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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.6 n.2 Campinas dez. 2002

 

ARTIGOS

 

Aceitação e rejeição: percepção de escolares desatentos no ambiente escolar

 

Acceptance and rejection: perception of inattentive children within the school environment  

 

 

Josiane Maria de Freitas Tonelotto1

Pontifícia Universidade Católica - Campinas

 


RESUMO

O principal objetivo deste estudo foi identificar crianças desatentas no contexto de sala de aula e verificar como percebem e são percebidas por seus colegas nesse contexto. A amostra constituiu-se de 128 escolares provenientes de uma escola pública, com idade entre seis e nove anos. Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais com os sujeitos e com as professoras e foram tratados por meio das provas estatísticas que permitiram que se definissem dois grupos distintos, um em que os problemas de atenção foram identificados e outro em que isso não ocorreu. Observou-se presença de maior número de atitudes negativas em relação aos colegas e à escola no grupo de crianças com problemas de atenção; que também se caracterizou como o mais rejeitado e menos aceito pelos colegas de sala de aula, configurando seus componentes como menos populares. Esses resultados permitiram que fossem identificadas importantes variáveis interferentes no processo de aprendizagem de crianças desatentas, ampliando possibilidades de intervenção capazes de minimizar os problemas enfrentados no dia-a-dia da sala de aula.

Palavras-chave: Déficit de atenção, Aceitação, Rejeição.


ABSTRACT

The main objective of this study has been to identify inattentive children within the context of their classroom and to verify how they perceive and are perceived by their colleagues within this context. The sample consisted of six to nine-year old school children from a government school. Data were collected by means of individual interviews with the subjects and with their teachers and addressed with the aid of statistic proofs. These have0 allowed the definition of two different groups: one, in which problems with attention identified and the other, in which this did not happen. A great number of negative attitudes in relation to colleagues and the school noticed within the group of children with attention problems, who also characterized as the most rejected and least accepted by the classroom colleagues, who configured their components as less popular. These results have enabled the identification of important variables interfering with the learning process of inattentive children, broadening the possibilities of intervention capable of minimizing the problems faced in a classroom on a daily basis.

Keywords: Attention deficit, Acceptance, Rejection.


 

 

INTRODUÇÃO

Para a maior parte dos escolares enfrentar, sem problemas, o processo de aquisição da leitura, escrita e cálculo é tarefa bastante difícil. Coexistem, no período inicial da escolarização, um número considerável de fatores capazes de se constituírem como obstáculos interferentes nesse processo, sejam eles de ordem interna ou externa ao indivíduo. Esses fatores têm sido estudados por pesquisadores de diversas áreas e, especificamente, por educadores em busca de técnicas eficazes para a melhoria do ensino-aprendizagem.

O ambiente escolar em si, sobretudo no que diz respeito à sala de aula, é relativamente restrito e aprova um número limitado de comportamentos admissíveis que, por sua vez, não devem ser apenas bons, mas eficazes e que levem à obtenção de resultados acadêmicos satisfatórios. Assim, atender às exigências desse ambiente envolve ajustes referentes aos aspectos cognitivos, físicos, emocionais e sociais do desenvolvimento da criança (Lopes, 1998; Papalia & Olds, 2000).

Um dos fatores que apresentam grau considerável de interferência na aprendizagem é a qualidade do relacionamento que os escolares mantêm com seus pares. Trata-se de um fator de ordem externa e interpessoal capaz de interferir tanto no processo ensinar-aprender quanto na qualidade das relações mantidas na sala de aula, imprescindível para a consecução das metas da aprendizagem escolar.

