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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.1 n.1 Campinas  1996

 

História

 

Pioneiros da psicologia escolar MIRA Y LÓPEZ (1896-1996)

 

 

Samuel Pfromm Netto

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

 

A maioria dos psicólogos escolares talvez não se tenha dado conta de que existe uma tradição respeitável de literatura e atuação profissional de psicologia escolar no Brasil, desenvolvida ao longo deste século, que inclui não poucos precursores ilustres, ligados à área médica e às antigas escolas normais e faculdades de filosofia antes da criação dos atuais cursos superiores de psicologia.

Este é o ano do centenário de um precursor notável, o cubano de nascimento Emílio Mira y López. Nascido em Santiago de Cuba, ao tempo em que a ilha era colônia sob o domínio da Espanha, a 24 de outubro de 1896, e falecido no Rio de Janeiro a 16 de fevereiro de 1964, Mira y López viveu em dois países a maior parte da sua vida: primeiro na Espanha, entre 1919 e 1939, e depois no Brasil, entre 1945 e 1964. Estudou em Barcelona e doutorou-se em medicina em Madri, com uma tese sobre "correlações somáticas do trabalho mental", em 1923. Voltado inicialmente para a cardiologia, acabou por escolher como campos de atuação profissional a psicologia aplicada e a psiquiatria. Com apenas três anos de formado, assumiu em 1920 a chefia da seção de Psicologia do Instituto de Orientação Profissional de Barcelona, tido como o mais completo da Europa àquela época. Alguns anos depois, tomou-se diretor do Instituto de Psicologia de Barcelona e nesta mesma cidade conquistou por concurso a cátedra de Psiquiatria. Na década de trinta, surgiram seus primeiros livros: o Manual de Psicologia Jurídica (1932) e o Manual de Psiquiatria (1935), ambos editados posteriormente no Brasil com tradução em português, pelas editoras Agir (1947) e Científica (1944), respectivamente.

Por ocasião da guerra civil espanhola, Mira y López foi nomeado chefe dos serviços psiquiátricos do exército republicano e iniciou as investigações que resultaram na criação de seu famoso PMK (Psicodiagnóstico Miocinético).

Após a derrota republicana, teve início um período de peregrinação internacional para Mira y López: França, Inglaterra, Estados Unidos, Cuba, Argentina, Uruguai... Em 1945, a convite da Universidade de São Paulo e outras entidades (E.F. Sorocabana, SENAI, IDORT, Associação Paulista de Medicina etc) veio a São Paulo para proferir palestras sobre psicologia aplicada ao trabalho, métodos de pesquisa da personalidade (com ênfase no PMK) problemas de psicologia jurídica e emoções. Começava assim a fase brasileira de cerca de 20 anos de atuação extremamente fértil, brilhante e múltipla de Mira y López entre nós, só interrompida por sua morte em 1964. Durante esses anos tão fecundos e tão essenciais para a história de psicologia brasileira, Mira y López dirigiu o Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP) da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, desde 1947, e criou a revista Arquivos Brasileiro's de Psicotécnica (hoje Arquivos Brasileiros de Psicologia); tendo fundado juntamente com Lourenço Filho a Associação Brasileira de Psicologia Aplicada.

Tive o privilégio de ser aluno de Mira y López na ocasião dos cursos que ministrou em São Paulo em 1952, "Conhecimento do Educando" e "Psicologia Diferencial". Privilégio que evoco, grato e saudoso de testemunhar o brilho, a excepcional didática e o domínio exemplar dos conhecimentos psicológicos de então que Mira y López nos exibiu, em meio a um trato afável), cordialíssimo e sempre atento e participante em meio a perguntas e discussões dos futuros psicólogos e educadores.

Em meio à abundante obra de Mira y López, quatro títulos são de particular importância para a história da psicologia escolar: A criança que não aprende (El nino que no aprende, Kapelusz, 1947), Psicologia evolutiva da criança e do adolescente (1941), Manual de orientação profissional (1947) e como estudar e como aprender (1948). Sua fertilidade de autor e estudioso, no entanto, derramou-se em numerosas outras obras significativas, em diferentes domínios da psicologia, como, por exemplo, Psicologia experimental (1955), Roteiro de Saúde Mental (1956), A arte de envelhecer (talvez a primeira contribuição psicológica sobre a psicologia da terceira idade publicada no país e datada de 1961), As vocações e como descobri-Ias (1963), Psicologia Geral (1964), Escola de país (1964), Futebol e psicologia (1964) e obras hoje clássicas no âmbito psicoterapeutico: Manual de psiquiatria (1935), Psiquiatria básica (1948) e Avaliação crítica das doutrinas psicanalíticas (1964).

A presença de Mira y López na história da psicologia escolar brasileira e na nossa psicologia em geral dificilmente encontra paralelo em contribuições de outros nomes não menos notáveis, se considerarmos a vastidão incrível de um favor a jovem ciência e da sua relevância para a sociedade e a multiplicidade de atuação a que se consagrou ao longo de toda a vida. Eis, pois, um paradigma de competência e dedicação profissionais que a psicologia escolar só tem a ganhar, se pautar pelos exemplos magníficos que nos legou nesse sentido.

 

 

Para saber mais sobre Mira y López:
Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, 1964, ano 16, n° 2-3, dedicação à vida de Mira y López. Rosas, P. 1995. Mira y López: 30 anos depois. São Paulo: Vetor.

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