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Psicologia Escolar e Educacional

Print version ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. vol.7 no.1 Campinas June 2003

 

ARTIGOS

 

Aprendizagem por interação e traços de personalidade

 

Peer interaction learning and personality traits

 

 

Lílian Pacheco 1; Fermino Fernandes Sisto2

1 Universidade Estadual de Feira de Santana – Bahia.

2 Universidade São Francisco – São Paulo

 


RESUMO

Esta pesquisa estudou a relação entre traços de personalidade e aprendizagem por conflito sócio-cognitivo. Participaram da pesquisa 120 sujeitos, de 5 a 7 anos, de três escolas públicas. Todos os sujeitos foram avaliados pela Escala Infantil de Personalidade e pela prova piagetiana de conservação de comprimento. Foram selecionados para o experimento 36 sujeitos que apresentaram nível não-conservador. Quatro traços de personalidade foram avaliados, neuroticismo, psicoticismo, extroversão e adequação. O experimento constituiu-se por três sessões de intervenção com sete situações de aprendizagem por conflito sócio-cognitivo em cada sessão, com pares de sujeitos, na prova de comprimento. Um dia após as intervenções realizou-se o pós-teste 1 e 25 dias após o pós-teste 2, ministrando a prova de conservação de comprimento, individualmente. A aprendizagem no pós-teste imediato foi explicada pelo traço psicoticismo e adequação.

Palavras chave:Traços de personalidade, Aprendizagem, Conflito sócio cognitivo, Interação entre pares.


ABSTRACT

This research studied the relationship between personality traits and learning through socio-cognitive conflict. 120 subjects aged from 5 to 7years old, from three public schools, were investigated. All the subjects were assessed by the Escala Infantil de Personalidade and by the piagetian length conservation task. 36 subjects who showed a non-conservative level were selected for the experiment. Four personality traits were assessed: neuroticism, psychoticism, extraversion and adjustment. The experiment was constituted by three intervention sessions with seven learning situations in each session, based on the length conservation task and structured by socio-cognitive conflict theory with pairs of subjects. On the day after the three intervention sessions was individually administered the posttest 1 and 25 days later the posttest 2, using the length conservation task. The learning in the posttest 1 was explained by the psychoticism and adjustment traits.

Keywords: Personality traits, Learning, Socio cognitive conflict, Peer interaction.


 

 

INTRODUÇÃO

A contribuição do sujeito no processo de aquisição de conhecimento ocorre, principalmente, de duas formas. Por um lado, cognitivamente, dispondo de alguns modos de estruturação dos dados; por outro, afetivamente, enquanto manifestação de interesses ou necessidades que poderão ser facilitadores ou não. Piaget (1981) argumenta que o afeto está relacionado com a função da inteligência, representando uma força energética e emergindo da desequilibração entre a assimilação e a acomodação cognitiva. O afeto influencia a escolha de objetivos específicos e funciona como um regulador da ação, além de desempenhar um papel na determinação de valores; influencia a tendência a se aproximar ou se distanciar das situações e, por sua vez, estas influenciam o ritmo pelo qual o conhecimento torna-se mais rápido em algumas áreas ou mais lento em outras.

O ser humano interage com o meio ambiente físico e social e responde enquanto totalidade integrada. Este organismo psico-social, ao se comportar nas mais diversas situações, tende a agir de uma determinada maneira que o caracteriza. A abordagem da personalidade almeja circunscrever estas características ou diferenças individuais, mais ou menos estáveis, que refletem a identidade de um indivíduo, distinguindo-o dos demais

A personalidade de uma pessoa é observada pelo comportamento e nota-se que existe uma parte variávele uma parte constante. A esta parte constante denomina- se traço e nenhum ato é produto de apenas um traço. Por sua vez, os traços não são imutáveis, são tendências amplas em mudança contínua. Todavia, apesar da mudança, pode-se reconhecer uma tendência, uma considerável constância no modo de comportamento de uma pessoa, afirmando-se a presença de traços ou tendências da personalidade.