Além de sua importância para a aprendizagem em si, a relação aluno/aluno também possui valor educativo, que contribui para a socialização da criança. Pois interfere de forma decisiva na aquisição de competências sociais, no controle de comportamentos agressivos, na superação do egocentrismo, no desenvolvimento dos comportamentos de solicitar, receber e dar ajuda, na aquisição de senso de identidade, na formação de liderança e nas habilidades de comunicação (Salvador, 1994; Coll & Colomina, 1996). Além disso, a igualdade, reciprocidade e cooperação desenvolvidas por meio do relacionamento com os colegas, permite o incremento dos comportamentos pró-sociais, característica de evolução no desenvolvimento infantil (Cubero & Moreno, 1995). As atividades desenvolvidas pelos membros de um grupo geralmente são prazerosas e produtivas; as diferenças e semelhanças entre os comportamentos são observadas e aprendidas, permitindo que o controle de emoções surja de forma natural e permita que a qualidade dos relacionamentos seja uma meta do grupo. Conseguir manter boas relações e aproveitar o que elas possam oferecer tornam as crianças mais capazes de respeitar e serem respeitadas e, em face de competições, ensinam-nas a ganhar e a perder sem frustrações (Papalia & Olds, 2000).

Para participar adequadamente do grupo exige-se um grau de aceitação por parte de seus membros e é comum observar-se que, na dinâmica da sala de aula, algumas crianças são mais aceitas que outras; geralmente as que apresentam maior aceitação ou popularidade demonstram grande número de competências cognitivas e sociais, revelando comportamentos amigáveis e afetuosos, além de compreenderem e praticarem formas eficazes de interação. Crianças menos aceitas por seus pares apresentam um padrão de comportamentos característicos, que inclui conflitos, alvo de provocações, brigas, discussões e agressões, imaturidade, habilidades sociais e cognitivas reduzidas (Newcombe,1999). Os aspectos citados ganham maior destaque para crianças que apresentam problemas de falta de atenção. Trata-se de um grupo de crianças que, além de manifestarem desempenho escolar pobre desde a infância até a vida adulta, são destacadas também por serem consideradas ineficazes nas relações sociais, não podendo usufruir os benefícios por elas oferecidos. Problemas de falta de atenção não constituem privilégio de grupos étnicos ou de classes sociais e são, hoje, motivo de preocupação médica e social, à medida que é difícil reconhecê-los e tratá-los. Na literatura especializada, é possível encontrar a descrição desses problemas, manifestados como dificuldades, distúrbios, síndromes ou transtornos. Atualmente, a referência mais utilizada e de aceitação mundial para a classificação dos problemas de atenção é a da American Psychiatric Association (1994), no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV), que define critérios específicos e rigorosos, permitindo a identificação dos problemas mais graves denominados Transtornos da Falta de Atenção (TDA), que podem ser classificados como tipo predominantemente desatento, predominantemente hiperativo-impulsivo ou tipo combinado (Barabasz & Barabasz, 1996; Biederman & cols.,1997; Gaub & Carlson,1997; Power, 1998; Mitsis & cols., 2000; Tonelotto, 2000).

O TDA do tipo predominantemente desatento, para ser caracterizado, deve satisfazer seis ou mais, dentre os nove critérios de desatenção propostos a seguir, que devem persistir por mais de seis meses: freqüentemente deixa de prestar atenção a detalhes ou comete erros por descuido em atividades escolares, de trabalho ou outras; com freqüência, tem dificuldades para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas; com freqüência, parece não escutar, quando lhe dirigem a palavra; com freqüência, não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais (não em virtude de comportamento de oposição ou capacidade de entender as instruções); com freqüência, tem dificuldade para organizar tarefas e atividades; com freqüência, evita ou reluta em se envolver- se em tarefas que exijam esforço mental constante (como tarefas escolares ou deveres de casa) ou antipatiza-se com elas; com freqüência, perde coisas necessárias para a realização de tarefas ou atividades; por exemplo, brinquedos, tarefas escolares, lápis, livros ou outros materiais; é facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa; com freqüência, apresenta esquecimento com relação às atividades diárias. O TDA do tipo predominantemente hiperativo-impulsivo, para ser caracterizado, deve satisfazer seis ou mais dos nove critérios de desatenção, propostos a seguir, os quais devem persistir por mais de seis meses: Hiperatividade - freqüentemente, agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira; freqüentemente, abandona sua cadeira em sala de aula ou em outras situações nas quais se espera que permaneça sentado; freqüentemente, corre ou sobe em móveis em demasia, em situações nas quais isto é inapropriado (em adolescentes e adultos esse fato pode estar limitado a sensações subjetivas de inquietação); com freqüência, tem dificuldade para brincar ou se envolver, silenciosamente, em atividade de lazer; está freqüentemente “a mil” ou, muitas vezes, age como se estivesse “a todo vapor”; freqüentemente, fala em demasia. Impulsividade - com freqüência, dá respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completadas; com freqüência, tem dificuldade para aguardar sua vez; freqüentemente, interrompe ou se posiciona em assuntos alheios; por exemplo, intromete-se em conversas ou brincadeiras.

