SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.2 número2Clube do livro, alfabetização e comunicaçãoSetor de Psicologia Escolar da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP: primórdios e funcionamento até 1994 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.2 n.2 Campinas  1998

 

HISTÓRIA

 

Entrevista com a Profª Drª Therezinha Lins de Albuquerque

 

 

Entrevistadora: Vera Lúcia Trindade Gomes

 

A ação do psicólogo na escola no Rio de Janeiro tem em Therezinha Lins de Albuquerque uma de suas pioneiras com o trabalho desenvolvido na Escola Guatemala entre 1955 e 1967.

O referido trabalho, "abordando com profundo respeito a pessoa humana e sua capacidade de crescimento, levou a atitude de reflexão às equipes escolares sobre seus próprios limites e potencial idades, tanto pessoais como profissionais e procurou remeter tal amadurecimento para as suas conseqüências no processo educativo"(Novaes,1986).

Partindo do pressuposto de que o relacionamento professor-aluno é o instrumento propulsor para o processo ensino-aprendizagem, a preocupação com o desempenho e adaptação escolares, deu início à história da ação do psicólogo na escola no Rio de Janeiro com o trabalho desenvolvido na Escola Guatemala, uma escola pública do então Distrito Federal.

A referida escola foi selecionada para um projeto experimental de escola-modelo promovido pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos ( INEP ) do Ministério da Educação e Cultura dirigido na época pelo Dr. Anisio Teixeira.

 

1. Profª Therezinha, como foi sua formação profissional?

Fui da primeira turma de Pedagogia da Faculdade de Filosofia de Recife, que atualmente é da Universidade Federal de Pernambuco.

Escolhi Pedagogia exatamente porque eu queria estudar Filosofia e como tinha o curso pedagógico não podia cursar Filosofia nem Matemática.

Tive a felicidade de ser a mais nova da turma e conviver com todo o pessoal de grande valor da área da Educação de Recife como Noêmia Varela, Raquel Castro, Maria José Baltar e Anita Paes Barreto. Eram pioneiras da Educação moderna em Recife. Para dar um exemplo, Anita Paes Barreto trabalhou com o Dr. Ulysses Pernambucano no estudo de testes na então liga de a Higiene Mental, aplicando testes, padronizando, sendo Anita a diretora da Escola Ulysses Pernambucano para excepcionais. Dr. Ulysses Pernambucano foi o pioneiro da Psiquiatria Social no Brasil sendo estudado e citado em pesquisas pelos seus seguidores. Lembro-me de Luiz Cerque ira em trabalho recente.

D. Luiz Mosinho, professor de Metafísica e Pe. Daniel Lima, professor de Filosofia da Educação, A eles devo a visão global do Homem nas suas potencial idades do ser enquanto ser.

 

2. Como foi o início de seu trabalho em Psicologia?

Cheguei ao Rio de Janeiro acompanhando minha família. Meu pai foi eleito Deputado Federal em 1946 fazendo parte da constituição. Na sua primeira legislatura a família não o acompanhou mas na segunda ficou claro que a mudança se fazia necessário. Na época eu já havia concluído o meu curso na faculdade.

A Profª Noêmia Varela passou pelo Rio de Janeiro vinda de um congresso no Uruguay. Tivemos um encontro, fruto de um seu telefonema. Indagada por ela sobre o que pretendia fazer, traçando o meu perfil na sua elaboração de colega e educadora. Imediatamente respondi que gostaria de trabalhar em Psicologia pois acho que a Educação precisava ser dinamizada. Então eu fui encaminhada para a Df' Elisa Veloso pois ela dirigia um Centro de Orientação Juvenil ( COJ ), do Ministério da Saúde, dentro do Departamento Nacional da Criança, Divisão de Pessoal Social (DPS). Aqui começa toda a minha formação na ciência da Psicologia. Encantei-me pois tinha encontrado o que buscava. Fui aceita como estagiária.

No COJ tive contato com toda uma equipe pioneira que realizava um trabalho dinâmico. Assistentes Sociais, Médicos e Psicólogos atendiam famílias, aplicavam testes e estudavam os casos para deliberarem qual seria a melhor atitude a tomar assim como a melhor orientação a dar.