Para Piaget (1973,1976) a realidade não seria construída nem por estruturas equilibradas e permanentes, nem por uma sucessão de acasos e crises. Propõe processos contínuos de auto-regulações. A epistemologia construtivista caracteriza-se por explicar a produção das novidades pelo sistema cognitivo através da abertura de possibilidades de contato e atuação no mundo e suas equilibrações majorantes.

Muito se tem discutido acerca da abordagem construtivista ou da teoria psicogenética no campo educacional, mas são poucas as referências sobre os mecanismos que subjazem ao processo de aprender (Sisto, 1993, 1997). O constructo fundamental para uma abordagem piagetiana da produção de conhecimento é o processo de equilibração, que começa quando o sujeito é desequilibrado por obstáculos ou perturbações. A garantia do desequilíbrio e sua fecundidade são dadas pela reequilibração, quando as lacunas (falta de informações por parte do sujeito) ou perturbações são superadas. Segundo Sisto (1993) “a proposta do conflito cognitivo consiste em colocar o sujeito frente a uma situação que não se encaixa (aspecto negativo) em uma afirmação sua anterior (aspecto positivo), ou se trata de contra-exemplo (aspecto negativo) impossibilitando a generalização da explicação pretendida (aspecto positivo)” (p. 43). O fundamental é, sem dar a resposta certa, levar o sujeito a perceber as contradições das suas afirmações, embora não se possa ter certeza de que os elementos serão perturbadores, já que nenhuma situação é conflitiva em si.

Esta pesquisa promoveu um processo de aprendizagem considerando que configuração cognitiva das crianças explicava-se pelo fato de elas estarem centradas em aspectos positivos do fenômeno. Então foram provocadas situações para que elas fossem levadas a pensar nas contradições de suas afirmações, ou realçadas as divergências de pontos de vista entre a dupla de crianças ou entre elas e o experimentador.

Para observar esse fenômeno, estudou-se crianças de 5 a 7 anos, situadas na passagem do pensamento pré-operatório para o estágio das operações concretas. Nesse período elas caracterizam-se pelo egocentrismo intelectual, pela centração da percepção e do pensamento em determinados pontos, desconsiderando algumas características importantes da situação. O pensamento pré-operatório é irreversível, ou seja, na medida que a criança percorre uma série de raciocínios ou transformações de um evento numa determinada direção, ela não inverte mentalmente o processo, alterando suas premissas durante uma seqüência de raciocínio.

No processo de aquisição de conhecimentos, além dos aspectos cognitivos e afetivos, outro fator de destaque são as interações sociais. O fator social desempenha um duplo papel: primeiro, como processo contínuo e construtivo de socialização e, segundo, como fonte de transmissões educativas e lingüísticas das contribuições culturais e dos sentimentos morais.

A abordagem da Psicologia Social Genética destaca o papel construtivo das interações entre pares no desenvolvimento cognitivo. A teoria do conflito sóciocognitivo tem sido proposta por alguns autores como Mugny e Doise (1983) e Perret Clermont e Nicolet (1992). Essa abordagem enfoca o conflito como sóciocognitivo, por compreender que quando o sujeito enfrenta uma resposta diferente da sua, um conflito interno poderá se produzir, o que, por sua vez, provocará um duplo desequilíbrio: inter-individual e intra-individual. O aspecto inter-individual dá o caráter social ao fenômeno. Na busca de um acordo com o outro, vê-se uma possibilidade de superação do desequilíbrio cognitivo intra-individual (Mugny & Doise, 1983).

