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Psicologia Escolar e Educacional

versión impresa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.1 n.2-3 Campinas  1997

 

HISTÓRIA

 

Entrevista com a Profª Maria Helena Novaes

 

 

Entrevistadora: Drª Geraldina Porto Witter

 

MARIA HELENA NOVAES é uma das pessoas que mais vem contribuindo, ao longo de sua vida, para várias áreas da Psicologia, notadamente a Psicologia Escolar, atuando, pesquisando e publicando sobre temas de grande relevância e atualidade.

Por meio desta entrevista, resgata-se um pouco da história de sua formação, atuação, opções profissionais, de sua trajetória profissional que marcou indelevelmente a história da Psicologia Escolar/Educacional no País.

Serão necessárias muitas entrevistas, pesquisas meticulosas para recuperar o que Maria Helena Novaes já fez pela Psicologia brasileira. A entrevista aqui apresentada talvez sirva de estímulo a que muitos lhe sigam as pegadas e para que alguém faça um amplo e profundo estudo de sua contribuição.

 

1. Quais variáveis influíram na sua opção pela Psicologia como área de atuação?

A opção pela Psicologia como área de atuação profissional resultou de uma rede de fatores, porém, o mais decisivo foi o de ter encontrado nessa ciência a possibilidade de melhor compreender o ser humano e assim poder ajudá-lo e orientá-lo de modo mais seguro e eficaz. Por outro lado, minha motivação pelas atividades criativas e culturais também levaram à necessidade do enfoque psicológico do processo criador. Na realidade, o primeiro contato com o estudo da Psicologia começou no curso de Didática, quando terminava o curso de Letras Neolatinas; daí em diante fui procurando sistematizar tais conhecimentos, uma vez que, ainda não havia naquela época curso específico para a formação de psicólogos. Minha mobilização inicial voltou-se para a psicologia evolutiva, ou seja, do "ser em desenvolvimento", pela psicologia do ajustamento, "do ser em adaptação" e pela psicologia social "do ser em contexto" diagnóstico, aconselhamento e pesquisa foram importantes para essa busca, pois estavam presentes em todas as áreas de atuação.

Naquele tempo, embora a psicologia começasse a ser muito requisitada, ainda eram poucos os centros especializados que em sua maioria trabalhavam com equipes multidisciplinares na área de diagnóstico, orientação e clínica, sendo a pesquisa de natureza mais aplicada, uma vez que, ainda não havia reforço de retroalimentação universitária.

 

2. Como foi sua formação profissional?

Minha formação profissional foi interessante pela série de oportunidades e circunstâncias que se foram apresentando no meu percurso de vida. Ingressei na universidade, muito cedo, aos 16 anos, beneficiada pela lei vigente de educação. Aos 19 anos já tinha feito o curso de Letras Neolatinas na Faculdade de Filosofia e Letras da Santa Úrsula e o Curso de Museus Histórico e Artístico motivada pelo meu interesse por línguas, literatura, história, artes, arqueologia e cultura.

Ao terminar, passei seis meses na Europa visitando centros de artes, museus, exposições da França, Itália, Espanha, Portugal e Suíça. Ao voltar fiz um curso de especialização em Terapia Ocupacional promovido pela Associação Brasileira de Educação, primeiro no Brasil, que me propiciou avançar nos estudos de biologia, psicologia e prática no campo da Reabilitação. Formada, estagiei em vários hospitais, do Rio e visitei centros de formação de técnicos em reabilitação dos EUA e Canadá.

Pelo fato do meu interesse por Psicologia continuar muito intenso, procurei o instituto de Seleção e Orientação (ISOP da FGV) dirigido então pelo prof. Emíllio Myra y Lopez, considerado conceituado Centro de Estudos, Pesquisas e Práticas no campo da Psicologia Aplicada. Admitida em 1952, depois do estágio probatório, trabalhei na área de diagnóstico, orientação escolar e profissional, fazendo várias pesquisas; assistindo inúmeros cursos, ali ministrados, de psicologia geral, de técnicas de exame psicológico, de psicologia evolutiva e diferencial, de psicoterapias, de estatística e de métodos de pesquisa.

Em 1956, tive bolsa de estudos do British Council para a Inglaterra a fim de estagiar no campo da Reabilitação Profissional para jovens e adultos em centros de reeducação e treinamento profissional. A finalidade era de aperfeiçoamento com vistas a integrar equipe pioneira fundadora da Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), de fato organizei e coordenei o Serviço de Psicologia, e dando aulas de Psicologia na Escola de Formação de Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais. Lá fiquei por mais de vinte anos.

Em 1959, obtive outra bolsa de estudos, da UNESCO, concedida através do MEC para aperfeiçoar meus conhecimentos em psicologia infantil e escolar, epistemologia genética. Na oportunidade tive o privilégio de ter professores da Universidade de Genebra e do Instituto Jean Jacques Rousseau participando das pesquisas de J. Piaget, de B. Inhelder de A. Rey, de R. Dottrens.

