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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.6 n.1 Campinas jun. 2002

 

ARTIGOS

Estudo para uma escala de ansiedade escolar para crianças

 

A study for a child scale of school anxiety

 

Sandra Maria da Silva Sales Oliveira1*; Fermino Fernandes Sisto2 **

* Universidade do Vale do Sapucaí

** Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 


 RESUMO

Este estudo teve como objetivo construir um instrumento para avaliação da ansiedade na escola. Foram sujeitos da pesquisa 221 estudantes, sendo 104 homens e 117 mulheres, com idades entre 9 e 12 anos, regularmente matriculados em terceiras e quartas séries do ensino fundamental. O instrumento foi composto por 53 frases em forma de escala e, em um primeiro estudo, a análise fatorial agrupou os itens em 18 fatores. Um segundo estudo, por meio de análise fatorial, corroborou a organização das subescalas em quatro fatores. Algumas frases, com saturação menor que 0,40, foram eliminadas e a escala final ficou composta por 38 frases. O fator 1 refere-se a medo genérico, o fator 2 refere-se à satisfação, o fator 3 refere-se à evitação e o fator 4 refere-se a situações avaliativas. Das quatro subescalas, a que apresentou menor precisão por alfa foi a do fator 2 com um coeficiente de 0,66, e a que apresentou maior precisão foi a do fator 1, com um coeficiente alfa de 0,87. A consistência interna da escala geral foi igual a 0,83, indicando um nível bastante bom.

Palavras-chave: Ansiedade, Avaliação, Ensino fundamental.


ABSTRACT

This study aimed to construct an instrument to evaluate the anxiety at school. 221 students were subjected to this research, 104 boys and 117 girls, aged between 9 and 12 years old, from the third and fourth grade of elementary school. The instrument was composed of 53 sentences in scale form and, in a previous study, factorial analysis put the items together in 18 factors. In a following study, factorial analysis corroborated the organization of sub-scales in four factors. Some items with saturation less than 0.40 were eliminated and the final scale was composed of 38 items. The factor 1 refers to generic fear, factor 2 refers to satisfaction, factor 3 refers to avoidance and factor 4 refers to evaluative situations related to fear. From the four sub-scale, the one which showed lower reliability was the factor 2 with an alpha coefficient of 0,66 and the one which presented higher reliability was the factor 1 with an alpha coefficient of 0,87. The internal consistence of the general scale was 0,83, indicating a very satisfactory level.

Keywords: Anxiety, Assessment, Elementary school


 

 

INTRODUÇÃO

 A sociedade exige cada vez mais que os indivíduos freqüentem a escola durante vários anos e que ali aprendam os conhecimentos que precisarão para sua vida. Na realidade, entretanto, a escola desempenha muitas outras funções, caracterizando-se como uma instituição complexa, embora possa parecer simples à primeira vista.

A educação escolar deve basear-se e contribuir para o desenvolvimento psicológico e social do aluno, tornando- o um indivíduo autônomo, crítico e capaz de relacionar-se positivamente com outros, cooperando com eles. Essa escola para a autonomia e cooperação estaria moldada em torno do desenvolvimento da criança. Entre desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento da afetividade existe uma estreita relação, de forma que cada patamar de equilíbrio atingido pelo sujeito representa um progresso nesses dois aspectos.

Na fase escolar existem situações causadoras de ansiedade para as crianças, principalmente as situações novas, inexistentes na vida familiar. Ao chegar à escola, a criança vai encontrar uma realidade diferente da sua, um mundo desconhecido e estranho, que muitas vezes a obriga a fazer silêncio, entrar na fila, ficar de castigo, escutar, calar, obedecer e encontrar pessoas que nunca viu. Diante do que encontra, a criança reage e pode sentir-se ansiosa. Mas, a ansiedade em escolares não ocorre apenas quando vão pela primeira vez às escolas, ela pode ocorrer em alunos veteranos, que em várias situações sentem-se impotentes para resolver conflitos. A falta de controle sobre os acontecimentos faz com que as crianças se sintam particularmente vulneráveis e, quando se acrescentam as imaturidades conceituais e percepções errôneas, fica mais fácil entender porque podem ser tão afetadas por circunstâncias fora do seu controle.