Muitas pesquisas foram feitas investigando a efetividade do conflito cognitivo ou sócio-cognitivo e algumas delas serão destacadas. Nesse contexto, Mugny e Doise (1978) observaram maior progresso no desempenho de crianças com estratégias cognitivas diferentes trabalhando juntas, do que no desempenho de crianças com as mesmas estratégias. Ames (1980) comparou interações por conflito cognitivo, interação social, modelação ou dissonância cognitiva, constatando que os sujeitos, nas quatro condições de interação por pares, apresentaram mais mudanças nas respostas do que os sujeitos controle, e o grupo de interação social exibiu mais mudanças. Taal e Oppenheimer (1989) chegaram à conclusão de que a resolução do conflito sócio-cognitivo e a ocorrência de coordenação foram mais altas em situações individuais do que em condições de díade, em condições competitivas e sob supervisão do que por iniciativa espontânea. Russell (1981) não encontrou o confronto de idéias esperado pelo conflito sócio-cognitivo, pois os sujeitos que cometeram os “erros egocêntricos” não se opuseram à colocação correta de seu parceiro. O autor concluiu que a interação de pares pode facilitar a aquisição de conceitos básicos por causa da complacência entre as crianças, e não por causa do “conflito sócio-cognitivo”. Roy e Howe (1990) investigaram os efeitos do conflito cognitivo, sócio-cognitivo e imitação no desenvolvimento de habilidades dos sujeitos e encontraram que os sujeitos, em condições de conflito, melhoraram no pós-teste em relação ao grupo-controle, não se observando vantagens entre o conflito sóciocognitivo e o cognitivo. Por sua vez, Cannella (1992) chegou à conclusão que discordâncias na interação sócio- cognitiva por duplas podem tanto facilitar como inibir a aprendizagem.

Dentre as pesquisas envolvendo aprendizagem e traços de personalidade, algumas podem ser destacadas. Palkovic (1979) constatou que na aprendizagem experimental por reforço verbal as crianças extrovertidas apresentaram melhores resultados e os piores resultados couberam àquelas com alta pontuação em neuroticismo. Francis e Montgomery (1993) encontraram que sujeitos com baixa pontuação, tanto em psicoticismo quanto em neuroticismo, e alta pontuação em dissimulação social, apresentaram atitudes mais positivas para com a escola e lições. Os achados de Maqsud (1993), no entanto, indicaram relações negativas com realização escolar. Csorba e Dinya (1994) constataram que as meninas com aprendizagem pobre mostraram níveis mais altos de neuroticismo.

Furnham e Medhurst (1995) encontraram relações entre traços de personalidade e comportamento em seminário acadêmico. Duas outras pesquisas relacionaram personalidade com estilo de aprendizagem (Riding & Tempest, 1986; Jackson & Lawty Jones, 1996) e encontraram relação significativa entre desempenho em soletração e nível de extroversão. Entre outros, Wilson e Lynn (1990) observaram que a aquisição de segundo idioma estava relacionada mais fortemente com diferenças de personalidade. Robinson, Gabriel e Katchan (1994) constataram que sujeitos com pontuação alta em neuroticismo e alta em extroversão melhoraram miais no teste oral de francês, enquanto que os sujeitos com pontuação alta em neuroticismo e baixa em extroversão melhoraram mais no teste escrito.

As reflexões sobre essas relações têm despertado o interesse por pesquisas sobre a relação entre as características de personalidade e métodos pedagógicos. Vários estudiosos (Gayle, 1981; Eysenck 1992, 1996; Borg & Shapiro, 1996) têm discutido o uso de diferenças individuais no ensino e concluíram que a personalidade da criança determina extensamente sua reação aos métodos de ensino e até mesmo à situação pedagógica. Crianças extrovertidas parecem beneficiar-se de métodos de ensino baseados na aprendizagem por descoberta, enquanto que as crianças introvertidas beneficiam- se da aprendizagem por recepção. Da mesma forma, podem ser encontradas inúmeras pesquisas que alertam para os benefícios pedagógicos com utilização da técnica do conflito cognitivo ou sócio-cognitivo (Zucchermaglio & Ajello, 1986, por exemplo).