Para fazer parte da equipe do COJ era necessário que fosse feito um treinamento onde todos os técnicos eram submetidos aos testes utilizados na instituição, aprendiam a corrigi-los e era supervisionada pela própria Drª Elisa Veloso. Foi a minha primeira supervisora.

Corria a ano de 1952 quando fui convidada para trabalhar no COJ pois a instituição dependia do trabalho de estagiários e a finalidade maior era formar pessoal para todo o Brasil.

Foi a primeira clínica da América Latina fundada a 11 de outubro de 1946. O objetivo da orientação vital era a relação mãe-filho. Segundo o Psiquiatra Prof° Leme Lopes, a saúde era uma conseqüência pois este tipo de trabalho estava baseado nas relações reais de vida.

 

3. O que a levou a atuar em Psicologia Escolar?

Foram circunstâncias puramente administrativas pois o trabalho em Psicologia Clínica respondia ao que eu procurava.

Minha situação funcional ficou ligada ao Ministério de Educação e Cultura ( MEC ) na categoria de Técnica de Educação lotada no INEP.

Fui solicitada na época, 1952, pela Drª Elisa Veloso para ficar alocada no COJ mas isto não foi possível pois meu trabalho era necessário na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que acabava de ser fundada. Desta forma, fiquei trabalhando na CAPES e estagiando no COJ.

Apesar de ter tido oportunidade pelo MEC de uma bolsa de estudos fora do país, não aceitei pois a demanda de trabalho no COJ era grande e representava um desafio para mim. Constava da orientação a famílias e adolescentes e também havia o encaminhamento de crianças do Serviço de Assistência ao Menor (SAM) para testagem e seleção para o internato e orientação escolar.

Após algumas reformas administrativas minhas atividades ficaram divididas entre o COJ e o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos.

Neste projeto, o INEP fornecia os técnicos e o Distrito Federal cedia a escola e os professores.

Em 1955, o Brasil vivia uma reforma administrativa, pedindo aos técnicos da sua lotação que voltassem ao local de origem. E o meu era o INEP, conforme já falei.

Fui acompanhada de D. Elisa e, Dr. Anisio ao tomar conhecimento das minhas atividades no COJ exclamou :"Como posso ceder a Senhora a outra instituição quando estamos precisando de uma técnica com a sua formação para dirigir o Gabinete de Psicologia da Escola Guatemala! Chamou a responsável pelo projeto técnico a seu gabinete, Lúcia Pinheiro, e a partir daquele momento a Escola Guatemala passou a ser o grande desafio na minha vida profissional.

 

4. Professora Therezinha, como foi sua trajetória na área da Psicologia Escolar?

Ao chegar à Escola Guatemala encontrei a Dfª Ofélia Boisson Cardoso e a Dfª Nice Bessa realizando trabalhos de aplicação de testes para todos os alunos e de aulas de Psicologia para os professores dadas por Dra. Ofélia.

Percebi que a equipe de Psicologia era procurada pelos educadores com a expectativa de respostas e soluções prontas para suas dificuldades.

Na tentativa de traçar um plano de trabalho fiz contato com uma assistente social americana de um Centro de Psicologia Educacional em Washington que, apesar de muito enriquecedor teoricamente não foi de utilidade prática naquele momento. Tomei então a decisão de começar por ouvir as professoras e conhecer a comunidade e o ambiente de trabalho.

As questões mais comuns feitas pelas professoras eram sobre os resultados dos testes aplicados aos alunos, principalmente os QIs alcançados e sobre que atitudes tomar com os "casosproblema".

Minha maior preocupação foi com a maneira que eu utilizaria para dar informações com o objetivo de conscientizar as professoras de que o material que elas traziam para consulta deveriam ser transformados em soluções de aprendizagem ou de mudança de comportamento por meio de reflexões com elas localizando-as na relação com os alunos.

Era importante que a valorização dada às respostas prontas fosse minimizada na simples declaração.

O próximo passo foi freqüentar os grupos de reunião pedagógica para ouvir as professoras e entender mais sobre métodos e processos pedagógicos vividos na escola.

Era uma ação muito mais de ouvir do que de falar. Era necessário que eu pudesse entender o que estava acontecendo.

