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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.7 n.2 Campinas dez. 2003

 

ARTIGOS

 

I Congresso Nacional de Psicologia - Ciência e Profissão: o que tem sido feito na Psicologia Educacional

 

I Congresso Nacional de Psicologia - Ciência e Profissão: what has been done in educational psychology

 

 

Acácia Aparecida Angeli dos Santos*1; Katya Luciane de Oliveira**2; Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly*3; Adriana Cristina Boulhoça Suehiro4

*Universidade São Francisco-Itatiba-SP

**Universidade de Alfenas (UNIFENAS).

 


RESUMO

Este trabalho objetivou analisar a produção científica em psicologia educacional apresentada em 304 painéis no I Congresso Brasileiro de Psicologia, Ciência e Profissão. A análise baseou-se em alguns critérios da metaciência, a saber, temática, autoria, modalidade, discurso e análise de dados, descritos nos resumos apresentados nos anais do congresso. Os resultados indicaram que houve uma diversificação das temáticas, com a maioria dos trabalhos incluídos numa categoria não prevista pela organização do congresso (Outros) para a área de Escola/Educação. A produção foi predominantemente feminina e de múltipla autoria. Quanto ao discurso, verificou-se que os resumos apresentaram um bom nível de elaboração, contendo os tópicos essenciais. Houve predominância de relatos de pesquisa em relação às outras categorias e a análise dos resumos desta modalidade mostrou que a maioria apresentava todos os itens necessários ao discurso científico. A análise qualitativa dos dados foi a forma de tratamento mais utilizada nos resumos avaliados.

Palavras-chave: Cientometria, pesquisa, Ciência brasileira, Publicação, Conhecimento científico


ABSTRACT

This reserarch aimed to verify the scientific production in educational psychology showed by 304 posters in the I Congresso Brasileiro de Psicologia, Ciência e Profissão. The analyse was based in the meta-analyses criteria: theme, authory, type, report and data analyse, described in the congress annals. The results indicated that the themes were very diversified with the most part of works included in another category, not previewed by the congress organization (Others) for the School/Education field. The production was mostly femail and with multiple authory. The abstracts demonstraded a good construction level, containing the essential topics. The practical report was predominant in relation of the others categories and they presented the most important items of the scientific discourse. The qualitative analyse was the treatment form most used in the abstracts evaluated.

Keywords: Scientometrics, Research, Publication, Scientific Knowledge.


 

 

INTRODUÇÃO

A Produção Científica no Brasil

Foi no século XX que a produção científica teve um grande crescimento nos diversos segmentos da sociedade brasileira (Witter, 1999). Corroborando com essa afirmação, Carelli (2002) observa que no Brasil, desde o período colonial, há indícios da realização de pesquisas, no entanto, o avanço da área científica era muito reduzido se comparado aos países mais desenvolvidos por falta de apoio das universidades, inexistentes à época. Com a criação dos institutos de pesquisas iniciou-se o desenvolvimento da ciência no século XIX, tornando-se uma área mais sólida nas três primeiras décadas do século XX, com a criação das primeiras universidades no país.

Meneghini (1998) destaca que de 1987 a 1998 a produção nacional cresceu 65% em relação a países como Chile, Argentina, Colômbia e México, o que expressa um notável avanço da produção científica brasileira. Apesar disso, de modo geral, a produção da América Latina não é ainda visível no cenário internacional. Em uma pesquisa sobre a produção científica de autores brasileiros, Izique (2002) evidenciou que o número de publicações brasileiras em periódicos indexados tem apresentado um progresso considerável, ocupando a nona posição dentre os vinte países que registraram maior crescimento de publicações nesse tipo de periódico. A autora observa que um dos critérios utilizados para a indexação é o da base de dados do Institute for Scientific Information – ISI, os quais implicam em uma seleção criteriosa.

Considerando-se que as publicações brasileiras tenham crescido no cenário mundial de 0,83% em 1997, para 1,33% em 2000, a produção científica nacional é maior do que a indexada pelo ISI. Esse fato também foi observado por Meneghini (1998) que afirma que 80% da produção nacional não se encontra publicada em periódicos indexados.