A ansiedade é o sentimento que acompanha um sentido geral de perigo, advertindo as pessoas de que há algo a ser temido no futuro. Refere-se a um sentimento de inquietação que pode traduzir-se em manifestações de ordem fisiológica (agitação, movimentos precipitados, hiperatividade) e de ordem cognitiva (atenção e vigilância redobrada a determinados aspectos do meio, pensamentos de possíveis desgraças, etc). Essas manifestações podem estar associadas a acontecimentos ou situações de natureza passageira (ansiedade estado) ou constituir uma maneira estável e permanente de reagir, provavelmente com base na própria constituição individual (ansiedade traço). Além disso, a sua intensidade pode variar de níveis imperceptíveis até níveis extremamente elevados, capazes de perturbar os indivíduos.

Até o advento de Freud e de outros psicólogos de importância, esse constructo situava-se dentro das preocupações da filosofia. Para Freud (1936), tem uma inegável relação com a expectativa, sendo a ansiedade por algo. Se o verdadeiro perigo é conhecido, temse a ansiedade realística; e a ansiedade neurótica refere-se a um perigo desconhecido, ainda a ser descoberto. De uma forma mais global, a ansiedade normal é aquela reação que não é desproporcional à ameaça objetiva, não envolve repressão ou outros mecanismos de conflito intrapsíquico, não requer mecanismos de defesa neurótica, e pode ser enfrentada construtivamente pela percepção consciente ou pode ser aliviada se a situação objetiva for alterada.

No entanto, Spielberger (1981) esclarece que é difícil determinar se uma reação de ansiedade é ou não neurótica ou mesmo proporcional ao perigo objetivo. Para tal distinção, deve ser feita uma cuidadosa avaliação quanto à proporção do perigo real associado ao tensor específico, e uma precisa medição da intensidade de reação resultante.

A criança tem bastante dificuldade de distinguir os limites da fantasia e da realidade, isto é, em diferenciar sua vida imaginária de sua vida real. O medo da criança é sempre vivido por ela como um medo real face aos perigos externos e, para controlá-lo, recorre a diversos mecanismos, encontrados em crianças “normais”: a negação pela fantasia, a negação por atos e palavras, e a retração do ego diante de um perigo externo.

Rosamilha (1971), ao fazer um breve histórico sobre o tema, aborda outros autores. Assim, Cannon (1932), ao desenvolver o conceito de homeostase, forneceu um significado biológico para o fenômeno, enquanto que psicanalistas como Horney (1961) desenvolveram suas teorias, colocando-a como o centro das neuroses. Outros, como Kelman (1959), de certa forma admitiram que a ansiedade é um tipo de atributo normal do ser humano, que pode ser observada quando certo nível de tensão ultrapassa um ponto médio. Já numa abordagem orgânica, como a de Goldstein (apud Portnoy, 1959), reconhece-se que ela pode ser produzida por vários eventos, porém, apresenta uma característica comum: há sempre uma discrepância entre as capacidades individuais e as exigências que o organismo tem de enfrentar, tornando impossível a auto-realização. Esses autores servem para ilustrar a quantidade de posições, idéias e ângulos sob os quais o problema vem sendo discutido.

Em meio às teorias de ansiedade, as existenciais mencionam que não existe um estímulo específico que identifique essa sensação. O conceito central da teoria existencial é o de que as pessoas tornam-se conscientes de um profundo vazio em suas vidas, e a ansiedade é uma resposta ao imenso vazio da existência (Kaplan & Sadock, 1993), implicando necessariamente a percepção de impotência.

