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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.6 n.2 Campinas dez. 2002

 

HISTÓRIA

 

Entrevista com Dra. Eulália H . Maimoni

 

Entrevistadora: Helena de Ornellas Sivieri Pereira

 

EULÁLIA H. MAIMONI é a futura presidente da ABRAPEE para o biênio 2004 – 2005. Eulália é Doutora e Mestre em Psicologia Escolar pela USP-SP. É psicóloga e licenciada em Psicologia pela USP-Ribeirão Preto. Dra. Eulália cursou o Magistério (antigo Normal) pelo Instituto de Educação “Otoniel Mota”, de Ribeirão Preto/SP, com Curso de Aperfeiçoamento para o Magistério. Foi docente de Escola Estadual Rural, classe multisseriada, da Escolas Municipais Urbanas de Ensino Fundamental e para adultos e de escolas particulares de Formação para o Magistério, lecionando Psicologia. Dirigiu uma Escola Vocacional Municipal na cidade de Ribeirão Preto, por quatro anos, época em que foi professora do atual Ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Começou carreira no Ensino Superior na UNESP – Campus de Assis – na área de Psicologia Escolar, indo depois para a Universidade Federal de Uberlândia, onde continuou nessa área de atuação e participou do corpo de docentes do Mestrado em Educação dessa universidade. Tendo se aposentado, trabalha atualmente na Universidade de Uberaba (UNIUBE), onde leciona Psicologia da Aprendizagem em várias licenciaturas e é docente do Mestrado em Educação – Formação de Professores. Participou da ABRAPEE, desde que foi criada, ocupando cargos no seu Conselho Fiscal, representando a seção Minas Gerais junto a essa associação e coordenando o núcleo de Uberlândia, enquanto esteve na universidade federal. Dra. Eulália, atenciosamente, respondeu a esta entrevista para a Revista Psicologia Escolar e Educacional.

Pereira: Como se deu sua escolha profissional pela área da Psicologia?

Maimoni: Enquanto aluna do antigo Curso Normal, entrei em contato com temas da Psicologia, despertando meu interesse, em especial, a Psicologia Educacional. Minha mãe, professora mineira no início do século passado e muito entusiasmada com sua profissão e com o movimento da Escola Nova, influenciou-me muito. Logo que foi iniciado o Curso de Psicologia na Faculdade de Ciências e Letras de Ribeirão Preto, prestei vestibular e, tendo sido aprovada, fiz parte de primeira turma.

Pereira: Como foi sua formação profissional?

Maimoni: Como primeira turma, tínhamos poucos História Entrevista com Dra. Eulália H . Maimoni Entrevistadora: Helena de Ornellas Sivieri Pereira 190 História professores brasileiros e, mesmo esses, vinham de pósgraduação no exterior, como Telma Donzelli, com doutorado na França, e Tereza Mettel, com doutorado nos Estados Unidos. Os outros professores eram belgas, franceses e um húngaro, o que nos fez ter uma formação muito variada, mas também dentro dos mais recentes parâmetros europeus e norte-americanos. Além disso, a primeira turma funcionou em um esquema de primeiro ano propedêutico, voltado para a formação científica, após o que era feita a escolha por Psicologia, Química ou Biologia. Eu não mudei minha opção inicial pela Psicologia.

Pereira: Por que optou pela Psicologia Escolar/ Educacional? Como foi sua trajetória nessa área?

Maimoni: Eu já gostava da área, mas não fiquei muito satisfeita com a formação durante o curso, pois não havia um psicólogo escolar para nos formar. Eram pedagogos que lecionavam as disciplinas da área e supervisionavam estágio e tudo ficava muito nebuloso, confuso mesmo, confundindo-se com a atuação do orientador educacional. Ao terminar o Curso de Psicologia, fui designada pelo prefeito de Ribeirão Preto, para assumir a direção de uma escola primária vocacional, pois já era professora efetiva municipal. Criei ali o Serviço de Psicologia Escolar, recorrendo a estagiárias do Curso de Psicologia e com a preciosa colaboração de Geraldina Porto Witter, que, por convênio com a USP de São Paulo, foi lecionar nessa área em Ribeirão Preto. Assim, fui sua aluna ouvinte e auxiliar de ensino voluntária (havia isso naquele tempo, com nomeação pelo Diário Oficial!), coordenando os estágios dos seus alunos da graduação nessa escola. Aos sábados, tínhamos supervisão com ela, para podermos desenvolver os trabalhos durante a semana seguinte. Foi uma experiência que muito nos ensinou e deixou saudade. Foi Geraldina quem me incentivou a prestar o exame de seleção no Mestrado em Psicologia Escolar na USP de São Paulo, onde depois fiz também o doutorado, tendo-a como orientadora nos dois níveis.

Pereira: Se pudesse refazer algo em sua trajetória, escolheria outra profissão ou área da Psicologia?

Maimoni: Gosto muito da área de Letras, em especial de Lingüística – Psicolingüística e Sociolingüística, um pouco por influência da Geraldina – mas consigo fazer uma ponte entre as duas áreas, nas pesquisas que tenho feito, estudando a leitura e a escrita em contextos mediacionais, fazendo parceria com colegas com formação nessas áreas. Tenho aprendido muito, ampliando minhas possibilidades dentro da Psicologia Escolar. Assim, não escolheria outra profissão ou área.

