avaliação psicológica de crianças por meio do teste de Rorschach.

Essa seleção foi feita utilizando-se as palavras-chave Rorschach + crianças, Rorschach + children, Rorschach + infância e Rorschach + infancy, a fim de identificar trabalhos voltados à população infantil. A seguir, procurou-se identificar, com base nos títulos dos artigos, que estudos estavam de acordo com os critérios de seleção estabelecidos, os quais foram a utilização do teste de Rorschach em crianças a partir de 3 (três) anos de idade, bem como a disponibilidade do texto completo, que permitisse conceituar interesses como uma forma de expressão da personalidade, uma vez que eles fazem a intermediação entre o indivíduo e o mundo do trabalho uma maior profundidade da análise.

 

Resultados

Sob o enquadramento metodológico referido acima, foram identificados 10 (dez) estudos empíricos em periódicos científicos, sendo cinco concernentes à produção científica nacional e cinco à internacional. A seguir, são apresentadas resenhas individuais de cada um dos trabalhos, contemplando suas principais características. Para uma visão geral desses conteúdos, ver Tabela 1.

O primeiro trabalho identificado na literatura nacional foi o de Bellodi, Romão Jr. e Jacquemin (1997) que trabalharam com 10 pacientes com insuficiência renal crônica, pertencentes ao grupo pediátrico de uma unidade de diálise, os quais foram submetidos à avaliação psicológica, com ênfase nos aspectos da imagem corporal e da relação de dependência ao tratamento, por meio do uso das técnicas projetivas do Desenho Temático e Teste de Rorschach. Chamaram atenção para a intervenção psicológica que possa resgatar aquilo do qual se afastaram por conta da doença crônica: a relação com o outro e a iniciativa, bem como a expressão dos afetos.

Semer (1999) realizou um estudo com 52 crianças entre 5 e 11 anos, das quais 26 apresentavam sintomas de enurese que compuseram o grupo experimental. O intuito do trabalho consistiu em verificar, por meio do teste de Rorschach, se haveria o rebaixamento da autoestima dessas crianças e, em caso positivo, se seria em decorrência do sintoma ou de dificuldades de personalidade subjacentes. Os resultados demonstraram que as crianças enuréticas apresentam rebaixamento da autoestima, não como consequência da doença, mas em virtude de dificuldades mais globais no desenvolvimento, pois apreendem a realidade com mais distorção, indicando imaturidade, em razão da dificuldade de postergar satisfações mais imediatas.

Souza, Soldatelli e Lopes (1999) investigaram o funcionamento intelectual de meninos agressivos, comparando sua produção no Rorschach com a avaliação dos educadores sobre o desempenho escolar dos mesmos. Participaram da pesquisa 20 crianças do sexo masculino, entre 9 e 11 anos de idade, em escolas públicas, em situação de psicodiagnóstico. A avaliação sinalizou que esses meninos agressivos manifestavam dificuldades afetivas sob forma de intensa angústia, o que estaria diretamente relacionado com a inibição intelectual.

Barbieri, Jacquemin e Alves (2004) desenvolveram uma pesquisa com oito crianças (seis meninos e duas meninas), entre 5 e 10 anos, de nível socioeconômico médio ou baixo, encaminhadas para atendimento psicológico por queixas relativas à tendência antisocial. O objetivo deste trabalho consistiu em averiguar se o sucesso ou o fracasso da utilização do método do Psicodiagnóstico Interventivo vincular-se-ia à estrutura de personalidade e condições das funções egóicas. O follow-up dos casos indicou, em relação à melhora dos sintomas, cinco sucessos, dois fracassos e uma desistência. A técnica de Rorschach mostrou que as crianças bem sucedidas apresentavam estrutura de personalidade neurótica e ausência de comprometimentos severos no controle pulsional e nos relacionamentos pessoais. Sendo assim, os autores consideram essas características como critérios de indicação para o psicodiagnóstico interventivo.

Graeff e Vaz (2006) utilizaram o teste de Rorschach para investigar a personalidade de crianças diagnosticadas com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Participaram do estudo 48 crianças entre 6 e 11 anos de idade de ambos os sexos, sendo que o grupo experimental foi composto por 24 crianças que apresentavam sintomas de TDAH misto (desatento, hiperativo e impulsivo). Ao final do estudo foi verificado que esse grupo apresentava níveis elevados de impulsividade, dificuldades quanto ao controle geral da personalidade e falhas na modulação e controle dos aspectos afetivo-emocionais, prejuízo na capacidade de organização, de análise e síntese, dificuldade de percepção objetiva da realidade, na capacidade de sistematização e objetividade, bem como ansiedade, incapacidade e reflexão em índice maior que no grupo-controle.