As teorias comportamentais e psicanalíticas são as que abrangem de forma mais consistente o estudo da ansiedade. A concepção dos autores comportamentais sugere que é uma resposta condicionada a estímulos ambientais específicos (Kaplan & Sadock, 1993). Skinner (1938, apud Rosamilha,1971). Também concebe, como Freud, que o medo e a ansiedade constituem formas de defesa do organismo contra a ameaça do perigo. Mas, a diferença é que o medo se instala sempre que há uma ameaça concreta e a ansiedade é um estado emocional motivado por um estímulo ameaçador que está antecipado no futuro. É a idéia de “antecipação”, ou seja, de “respostas antecipadas” a eventos aprendidos como “traumáticos”, confirmando a significação etimológica de “pré-ocuparse” com alguma coisa.

Os estudos em que associam a ansiedade com outras variáveis são múltiplos e diversificados. Analisam a tensão emocional das crianças ao fazerem provas (Heettner & Wallace, 1967), estilo do professor (Nickel & Schluter, 1970), situação de teste (Sarason, 1972), ordem de nascimento, imaturidade e desenvolvimento de psicoses (Touliatos & Lindholm, 1980), a relação com julgamento moral (Biaggio, 1984), entre outros.

Nos estudos de ansiedade e aprendizagem, o traço de personalidade de crianças foi relacionado com nível sua realização escolar (Davidson, 1962). As crianças com um bom nível de desempenho foram mais controladas, mais cautelosas e confiantes, superando tarefas que requeriam memória, atenção e habilidades verbais. As crianças com baixo desempenho foram as que apresentaram um alto nível de ansiedade, falta de confiança em si mesmas e impulsividade. Um estudo com alunos com habilidade mental alta, média e baixa, relacionando ansiedade e desempenho escolar, foi apresentado por Forrai (1965). Os resultados demonstraram que as crianças com habilidade mental alta e baixa ansiedade e/ou com habilidade mental na média e alta ansiedade apresentavam alto desempenho escolar.

Mulroy (1968) sugeriu seu efeito prejudicial em todas as crianças testadas nas avaliações de leitura e aritmética. Também, pesquisando adolescentes, o Inventário de Personalidade de Eysenck e a Escala de Ansiedade Geral para crianças foram instrumentos utilizados na pesquisa de Cierkonski (1975). Os estudantes com alta ansiedade apresentaram baixo desempenho na escola, recordação pobre dos conteúdos, difícil percepção da tarefa e, ainda, foram os que tiveram mais conflitos com amigos e professores.

Estudantes em meio a uma excessiva ansiedade apresentaram um desempenho inferior ao esperado, principalmente quando esse desempenho englobou uma complexa aprendizagem (Proeger & Myrick, 1980). Também mencionaram sua relação com dependência, hostilidade e agressão, e com uma pobre relação com os professores. Por sua vez, estudando atitude em relação à matemática, Rosamilha (1981) demonstrou que um maior grau de ansiedade correspondeu a uma atitude negativa em relação à matemática.

Um alto grau de ansiedade, associado a um mau aproveitamento, em alunos dos vários níveis de ensino, por sua vez, foi explicitado por Spielberger (1981). Bryan (1985) encontrou que as crianças com problemas de aprendizagem mostraram-se mais ansiosas. Um modelo, resumindo os efeitos na aprendizagem, foi elaborado por Tobias (1985). O modelo assume que o estado de ansiedade tem somente um efeito indireto na aprendizagem, interferindo nos processos cognitivos que determinam o que as pessoas vão aprender.

