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Psicologia Escolar e Educacional

Print version ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. vol.1 no.1 Campinas  1996

 

ARTIGOS

 

A influência da representação social no atendimento psico-sócioeducativo do idoso

 

Social perception and its influence on psychoeducatlonal programs for the elderly

 

 

Maria Helena NovaesI; Aline Schiper; Ana Paula CoutinhoII; Ana Paula SchiperII; Tatiana MeirellesII

I Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro
II
PIBIC

 

 


RESUMO

A pesquisa sobre a influência da representação social do idoso teve por objetivo analisar tal construto em grupos de idosos, institucionalizados ou não, de 60 a 90 anos, de vários níveis socioeconômicos. Três dimensões foram estudadas: a da sua influência nas modalidades de atendimento; nas atitudes dos profissionais que lidam com eles; e nos comportamentos interativos dos e com os idosos. Essa análise foi baseada nos elementos constitutivos do núcleo central desse construto que foram isolados, a fim de permitir o planejamento de uma intevenção de cunho preventivo e uma orientação mais adequada dos programas sócioeducativos.

Palavras-chave: 3ª idade, Representação social, Atendimento a idosos.


ABSTRACT

The purpose of this study was to investigate social perception at the elder1y among groups aged 60-90, pertaining to various socioeconomics levels. Three dimensios were chose for study: types of programs offered, attitudes from the professional staft atending them and behaviors within and between the elder1y groups. Main constructs were analyzed from the responses obtained for preventive intervention and a more adequate orientation to socioeducational programs is discussed.

Keywords: 3th age, Social representation, Atenting aged.


 

 

Introdução

Cada um de nós avalia e percebe o processo do envelhecimento a seu modo, com base no que sucede consigo, evocando experiências passadas ou presentes com idosos, assim como expectativas face à velhice.

Por outro lado, a Terceira Idade aqui entendida, não como uma entidade isolada, mas sim através de pluralidade de inscrições sócioculturais, faz com que a representação social do idoso se diferencie nos diversos contextos em que está inseri da, estando sempre sujeita a variações e a interferência de estereótipos e preconceitos.

Estudos psicossociológicos comprovaram que o fato do idoso ser percebido como alguém não-produtivo, dependente, incapaz, um peso social, que necessita de muitos cuidados com a saúde, relaciona-se à idéia que as pessoas fazem da velhice, ligada à uma ameaça inevitável, a um processo gradual de diminuição de forças e capacidades, a uma etapa difícil da vida que traz alterações na qualidade da vida, provocando quebra no status econômico, social e profissional, depressão, isolamento e doenças.

As representações sociais do idoso, influenciadas pelas práticas institucionais circulantes num determinado contexto sócio-histórico, por sua vez, interferem nos comportamentos interativos dos idosos e daqueles que com eles convivem, nas modalidades do atendimento e na qualidade de suas vidas.

Analisar tais representações e procurar modificar atitudes a elas relacionadas levaria a uma nova concepção do idoso e a uma remodelação de seu atendimento, o que traria muitos benefícios para essa população no Brasil, ainda muito discriminada socialmente.

Com tal motivação pretende-se aqui apresentar experiências e investigações de campo realizadas pelo grupo de Estudos Psicológicos da Terceira Idade do Departamento de Psicologia da PUC-Rio, no período de 93/96.

Tais pesquisas foram realizadas por grupo de alunos de Graduação, Bolsistas de Iniciação Científica do Programa do CNPq (PIBIC) e constituiram programa de investigação sistemático, articulando teoria e prática com vistas ao aperfeiçoamento acadêmico e profissional universitário.

Além das pesquisas e estudos, realizaram-se dois eventos muito significativos; um Forum sobre a Integração Bio-Psicosocial do Idoso, de carater inter-universitário, no qual foram discutidos aspectos médicos sociais, psicológicos e educativos de programas de atendimento aos idosos (dezembro/94) tendo sido registradas e publicadas, em anais, as mesas-redondas e contribuições dos profissionais e dos idosos; um Encontro Intergeracional de um dia de duração, com 60 participantes de idades entre 7 a 85 anos, portanto cinco gerações, com atividades criativas de expressão corporal, música, barro coletivo, orquestra do papel, dramatização, tendo sido todo registrado em vídeo, obtendo-se resultados muito animadores e motivantes (dezembro/95).