Quanto ao crescimento das publicações, Freitas (1998) considera que há algumas explicações para o fato, tais como, pressão institucional, crescente socialização do ensino, quantidade de pesquisadores ativos e a competitividade em relação aos financiamentos. Hoje os pesquisadores podem contar com recursos que são repassados dos governos estaduais e federal por agências de fomento (CNPq, FINEP, CAPES, FAPESP), além do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT). Outros fatores associados são a quantidade de cursos de mestrado (1159) e doutorado (616) que exigem, via de regra, que seus docentes apresentem produção em forma de publicação (resumos em anais de congressos, artigos e livros ou capítulos de livros).

Avaliar a quantidade e qualidade das produções é essencial, pois assegura o desenvolvimento e aprimoramento das áreas e das atividades de pesquisas (Freitas, 1998; Meneghini, 1998). Porém, observa-se que avaliar se tornou um termo empregado em diversos contextos, com diferentes juízos, objetos e significados (Depresbiteris, 1997). A concepção da palavra avaliação, segundo Almeida (1997) é ampla, pois possui diversos significados como, por exemplo, apreciação, estimação, determinação de valor, diagnóstico, controle, classificação, análise, entre outros. No caso da avaliação da produção científica o termo mais adequado a ser empregado é o de análise. Para Witter (1996, 1999), analisar a produção científica possibilita o conhecimento e orientação da atuação do pesquisador, proporcionando a melhora da qualidade da vida do homem e o crescimento na área. Tal análise traduz a evolução do conhecimento e pesquisa, que são essenciais para a formação e a atualização profissional.

Os primeiros trabalhos de análise da produção científica em psicologia iniciaram-se na década de setenta, com revisões históricas da produção. Nessa época utilizava-se a metodologia da revisão de literatura para realizar a análise. Nos anos oitenta e noventa observa-se o uso de estratégias que se aproximavam da cientometria (Witter C., 1996). Atualmente é realizada baseando-se na metaciência que segundo Witter (1999), permite analisar dimensões abrangentes e pontuais da produção científica. Dentre os possíveis materiais de análise estão o discurso que contempla os seguintes itens: título, resumo, palavras-chave, estrutura, referências e características verbais. Ao lado disso, a metodologia também é apreciada em aspectos tais como, objetivos, tipologia, sujeitos, materiais, procedimentos e variáveis. Como parte do tópico temática são analisados itens como, tema, origem do tema, variáveis, classificações, thesauros e conclusões. Também é possível focalizar-se a análise de dados e, dentro dela, verifica-se o procedimento, recursos e a natureza da análise desenvolvida (qualitativa, quantitativa ou mista). A análise dos enfoques também pode ser realizada e concerne na verificação das teorias e modelos apresentados. Outros itens passíveis de apreciação são a autoria e a vinculação do trabalho.

Yamamoto, Souza e Yamamoto (1999) observam que a produção científica é alvo de investigações em diversos países e destacam que no Brasil ela aparece de forma muito mais vigorosa em anais de congressos do que em artigos de periódicos, como seria desejável. A pesquisa sobre a produção científica feita por Prat (1998) descreve as atividades do Comisión Nacional de Investigación Científica y Tecnológica do Chile (CONICYT). Há muitos pesquisadores brasileiros analisando as produções típicas do próprio campo. Esse fato pode ser observado nas pesquisas recentes de Meneghini (1998), Noronha (1998), Coimbra Jr. (1999), Figueira, Leta e De Meis (1999), cujos estudos variam desde a análise de anais de congressos, revistas científicas, dissertações e teses até àquelas que têm como material de estudo base de dados de bibliotecas virtuais. Mas há que se ressaltar que a produção em psicologia ainda é relativamente pequena se comparada a outras áreas do conhecimento (Yamamoto, Souza & Yamamoto, 1999).