O estudo realizado por Eysenck e Eysenck (1987) tratou do funcionamento de tarefas diferentes. Revisando mais de 20 estudos, o autor encontrou que a ansiedade teria um efeito mais adverso nas tarefas difíceis ou complicadas do que nas simples, pois sua realização levou mais tempo e conduziu a uma maior incidência de erros (Weiner & Schneider, 1971, apud Eysenck & Eysenck, 1987). Nas tarefas complexas, a resposta correta teria de ser discriminada de outras possíveis respostas incorretas e, nesse caso, um aumento na ansiedade poderia fazer com que o sujeito desse respostas incorretas, conduzindo ao decréscimo do rendimento. Tennyson e Wooly (1971, apud Eysenck, 1981) encontraram mais altos níveis de ansiedade relativos às tarefas complexas do que nas tarefas fáceis. E, em uma análise de Spielberger (1972), foi encontrado que a aprendizagem de tarefas difíceis aumentam o estado de ansiedade, principalmente nos estágios iniciais da aprendizagem.

Para Kaplan e Sadock (1993), crianças que apresentaram problemas no desenvolvimento da escrita tiveram como características recusa ou relutância a freqüentar a escola e fazer a lição de casa, e desinteresse geral pelo trabalho escolar. Normalmente, ficavam frustradas e irritadas, devido aos sentimentos de inadequação e fracasso em seus desempenhos acadêmicos. Quanto aos problemas emocionais,Yaegashi (1997) mencionou que na maioria dos estudos sobre os fatores emocionais e sua relação com o fracasso escolar constatou-se que os problemas emocionais puderam, de fato, influenciar o rendimento escolar, principalmente no início da escolarização, no aprendizado da escrita.

A questão que se coloca em todos esses estudos refere-se a saber se todos falam do mesmo constructo. Sabe-se que as escalas para avaliação de a intensidade de um determinado traço de personalidade, sintoma ou uma avaliação geral de determinada síndrome psicopatológica. Os transtornos de ansiedade são diagnósticos com expressão fenomenológica muito diversa entre si, como por exemplo, o transtorno de pânico e o transtorno de ansiedade generalizada. Cabe ao usuário conhecer as principais escalas, suas características e seus limites e selecionar aquelas que trarão maior possibilidade de responder as questões de cada caso.

As escalas mais utilizadas nos últimos anos podem ser agrupadas em três tipos. O primeiro engloba as Escalas de avaliação clínica, e entre elas destacamse Escala de Ansiedade de Hamilton (1959); Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica de Overall (1962); Escala de Ansiedade de Beck (1988); Escala Clínica de Ansiedade de Tyrer (1984). O segundo inclui as Escalas de auto-avaliação, dentre as quais podem ser citadas Inventário de Ansiedade traço-estado, IDATE, de Spielberger (1970); Escala de Ansiedade de Zung (1971); Escala de Ansiedade Manifesta de Taylor (1953); Subescala de Ansiedade do Symptom Checklist de Derogatis (1973); Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão de Zigmond & Snaith (1983). Finalmente, as Escalas infantis, destacando-se o Inventário de Ansiedade traço-estado, IDATE, traduzido e adaptado para o Brasil por Biaggio (1983); a Escala de Ansiedade Manifesta – forma infantil de Castaneda, McCandless e Palermo (1956), traduzida e adaptada por Almeida e Rosamilha para o Brasil (1966).

Essas escalas medem diferentes aspectos do constructo, observando-se que as de Hamilton, Zung e Beck têm definições semelhantes, com ênfase nos aspectos somáticos. O IDATE (Inventário de Ansiedade Traço-Estado) apresenta grande proporção de seus itens medindo aspectos que podem estar presentes em qualquer situação de estresse. A única escala que dá ênfase aos aspectos cognitivos da ansiedade é a subescala da Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica e os itens da Escala Clínica de Ansiedade distribuem- se de maneira uniforme nos aspectos cognitivos e emocionais.

Uma das dificuldades mais comumente encontradas na avaliação da ansiedade está na sua superposição com sintomas depressivos. Os pesquisadores têm dificuldade em separá-la da depressão e sugerem que os dois constructos podem ser componentes de um processo de estresse psicológico geral. Outra possibilidade é que essa superposição seja devida a limitações psicométricas das escalas utilizadas.