O TDA tipo combinado deve satisfazer a seis ou mais dos nove critérios de desatenção e a seis ou mais dos critérios hiperatividade e impulsividade. Há que se destacar que os referidos sintomas devem estar presentes há, no mínimo, seis meses, devendo-se ter clareza do prejuízo social e acadêmico.

No Brasil poucas publicações a respeito do TDA encontram-se disponíveis ainda que alguns estudos destinados a verificar sua prevalência apontem para de 3 a 10% da população escolar, seguindo o índice de países em que o tema tem sido exaustivamente estudado (Rohde, 1999; Guardiola, Fuckse & Rotta, 2000). A variabilidade de metodologia utilizada para diagnóstico deve ser considerada e o DSM-IV aparece freqüentemente como instrumento auxiliar (Biederman & cols., 1997; DuPaul & cols., 1997; Power, 1998; Mitsis, 2000).

Estudos têm afirmado que, quanto maior o número de sinais de falta de atenção, maiores os problemas enfrentados no desempenho escolar, embora não se registrem problemas de saúde mental, de raciocínio ou de aquisição de conhecimentos (Heiligenstein, 1995; Applegate & cols., 1997). As dificuldades para aprender são causadas, em grande parte, pelas dificuldades manifestadas em resolver problemas, em planejar e organizar tarefas, além da falta de esforço empreendido e da utilização de estratégias não eficazes face às tarefas, o que leva à crença de que são preguiçosas e pouco esforçadas, tanto pelos pais quanto pelos professores (Barkley, 1990).

Quanto às dificuldades na manutenção de relações positivas com os pares ou iguais observa-se nessas crianças inadequação na utilização de regras que, dificilmente, são seguidas. Como conseqüência, a interação no dia-a-dia e a realização de trabalhos em grupo costumam ser conturbadas pela presença de comportamentos perturbadores, intrusivos, imaturos e provocatórios, levando-as a serem rejeitadas pelos colegas, que preferem brincar, estudar ou mesmo trabalhar em grupo, evitando a convivência com elas (Lufi & Parish-Plass, 1995; Tonelotto, 1998).

A impopularidade que essas crianças experimentam conduz à privação de interação positiva com outras crianças, cabendo destacar que a maior parte dos motivos dessa impopularidade pode não estar sob controle. As dificuldades em auto-regular comportamentos agressivos ou mesmo a imaturidade não são percebidas facilmente. Verifica-se uma tendência em simplificar os estímulos para que sejam evitados os emocionalmente carregados, permitindo que os fracassos sejam menos percebidos, por meio da não – percepção ou distorção das informações, o que dificulta a superação dos problemas de forma geral (Cotugno, 1995; Bagwell, 2001; Hoza & cols., 2001).