 

A psicologia escolar e educacional e a produção científica

A psicologia escolar e educacional, voltada para a análise e intervenção em contextos educacionais, pode ser entendida como um instrumento de promoção social e cultural de mudanças. Engloba aspectos relacionados ao ensino e aprendizagem, ao processo de desenvolvimento, à estrutura curricular, à orientação e à formação continuada de professores, bem como ao estabelecimento de parcerias com as famílias, desde a educação infantil até o ensino universitário. É uma prática ainda em desenvolvimento, visto que tem pouco mais de cem anos. Atualmente os psicólogos que atuam nessa área utilizam os mais variados métodos e técnicas que refletem as diversas formas de entender a psicologia e a educação. Nesse contexto, o que diferencia o psicólogo escolar de outras especialidades da psicologia é o papel desenvolvido por ele como um profissional socialmente comprometido, cujos valores e padrões éticos norteiam sua prática (Gomes, 1999; Joly, 2000).

A psicologia tem muito a crescer e afirmar-se dentro do sistema educacional, sendo que o psicólogo escolar ainda não tem um espaço de atuação profissional consolidado (Almeida, 1999, Neves, Almeida, Chaperman & Batista, 2002) destacam. Nesse sentido, Del Prette (1999) discute que a falta de consideração com a área começa com a própria LDB que em seu artigo 71 ‘professa a impossibilidade de se conceber a inserção do psicólogo no quadro funcional da escola’ (p. 13). Tal afirmação, por óbvio, restringe a profissionalização dos psicólogos que se dedicam à área. Sobre esse aspecto, Gomes (1999) ressalta que mesmo com a falta de um reconhecimento maior por parte das autoridades, a psicologia escolar vem se desenvolvendo e se auto afirmando. As necessidades da área estão relacionadas às questões de formação, ao papel político desempenhado pela prática do psicólogo escolar e às atividades de pesquisa.

No mesmo sentido, Del Prette (1999) expõe que dentro da psicologia escolar configura-se uma divisão entre as práticas profissionais. De um lado, estão os psicólogos graduados em psicologia que exercem atividades em situações escolares e educacionais e poucos são os que estão comprometidos com a pesquisa. Por outro lado, encontram-se os docentes pesquisadores que, de uma forma geral, atuam nas universidades e produzem o conhecimento na área.

Segundo a visão de Gomes (1999), o progresso científico, gerado a partir dos resultados das pesquisas, não chega ao campo onde a prática acontece. Para Almeida (1999) há que haver uma interação entre o conhecimento científico produzido e a atuação prática, o que promoverá o desenvolvimento e aprimoramento do profissional. Reforçando esta posição, Joly (2000) afirma ser imprescindível discutir-se um novo paradigma para a formação e atuação do psicólogo escolar pautado por ações preventivas em diferentes espaços institucionais.

Cabe destaque à produção científica que é muito importante, pois demonstra a qualidade da área e reafirma sua identidade como campo científico autônomo, como afirmam Azevedo e Aguiar (2001). No caso da psicologia escolar, a produção vem crescendo e ganhando destaque nos últimos anos. A pesquisa realizada por Witter C. (1996) analisou a produção nacional e estrangeira da área, enfocando as questões de formação e atuação profissional. Para tanto, avaliou três periódicos nacionais, seis internacionais e dois anais de congressos (um nacional e outro estrangeiro). Os resultados indicaram que a maior produção encontra-se na área clínica e que a produção na área de escolar concentra-se em aspectos como processos psicológicos, disciplinas acadêmicas, aprendizagem geral e problemas de aprendizagem. Outro dado importante é que a atuação profissional desponta como um dos temas mais estudado pelos pesquisadores.

Mais recentemente, Neves e cols. (2002) analisaram as modalidades de comunicações nos congressos nacionais de psicologia escolar e educacional, estudando 102 trabalhos publicados entre os anos de 1991 e 1998, em quatro anais dos congressos nacionais de psicologia escolar promovidos pela Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). Os trabalhos foram classificados em três modalidades, a saber, relatos de pesquisa, relatos de experiência e reflexões teóricas. Os resultados mostram que no primeiro e segundo congressos os trabalhos que apresentaram maior incidência foram aqueles classificados na modalidade reflexão teórica (75,8%; N=22) no primeiro congresso, e (58,5%; N=07) no segundo. Já nos terceiro e quartos houve uma maior incidência de trabalhos classificados na modalidade relatos de experiência (39,3%; N=13) para o terceiro congresso e (50%; N=14) para o quarto. Um dado que chama atenção é o crescimento dos trabalhos classificados na modalidade de relatos de pesquisa, sendo que nos primeiros congressos totalizavam 5 e nos dois últimos somavam 20.