Dos testes estudados, percebe-se que os instrumentos de avaliação de ansiedade não foram construídos para a realidade brasileira; são testes traduzidos e adaptados para o Brasil, que não conservam as propriedades metrológicas da versão original. A utilização de um teste só adquire sentido e validade quando se refere a uma população determinada, num contexto determinado. A informação acerca do elevado coeficiente de precisão no teste original não pode dispensar a comprovação do grau de precisão do teste quando introduzido em um novo contexto (Sisto, Codenotti, Costa & Nascimento, 1976). Além disso, nenhum deles a avalia especificamente em situação escolar, deixando em aberto a necessidade de que outros instrumentos devem ser construídos.

A literatura indica que a ansiedade pode afetar a qualidade de vida dos estudantes, seja na área cognitiva, social, afetiva ou relacionada à saúde. Entretanto, aparentemente não há instrumentos que levem em consideração as características específicas do ambiente escolar para avaliá-la em pessoas em situação escolar e, pautados tanto na concepção de Freud (1936), de que se tem ansiedade por algo, quanto nos autores comportamentais, de que ela é uma resposta condicionada a estímulos ambientais específicos (Kaplan & Sadock, 1993), propôs-se este estudo para construir um instrumento que, de acordo com a realidade brasileira, a avaliasse em situações escolares.

 

MÉTODO

Sujeitos

Foram estudados 221 alunos regularmente matriculados nas terceiras e quartas séries do ensino fundamental, de escolas particulares de uma cidade do interior de Minas Gerais, com idades compreendidas entre 9 e 12 anos. Dessa população, 104 pertenciam ao sexo feminino e 117 ao sexo masculino. Quanto ao nível sócio econômico, houve diversidade em relação à cidade.

Instrumento

Elaboração

Para a construção dos itens do instrumento de avaliação da ansiedade na escola, primeiramente, trabalhou-se com frases que enfatizassem as definições encontradas no CID 10, no DSM IV e em bibliografias que expressassem seus comportamentos, comportamentos esses caracterizados no quadro 1 como: outros indicadores. As palavras chave usadas foram: tremores ou sensação de fraqueza, tensão ou dor muscular, inquietação, fadiga fácil, falta de ar ou sensação de fôlego curto, palpitações, sudorese (mãos frias e úmidas), boca seca, vertigens e tonturas, náuseas e diarréia, rubor ou calafrios, polaciúria, bolo na garganta, impaciência, resposta exagerada à surpresa, dificuldade de concentração ou memória prejudicada, dificuldade em conciliar e manter o sono, irritabilidade.

 

 

Houve preocupação em tornar as frases condizentes com o atributo, que expressassem uma única idéia, fossem curtas e com expressões simples e inequívocas. Preocupou-se também, ao construir as frases, com uma linguagem variada e em dosar termos favoráveis e desfavoráveis. Optou-se por trabalhar com frases que enfatizassem as situações com base nas quais os sujeitos deveriam se manifestar, indicando a intensidade de sua ocorrência (sempre, às vezes, nunca). Foram usados seis elementos (aspectos) escolares para fornecer uma certa diversidade de situações para manifestação dos sintomas: atividades escolares, colega, escola, nota, professor e sala de aula.

Dessa forma, construiu-se 65 frases, sendo que 23 se originaram do CID 10, 12 frases se originaram do DSM IV e 30 frases se originaram de bibliografias pertinentes à ansiedade (outros indicadores). Se classificadas pelos elementos escolares, 17 frases se referiam a atividades escolares, 7 frases a colegas, 9 frases a escola, 8 frases a nota, 12 frases a professor e, finalmente, 12 frases se referiam a sala de aula.