A literatura a respeito de traços de personalidade e aprendizagem não é muito rica e nenhuma das pesquisas encontradas é pertinente à relação que se está buscando neste estudo. Mas esses estudos chamam a atenção para a importância de se conhecer melhor como estas duas variáveis se comportam. O mesmo acontece com relação à técnica de aprendizagem por conflito sócio- cognitivo. Há controvérsias entre os autores. Alguns não vêem vantagens em se estabelecer o conflito cognitivo em dupla ou individualmente.

Nesse contexto, esta pesquisa, por um lado, pretendeu analisar os efeitos de da técnica de conflito sóciocognitivo na aprendizagem em dupla e, por outro, verificar os tipos de relações possíveis entre o desempenho dos sujeitos e traços de personalidade.

 

HIPÓTESE

Valendo-se das definições de cada traço de personalidade foram levantadas algumas expectativas em relações ao rendimento das crianças em situação de aprendizagem por conflito sócio-cognitivo em dupla. Crianças com alta pontuação em E (extroversão), por estarem abertas à interação e sentirem-se desafiadas a participar por causa da novidade da situação, devem sofrer os efeitos do conflito sócio-cognitivo, apresentando altos níveis de aprendizagem. Também, crianças com alta pontuação em P (psicoticismo) devem apresentar dificuldades na interação com o outro, mas é possível que tenham bom nível de aprendizagem, dada a possibilidade de não se envolverem emocionalmente na situação de conflito e reagirem pensadamente. Nessa mesma direção, crianças com alta pontuação em A (adequação) por estarem atentas às normas sociais, procurarão responder bem às solicitações e, assim, espera-se que atinjam bom nível de aprendizagem, mas também podem não querer se contrapor aos colegas. Diferentemente dos casos anteriores, as crianças com alta pontuação em N (neuroticismo) que, em razão da forte propensão a reações emocionais que dificulta uma adaptação adequada, devem apresentar baixo nível de aprendizagem.

Com base nessas possíveis relações, estabeleceu-se a hipótese de que a aprendizagem por conflito sóciocognitivo, se explicada por traços de personalidade, deveria apresentar-se na seguinte seqüência: a maior pontuação em E explicaria a maior parte da aprendizagem, seguida pela maior pontuação em A, P e, por fim, N.

 

MÉTODO

Sujeitos

A população da pesquisa constou de 120 crianças de 5 a 7 anos, que freqüentavam três escolas municipais e atendiam crianças de famílias de operários ou lavradores. Todas as crianças foram pré-testadas e das que apresentaram nível não-conservador na prova de comprimento, 43 foram selecionadas por sorteio aleatório para o experimento, das quais 36 permaneceram até o final.

Desses 36 sujeitos, 17 (47%) eram do sexo masculino e 19 (52%) do sexo feminino, metade estava cursando o infantil e a outra metade o pré-escolar. As idades variavam entre 5 anos e 6 meses e 7 anos e 2 meses e foram agrupadas em dois intervalos, quais sejam, as mais novas (dos 66 aos 74 meses) e as mais velhas (dos 76 aos 86 meses), perfazendo um total de 19 (53%) sujeitos no primeiro intervalo de idade e 17 (47%) no segundo.

Procedimentos

A presente pesquisa consistiu de um pré-teste, três sessões de intervenção e dois pós-testes. O pré-teste foi composto pela Escala Infantil de Personalidade (Sisto, 1998) e pela prova de conservação de comprimento. Nos dois pós-testes utilizou-se apenas a prova de conservação de comprimento, sendo que o pós-teste 2 foi aplicado 25 dias após o término da intervenção. A ordem de aplicação desses instrumentos foi definida por sorteio.

a- Instrumentos, material e critérios de classificação

A prova de conservação de comprimento consiste de nove hastes de madeira de 4cm x 0,8cm e quatro hastes de 7cm x 0,8cm. Com as hastes maiores o experimentador fazia uma “estrada” e pedia ao sujeito que fizesse uma “estrada” do mesmo tamanho, do mesmo comprimento com as hastes menores, sobrando, nesse caso, duas hastes menores.