Esses dados remetem à consideração de que um movimento de crescimento da pesquisa em psicologia escolar está se instalando. Tal fato não significa um desmerecimento dos demais trabalhos, mas há que se enfatizar que a atuação prática somente é bem fundamentada se tiver o respaldo do conhecimento científico construído a partir das pesquisas realizadas na área.

Para Witter C. (1996) conhecer e socializar o que é conhecido é uma preocupação de todos os segmentos da ciência. Nesse sentido, a autora destaca a importância da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), entidade científica e profissional, que por meio do periódico ‘Psicologia Escolar e Educacional’, tem por principal objetivo disseminar os conhecimentos relativos à área. Assim, constitui-se um importante espaço de divulgação, que colabora para que as pesquisas na área se difundam entre os profissionais, diminuindo a distância entre a pesquisa e a prática. Outro aspecto a ser enfatizado é a importância de eventos como os realizados pela própria ABRAPEE, que já organizou seis congressos nacionais ao longo dos treze anos de sua existência.

De forma geral, os congressos criam uma oportunidade privilegiada para a promoção e a socialização do conhecimento, aproximando os profissionais que se dedicam à academia e ao fazer ciência daqueles que se defrontam com os desafios da prática profissional. Este foi o elemento desencadeador para que várias entidades reunidas no Fórum de Entidades Nacionais de Psicologia (FENP) realizassem um evento de grande monta como o ‘I Congresso Brasileiro de Psicologia: Ciência e Profissão’. Tendo em vista a importância deste evento para a psicologia brasileira, entendeu-se como relevante que a psicologia escolar/educacional avaliasse como ocorreu sua participação e analisasse os tipos de trabalhos propostos por pesquisadores e profissionais da área. Nesse sentido, esta pesquisa teve como objetivo analisar a produção científica em psicologia escolar e educacional no ‘I Congresso Brasileiro de Psicologia Ciência e Profissão’, considerando-se os aspectos relacionados à temática, autoria, discurso, metodologia e análise de dados.

 

MÉTODO

O estudo foi realizado em duas partes, buscando analisar a produção científica veiculada no congresso referido. A primeira focalizou todos os painéis apresentados e a segunda apenas aqueles, cujos resumos os autores puderam ter acesso.

Composição da amostra

A amostra foi composta pelos 304 painéis da área Escola/Educação, divididos nas sub-áreas definidas pela Comissão Científica para a análise dos critérios (a) Temática e (b) Autoria. Para a análise dos demais itens, utilizou-se 199 painéis, cujos resumos estavam disponíveis no site do congresso.

Material

Livro de programação: é composto por 160 páginas. O índice geral traz os horários das atividades diárias divididas pelos dias da semana. Nesse índice também há uma suscinta apresentação do que será tratado nas atividades intituladas ‘Conversando sobre’ e de ‘Encerramento’. As páginas subseqüentes apresentam a programação geral.

Site do congresso: foi utilizado como fonte de consulta pois nele encontravam-se disponíveis on line os anais do congresso com muitos dos resumos dos painéis apresentados.

Procedimento

Os painéis foram analisados com base nos critérios estabelecidos por Witter (1996), sendo considerados os itens: (a) Temática, analisou-se a quantidade e a distribuição por áreas; (b) Autoria, identificou-se a natureza da autoria (individual ou múltipla), bem como, o gênero dos autores; (c) Discurso, avaliou-se o resumo quanto à presença de: objetivos, fonte documental ou sujeitos, materiais, procedimentos e resultados; (d) Modalidade, verificou-se a tipologia: relato de experiência, projeto de pesquisa, relato de pesquisa ou reflexão teórica; (e) Análise de dados, realizou-se a classificação do tipo de tratamento (qualitativo, quantitativo ou misto).