Pereira: Como analisa a Psicologia Escolar no Brasil hoje (na sociedade, nos cursos de graduação e na pesquisa)?

Maimoni: Acredito que a Psicologia Escolar esteja passando hoje por uma fase de grande otimismo, a partir da eleição para presidente, em que o PT saiu vitorioso. Considerando que a Psicologia Escolar teve como sua principal preocupação as condições de aprendizagem da escola pública e a partir daí, privilegiou em seus estudos aqueles menos favorecidos socialmente, um governo que abrace as causas populares deve ter como meta favorecer melhores condições de trabalho para os professores, melhorando a situação da escola pública. Para isso, deve investir mais verbas na Educação e isso talvez represente uma oportunidade para o psicólogo escolar ter o seu trabalho reconhecido e ver o conhecimento científico produzido na área ser socializado com professores, alunos e pais.

Pereira: Fale sobre a sua atuação política dentro da Psicologia.

Maimoni: Fiz parte da geração 64-68 e, quando cursava Psicologia, participei de todos os movimentos estudantis da UNE e UEE de São Paulo, que lutavam contra a cátedra vitalícia nas Universidades e contra a ditadura militar. Fiz parte da Juventude Universitária Católica e do Movimento de Revolução Brasileira. Como professora universitária, abracei a causa da Psicologia Escolar, atuando em Programas de Psicologia Escolar, através do ensino (supervisão de estágio) e da extensão, em escolas públicas de periferia e ambulatórios, junto a Programas de Saúde Coletiva. Com meus colegas de trabalho, participei em todas as oportunidades das lutas por uma universidade pública de qualidade. Nos mestrados em que tenho atuado, orientei dissertações sobre temas importantes para a educação brasileira e tenho divulgado essas pesquisas em encontros, congressos e publicado a respeito.

Pereira: Como percebe as contribuições da ABRAPEE desde a sua criação até o presente momento?

Maimoni: Vejo a ABRAPEE como importante História 191 interlocutora entre os psicólogos interessados em Educação e os organismos decisórios. Antes da criação da ABRAPEE, não havia quem falasse pelos psicólogos escolares. Acompanhei o surgimento dessa associação com muito entusiasmo e logo criamos o primeiro núcleo no interior de Minas Gerais, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, com o apoio de Solange Wescheler e Raquel Lobo Guzzo. Não estava ainda muito bem definido, como agora, o que seria um núcleo. Agora, novos núcleos estão surgindo, com a coordenação da Acácia, com interessantes propostas para seus Estados ou cidades. A revista também tem dado sua preciosa colaboração, permitindo dar voz aos psicólogos escolares, publicando suas pesquisas e experiências de atuação. O Boletim Informativo, que prestou um grande serviço, divulgando notícias da área, além de pequenos textos informativos, sob a orientação de Geraldina Witter, foi substituído pelo boletim eletrônico. Confesso que sinto falta do boletim impresso, que era distribuído aos colegas da área, como forma de motivá-los a se filiarem à associação.

Pereira: Em que acha relevante a ABRAPEE investir no futuro próximo?

Maimoni: Hoje, em congressos de Psicologia, escuto falar da ABRAPEE, percebendo uma grande expectativa em relação à sua ação como definidora do papel do psicólogo escolar e na abertura de campo de trabalho. Acho que a associação deve ir além disso: como um espaço de discussão e de estudo e divulgação de pesquisas na área, deve contribuir para a problematização da prática escolar, propiciando que seja ultrapassado o conhecimento do senso comum vigente, pela apropriação, pelos segmentos que compõem a escola, do conhecimento científico produzido na área. Esse conhecimento tem crescido em quantidade e mostrado um aprofundamento em temas educacionais importantes, como pode ser verificado nos inúmeros congressos que acontecem, tanto de Psicologia como de Educação. A ABRAPEE tem investido nisso e penso que deve continuar lutando por esse espaço. Um das formas é o incentivo à criação de núcleos nos Estados, a fim de que tenha representatividade nacional e consiga aumentar seu quadro de sócios e, assim, fortalecer-se, como entidade, junto a outras associações, regionais, nacionais e internacionais, bem como junto a parlamentares na defesa dos direitos do psicólogo escolar.

Pereira: Como imagina o futuro da Psicologia Escolar no Brasil?

Maimoni: Penso que a Psicologia Escolar deverá sair de uma atuação remediadora para uma ação promotora de condições escolares melhores, de uma posição de ficar se defendendo de ser responsabilizada pela psicologização da Educação, para uma postura de defesa dos conhecimentos psicológicos científicos, apropriados pela Educação e mal-utilizados no ambiente escolar. A Psicologia, nas últimas décadas carregou a culpa por todos os males da Educação, quando o que realmente aconteceu foi uma utilização incorreta de conceitos psicológicos, uma transposição apressada para a prática de resultados de pesquisa ainda não suficientemente sedimentados, como foi o caso recente da confusão que se criou nas escolas entre as teorias construtivistas e a histórico-cultural, misturando conhecimentos provenientes de matrizes filosóficas muito diferentes, com se fossem a mesma coisa. A escola, professores, alunos e pais – toda a comunidade escolar enfim – sente os reflexos disso e a Psicologia Escolar deve alertar para as questões éticas de tais práticas e investir na democratização do conhecimento científico, que possibilite auxiliar na superação da crise educacional.