Crianças que experimentam rejeição constante por parte de seus pares ou iguais levam essa experiência, considerada negativa para suas vidas, para os mais diversos contextos em que se acha inserida. Estudos a respeito da rejeição foram conclusivos ao afirmar que ela predispõe não apenas ao baixo desempenho escolar, mas também a transtornos de conduta na escola, na família e no ambiente social, capazes de prever problemas a longo prazo, tais como envolvimento em roubos (Mussen, 1995; Power, 1998; Newcombe, 1999).

As dificuldades comportamentais manifestadas nos diversos contextos vão se somando e os fracassos generalizando- se para a vida social, emocional e principalmente acadêmica. Considerando-se que a escola e a família são instituições sociais de grande importância no período de escolarização, essas crianças enfrentam muitos obstáculos, pois são tidas como inadequadas, tanto na família quanto na escola, de forma que se estabelece um círculo de comportamentos negativos no qual é difícil a identificação da origem (Cubero & Moreno, 1995).

Tendo em vista o conteúdo exposto, os objetivos deste estudo são: verificar a possibilidade de identificar sinais de desatenção em crianças no contexto de sala de aula, pelos critérios estabelecidos pelo DSM-IV; comparar as atitudes de escolares com e sem problemas de atenção em relação à escola, por meio de instrumento adaptado para a faixa etária; comparar a atitude de escolares com e sem problemas de atenção a respeito dos colegas, por meio de instrumento adaptado para a faixa etária e comparar a aceitação e rejeição manifestadas pelos escolares e relacioná-las com falta ou presença de atenção.

 

MÉTODO

Sujeitos

A amostra constituiu-se de 128 escolares, de classe média baixa ou baixa, alunos das cinco classes de primeira série do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública de ensino, cujos pais consentiram na participação. Do total de sujeitos, 56 pertenciam ao sexo masculino e 72 ao feminino, com idades variando entre seis e nove anos.

Materiais

Foram utilizados para a coleta de dados os seguintes instrumentos:

Lista de Critérios Diagnósticos para Identificação do Transtorno do Déficit de Atenção (DSM IV, 1994) -utilizado no ambulatório de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), para detecção de dificuldades importantes de atenção. Os critérios foram apresentados à professora de classe, registrados no contexto original, sob a forma de uma lista de comportamentos a serem assinalados, quando presentes em sala de aula, voltados para os aspectos desatenção (9 itens), impulsividade (3 itens) e hiperatividade (6 itens). Transtornos da Falta de Atenção do tipo Combinado são identificados quando existe a marcação de 6 ou mais itens de desatenção e 6 ou mais itens de impulsividade/ hiperatividade; para Transtorno da Falta de Atenção tipo predominantemente hiperativo/impulsivo há a marcação de 6 ou mais itens de hiperatividade/impulsividade e para Transtorno da Falta de Atenção tipo Predominantemente Desatento, há marcação de 6 ou mais itens de desatenção. Os sintomas devem estar presentes há mais de seis meses, além de terem surgido antes dos sete anos e apresentarem definida interferência no funcionamento social e acadêmico.

Escala de Atitudes do Aluno em Relação aos Colegas (inspirada em Alencar, 1978), visa medir o relacionamento do aluno com seus colegas, como se sente em relação a eles e como acredita que seus colegas o vêem. A escala, originalmente proposta para adolescentes, contendo 15 itens de múltipla escolha, foi modificada para este estudo e sua linguagem adaptada para a faixa etária de 6 a 7 anos, possibilitando apenas 2 respostas – sim ou não. Essa escala foi aplicada a uma população de 30 crianças, na faixa etária de 6 a 8 anos e reaplicada em um espaço de 50 dias. Os resultados foram analisados item por item, por intermédio da análise fatorial, com o objetivo de validá-los. A redução dos fatores levou ao isolamento de um fator apenas e procedeu- se à eliminação de 3 itens, o que permitiu que fossem explicadas 52,5% da variância observada. A escala passou, então, a ser composta por 12 itens; para nove deles, a marcação do sim indica atitude positiva e, para três, indica atitude negativa.