Todos os painéis da área Escola/Educação foram analisados quanto à temática e à autoria utilizando-se o livro de programação do evento. No entanto, para a análise dos demais itens foram considerados apenas os resumos que estavam disponíveis no site do Conselho Federal de Psicologia, onde estão os Anais do Congresso. O resultado de cada item foi considerado em função da concordância entre pelo menos três das quatro autoras.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No que se refere à análise da temática, os painéis foram agrupados, considerando as áreas de cada trabalho apresentado. Os resultados podem ser observados na Tabela 1.

 

Destaca-se que os trabalhos relacionados à Tecnologia Educacional, Educação Informal e Préescola apresentaram baixa freqüência de apresentação no congresso, comparando-se com as sub-áreas de Necessidades Especiais, Formação do educador e Orientação profissional, entre outras. Talvez esse fato tenha ocorrido por lidarem com temas que estão se desenvolvendo mais recentemente ou por falha do sistema de classificação criado. No caso da Pré-escola, a existência da sub-área Creche possivelmente tenha levado a uma divisão dos trabalhos relacionados à educação infantil entre essas duas sub-áreas. Outra possível explicação é o fato de que havia uma outra grande área no congresso, além da Educação/Escola, denominada Desenvolvimento Humano. Esta área pode ter aglutinado parte significativa dos trabalhos que foram desenvolvidos no ambiente da pré-escola, sendo opção de escolha dos autores, cujo foco era mais voltado ao desenvolvimento infantil do que a aspectos da aprendizagem que poderiam ocorrer nesse contexto.

Face às exigências da educação inclusiva, surgidas com a Lei de Diretrizes e Bases aprovada em 1996, muitas temáticas ligadas à sub-área Necessidades especiais passaram a ser muito discutidas e pesquisadas, não somente por psicólogos, mas também por pesquisadores da educação (Batista, 1997; Mantoan, 1997; Cordeiro & Aquino, 1998; Góes, 2000; Fanelli, 2003). Talvez este fato possa explicar o crescimento dos trabalhos apresentados neste congresso, cuja subárea foi uma das com maior número de painéis. Assim, mostra um panorama diferente, muito mais relacionado à nomenclatura, daquele encontrado por Witter C. (1996) que apontava que a produção científica em psicologia escolar estava mais focada em aprendizagem e suas dificuldades.

Vale destacar que a divisão em sub-áreas de cada campo da Psicologia foi proposta pela comissão científica do congresso, com base em sugestões de membros representantes das diversas entidades. No entanto, havia a possibilidade do participante inscrever seu trabalho numa grande área (no presente caso, a de Escola/ Educação) e, quando julgasse que o seu trabalho não se encaixava adequadamente nas sub-áreas disponíveis, incluí-lo numa sub-área denominada Outros. Nos trabalhos analisados verificou-se que esta categoria atingiu o percentual mais alto, o que leva a crer que as sub-áreas propostas não tenham sido suficientemente abrangentes para englobarem toda a diversidade de área educacional. É possível que a classificação proposta, mesmo pautada em áreas temáticas que emergiram de outras análises da produção no campo da psicologia escolar/educacional (Maluf, 1994; Witter C., 1996, entre outros), não tenha contemplado adequadamente as subdivisões existentes.

Novos trabalhos poderão explorar o conteúdo dos resumos classificados pelos autores no item Outros. Dessa forma, será possível identificar subcategorias que deverão estar presentes em eventos futuros e também vislumbrar novas tendências de linhas de pesquisa, bem como de atuação profissional que poderão surgir da referida análise.

A Tabela 2 mostra a análise da autoria do trabalho, considerando os dados referentes à autoria individual ou múltipla e ao gênero dos autores.

