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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.5 n.2 Campinas dez. 2001

 

História

 

Homenagem a Maria Felismina de Rezende e Fuzari1

 

Geraldina Porto Witter

 

Em 10 de novembro de 1940, o mundo ganhou mais luz, pois no lar de Irineu de Rezende e de Pérola de Morais Rezende chegou uma filha. A récem-nascida trazia muitas esperanças, muitas alegrias e seria uma pessoa muito amada. Em um lar cheio de amor nasceu Maria Felismina de Rezende, em cujo nome, mais tarde, por um ato de amor foi acrescido e Fuzari ao casar-se com José Cerchi Fuzari. Então José e Maria formaram um par, integrado, vivenciando o mundo de forma que um complementava o outro, em uma melodia de harmonia e paz.

É por esta criança que se tornou fonte de carinho, de compreensão, de apoio e de amor para muitos que esta reunião está ocorrendo. É uma homenagem justa a uma mulher notável, a uma educadora que se tornou um modelo para novas gerações, a uma pesquisadora e orientadora dedicada, a uma figura bela e meiga que todos conheciam pelo apelido carinhoso como Mariazinha.

Relembrar alguns tópicos e passos de sua trajetória é uma forma de manter sua presença. Sua formação começou em uma escola então inovadora – a Escola de Aplicação ao Ar Livre em que cursou a pré-escola e o primário (1951); o ginásio cursou no Colégio Sagrado Coração de Jesus (1955) e seu dom para a educação a encaminhou para a Escola Normal do Sagrado Coração de Jesus (1956-1958). A arte e a educação, sempre presentes em sua vida, levaram-na a uma especialização no Método Lubienska-Montessori (Escola Nossa Senhoria de Sion – 1962) e a um Bacharelado e Licenciatura em Música (Piano), no Conservatório Musical da Faculdade de Música do Sagrado Coração de Jesus (1957-1967). Seu espírito inquieto e curioso por novos saberes a levou ao Bacharelado e Licenciatura em Pedagogia (1963-1966) na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento (PUC). Era pouco para ela, a arte pedia mais e buscou outro bacharelado (1971-1976), desta vez em Artes Plásticas – Comunicação Visual, que cursou na Faculdade de Artes Plásticas da Faculdade Armando Álvares Penteado.

A seguir, começou a sentir a necessidade de alçar vôo mais alto. Buscou a Especialização em Recursos Audiovisuais (1967) no Centro Regional de Pesquisas Educacionais (São Paulo). Depois foi para Paris e na École Normale Superieure de Saint Cloud fez uma especialização em técnicas modernas de educação (1973-1974).

Entre 1977 e 1982, cursou o mestrado em Psicologia Escolar, no Instituto de Psicologia da USP. Foi nesta época que a conheci, ainda no processo seletivo, depois como aluna. Ela escolheu-me como sua orientadora e tive a oportunidade de vê-la crescer enquanto escrevia sua dissertação – Pica-pau – programação televisiva infantil – espectador paulistano da pré-escola: práticas sociais de desinformação e deseducação em reciprocidade de efeitos. Trabalho que muitos conhecem pelo livro que dele se originou – O educador e o Desenho Animado que a criança vê, editado em 1985 pela Loyola, no qual com segurança, cientificidade e criticidade enfocou problemas ainda presentes e atuais envolvidos na relação criança-programação televisiva.

De 1983 a 1989, esteve envolvida com a obtenção do título de Doutora em Ciências (Psicologia) no IPUSP e continuei a ter o prazer de orientá-la, de vê-la se desenvolver, cuidadosa, meticulosa, crítica buscando a perfeição. Deste esforço surgiu sua tese de doutorado: Meios de Comunicação na Formação do Professor: televisão e vídeo em questão. Coroava seu desejo de contribuir para melhorar a educação por meio da formação de um professor mais crítico e preparado.

Ao mesmo tempo que cuidava de sua formação de forma contínua, Mariazinha iniciou-se na vida profissional como educadora competente e capaz de ensinar o aluno a amar o aprender. Nos primeiros tempos (1956- 1969) levou sua contribuição ao pré-primário, à educação fundamental e ao ensino médio. Teve uma experiência variada e rica. Depois, voltou-se para o ensino superior, espaço em que contribuiu de forma significativa tanto na graduação como na pós-graduação, tendo iniciado sua carreira, neste nível de ensino, em 1968 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae. Lecionou em várias escolas até sua atuação estabilizar-se na Faculdade de Educação da USP. Sempre voltada para os meios e recursos de ensino e seu impacto, o cuidado voltado para a formação do educador.