As 65 frases foram submetidas a uma análise de conteúdo (baseada nos sintomas) feita por dois juizes, que buscaram encontrar semelhanças entre as mesmas, excluindo-se doze delas. O questionário piloto ficou com 53 frases, seqüenciadas de forma aleatória. Procedimentos Após a aprovação pelos diretores das escolas e pais dos alunos quanto à aplicação do instrumento, foi agendada data e horário para a coleta de dados. A aplicação do instrumento foi realizada pela pesquisadora com a ajuda das professoras, coletivamente, nas salas de aula, em horário regular. Em cada classe, a escala foi distribuída aos alunos, e a pesquisadora e/ou a professora deram as instruções. Ao ler cada quesmestão, pesquisadora e/ou a professora deram tempo suficiente para que todos marcassem a resposta escolhida. As frases foram pontuadas, atribuindo-se dois pontos à resposta “sempre”, um ponto à resposta “às vezes” e zero a resposta “nunca”.

 

RESULTADOS

Foi feita uma análise fatorial por componentes principais nos dados, rotação varimax, eigenvalue mínimo igual 1, que forneceu 18 fatores. Dada a pouca concentração dos itens pelos fatores, ficou difícil interpretar cada um deles como núcleo de condutas. Considerou- se que esse primeiro resultado forneceu pouca possibilidade de explicação do fenômeno observado.

Para esses dados, calculou-se alguns coeficientes de fidedignidade. O coeficiente alfa resultou em 0,8360; pelo procedimento das duas metades, encontrou-se, pela técnica de Spearman-Brown, para metades iguais, o valor de 0,8098, e, pela técnica de Guttman, o valor de 0,8032. Esses valores podem ser considerados bons.

Em razão do elevado número de fatores e da dificuldade em interpretá-los, procedeu-se a uma primeira eliminação de frases, pelo critério de freqüência máxima de 85% de ocorrência resposta em uma alternativa de resposta em particular. Em seguida foi realizada uma outra análise fatorial por componentes principais, rotação varimax, impondoimpondose a configuração de 4 fatores. Com a aplicação desses critérios, e eliminando-se os itens com saturação inferior a 0,40, chegou-se a 40 frases, com 4 fatores bem discriminados. Os resultados encontram-se no quadro 1.

 

No geral, os quatro fatores explicam 37,930% da variância encontrada. Depois da matriz ter sido rotada, o fator 1 teve um eigenvalue igual a 5,701, explicando 15,002% da variância; o fator 2 teve um eigenvalue igual a 3,124, explicando 8,222% da variância; o fator 3 teve um eigenvalue igual a 2,920, explicando 7,685% da variância e, finalmente, o fator 4 teve um eigenvalue igual a 2,668, explicando 7,021% da variância.

Para interpretar cada fator, observou-se a possível nucleação das frases. Assim, o núcleo do fator 1, foi interpretado como medo genérico; o núcleo do fator 2, foi interpretado como de satisfação ou compensação da ansiedade; o núcleo do fator 3, foi interpretado como de evitação; e o núcleo do fator 4, foi interpretado como de situações avaliativas associadas ao medo.

Quanto à distribuição dos sintomas pelos fatores geradores de ansiedade, no fator 1, cujo núcleo é o medo genérico, as frases se distribuem nos sintomas do CID 10, do DSM IV e Outros sintomas. No fator 2, cujo núcleo relaciona-se a sua compensação, ou seja, indicam elementos ou capacidades para resistir à situação anxiógena, as frases se concentram no sintoma “preocupação” do CID 10 e no sintoma “sentir-se rejeitado” de Outros sintomas. O fator 3, que tem o núcleo baseado na evitação da ansiedade, possui três frases baseadas em outros sintomas, “medo de errar” e “fuga de situações difíceis” e possui ainda frases do fator 2, que aparecem como negativas e que também se baseiam em Outros sintomas. Finalmente, no fator 4, cujo núcleo é a ansiedade em situações avaliativas, encontra-se frases com sintomas do CID 10 e frases de Outros sintomas. Não há frases baseadas nos sintomas do DSM IV.