Quanto à produção científica internacional, destaca-se inicialmente o trabalho de Acklin (1990), que mediante constatação de que crianças com dificuldades de aprendizagem comumente são submetidas ao teste de Rorschach, investigou as respostas do Rorschach de 184 crianças com problemas de aprendizagem, brancas entre 9 e 12 anos, de ambos os sexos, as quais inicialmente foram submetidas ao WISC-R (Wechsler Intelligence Scale for Children), para mensurar os scores de inteligência. Dessas crianças, 41 foram classificadas quanto às suas respectivas habilidades intelectuais, compondo o grupo experimental, enquanto o restante serviu como grupo-controle. Foi observado que as crianças do grupo experimental exibiram várias características reveladas pelo Rorschach, incluindo problemas de precisão perceptual, orientação visual ineficiente e dificuldades no uso de estratégias para solução de problemas, bem como apresentaram potenciais implicações da percepção se si e adaptação emocional no seu ambiente social.

Sutil, Ortiz e Scott (1995) desenvolveram um estudo comparativo das respostas do Rorschach de crianças com dificuldades de aprendizagem e outras que não apresentavam tais problemas. Essas crianças eram meninos, equiparados em classe social, idade cronológica e estudantes da 5ª e 6ª série de uma escola particular. Foram analisadas as variáveis de exatidão perceptiva, autoconceito e reatividade. Concluiu-se que as respostas das crianças com problemas de aprendizagem se caracterizavam por uma exatidão perceptiva inferior e autoconceito diminuído.

O estudo de Silva (2002) inseriu-se no mais vasto dos dados normativos do Rorschach de 376 crianças portuguesas, de ambos os sexos, de 6 aos 10 anos de idade. O grupo de crianças foi dividido por faixa etária, assim distribuído: 42 meninos e 47 meninas no grupo de 6 anos; 39 meninos e 36 meninas no grupo dos 7 anos; 38 meninos e 39 meninas no grupo dos 8 anos; 36 meninos e 38 meninas no grupo dos 9 anos; e 30 meninos e 30 meninas no grupo dos 10 anos. O foco de análise do referido trabalho restringiu-se aos resultados das variáveis que constituem a classe do processamento da informação. Os resultados demonstram que esse processamento, tal como se traduz no Rorschach, permitiu formular uma relação hipotética entre eles e as frequentes dificuldades escolares e o elevado insucesso escolar verificado nas crianças estudadas.

Num trabalho posterior, Silva e Dias (2004) examinaram 259 crianças portuguesas de ambos os sexos, distribuídas por cinco grupos etários, dos 6 aos 10 anos. O foco de análise desse estudo consistiu em avaliar o nível intelectual dessas crianças a partir da tríade cognitiva: processamento da informação, mediação cognitiva e ideação. O nível intelectual foi avaliado mediante as Matrizes Progressivas Coloridas (MPC) de Raven. Calcularam-se as correlações entre os resultados brutos nas MPC e os resultados nas variáveis do Rorschach. A análise realizada permite concluir que, com grande frequência, as correlações obtidas conferem consistência às hipóteses subjacentes às diversas variáveis. Estas, de modos diferentes, implicam operações intelectuais de complexidade variável. A mesma análise proporciona também a oportunidade de observar e compreender melhor a natureza e comportamento das variáveis do Rorschach.

Finalmente, Staden (2006) realizou estudo de caso com uma menina de 9 anos de idade que sofreu abuso sexual, submetida a processo psicoterápico de orientação psicodinâmica em suas sessões semanais de 50 minutos. O objetivo do estudo consistiu em avaliar as mudanças e afetos da criança durante o processo psicoterapêutico mediante o teste de Rorschach. A avaliação dos resultados permitiu observar grande habilidade com conteúdos afetivos; grande capacidade de coping; consciência do material afetivo negativo interno e menor evitação da capacidade de tolerar o conteúdo emocional. Também foram observadas tendências regressivas, avaliadas de acordo com as características individuais da criança, da teoria psicanalítica sobre esse tema e com o conteúdo terapêutico.