A Escala de Atitudes do Aluno com Relação à Escola (inspirada em Alencar, 1978) avalia a atitude geral do aluno para com a escola e sua satisfação para com a situação escolar. A escala, originalmente proposta para adolescentes, contendo 25 itens de múltipla escolha, foi modificada para este estudo e sua linguagem adaptada para a faixa etária de 6 a 7 anos, possibilitando apenas 2 respostas – sim ou não. Essa escala foi aplicada a uma população de 30 crianças, na faixa etária de 6 a 8 anos e reaplicada em um período de 50 dias. Os resultados foram analisados item por item, por meio da análise fatorial, com o objetivo de validá-los. A redução dos fatores levou ao isolamento de um fator apenas e procedeu- se à eliminação de 5 itens, o que permitiu que fossem explicadas 56,8% da variância observada. A escala passou então a ser composta por 20 itens; para quinze deles, a marcação do sim indica atitude positiva e, para cinco, indica atitude negativa.

Sociograma – Instrumento utilizado para verificar a popularidade e rejeição dos sujeitos pelos colegas. É composto por duas questões a serem respondidas; a primeira questão refere-se à indicação de três colegas com os quais a criança prefere brincar e/ou trabalhar nas atividades de sala de aula e a segunda questão refere- se à indicação de três colegas com os quais ela evita brincar e/ou trabalhar nas atividades de sala de aula. A cada marcação é atribuído um ponto, tanto para um aspecto quanto para outro. A proposta utilizada é de acordo com a proposta de Iverson e Iverson (1996).

Procedimento

Os dados foram coletados por meio de entrevistas com a professora e diretamente com os sujeitos:

Professoras – cada professora recebeu um envelope contendo a lista para verificação da existência do Transtorno da Falta de Atenção do DSM-IV, relativa a cada um dos alunos. Todas as orientações para o preenchimento adequado do formulário foram oferecidas, incluindo a orientação de que fosse feita a confirmação junto aos pais a respeito do tempo e início de exibição dos comportamentos ou quando o item exigia;

Sujeitos – foram realizadas três sessões individuais com os sujeitos, com duração variável de sujeito para sujeito (em média de 30 minutos), já que não se tratava de provas com limitação de tempo. As sessões foram realizadas durante o período de aula, garantindo-se o não – prejuízo das atividades curriculares e destinaram-se à aplicação da Escala de Atitude frente à Escola, Escala de Atitudes em Relação aos Colegas e Sociograma.

Tratamento dos dados – A partir dos dados obtidos pela professora com a utilização dos critérios diagnósticos propostos pelo DSM-IV para identificação do TDA (DSM-IV, 1994), formou-se dois grupos de sujeitos: um em que os problemas de atenção foram identificados, denominado G1 (32 sujeitos), e outro em que isso não ocorreu, denominado G2 (96 sujeitos). Todos os sujeitos do G1 preencheram aos critérios de desatenção, hiperatividade/impulsividade ou a combinação de ambos.

A maior pontuação a ser conseguida na Escala de Atitudes do Aluno em Relação aos Colegas foi 15, relacionada ao número de marcações de atitudes positivas; da mesma forma a Escala de Atitudes do Aluno com Relação à Escola permitiu a marcação máxima de 20 pontos seguindo o mesmo critério da escala descrita anteriormente. Os grupos foram comparados pelo escore total e em cada um dos itens e em seguida os dados foram quantificados e procedeu-se com a análise estatística por meio do Teste T de student, indicado para comparar médias de 2 amostras independentes. Feita a análise de correlação entre os escores das duas escalas, verificou-se a existência de correlação positiva significativa entre ambas (p=0,009).

Quanto à escala sociométrica, houve atribuição de pontos de acordo com a marcação feita pelos sujeitos para aceitação e rejeição, de forma que quanto maior o número de marcações, maior o grau de aceitação ou rejeição. Feita a análise de correlação entre as variáveis aceitação e rejeição, verificou-se a existência de correlação negativa significativa entre ambas (p=0,021).