Ainda há que se analisar as frases que compuseram o instrumento final e os sintomas que as originaram. Em relação ao grupo Outros sintomas de ansiedade (encontrados em bibliografia pertinente), que fizeram parte do instrumento piloto e do instrumento final, no instrumento piloto há maior número de questões nos sintomas “fuga de situações difíceis” e “sentir-se rejeitado e assustado” e não há frases para o sintoma “bolo na garganta”.

 

Os sintomas descritos na CID 10 encontram-se presente em 17 frases do instrumento piloto, assim distribuído: 2 frases com o sintoma “nervosismo”, uma frase referente a “tremores”, uma frase com o sintoma “tensão muscular”, 2 frases com o sintoma “sudorese”, 3 frases com o sintoma “sensação de cabeça leve”, uma frase com o sintoma “palpitações”, uma frase com o sintoma “tontura”, 2 frases com o sintoma “desconforto epigástrico” e 4 frases com o sintoma “preocupação”. No instrumento final, 9 frases apresentam os sintomas da CID 10, assim distribuídas: uma frase com o sintoma “nervosismo”, uma frase com o sintoma “sudorese”, uma frase com o sintoma “palpitações”, uma frase com o sintoma “tontura”, 2 frases com o sintoma “desconforto epigástrico” e 3 frases com o sintoma “preocupação”. Percebe-se que tanto no instrumento piloto como no instrumento final as frases se distribuem em todos os sintomas, e que a maior concentração delas ocorre no sintoma “preocupação”.

Os sintomas descritos no DSM IV estão presentes em 10 frases do instrumento piloto, distribuídas da seguinte forma: uma frase com o sintoma “inquietação”, 3 frases com o sintoma “dificuldade em se concentrar”, 3 frases com o sintoma “sensação de branco na mente”, uma frase com o sintoma “tensão muscular”, uma frase com o sintoma “perturbação de sono” e uma frase com o sintoma “irritabilidade”. No instrumento final, observa- se 5 frases com os sintomas do DSM IV, assim distribuídas: uma frase com o sintoma “dificuldade em concentrar-se”, uma frase com o sintoma “sensação de branco na mente”, uma frase com o sintoma “tensão muscular”, uma frase com o sintoma “perturbação de sono” e uma frase com o sintoma “irritabilidade”.

As medidas de precisão foram calculadas para cada subescala e para o instrumento como um todo. Seus resultados estão no quadro 3.

As várias técnicas usadas forneceram resultados muito semelhantes, dentro das diferentes escalas, sendo que o alfa de Cronbach foi o que apresentou índices levemente maiores. Observa-se que os coeficientes de consistência interna (alfa) de três das subescalas estão abaixo do aceitável (a = 0,80), ainda que dois deles, fator 1 e escala geral, superaram 0,80.

As médias, medianas, moda, desvios padrão, para a população estudada são apresentadas no quadro 4.

 

Nos dois instrumentos, a distribuição de frase acontece em todos os sintomas, sendo que no instrumento piloto, há uma maior concentração nos sintomas “dificuldade em se concentrar” e “sensação de branco na mente”. No instrumento final, há distribuição de uma frase para cada sintoma, exceto no sintoma “inquietação”. Salienta-se ainda que o sintoma “tensão muscular” é comum a CID10 e ao DSM IV.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com os estudos dos autores revisitados no presente trabalho, ficou evidente a presença da ansiedade no contexto escolar. As pesquisas relacionam-na a inúmeras variáveis e, entre elas, pode-se citar algumas. Relacionaram- na com o desempenho (Davidson, 1962; Forrai, 1965; Teresita, 1970; Cierkonski, 1975; Proeger & Myrick, 1980; Bryan, 1985; Coes, 1991; Yaegashi, 1997); à sala de aula e atitudes de professores, (Kaplan, 1970; Nickel & Schluter, 1970); à realização de tarefas, (Spielberger, 1972; Eysenck, 1981; Eysenck & Eysenck, 1987); em relação à leitura escrita e aritmética (Mulroy, 1968; Rosamilha, 1971; Kaplan & Sadock, 1993).