Observou-se que os trabalhos são realizados predominantemente por mais de um autor (82,89%; N=252), sendo que os de autoria individual representavam a minoria (17,11%; N=52) entre os constantes no livro de resumos. Não foi possível identificar qual era o gênero de 71 (7,69%) dos autores, pois seus nomes geraram ambigüidade quanto ao gênero, sendo esta a única referência para a análise. Os resultados também indicam que há um número maior de mulheres na autoria dos trabalhos (75,08%; N=693).

As áreas Outros (16,46%; N=152) e Necessidades Especiais (14,62%; N=135) foram as que apresentaram maior número total de autores e Educação Informal (0,75%; N=7) teve o menor número, mantendo a mesma classificação obtida em temática. Observou-se que a área Formação do educador foi a que contou com maior número de trabalhos com autoria individual (23,07%; N=12).

No que tange à análise dos resumos foram avaliados os itens (a) modalidade (relato de experiência, projeto de pesquisa, relato de pesquisa ou reflexão teórica); (b) discurso (objetivos, fonte documental ou sujeitos, materiais, procedimentos e resultados) e (c) análise dos dados (qualitativa, quantitativa ou mista). Para esta análise só puderam ser considerados os resumos que estavam disponíveis no site do congresso. A distribuição, por cada sub-área, dos resumos avaliados pode ser observada na Tabela 3. Observa-se que entre os 199 resumos disponíveis, as sub-áreas de Ensino superior e Outros foram as que tiveram um número maior de trabalhos (13,1%; N=26 cada uma) e os de Educação informal e Ensino médio as com um número menor (1,5%; N=3 e 2,0%; N=4 respectivamente). Não há informação no site que permita identificar o motivo pelo qual nem todos os trabalhos apresentados no evento tiveram seus resumos acessíveis pela Internet. Assim, só puderam ser analisados, em relação à categoria do discurso uma parte dos trabalhos, tal como a distribuição apresentada na Tabela 3.

 

As distribuições das análises referentes a cada categoria pesquisada (modalidade, discurso e análise de dados) foram elencadas na Tabela 4.

 

 

A modalidade relatos de experiência ainda ficou num número expressivamente menor que a de relatos de pesquisa, embora fosse um dos objetivos do congresso aproximar os profissionais em atuação dos acadêmicos, usualmente os responsáveis pelos relatos de pesquisa. Por um lado, tais resultados vêm ao encontro do que afirmam alguns estudiosos da área, ressaltado que o psicólogo escolar ainda não tem um espaço suficientemente consolidado no cenário educacional (Almeida, 1999; Del Prette, 1999; Gomes, 1999; Joly, 2000; Neves & cols., 2002). Por outro, mostram que a produção significativa em pesquisa, consolidando sua identidade como campo científico autônomo e produzindo conhecimento na área, tal como ressaltado por Witter C. (1996) e Azevedo e Aguiar (2001).

Verificou-se que, independentemente da modalidade do trabalho apresentado, a grande maioria tinha os elementos do discurso explicitado claramente. Em especial, os objetivos estiveram presentes em 185 resumos analisados (93,0%). Tal fato é um avanço na estruturação de resumos, visto que há estudos em metaciência que apontam para falhas evidentes na sua redação (Juliano, 1994, entre outros). Assim, vale destacar a qualidade dos resumos aqui analisados, que trouxeram aspectos informativos importantes, possibilitando a identificação do que realmente foi objeto da preocupação dos autores.

No que se refere aos elementos do discurso, foram considerados apenas os relatos de pesquisa como uma categoria especial, que englobou 132 (66,3%) dos resumos analisados. Para tanto, atribuiu-se um ponto a cada seção prevista na organização de um relato de pesquisa bem estruturado, a saber, (a) objetivo, (b) sujeitos ou fonte documental, (c) material, (d) procedimento e (e) resultados. Assim, um relato completo de pesquisa deveria atingir cinco pontos, sendo os resumos categorizados em completos (com pontuação 5) e incompletos (menos que 5 pontos). A Figura 1 mostra a distribuição das respostas obtidas em relação ao agrupamento realizado.