 

RESULTADOS

Inicialmente serão apresentados os dados das avaliações totais obtidas na Escala de Atitude em relação aos Colegas e na Escala de Atitude do Aluno com Relação à Escola, comparando-se os grupos e o escore total. Em seguida, serão apresentadas as pontuações dos dois grupos relativas à aceitação e rejeição pelos colegas para situações escolares. Neste estudo G1 foi composto por 32 sujeitos e G2 por 96, conforme já descrito.

Na Tabela 1 são apresentados os dados referentes às médias obtidas pelos dois grupos estudados na Escala de Atitudes em relação aos Colegas.

 

Os dados da Tabela 1 revelam que os sujeitos pertencentes ao grupo em que os problemas de atenção estavam presentes, apresentaram uma visão mais negativa de seus colegas, já que as médias de G1 são significativamente inferiores que as de G2.

Por meio dos dados da Tabela 2 é possível que se conclua que os sujeitos de G1 (com problemas de atenção) têm uma visão mais negativa da escola e professores, pois as médias encontradas são significativamente mais baixas que as de G2.

 

Os dados referentes à aceitação e rejeição podem ser observados na Tabela 3.

 

Os dados da Tabela 3 permitem que se afirme que os sujeitos de G1 (com problemas de atenção) foram apontados como menos aceitos e mais rejeitados, já que foram mais pontuados quanto à rejeição e menos quanto à aceitação e as médias dos dois grupos diferiram significativamente.

 

DISCUSSÃO

A identificação dos problemas de atenção por dos critérios para identificação do Transtorno da Falta de Atenção (DSM-IV) tem aceitação mundial (Biederman & cols., 1997; Mitsis & cols., 2000); sua elaboração representou considerável avanço para a investigação e identificação dos problemas de atenção, ao mesmo tempo tão presentes na população escolar e tão difíceis de serem caracterizados (Barabaz & Barabaz, 1996; Tonelotto, 2000).

Neste estudo, embora o propósito não tenha sido o de classificar crianças como portadoras de TDA foi possível que crianças com problemas de atenção fossem identificadas e comparadas com crianças em que esses problemas não estão presentes. Esses dados corroboram com os estudos de Hoza e cols. (2001) e Bagwell (2001) que destacam a importância desse instrumento como auxiliar no diagnóstico de crianças com TDA.

Quando comparados os resultados obtidos pelos dois grupos quanto às atitudes em relação à escola, observou- se que a presença de comportamentos negativos foi mais evidenciada no grupo de crianças com problemas de atenção, originada entre outros aspectos, pela dificuldade apresentada em lidar com fracassos acadêmicos, pela falta de habilidade social, imaturidade, inadequação no ambiente escolar e até pela forma com que são consideradas pelos pais e professores (Lufi & Parish-Plass, 1995; Tonelotto, 1998).

A identificação de problemas experimentados por crianças desatentas pode auxiliar na organização de sua rotina, com segmentação do trabalho e definição clara de tarefas a serem cumpridas. O fato de torná-las mais próximas do sucesso pode constituir-se em grande auxílio na melhoria da percepção da escola, à medida que consiga experimentar sucessos com maior freqüência.

As atitudes em relação aos colegas, ou seja, o relacionamento com os colegas, incluindo a forma com que os percebe, também se apresentou como mais negativa para os sujeitos pertencentes ao grupo em que os problemas de atenção estavam mais presentes. A forma com que percebem e são percebidos parece traduzir o isolamento vivenciado na sala de aula e isso pode ter graves conseqüências tanto para o desempenho escolar quanto para o valor educativo que as relações interpessoais têm ao longo da vida (Salvador, 1994; Coll & Colomina, 1996).