 

Fundamentos teóricos e premissas básicas:

A representação social do idoso interfere na ideologia de seu atendimento, nas atitudes de profissionais e familiares que lidam com ele e nos comportamentos interativos.

Na pesquisa da representação social dois níveis de avaliação desempenham papel crucial: o indivídual e o sóciocultural. O primeiro, envolve conceitos que se referem a fenômenos de domínio subjetivo tais como: percepções, atitudes, ações e crenças; já o segundo, diz respeito ao que escapa ao controle dos indivíduos isolados e refere-se às instituições sociais e aos sistemas coletivos simbólicos.

A definição de representação social aqui adotada é a da Jodelet (1984): uma forma de conhecimento específico do saber comum e de pensamento social, cujos conteúdos manifestam a operação dos processos generativos e funcionais – implicam em modalidades de pensamentos práticos orientados para a comunicação, a compreensão e o domínio do meio ambiente.

O idoso foi considerado o indivíduo de mais de 60 anos, conforme a lei n° 4.882 de 04/01/94, que estabelece a Política Nacional do Idoso e cria o Conselho Nacional do Idoso; a Terceira Idade estaria ligada não só a uma realidade biológica, mas também a convenções sócioculturais marcadas por papeis sociais, valores e expectativas diferenciadas.

Partiu-se da premissa que explicar uma representação social significa determinar as condições sociais que a originaram e caracterizar o seu conceito multifacetado, ao ser interpretado como um processo social que envolve comunicação e discurso, ao longo do qual significados e objetos sociais são construídos.

Suas dimensões são: a atitude, a informação e o campo de representação própriamente dito, ou seja, a imagem formada sobre o objeto da representação.

Dois usos distintos são feitos: um que se refere ao sistema de conhecimentos de indivíduos, enquanto representativos de grupos específicos nesse caso a representação resultante será aquele prototípica, individualmente distribuída de elementos comuns. O outro uso refere-se aos atributos das unidades sociais, interessado que está no processo coletivo e no produto social do discurso e da comunicação.

O pesquisador dessa área está interessado em avaliar os elementos relevantes para um ou outro grupo social. As questões que potuam tais pesquisas são as seguintes: - como as pessoas idosas são percebidas pelos diferentes grupos etários e sociais? Como se percebem entre elas mesmas? Como os diversos contextos culturais representam seus atributos? O que leva a modificar tais representações? Quais ideologias estão ligadas a essas representações? Quais fatores reforçam estereotípos e preconceitos sociais desse grupo?

Segundo J.C. Abric, do Laboratório de Psicologia Social da Universidade de Aix-en- Provence, na França, a estrutura de uma representação social/tem por característica principal a de se organizar em torno de elementos de um núcleo central que irão dar á representação social sua coerência e significação global.

Um dos objetivos de nossas pesquisas foi o de investigar tais elementos, para não só compreender melhor o fenômeno da representação social, como analisar os comportamentos interativos que se dão em torno deles.

Estabelecer assim o perfil da distribuição desses elementos em grupos variados de idosos, ajudaria os profissionais a estabelecerem programas de apoio e de intervenção mais adequados e de cunho científico.

Por outro lado, convém lembrar que, além das necessidades e cuidados especiais que os idosos demandam, há necessidades psicológicas que devem ser consideradas, tais como: necessidade de novas experiências de vida, de reconhecimento e de status, de auto-respeito de ter oportunidades de dar e de receber e, sobretudo, a necessidade de afeto e de carinho.

Ganhos e perdas estão sempre presentes na vida dos idosos que têm a responsabilidade de construir sua trajetória vital e dar a ela um significado, não só pessoal como social e cultural.

 

Estudos e pesquisas – metodologia e resultados

Numa primeira etapa, após levantamento das modalidades de atendimento institucional dos idosos na cidade do Rio de Janeiro, foi elaborado questionário avaliativo a ser respondido por diretores e profissionais da área visando investigar como percebiam a pessoa idosa suas necessidades e tipos de atendimento dessa população, aqui considerada de 60 anos a 90 anos. Foram investigadas as modalidades desse atendimento em asílos para os de classes menos favoreci das, hospitais, casas geriátricas, clínicas especializadas e centros de atendimento-dia, num total de 12 instituições.