Uma declaração muito importante, apesar de sua simplicidade, feita pela assistente social americana deixou profundas marcas na minha orientação de trabalho. Ela disse que quando uma família coloca seu filho na escola ela quer que ele aprenda; não quer que ele seja tratado.

A esta época Dfª Ofélia Boisson pediu-me os resultados dos testes que eram regularmente aplicados às crianças para informar às professoras. Respondi que não faria isto pois não considerava necessário repassar o que havia sido dito com outro objetivo. Outro temor meu era sobre o uso que seria dado a estas informações.

A partir daí, resolvi fazer resumos de todos os alunos para que as professoras pudessem tomar posse de dados realmente úteis, para melhor orientação pedagógico educacional de suas turmas.

Com a rotina de trabalho do psicólogo na escola já estabelecida, haviam horários determinados para os contatos com professores e orientadores entre o final do almoço e o início do período da tarde, conseguindo reunir a equipe entre os dois turnos.

Este momento também marcou a chegada para integrar a equipe do "Projeto Escola Guatemala" a Professora Maria Helena Novaes, também pioneira nos trabalhos em Psicologia Escolar no Rio de Janeiro.

A Escola Guatemala ficava no Bairro de Fátima, perto da zona boêmia da cidade. Inicialmente a população constava de imigrantes, famílias de classe média baixa em sua maioria ligadas ao comércio. Após uma intervenção policial na Lapa, bairro vizinho, prostitutas e pessoal ligado a atividades marginais foram expulsos e passaram a integrar também a população do Bairro de Fátima. Foi de grande importância esta constatação. Isto fez com que os professores ficassem muito confusos quanto a como proceder com turmas de alunos de procedência tão heterogênea.

O trabalho da Psicologia foi ficando também cada vez mais complexo, pois as atenções se dividiam entre o apoio psicopedagógico e a orientação a alguns casos particulares. Foi o momento da equipe refletir sobre as prioridades de trabalho, assim como sobre a responsabilidade da escola para com os alunos.

O fato de continuar em contato com o COJ através dos encontros de supervisão, possibilitou que os casos individuais estudados na escola passassem a ser encaminhados para atendimentos clínicos no COJ, quando possível.

Como fazia parte de um projeto experimental do MEC/INEP, a Escola Guatemala era equipada com recursos materiais e pessoais. Como estava localizada no Distrito Federal, era também local de referência e treinamento para todo o Brasil.

Foram montados instrumentos importantes como a bateria de testes para a 13 série da Prof' Maria Helena Novaes, ficha de acompanhamento individual para alunos até a 53 série e a bateria de orientação profissional de Regina Leme Lopes com o objetivo de ajudar os alunos na transição do primário para o ginásio.

A Escola Guatemala com a ação já sedimentada passou a ser campo de estágio para os estudantes de Psicologia do primeiro curso aberto na área pela PUC, onde eu também atuava como professora.

A evolução do trabalho sistemático de Psicologia com professores, criou novas estratégias de ação. As professoras discutiam e decidiam sobre suas atividades.

Um aspecto comum à maioria participante da referida estratégia, foi a constatação das dificuldades que as professoras tinham para com a leitura. Isto levou à inclusão de textos nos centros de estudos, apresentados por elas.

Uma das ações também inseridas pelo grupo na rotina escolar, foram as atividades de artes que faziam parte do programa da escola. Ajudou a diminuir os índices de agressividade existentes entre os alunos, através de outras expressões.

Questões de trabalho fizeram com que num determinado momento eu não continuasse como professora da PUC e voltasse ao COJ.

Em 1967 D. Elisa se aposentava e me indicou para substituí-la na chefia do COJ. Relutei, ponderei, e resolvi.Viajei ao México, participando de um Congresso Inter-americano. Na volta, após três meses fora pois aproveitei para visitar alguns Serviços na América, a indicação havia sido feita e não era possível não aceitar.

Começa outra história que fica para outra oportunidade falar. A complexidade administrativa dos Serviços de Psicologia nos seus quadros.

Por esta experiência o COJ foi a instituição pioneira em Psicologia no R.J. Sendo chamada e assumindo papéis diversos nos cursos de formação criados - como professores, supervisores nos campos de estágio.