 

Pela distribuição dos resumos verifica-se que a grande maioria dos resumos apresentou todos os itens requeridos para serem classificados como completos. Tal fato também aponta para um amadurecimento dos autores e uma melhor capacitação para a elaboração do resumo de um relato de pesquisa. Vale destacar que este evento contou com a participação de psicólogos, professores e estudantes de psicologia (FENP, 2002). Assim, pode-se considerar que a qualidade dos relatos de pesquisa apresentados reflete o amadurecimento dos profissionais e estudantes da psicologia, interessados na área de Escola/Educação, demonstrando que os trabalhos apresentados possuem características mais adequadas do que os apresentados em outros eventos específicos da área, como demonstra o estudo de Neves e cols. (2002) ao analisarem as modalidades de comunicação nos congressos nacionais de psicologia escolar e educacional.

Também referente aos relatos de pesquisa, analisouse qual a análise de dados mais utilizada (quantitativa, qualitativa ou mista). Os dados obtidos encontram-se apresentados na Figura 2.

Os resultados indicam que a análise qualitativa predominou como forma de análise de dados (50,8%; N=67). Apenas um resumo não trazia o tipo de análise especificada. Mais uma vez fica evidenciada a qualidade dos resumos apresentados que, além de fornecerem informações sobre os resultados alcançados (comentado anteriormente), também esclareciam sobre o tipo de tratamento utilizado para a análise dos dados obtidos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Os resultados apontam algumas tendências da psicologia escolar/educacional no Brasil. Assim, verificase que a área, mesmo não tendo ainda o merecido reconhecimento, foi uma das mais representativas no I Congresso Brasileiro de Psicologia: Ciência e Profissão. Pelo número de painéis apresentados foi a segunda área em representatividade, só ficando atrás da que reuniu os trabalhos da psicologia clínica e da saúde. É lamentável que mesmo assim poucos estados e municípios brasileiros dêem o devido espaço aos profissionais da área no sistema público de ensino.

Confirma-se em termos de autoria a feminilização da área, com a predominância do gênero feminino na autoria dos trabalhos apresentados. Ao lado disso, verificou-se também a tendência de apresentação de trabalhos em grupos em todas as sub-áreas e nas diferentes modalidades apresentadas.

Parece que o objetivo pretendido pelo Fórum de Entidades Nacionais de Psicologia foi atingido quando se olha para a característica dos painéis apresentados. Em termos de modalidade, o número de painéis de relatos de pesquisa foi bem superior ao de relatos de experiência, trazida possivelmente pelos profissionais em atuação. No entanto, pode-se dizer que o objetivo pretendido de aproximar pesquisadores e profissionais da área foi alcançado, tendo em vista que pode ser considerado que o percentual de experiências relatadas, embora em número inferior, pode ser considerado bastante expressivo.

Merece destaque especial a qualidade dos resumos que foram apresentados em todas as modalidades. A maior parte dos trabalhos atendeu os requisitos esperados do discurso, característicos de um resumo bem elaborado, especialmente os inscritos na categoria de relato de pesquisa.

Como limitação deste estudo assinala-se o fato de que nem todos os resumos puderam ser analisados pela inacessibilidade aos dados. Além disso, em função da característica deste trabalho não se avaliou os conteúdos dos resumos, para que se pudesse verificar eventuais avanços em termos dos delineamentos de pesquisa utilizados e a diversificação do referencial teórico apresentado. Fica a sugestão de que outros estudos nesse sentido sejam empreendidos.

 

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Recebido em: 20/05/03
Revisado em: 18/06/03
Aprovado em: 01/07/03

 

1 Psicóloga. Doutora em Psicologia pela USP, docente do curso de psicologia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia, da Universidade São Francisco-Itatiba-SP.
2 Psicóloga. Mestre em Psicologia pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia, da Universidade São Francisco-Itatiba-SP, docente da Universidade de Alfenas (UNIFENAS).
3 Psicóloga. Doutora em Psicologia pela USP, docente dos cursos de psicologia e pedagogia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia, da Universidade São Francisco-Itatiba-SP.
4 Aluna de graduação em Psicologia pela USF-Itatiba-SP. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC-CNPq. Aluna de graduação em Psicologia pela USF-Itatiba-SP. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC-CNPq.