Ficou constatado que, independente da classe sócio-econômica do idoso e da sua faixa etária, a representação social que os dirigentes e profissionais tinham influenciava o modo de atendê-los, os cuidados que propiciavam, as expectativas de seus comportamentos e suas condutas interativas com os idosos.

Numa segunda etapa, com os dados coletados antecipadamente, foram escolhidas duas instituições que atendiam idosos de 60 a 85 anos de ambos os sexos e de níveis sócioeconômicos diferentes: uma casa residência e outra um Centro-dia, também localizadas na cidade do Rio de Janeiro.

Foi planejada uma pesquisa-ação de cunho participante com o objetivo de observar os comportamentos interativos dos idosos e dos profissionais que lidavam com eles, de verificar possíveis elementos impregnantes do núcleo central da representação social e planejar programa de interações.

Questionário avaliativo foi preparado, entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com os idosos e profissionais e foi feita adaptação de um teste projetivo de apercepção temática o "Bellack- Bellack" tendo-se selecionado algumas pranchas adequadas aos idosos.

A fim de controlar a validade do teste no sentido de averiguar os elementos do núcleo central da representação social foram testados dois grupos de idosos num total de 20 de ambos os sexos, de diferentes níveis socioeconômicos, registraram-se diferenças quanto ao nível de elaboração das estórias, riqueza de conteúdo, facilidade de verbalização, além da espontaneidade ideativa. Outro grupo de idosos não-institucionalizados também foi testado para controle (20).

Dos questionários aplicado aos idosos constavam os seguintes itens:

• Você se considera uma pessoa independente? Por quê?

• Na sua opinião, o que é uma pessoa produtiva?

• Você gosta de conviver com outras pessoas em grupo, participando de atividades comuns?

• Você se sente uma pessoa cooperativa? Em que circunstâncias?

• Como era a sua rotina de vida antes de vir para essa instituição? E agora?

• Em que situações você colabora mais apoiando seus companheiros?

• O que você prefere fazer - atividades em grupo ou individuais. Por quê?

• Qual a imagem que você faz de si mesmo?

• Você está satisfeito com sua vida atual? Por quê?

• Você tem motivação e planos para o futuro? Quais?

Nas entrevistas e questionários feitos com os profissionais e as instituições foram destacados os seguintes itens:

• Como a instituição percebe o idoso?

• Qual a rotina diária estabelecida para os idosos?

• Que tipos de atividades são oferecidas aos idosos?

• Qual a filosofia de atendimento da instituição?

• Quais as características de clientes idosos atendidos?

• Qual a equipe de profissionais existente?

• Como se dá a participação da família do idoso?

• Como o idoso percebe a instituição?

• De que modo é favorecida a socialização do idoso na instituição?

Através da análise dos resultados dos questionários, das entrevistas e do teste projetivo verificou-se que os seguintes elementos do núcleo central de representação social são relacionados aos comportamentos interativos dos idosos:

• o da cooperação (Co) que seria a atitude para prestar ajuda e apoio aos demais e ao grupo.

• o de auto-estima (A) ligado á valorização do idoso através de seu auto-conceito e auto-imagem nas diversas dimensões: corpo, sexo, afeto, socialização, cognição e demais;

• o de produtividade (P) relaciondo à capacidade de realização tanto de tarefas rotineiras, como daquelas mais elaboradas.

• o de independência (I) concernente á autonomia pessoal, iniciativa e capacidade de tomar decisões;

• o da convivência grupal (C) capacidade de estabelecer vínculos, de conviver em grupo, de participar e saber dividir o espaço social com os outros;

• e o de energia vital (E) ligado á capacidade de reagir física e emocionalmente aos estímulos ambientais com motivação para viver.

Intressante registrar que na prancha do teste projetivo relacionada a esse último componente, muitos idosos trouxeram estórias de depressão, de apatia e de doença.

Os resultados obtidos comprovoram a necessidade de ser analisada a representação social através dos elementos constitutivos do seu núcleo central a fim de estabelecer, os perfis individuais e de grupo para planejar uma correta intervenção que vise modificar atitudes negativas e destrutivas e favorecer aquelas positivas e construtivas.