Sua atuação na pós-graduação na ECA – USP e na própria Faculdade de Educação da USP mantevese na mesma temática tendo início em cursos lato senso (1989) e posteriormente em stricto senso (1990).

Também contribuiu ao longo de sua carreira em cursos de extensão e de aperfeiçoamento, atualização e difusão cultural. Foram reflexos de sua preocupação de integração Universidade-Sociedade, de levar mais longe o saber gerado na Universidade.

Como pesquisadora, além da dissertação e da tese trabalhou em vários projetos sempre envolvendo ensinotecnologia, comunicação. Participou de projetos em equipes com financiamento ou sem financiamento, nacionais e internacionais, ao mesmo tempo que não se descuidou da pesquisa individual.

Como Orientadora auxiliou no desenvolvimento de pessoas que orientou em nível de iniciação, aperfeiçoamento, mestrado, doutorado e mesmo de pós-doutorado. Certamente, todos lhe são gratos pelo que puderam aprender com ela. Também colaborou com sua análise crítica na participação de muitas bancas como examinadora: 30 de qualificação para o Mestrado, 36 Mestrados, 18 de qualificação para o Doutorado, 26 Doutorados, além de outras (18).

Mariazinha com suavidade, elegância e encanto pronunciou 25 palestras nacionais, 21 internacionais. Mostrou-se competente na organização tanto de eventos nacionais (40) como internacionais (6). Integrou e cooperou com grupos de trabalho (17) e realizou assessorias diversas (16). Também fez parte do conselho editorial de várias coleções da Loyola e de periódicos da USP.

Na área da produção bibliográfica produziu três livros, seis capítulos em livros nacionais, um em livro estrangeiro, 13 artigos, 16 resumos nacionais e três internacionais, três resenhas e outras publicações. Além disso, fez produções artísticas e técnicas em vídeo, material didático e outras. Participou da diretoria de sociedade nacionais e estrangeiras.

Participou também de 82 eventos nacionais e 21 no exterior.

Desde 1995 começou um trabalho emitindo pareceres para a FAPESP.

Também colaborou assumindo cargos e funções administrativas e participando de comissões diversas.

Em sua vida recebeu diversas distinções e prêmios e sei que é provável que esteja recebendo esta homenagem como mais um reconhecimento pelo seu trabalho, pela pessoa cooperativa, amiga que sempre soube ser.

Tendo recordado alguns dados da formação e vida produtiva de Mariazinha como profissional não poderia omitir algumas breves considerações sobre ela do prisma mais próximo de nossas relações.

Conheci Mariazinha no processo de seleção para a pós-graduação e ela impressionava pela sólida formação, segurança, entusiasmo. Como aluna foi brilhante, dedicada, pontual. Como orientanda não poderia desejar alguém melhor, era independente, capaz, assídua, crítica, criativa, responsável. Nossas reuniões de orientação ocorriam em minha casa, local em que tínhamos mais liberdade e não havia interrupções, além de que não havia hora a ser respeitada. Ao longo das horas, motivados pelo texto, ou por nossas vivências profissionais, surgiam outros assuntos em nossas conversas sempre como trocas enriquecedoras. Foi muito bom ver aquele botão desabrochar em uma rosa-pesquisadora adulta, competente e voraz de saberes por conquistar. Foi um privilégio e continuei a desfrutá-lo seguindo de longe seu êxito profissional. Era com satisfação e orgulho que fazia este acompanhamento.

Um dia, após uma festa preparada com muito amor e carinho, uma festa de despedida não anunciada, Mariazinha partiu. A sensação de tristeza, de desamparo e até mesmo de desapontamento por um evento fora de hora, enlutou a todos que a conheciam. Mas Mariazinha continua viva em cada um de nós, continua viva em sua obra e assim continuará.

Mariazinha, obrigada por ter partilhado tanto com tantos. Obrigada por ter sido, por ser uma pessoa modelo. Obrigada.1 Pronunciamento feito em 10 de novembro de 2001 em homenagem a Maria Felismina de Rezende e Fuzari.

 

1Pronunciamento feito em 10 de novembro de 2001 em homenagem a Maria Felismina de Rezende e Fuzari.