Foi interessante, pois os alunos de Psicologia e psicólogos que trabalhavam em escolas públicas passaram a me procurar, para que eu desse supervisão. Desta forma, meu contato com a Psicologia praticada nas escolas da rede pública, exceto o "Projeto Guatemala", é claro, aconteceu por meios pessoais e institucionais quando os levei para dentro do COJ.

Neste momento ficou muito clara a impossibilidade de separar na escola Psicologia e Educação.

O maior problema após todo o serviço da Escola Guatemala ter sido estruturado, foram as questões administrativas e políticas, pois para o Serviço Público funcionar, é necessário que exista pessoal estável e não somente profissionais "emprestados" de outros setores e estagiários. O pioneirismo apesar de importante é muito difícil quando não há uma equipe formada.

Após deixar o COJ, trabalhei no MEC, na Comissão Técnica de Educação e participei do Conselho Regional de Psicologia dentre outros trabalhos.

O aprendizado com a experiência da Escola Guatemala me trouxe a certeza de que o trabalho de apoio a crianças e adolescentes tem muito mais eficiência feito através de pais e professores e toda uma comunidade trabalhadora. O psicólogo é o elemento de ligação básica. Mas, para isso ele precisa conhecer, separar e utilizar mais os instrumentos diversos existentes nas identidades diferentes e complementares.

 

5. O que considera mais marcante na Psicologia Escolar hoje?

A escola hoje representa o mundo nas suas transformações vertiginosas, onde tempo e espaço se encontram e se chocam.

O grande desafio é saber como integrar os princípios à prática e a prática ao processo de desenvolvimento.

Considero, colocando meu olhar à distância a necessidade da Psicologia, coerente com sua evolução histórica, estar presente nos relacionamentos básicos da vida.

No caso específico da Psicologia Escolar, as questões "o que é educar", "quem educa" e "como interagir com os múltiplos elementos de comunicação atual" têm enorme importância já que se faz necessário criar espaços onde se possa separar o excesso de informação e o exercício da reflexão.

A instituição entrou em crise e as relações do dia-a-dia ficaram mais complexas.

Como será a pessoa do psicólogo escolar trabalhando no meio de um mundo de incertezas?

É tarefa gigante e desafiadora.

Não é apenas o psicólogo escolar que vive este desafio.

O compromisso da Psicologia Escolar atual não é apenas com a escola, aprendizagem e conhecimento; é com a vida nas suas variadas faces.

Quando os teóricos da Psicologia e das Ciências Humanas explicam as mudanças, não podem esquecer de apontar direções para as saídas que privilegiem o respeito ao ser de cada um e a sua coerência no agir.

 

6. Como imagina o futuro da Psicologia Escolar no Brasil?

Creio que é difícil afirmar ou prever qualquer caminho da Psicologia Escolar no amanhã pois o futuro não é abstrato, nem muito menos geração espontânea na ação educativa. Principalmente no próximo milênio, onde as civilizações e a história estão a apontar e cobrar o que ficou de valores do processo educativo de antes.

Os princípios e as práticas nem sempre têm sua sincronicidade na comunidade escola e fora dela.

Aqui o sentido da esperança tem o seu referencial, sobretudo quando o olhar histórico se faz necessário, revelando as suas pontencialidades múltiplas e sempre desafiadoras ao longo das civilizações no comportamento do homem.

Como ser uno e múltiplo no seu crescimento e amadurecimento pessoal?

Não ser "encantado" somente com o novo somente. Este será o fruto da "podação" do que foi e não é mais no aproveitamento do vir a ser, na procura de caminhos viáveis e vivos.

Portanto, o futuro do psicólogo escolar no Brasil será o que cada psicólogo nas suas potencialidades passarem a ser na mudança permanente do homem em crescimento, assumindo a responsabilidade pessoal no mundo globalizado.

 

Professora Therezinha Lins, a ABRAP EE agradece sua valiosa contribuição para os psicólogos escolares ou não de todo este Brasil.Pessoalmente também agradeço a carinhosa acolhida e a oportunidade de uma aula tão importante que foi fazer esta entrevista.

Creative Commons License