 

 

Discussão

Levando-se em consideração a literatura pesquisada, observa-se significativa escassez de publicações com crianças na faixa etária entre quatro e seis anos, o que traria contribuições para compreender os processos de percepção e associação em uma faixa etária mais baixa. Constatou-se que a menor faixa etária envolvida nos estudos investigados foi de crianças com 5 anos (Barbieri, Jacquemin & Alves, 2004; Semer, 1999). Ressalta-se que alguns estudos abarcaram crianças em fases distintas do desenvolvimento, a exemplo do estudo de Bellodi, Romão Jr. e Jacquemin (1997), que trabalharam com uma faixa etária heterogênea dos 10 aos 17 anos, passando pela adolescência, o que descaracteriza a amostra como infantil. Nos trabalhos de Silva (2002) e Silva e Dias (2004) o modelo de análise procede de maneira homogênea, pois tais pesquisadores, também por trabalharem com grandes amostras, ao analisar os dados do Rorschach dividiram em grupos quanto à faixa etária, o que lhes possibilitou um melhor controle e segurança na análise.

Sobre as temáticas abordadas pelos pesquisadores, observa-se uma tendência, especialmente no âmbito internacional, de trabalhos que utilizam o Rorschach como instrumento para avaliar problemas de aprendizagem (Acklin, 1990; Silva, 2002; Silva & Dias, 2004; Souza, Soldatelli & Lopes, 1999; Sutil, Ortiz & Scott, 1995). Nesses casos é relevante ressaltar o uso de testes que dêem suporte aos aspectos intelectuais avaliados, tal qual o uso do WISC-R, referido no trabalho de Acklin (1990), ou o uso das Matrizes Progressivas Coloridas (Silva & Dias, 2004). Pois é sabido que o Rorschach é fundamentalmente um instrumento de avaliação e diagnóstico da personalidade, mas contém elementos que se mostram importantes para a avaliação de algumas formas de insuficiência ou deficiência cognitiva, mesmo porque se observa que grande parte das dificuldades de aprendizagem é produto de problemas afetivo-emocionais e/ou perturbações do comportamento, conteúdos estes que foram reiterados nos trabalhos estudados (Acklin, 1990; Silva, 2002; Silva & Dias, 2004; Souza, Soldatelli & Lopes, 1999; Sutil, Ortiz & Scott, 1995).

Outro aspecto a ser ressaltado é que alguns estudos concentram-se em avaliar um grupo clínico perturbado por algum transtorno que apresenta um quadro sintomatológico e os compara com crianças ditas normais. Quanto aos objetivos alcançados, o uso do Rorschach tem reiterado sua eficácia em discernir aspectos concernentes ao quadro clínico daqueles subjacentes à personalidade da criança, que foram até considerados como fatores de risco para o desenvolvimento dos sintomas, como fora observado nos trabalhos de Semer (1999) e Graeff e Vaz (2006). Entretanto, valorizar os estudos com crianças normais potencializa a padronização do uso do referido teste no Brasil.

Outro dado que merece destaque é sobre a utilização de vários sistemas de análise do teste de Rorschach, tendo se observado na literatura internacional a prevalência exclusiva do Sistema Compreensivo de Exner (Acklin, 1990; Silva, 2002; Silva & Dias, 2004; Sutil, Ortiz & Scott, 1995; Staden, 2006), enquanto na literatura nacional prevaleceu o Sistema Francês de Traubenberg (Barbieri, Jacquemin & Alves, 2004; Bellodi, Romão Jr. & Jacquemin, 1997; Souza, Soldatelli & Lopes, 1999;).

Sobre o Sistema Compreensivo de Exner, este tende a ser apenas um método de coleta de dados, para evitar que seja absorvido por uma teoria específica, mantendo-se aberto a qualquer perspectiva teórica de tratamento e interpretação. O olhar, ao se analisar um protocolo segundo a compreensão de Exner, repousa na coleção das deficiências e das suas qualidades positivas, e posterior tradução dessas nas operações cognitivas do indivíduo e sua forma de organização psicológica (Sociedade Rorschach de São Paulo, 2006). Por conta de tal objetividade e sistematização, nota-se que a maioria dos trabalhos que utilizam o Sistema Compreensivo são de abordagem quantitativa e avaliam problemas de cognitivos (Acklin, 1990; Silva, 2002; Silva & Dias, 2004; Sutil, Ortiz & Scott, 1995).