A utilização de teste de personalidade projetivo mostrou-se procedente desde que sejam feitas as devidas adaptações para os idosos (forma de apresentação, adequação do conteúdo induzido pelas pranchas escolhidas).

Concomitante a essa etapa foi programado plano de ações sócioeducativas com atividades lúdico-criativas, de cunho socializante, que incentivassem e motivassem os idosos a participarem e contribuírem para uma mais ativa e produtiva convivência social. Nesse programa foram trabalhados os elementos de representação social selecionados, dando-se ênfase ao clima institucional favorável, à calibragem das exigências e expectativas, á qualidade da interação, à adaptação na instituição, família e sociedade e à participação grupal.

Do programa desenvolvido constava: contar estórias, falar de sua vida e lembranças, cantar, desenhar, jogar com exercícios de associação de formas e cores diversas, participar de atividades musicais, de mímica e de expressão corporal, além de organizar festa comemorativa do encerramento do programa com a participação e atuação de todos os idosos.

Em cada uma das instituições selecionadas os programas variaram de acordo com as motivações dos idosos, os limites institucionais e a disponibilidade de tempo e horários dos idosos e dos pesquisadores.

Dificuldades houveram, sem dúvida, relacionada à resistência por parte de alguns idosos, acomodados á rotina da casa, passivos e com atitudes de oposição; de modo geral, através das avaliações dos ganhos obtidos feitos com os pesquisadores, idosos e profissionais das instituições, verificaram-se mudanças nos comportamentos interativos, revertendo-se estereótipos e preconceitos sociais relativos aos idosos, maior nível de participação e de compromisso da instituição e, sobretudo, ênfase em atitudes de confiança, de respeito aos idosos e de valorização, respeitando assim sua identidade pessoal.

O fato de não se ter encontrado diferenças significativas de representação social entre os grupos pesquisados, remete para o fato de que a representação social tem uma estrutura consistente e seu núcleo central filtra diferenças de intensidade que aparecem no seus diversos elementos, permitindo que se entenda melhor as atitudes, crenças que a engendraram. Sua influência foi constatada nas atitudes formas de atendimento institucional, nas condutas dos profissionais e nos comportamentos interativos com idosos.

 

Considerações finais

Sem dúvida, é importante considerar o construto da representação social quando se trabalha com idosos, seja em atendimento individual ou grupal - Comprovou-se que isolar elementos constitutivos do seu núcleo central impregnantes em determinados grupos sócioculturais facilita o planejamento da intervenção sócioeducativa e da orientação psicológica podendo-se modificar atitudes que se estruturam negativamente, trazendo problemas não só para os idosos, como também para os profissionais e as instituições.

Desdobramentos desses estudos podem ser feitos, viabilizando outras investigações nessa área, uma vez que as representações sociais estão sempre presentes nas situações reais da vida, expressando tanto contradições como conflitos da sociedade em aceitá-los.

Por outro lado, o fato das representações sociais se manifestarem por palavras, sentimentos e condutas e se institucionalizaram, faz com que possam ser analisadas a partir da compreensão das estruturas e dos comportamentos sociais, sendo a linguagem, tomada como forma de conhecimento e de interação social, sua mediação privilegiada.

 

Referências

Abric, J.C. (org.) (1994). Pratiques Sociales e Represéntations. Paris: PUF.         [ Links ]

Guareschi, e Jouchelovitch (org.) (1994). Textos em Representação Social. Petrópolis, Vozes.         [ Links ]

Ibafiez, I. (1988). Representaciones Sociales: Teoria y Método - in: Ideologia de la vida cotidiano. Barcelona: Sendoi.         [ Links ]

Moscovici, S.A. (1978). Representação social da psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

Neri, A.I. (1991). Envelhecer num pais de jovens. Campinas: Unicamp.         [ Links ] Novaes, M.H. (1995). Psicologia da 3ª Idade: conquistas possíveis e rupturas necessárias. Rio: NAU. PUC-RJ. Fórum Integração Bio-Psicosocial do Idoso. Anais PUC-Rio/94.

Rieman, F. (1990). A arte de envelhecer. São Paulo: Veredas.

Vargas, H. (1983). Psicologia do envelhecimento. São Paulo: BYK, Procieus.

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