O experimento começa quando o sujeito reconhece a igualdade do comprimento das duas “estradas”. Ao longo da prova, o experimentador fazia cinco modificações na disposição das hastes a fim de alterar a configuração da “estrada” que o sujeito construiu, deixando a outra como modelo. A cada transformação, perguntava- se ao sujeito se o comprimento das “estradas” estava igual ou diferente e por quê.

Os critérios para classificação dos protocolos foram: ausência de conservação, quando a criança nega a igualdade das estradas em razão das extremidades, das sinuosidades, ou da ponta final; reações intermediárias, quando a criança oscila entre a conservação e a nãoconservação, e aquelas que, após algumas tentativas, chegam à conservação; conservação operatória, quando a criança afirma a conservação do comprimento, com argumentos operatórios por identidade, inversão ou compensação.

Escala de Traços de Personalidade para Crianças (Sisto, 1998) consta de 35 questões, para as quais a criança deve responder sim ou não. Contém quatro escalas, sendo que a de extroversão engloba características de ser sociável, assertivo, ativo e animado; a de neuroticismo, de ser ansioso, tenso, melancólico e com baixa auto-estima; a de psicoticismo de ser egocêntrico, impulsivo, frio e anti-social; e a de adequação engloba uma tendência à sinceridade e à não dissimulação. A aplicação foi coletiva, as crianças tinham o instrumento que foi lido item por item pelo aplicador, dando um intervalo entre os itens para a criança responder no próprio instrumento. Para as escalas de neuroticismo, extroversão e adequação as pontuações variam de 0 a 10 pontos. Para psicoticismo, de 0 a 8 pontos.

b- A intervenção

As sessões de intervenção iniciaram-se de dois a três dias após o término do pré-teste. A intervenção por conflito, por meio da noção de conservação de comprimento, iniciou-se após as crianças assistirem a um filme de vídeo, o qual mostrava quatro crianças em situação individual de aplicação da prova de comprimento, duas não-conservadoras e duas, conservadoras, apresentando argumentos diferentes. O filme deu oportunidade às crianças de observarem diferentes desempenhos e controlar possíveis influências entre as crianças, nos contatos entre sessões.

Após a exibição do filme, as crianças, em dupla, passaram por sete situações de conflito por sessão. Cada sessão durou em média 30 minutos e a duração do filme foi de 10 minutos. A intervenção constou de três sessões; na terceira não houve exibição da fita de vídeo.

Durante a situação de aprendizagem foi pedido que entrassem em acordo quando apresentavam respostas divergentes e não conservadoras. Além dessa solicitação, buscando um acordo entre elas, o experimentador interveio fazendo questionamentos que pudessem leválas ao desequilíbrio cognitivo. Os questionamentos apresentados nas sete situações se distribuíram em dois argumentos por inversão (por exemplo, Se eu “desentortasse” esta estrada deixando do jeito que estava antes, elas ficariam do mesmo jeito?), três por identidade (por exemplo, Por que esta estrada ficou mais comprida, se as duas tinham o mesmo comprimento no início?), uma antecipação (pergunta-se às crianças como as estradas ficariam se fossem arrumadas como estava no começo), e o retorno empírico.

 

RESULTADOS

Gênero e faixas etárias em relação à aprendizagem e traços de personalidade

No pós-teste 1, dos 36 sujeitos, 23 (64%), mantiveram- se como não-conservadores, 9 (25%) como intermediários e 4 (11%) atingiram o nível de conservador. Por sua vez, no pós-teste 2, 26 (72%) dos sujeitos foram classificados como não-conservadores, 6 (17%) como intermediários e 4 (11%) como conservadores. Em 21 sujeitos não se pôde observar a sensibilidadedo sistema cognitivo para mudança, pois se mantiveram como não conservadores nas três avaliações. Os 15 sujeitos restantes apresentaram pontos diferentes de níveis evolutivos e formas distintas de reação do sistema cognitivo: 5 sujeitos indicaram mudança evolutiva com estabilidade; 3 sujeitos sugeriram ganho, mas não estabilidade; os 7 sujeitos restantes indicaram que o sistema cognitivo foi sensível à perturbação apresentando flutuação do sistema.