Em 1960, segui ainda com bolsa de estudos para Paris tendo estagiado na Universidade de Paris V com René e Bianka Zazzo e participado das pesquisas de Borel-Maisonny, Gretiout- Alphandery e Miallaret.

Visitei, tanto na Suíça como na França, Centros de reeducação de linguagem e psicomotricidade, escolas especiais, serviços médico-psicopedagógicos, clínicas psicológicas e demais recursos da comunidade no campo da educação formal, informal, regular ou especial.

Em 1967, quando trabalhava num projeto internacional da Fundação Ford na FGV que desenvolvia bateria de testes, de Desenvolvimento Educacional construída e padronizada no Brasil, obtive bolsa de viagem dessa Fundação para os EUA com o objetivo de fazer estágio no Educational Testing Service de Princeton e entrar em contato com diversas universidades (Chicago, Princeton, S. Francisco, Berkeley, New York), além de centros de pesquisas e testes psicológicos. Na oportunidade foram feitos contatos muito proveitosos com D. Super, E. Hagen, A. Anastasi, F. McKinnon, Cronbach, R. Ebel, C. Rogers que forneceram subsídios importantes para o projeto, tendo alguns deles vindo ao Brasil para dar cursos, convidados pelo projeto. Introduzi a cadeira de Psicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem no currículo do curso de Psicologia da PUC, estimulada pelo então diretor do Departamento Padre Benko e resolvi fazer o concurso para doutorado em Psicologia defendendo tese sobre "A influência da organização percepto-motora na aprendizagem escolar" orientada pelo prof. Aroldo Rodrigues, tendo sido defendida e aprovada por unanimidade em dezembro de 1968.

Em 1974, fiz concurso na UFRJ para Livre Docência, já era na ocasião professora dessa instituição, tendo defendido tese sobre "Modalidades adaptativas dos comportamentos escolares", fui aprovada por unanimidade.

Em 1978, tive bolsa de estudos do CNPq para fazer cursos e estágios de pós-doutoramento na Suíça no Centro de Epistemologia Genética com J. Piaget e sua equipe e no Laboratório de Psicobiologia Infantil com R. Zazzo na Universidade de Paris V que contribuíram muito para uma renovação e reciclagem profissional. Ao trabalhar no Centro Nacional de Educação Especial do MEC tive a oportunidade de programar e coordenar os programas para crianças superdotadas no Brasil, tendo sido eleita Presidente da Associação Brasileira para Superdotados por um período de quatro anos, mantendo contatos com especialistas da área (Sisk, Gallagher, Rendzull, Taylor, Landau) e participado de vários seminários e congressos internacionais e nacionais que contribuíram para minha especialização nessa área. Nesse campo já tinha tido experiência da Escolinha de Arte, dirigida por Augusto Rodrigues, da qual fazia parte como membro de consultoria técnica e dava cursos de Psicologia da Criatividade.

Minha formação foi muito enriquecida com a participação em congressos, jornadas, encontros que me estimularam, apresentando trabalhos e discutindo temas relacionados aos meus interesses profissionais.

 

3. Por que optou por Psicologia Escolar/Educacional?

Foi uma opção consciente, pois sempre fui atraída pela psicologia escolar, pela área da educação, do ensino-aprendizagem, da instituição-escola, das relações professor-aluno, da transmissão de conhecimentos, do desenvolvimento psicológico, da criatividade e da orientação psicológica de crianças, adolescentes e adultos.

Convidada a integrar a equipe do então Gabinete de Psicologia da Escola de Guatemala - escola experimental do INEPIMEC, em 1957, dediquei-me à pesquisa e ao diagnóstico psicológico, à orientação de professores e à supervisão de estagiários de psicologia, trabalhando numa equipe multidisciplinar, coordenada por Therezinha Uns Albuquerque. A partir daí a minha contribuição foi intensa tenso implantado a disciplina "Psicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem" na PUC - Rio e na UFRJ, colaborando com várias universidades, assessorando projetos e prestando consultoria a diversas escolas. Fui designada pelo Presidente da Associação Brasileira de Psicologia para coordenar a Comissão de Psicologia Escolar, divulgando estudos e pesquisas e organizando eventos. Participei da Comissão que regulamentou a Lei da Profissão do Psicólogo 4.119, defendendo a especificidade das contribuições do Escolar, a importância de seu trabalho de natureza preventiva.

A experiência que tive também no Centro de Orientação Juvenil M.S., a partir de 1968, serviu para aprofundar técnicas de diagnóstico psicológico de adolescentes com problemas da adaptação escolar e aprendizagem e realizar pesquisas com a bateria que havia desenvolvido de organização percepto-motora com crianças disrítmicas, hipercinéticas, com desvios neurológicos iniciadas pelo Instituto Fernandes Figueira do Ministério da Saúde.