Os resultados obtidos na escala sociométrica permitiram a identificação dos sujeitos que apresentaram maior número de problemas de atenção e, que foram também os mais citados por seus colegas como rejeitados e, na mesma proporção, menos citados quanto à aceitação. Assim, observou-se que quanto maior o problema de atenção, maior a impopularidade dos sujeitos, provavelmente, causada pela manifestação de comportamentos que apresentam alto grau de rejeição no relacionamento grupal.

De outra forma, quando os problemas de atenção não se mostraram presentes, houve maior discriminação dos colegas em relação àqueles companheiros com os quais apreciavam brincar e/ou trabalhar em sala de aula. Há de se considerar, portanto, que não são os problemas de atenção em si que ocasionam a discriminação, mas os comportamentos a eles associados.

A aceitação leva a uma participação no grupo social capaz de permitir que seus integrantes sejam capazes de aprender respeito mútuo, imprescindível para a boa convivência (Salvador, 1994; Coll & Colomina, 1996; Papalia & Olds, 2000). Crianças com déficits de atenção por serem mais rejeitadas privam-se do bom convívio social que poderia ser de grande auxílio na superação de suas dificuldades, além disso freqüentemente apresentam seqüelas sociais na adolescência e vida adulta.

Estudos como este, embora focalizem a realidade de uma escola apenas, permitem que alguns aspectos sejam pontuados. Primeiramente, a possibilidade de identificação de escolares com problemas de atenção que, neste estudo, atingiu um percentual de 25%, considerado expressivo. Acredita-se que outros estudos com proposta de avaliação diversificada e dirigida a um maior número de sujeitos possam propiciar melhor caracterização de problemas de atenção que, sem dúvida, merecem discussão mais ampla e sob diversos pontos de vista, o que auxiliaria na identificação de práticas capazes de possibilitar seu enfrentamento.

Outro aspecto importante foi a possibilidade de observar a qualidade de interação dos escolares, com clara rejeição dos que apresentam maior número de problemas de atenção. Se a falta de atenção por si só causa grandes problemas para a aprendizagem, associada a uma qualidade ruim de interação aluno/aluno, parece potencializarse. Assim sendo, tanto a aprendizagem quanto a socialização de escolares desatentos revelam prejuízos capazes de se configurarem como reais problemas na vida acadêmica e social (Power, 1998; Bagwell, 2001; Hoza & cols., 2001). Considerando-se que a auto-regulação do comportamento mostra-se deficitária para a criança desatenta, a implementação de atividades empregadas pelo professor, salientando os comportamentos adequados e inadequados e suas conseqüências, provavelmente, possam contribuir para a melhoria dos relacionamentos em sala de aula (Barkley, 1990).

Tendo-se em vista que as relações de igualdade, reciprocidade e cooperação mantidas pelo grupo de escolares podem auxiliar na aquisição de controle dos comportamentos agressivos e no desenvolvimento de comportamentos pró-sociais (Cubero & Moreno, 1995) para as crianças que apresentam déficits de atenção, principalmente associados à hiperatividade, as possibilidades de aprendizado com os iguais se tornam praticamente impossíveis. A utilização de procedimentos que visem melhorar o relacionamento de escolares com problemas de atenção, com seus pares ou iguais, talvez possa constituir um grande aliado na superação ou minimização de dificuldades no aprendizado formal.

Apesar das limitações do estudo ora realizado, é possível dizer que ele constitui um estímulo para realização de outros que abordem a problemática das dificuldades de atenção, sua relação com a aprendizagem e com o processo de socialização, mesmo considerando sua complexidade e isso é bastante relevante dada à escassez de estudos brasileiros que possam orientar pesquisas futuras. Acredita-se que a busca de alternativas para avaliação e intervenção nos problemas de atenção, caracterizando comportamentos, características e atitudes envolvidas, pode ser de grande valia na identificação de procedimentos que auxiliem o esclarecimento e a minimização dessa problemática.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 19/06/01
Revisado em:11/03/02
Aprovado em: 28/04/02

 

1 Doutora e Docente do Curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica - Campinas