Por sua vez, a Escola Francesa de Rorschach analisa as respostas às pranchas segundo os fundamentos teóricos preconizados pela psicanálise. O princípio básico que norteia essa leitura do protocolo de Rorschach situa-se na concepção teórica de que o comportamento humano se insere em um continuum psíquico caracterizado por oscilações na atuação da consciência. Ou seja, pela livre associação das respostas pode-se localizar momentos de transição entre um nível primário, um nível narcísico de funcionamento psíquico e um nível secundário onde a associação é de natureza perceptivo-verbal e controlada (Sociedade Rorschach de São Paulo, 2006; Traubenberg & Boizou, 1999).

Quanto aos delineamentos adotados nas pesquisas, sete utilizaram a comparação entre grupos clínicos e grupos-controle (Acklin, 1990; Bellodi, Romão Jr. & Jacquemin, 1997; Graeff & Vaz, 2006; Semer, 1999; Silva, 2002; Silva & Dias, 2004; Sutil, Ortiz & Scott, 1995); dois trabalhos utilizaram apenas um grupo de sujeitos, objetivando a aplicação e análise de resultados obtidos mediante o(s) instrumento(s) (Barbieri, Jacquemin & Alves, 2004; Souza, Soldatelli & Lopes, 1999).

 

Conclusão

Sabe-se das necessidades de adaptação da aplicação do teste em crianças, como respeitar seu tempo, envolvê-la em uma atmosfera de jogo, adequar linguagem, estabelecendo um bom rapport, como também é evidente a eficácia do Rorschach como instrumento psicodiagnóstico para essa faixa etária.

Atualmente muitas crianças são submetidas à avaliação psicológica, porém, tomando-se a literatura apresentada e analisada na revisão, verifica-se que ainda é incipiente a utilização do teste de Rorschach em crianças menores, especialmente as pré-escolares entre 3 e 6 anos de idade, por mais que existam trabalhos normativos que avaliaram essa faixa etária.

Observa-se que a maioria dos estudos tem a preocupação de não restringir a avaliação de crianças ao uso de um único instrumento, especialmente no que tange à investigação de problemas escolares, já que o teste de Rorschach não é um teste de inteligência e necessita de suporte de outros instrumentos no campo investigação desse tema. Entretanto, mostrou-se imprescindível para discernir aspectos da personalidade envolvidos em problemas de aprendizagem.

Mediante essa sistematização, espera-se contribuir na elaboração de novos procedimentos de investigação e no desenvolvimento da avaliação psicológica infantil, possibilitando o fomento de esforços mais efetivos e substanciais sobre o uso do teste de Rorschach na infância.

 

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Endereço para correspondência
Av. Duque de Caxias, 1.482, apto. 202 - Edifício Durval Ferreira - 66087-000 - Marco - Belém-Pará, Brasil
Telefone: (91) 81080115
E-mail: daisenascimento@hotmail.com

Recebido em outubro de 2008
Reformulado em março de 2009
Aprovado em abril de 2009

 

 

Sobre as autoras:

* Rose Daise Melo do Nascimento é mestranda do curso de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), bolsista CAPES e membro do Laboratório de Pesquisa: Desenvolvimento e Saúde (LADS).
** Janari da Silva Pedroso é doutor em Ciências Sócio-Ambientais (UFPA/2003). Atualmente é professor adjunto II da UFPA na Faculdade de Psicologia e no Programa de Pós-graduação em Psicologia, coordena o Grupo "Laboratório de Pesquisa: Desenvolvimento e Saúde (LADS), membro da Sociedade Rorschach de São Paulo. Tem experiência na área de Psicologia Clínica, com ênfase em Avaliação Psicológica, Desenvolvimento Infantil, Psicopatologia.
*** Airle Miranda de Souza é mestra em Saúde Mental pela Universidade Estadual de Campinas (1996) e doutora em Ciências Médicas- Saúde Mental pela Universidade Estadual de Campinas (2001). Atualmente é adjunto 4 da Universidade Federal do Pará, - área de Psicologia, com ênfase em Intervenção Terapêutica, atuando principalmente nos seguintes temas: saúde mental, luto, intervenções nas crises e emergências.

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