Em 1970, meu livro "Psicologia Escolar!", na 10ª edição, pela Vozes trazia as minhas experiências e pesquisas, além de subsídios considerados relevantes e que serviam de base para vários cursos universitários nesse campo. Daí em diante, publiquei os livros: "Adaptação escolar; Psicologia do ensino-aprendizagem; Psicologia da criatividade; Psicologia pedagógica; Psicologia aplicada à reabilitação; Psicologia de educação e prática profissional; Desenvolvimento psicológico do superdotado e, recentemente, Psicologia para criança entender e Psicologia da 3ª idade", além de inúmeros artigos em revistas nacionais e internacionais, tendo organizado a coletânea Testes e medidas e Educação Especial: atuais desafios. Os eventos científicos e congressos dos quais compareci no Brasil e no exterior enriqueceram muito meus trabalhos profissionais. Nessa revisão percebo que essa opção foi acertada e coerente com meus interesses e motivações profissionais.

 

4. Se pudesse refazer a trajetória de sua vida profissional, escolheria outra área da Psicologia para atuar? Por que?

Acho que o importante é encontrar o "fio da lógica" na trajetória vital e profissional - que sempre procurei para dar significado às atividades às quais me dediquei - daí surgiu meu prazer em trabalhar e em colaborar com os outros, sobretudo na transmissão de conhecimentos, na formação dos recursos humanos e no avanço científico. Do mesmo modo como as circunstâncias me ajudaram, também acho que ajudei as circunstâncias, pois entendi que é nesse intercâmbio que um profissional se constrói. Aproveitando os espaços profissionais, as experiências, o diálogo com os outros profissionais, abrindo alternativas e opções de atuação nessa constante interação, descobrindo modalidades de ação, testando metodologias, articulando prática e teoria, estimulando potencialidades. Resumi essa minha concepção num trecho do meu livro "Adaptação escolar", 1975, p.11. "Só ajuda alguém a crescer aquele que está aberto para aprender; e só educa verdadeiramente quem vê diante de si uma trajetória de realizações criativas, buscando sempre se renovar, demonstrando o seu profundo respeito pelo outro e pela própria vida".

Nesse sentido não faria grandes modificações, mas manteria a mesma filosofia de trabalho e aceitaria novos desafios, aproveitaria minhas experiências aprofundando os meus conhecimentos na direção da transdisciplinaridade, porque cada vez mais novas alianças no campo das ciências se impõem, devido à complexidade dos fenômenos socioculturais e à pluridimensão do ser humano numa visão de mundo futuro.

 

5. O que considera mais marcante no estágio atual da Psicologia Escolar no Brasil?

A busca de alternativas mais seguras e eficazes de ação do psicólogo escolar num mundo finissecular e numa sociedade em constantes transformações, parece-me ser a grande preocupação desse profissional, bem como uma mais efetiva articulação entre teoria e prática, não só profissional, mas também com as práticas institucionais, sociais e culturais.

Acompanhar os movimentos inovadores da própria educação em todas suas modalidades formais, informais, permanentes, regulares, sistemáticas e níveis de escolaridade é fundamental, a fim de poder exercer suas funções compreendendo melhor os fatos e fenômenos que ocorrem no processo educativo atual em todas as etapas evolutivas.

Por outro lado, a renovação dos currículos universitários e a intensidade da pesquisa, procurando dar a esse profissional, uma sólida formação, não só no campo da psicologia mas também cultural, numa visão interdisciplinar é muito louvável a fim de garantir sua mais consistente formação, estabelecendo novas alianças para enriquecer sua atuação.

 

6. Em sua opinião qual será o futuro da Psicologia Escolar?

O futuro da Psicologia Escolar caminha ao lado das perspectivas da própria Psicologia e das ciências de modo geral, uma vez que percebemos no momento atual a erosão da legitimidade do saber e a crise dos paradigmas científicos. A psicologia escolar terá futuro na medida em que traça contribuições substantivas à educação, também em crise, às instituições educacionais e à sociedade. Entretanto, é preciso que os atuais profissionais produzam conhecimentos, pesquisas e estudos importantes, divulguem suas experiências trocando idéias com outras áreas e demais profissionais a fim de constituírem numa classe profissional coesa e expressiva com chance de se afirmar agora e no futuro, de forma inovadora e criativa.

O psicólogo escolar precisa compreender que é improvável obter-se um sistema educacional mais desenvolvido do que aquele do contexto social em que funciona e que as escolas são instituições que reproduzem as relações de produção da mesma forma que promovem a mobilidade social. Daí sua crescente responsabilidade profissional, compreendendo que o viver com qualidade depende de como viver intersubjetivamente e das práticas da convivência social e das aprendizagens.

Para finalizar, quero agradecer a professora Geraldina P. Witter e à revista Psicologia Escolar e Educacional a oportunidade de refletir sobre minha trajetória profissional na Psicologia Escolar, esperando que minha experiência possa servir de reflexão e crítica dos futuros e atuais colegas nesse campo, para juntos construirmos uma sociedade mais justa, solidária e humana.

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