No pós-teste 1, a aprendizagem observada não se diferenciou nem em relação ao gênero (t=1,45; p=0,157), nem em relação às duas faixas etárias (t=0,94; p=0,352). Com relação ao pós-teste 2, o gênero também não produziu diferenças significativas (t=0,67; p=0,508), mas a idade, sim (t=2,25; p=0,031), sendo que os mais velhos obtiveram maiores rendimentos que os mais novos.

A fim de verificar se os traços de personalidade apresentavam intensidades diferentes em relação às variáveis gênero e idade analisou-se as médias correspondentes. Em ambos os pós-testes, apenas um resultado no pós-teste 1 mostrou-se significativo estatisticamente, qual seja, psicoticismo (t=2,65; p=0,012), com uma tendência dos sujeitos mais novos a terem pontuações mais altas.

Aprendizagem e traço de personalidade

Com o objetivo de averiguar se os traços de personalidade conseguiriam explicar a aprendizagem observada, tanto no pós-teste 1 quanto no pós-teste 2, usou-se a análise de regressão. Os resultados estão na tabela 1.

A análise por regressão múltipla indicou que os traços de personalidade psicoticismo e adequação foram significativos para explicar o desempenho dos sujeitos quanto à aprendizagem no pós-teste imediato. Por esses dados, psicoticismo explica mais o resultado da aprendizagem, avaliada no pós-teste 1, do que adequação.

 

A hipótese deste estudo previa uma seqüência a seqüência E,A,P,N, em ordem decrescente, em razão do nível de desempenho na aprendizagem. Segundo a análise estatística dos dados, encontrou-se a seguinte ordem: P,A,E,N; apenas as variáveis P (psicoticismo) e A (adequação) foram significativas para explicar o fenômeno da aprendizagem nesta medição (pós-teste 1).

Os resultados da análise por regressão múltipla no pós-teste 2, encontram-se na tabela 2. Conforme pode ser verificado, a análise dos dados do pós-teste 2 não forneceu nenhum resultado significativo para as quatro dimensões da personalidade.

 

CONCLUSÕES

A presente pesquisa objetivou verificar quais tipos de relações podem ser estabelecidas entre o desempenho dos sujeitos e suas diferenças individuais quanto a traço de personalidade. O conceito de aprendizagem aqui tratado baseou-se nas conseqüências da teoria do desenvolvimento de Jean Piaget. Como propõe Sisto (1993,1997), a técnica do conflito cognitivo, em vez de oferecer como modelo, a resposta certa para o sujeito e treiná-lo até que ocorra a aprendizagem, trabalha com a resposta dada pelo sujeito, questionando-o a fim de leválo a perceber possíveis contradições em sua resposta e reelaborar seu raciocínio. Além dos aspectos cognitivos, outras variáveis presentes no processo de aprendizagem foram envolvidas, como os aspectos sociais e afetivos.

Com base nas definições e características desses traços, estabeleceu-se a seqüência E,A,P,N dos traços de personalidade para explicar o desempenho das crianças. Essa hipótese foi analisada considerando-se duas medições de aprendizagem (pós-teste imediato e retardado), já que esse fenômeno foi compreendido como uma aquisição que perdura no tempo. No pós-teste 1, a análise de regressão indicou significância com a variável psicoticismo seguida de adequação. No pós-teste 2, nenhum dos traços de personalidade pôde predizer o resultado do desempenho verificado.

Esperava-se que os sujeitos extrovertidos fossem sensíveis à técnica do conflito sócio-cognitivo (Palkovic, 1979; Eysenck, 1992), apresentando fortes indicadores de aprendizagem, por caracterizarem como abertos à interação, desafiados a participar e interessados em novidades. Contudo, os resultados não indicaram relações significativas entre extroversão e aprendizagem, nas condições em que foi produzida, colocando dúvidas sobre essas relações, como outros estudos já o fizeram (Francis & Montgomery, 1993; Maqsud, 1993; Robinson, Gabriel & Katchan, 1994; Furnahm & Medhurst, 1995).