Entretanto, a questão levantada foi que a ansiedade estudada não é específica ao ambiente ou situação escolar, motivando para a construção de um instrumento que a evidenciasse em situações escolares já que tanto Freud (1936), quanto autores comportamentais sugerem que ela refere-se a aspectos ambientais específicos (Kaplan & Sadock, 1993).

Para realizar o objetivo proposto inicialmente, construir uma escala de avaliação da ansiedade escolar para crianças, trabalhou-se com frases que expressassem a representação comportamental das definições encontradas no CID 10, no DSM IV e em bibliografias instrupertinentes. A escala foi testada em uma amostra de crianças das terceiras e quartas séries do ensino fundamental, que aparentemente não se mostraram ansiosas na coleta de dados, mas a análise dos dados possibilitou inferir que no geral mostraram sintomas de ansiedade. Apresentou boa qualidade psicométrica quanto à precisão, mas apontou para a necessidade de realizar outros estudos para a validação e aprofundamento de mais informações.

Considerando que a estrutura da escala consistia numa sintomatologia patológica indicada pelo DSM IV e pelo CID 10, pode-se levantar o questionamento da existência de um quadro de ansiedade patológica ou não. Pela literatura, o profissional que avalia um indivíduo poderá enquadrá-lo como portador de transtorno ansioso se ele apresentar seis sintomas dos dezoito citados a seguir: tremor ou sensação de fraqueza; tensão ou dor muscular; inquietação; fadiga fácil; falta de ar ou sensação de fôlego curto; palpitações; sudorese; boca seca; vertigens e tonturas; náusea e diarréia; rubor ou calafrios; polaciúria (aumento da freqüência de urinadas); bolo na garganta; impaciência; resposta exagerada à surpresa; dificuldade de concentração ou memória prejudicada; dificuldade em conciliar e manter o sono e irritabilidade. O DSM IV ainda enfatiza que o enfoque de ansiedade consiste na preocupação e a CID 10 salienta que uma personalidade ansiosa caracteriza-se pela apreensão, medo, inferioridade e insegurança. A configuração final da escala estudada mostra ênfase em frases com sintomas de preocupações e pressentimentos, desconforto epigástrico, falta de atitude, desânimo, nervosismo, sensação de branco na mente, sentir-se ameaçado, fuga de situações difíceis e sentir-se rejeitado e ameaçado. Assim, é possível retirar indicações de uma possível patologia de acordo com a CID 10 e o DSM IV, por meio do instrumento final.

Com base nesses sintomas, pode-se então pensar que se os professores conseguissem identificar os alunos ansiosos, provavelmente, medidas pedagógicas e profissionais poderiam ser tomadas. Primeiro, porque mudariam suas atitudes com tais alunos e, segundo, porque poderiam encaminhá-los para uma ajuda terapêutica.

Nesse contexto, a escala de ansiedade escolar permite estimá-la no aluno, e possibilita, ainda, apresentar uma série de pesquisas que poderão enriquecer o constructo ansiedade e aumentar os conhecimentos existentes a respeito das relações entre essa variável e outras, como aprendizagem, percepção, realização, enfermidades de natureza psicossomática.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
e–mail: smsso@uol.com.br

 

Recebido em: 17/05/02
Revisado em: 06/06//02
Aprovado em:24/06/02

 

1 Psicóloga, pedagoga, com especialização em psicopedagogia, Mestre em Psicologia pela USF e docente da Universidade do Vale do Sapucaí, em Pouso Alegre, Minas Gerais.
2 Pedagogo, doutor em Pedagogia pela Universidad Complutense de Madrid, e Livre-Docente em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é professor da Universidade São Francisco.