Com respeito ao traço psicoticismo, a hipótese levantada nesta pesquisa foi ambígua. Por um lado, previa dificuldades na interação com o outro (fato importante na técnica de intervenção utilizada neste estudo), pensando-se que poderia prejudicar a aprendizagem. Por outro lado, considerou-se que esse traço contribuiria para a aprendizagem, uma vez que o sujeito, não se envolvendo emocionalmente, poderia agir sem se deixar influenciar pelo outro. Na literatura não se encontrou consenso a esse respeito. Alguns autores encontraram relações positivas (Wilson & Lynn, 1990, por exemplo), outros inversas (Francis & Montgomery, 1993; Maqsud, 1993; Csorba & Dinya, 1994). Todavia, Furnham e Medhurst (1995) chegaram à conclusão que o psicoticismo foi preditor de desempenho acadêmico, mas não em todas as situações. Quanto à medição do traço de personalidade psicoticismo no pós-teste imediato, nesta pesquisa ele foi o fator que mais explicou a aprendizagem aí observada.

Essa dimensão da personalidade prevê sujeitos com certas características, segundo as quais socialização, sentimentos de empatia, culpabilidade e sensibilidade para com os outros são não muito consideradas. Pode se supor que na medida em que eles não se dispersam com essas questões podem melhor refletir sobre o conflito e superar suas contradições.

No que se refere ao traço adequação, o presente estudo também levantou uma hipótese ambígua. Por um lado, crianças com alta pontuação em adequação social poderiam se mostrar complacentes com os colegas, não tirando proveito da situação. Por outro lado, por estarem atentas às normas sociais, procurariam responder bem às solicitações. A literatura informa tanto relações positivas desse traço com aprendizagem (Francis & Montgomery, 1993) como inversas (Palkovic, 1979; Maqsud, 1993; Csorba & Dinya, 1994). O traço adequação apresentou relação significativa na análise de regressão, no pós-teste imediato, apresentando-se como um componente explicativo do processo de aprendizagem. Esse resultado leva a supor que indivíduos com alta pontuação em adequação, na medida em que se preocupam com as conformidades sociais, estando atentos às relações interpessoais, reagem bem na aprendizagem com o outro.

Quanto traço neuroticismo, a hipótese do presente trabalho previa que os sujeitos com alta pontuação em neuroticismo poderiam vir a apresentar baixo índice de aprendizagem, devido a sua instabilidade emocional e dificuldade de adaptação. A controvérsia da literatura concerne a encontrar relações positivas com aspectos da escolarização (Wilson & Lynn, 1990; Francis & Montgomery, 1993; Robinson, Gabriel & Katchan, 1994) ou relações inversas (Palkovic, 1979; Maqsud, 1993; Csorba & Dinya, 1994). Contudo, neste estudo, nenhuma das análises estatísticas feitas apresentou relação significativa.

Retomando a hipótese colocada, apenas parcialmente algumas de suas relações puderam ser comprovadas e apenas no resultado imediato de uma aprendizagem. Há que se considerar o fato de que a noção utilizada como conteúdo da aprendizagem, quando no processo de aquisição espontânea, só é adquirida numa idade mais avançada, entre 8 ou 9 anos, enquanto que os sujeitos desta pesquisa variaram de 5 anos e 6 meses a 7 anos e 2 meses. Ao lado disso, uma boa parte dos sujeitos não chegou a estabilizar a aprendizagem, considerando o pós-teste 2. Nesse contexto, a necessidade de mais pesquisas nessa direção faz-se necessário, com vistas, principalmente, a analisar sujeitos cujos sistemas cognitivos se estabilizem no processo de aprendizagem e compará-los com sujeitos cuja estabilidade não foi observada.

 

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Recebido em: 27/02/03
Revisado em: 01/04/03
Aprovado em: 11/06/03