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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.7 n.2 Campinas dez. 2003

 

ARTIGOS

 

Avaliação do desempenho de crianças e intervenção em um jogo de senha

 

Children´s performance assessment and intervention ina master mind game

 

 

Lino de Macedo1; Ana Lúcia Petty2; Gisele Escorel de Carvalho3; Valquiria Carracedo4

Instituto de Psicologia da USP

 


 

RESUMO

Os objetivos foram analisar, na perspectiva construtivista de Piaget, como crianças resolviam e compreendiam problemas relativos a um jogo de Senha e apresentar formas de intervenção face às respostas dos sujeitos e aos critérios propostos para a análise das respostas. O procedimento consistiu em solicitar que 60 crianças, entre 7 e 12 anos de idade, preenchessem formulários, sobre suas decisões em relação aos problemas propostos. As respostas foram classificadas em três níveis: 55% dos sujeitos (N=33) apresentaram um desempenho correspondente ao nível I, 20% (N=12) ao nível II e 25% (N=15), ao nível III. Classificar as formas de resolução por níveis indicou que recursos foram utilizados pelas crianças para resolverem o desafio do Senha. Estas análises possibilitaram a sugestão de intervenções a serem feitas por profissionais interessados na aprendizagem escolar de crianças por meio de jogos.

Palavras-chave: Construtivismo, Jogos, Aprendizagem escolar.


 

ABSTRACT

The research had a two-fold objective. Firstly to analyse how children solved and comprehended problems related to a Master Mind game, in a constructivist perspective (Piaget). Secondly, to present different forms of intervention as a consequence of collected observations within the context of the research and the criteria proposed to analyse the answers. In order to put data together, 60 children between 7 and 12 years of age filled in forms, challenging them to register their decisions about the proposed problems. Based upon their answers, it was possible to submit three performance levels. Results show that 55% (N=33) were classified at level 1, 20% (N=12) at level 2 and 25% (N=25) at level 3. The resources used by the children to solve the game’s challenge propitiated the proposition of intervention suggestions to be made by professionals who deal with children and are interested in using games in the school context.

Keywords: Constructivism, Games, School learning.


 

 

INTRODUÇÃO

Os jogos de Senha (Macedo, Petty & Passos, 1997) caracterizam-se pelo desafio de se descobrir algo, apoiando-se em informações parciais e indiretas. No caso do presente estudo, fundamentado em Piaget (1983) trata-se de ordenar as letras A, B e C de algum modo, propondo à criança que encontre essa ordem, dispondo para isso da informação sobre o número de letras colocadas no lugar certo, mas sem que se diga onde. Esse tipo de jogos é particularmente interessante, pois pode promover o desenvolvimento de raciocínios dedutivos, na medida em que a combinação particular é inferida pelas antecipações possibilitadas pelo número de “acertos” ou “erros” cometidos. Assim, se uma pessoa diante da proposta “BCA” recebe a informação “0” (significando isso que nenhuma das letras está na posição correspondente à combinação escondida), pode antecipar, ou seja, eliminar como possibilidades, nas jogadas futuras, as combinações BAC, ACB, CBA. Esse foi justamente o objetivo deste estudo: verificar como crianças, depois de alguma prática com o jogo, antecipavam, de forma procedimental e explicativa, uma resposta ou regra.

Um dos usos experimentais do jogo de Senha por Piaget (1983). está em seu livro sobre a “Evolução dos necessários nas crianças”. A questão estudada referese à conduta da criança em uma situação em que “as informações condicionam-se mutuamente”. Nessa situação, a jogada seguinte é favorecida se as informações já disponíveis nas jogadas anteriores forem consideradas (combinações propostas para as letras e número de posições corretas ou não). Outra importância teórica em termos do jogo de Senha refere-se à interdependência, para ser bem sucedido, entre o realizar as jogadas e o compreender (interpretar) as informações disponíveis (jogadas anteriores e informação sobre o número de posições certas). Ou seja, trata-se de uma situação em que realizar e compreender são complementares, irredutíveis (já que um não se confunde com o outro) e indissociáveis.

No presente estudo, as duas considerações teóricas, acima mencionadas, foram investigadas por meio de problemas a serem resolvidos por crianças entre sete e doze anos. É importante destacar que esta pesquisa realizou-se em um contexto de oficinas de jogos e intervenções e que, ao contrário de Piaget, as crianças não foram entrevistadas, e sim, responderam por escrito os problemas propostos, os quais foram analisados posteriormente, considerando os objetivos da pesquisa.

Tendo como referência os estudos de Piaget (1983) usando o jogo de Senha, muitas pesquisas foram realizadas. Em sua tese de doutorado, Rossetti (2001) fez uma revisão das pesquisas sobre jogos desenvolvidas nas duas últimas décadas. Com base nestas informações, é possível constatar que pesquisas recentes em que jogos são usados como recurso experimental, na perspectiva de Piaget, utilizam o Senha como instrumento para analisar o pensamento de crianças e adolescentes. Dentre elas, destacam-se as análises microgenéticas realizadas por Abreu (1993) e Queirós (1995, 2000), cujos resultados contribuem para compreender as formas de resolução dos desafios e identificar tipos de erros produzidos pelos sujeitos estudados, visando caracterizar certas dificuldades e discutir as implicações pedagógicas no que se refere à aprendizagem e ao desenvolvimento infantil. Outra pesquisa, realizada por Brenelli (1996), apresenta interessantes informações sobre a contribuição do uso de jogos, como o Senha, para investigar como raciocinam as crianças ao resolverem problemas, afirmando que a ação de jogar interfere favoravelmente na construção do pensamento operatório. Em sua pesquisa sobre a construção de possíveis, Piantivani (1999) também escolheu este jogo, relacionando duas situações de intervenção psicopedagógica: uma relativa ao contexto do jogo e outra, propondo problemas a serem resolvidos. Ainda merecem destaque as pesquisas desenvolvidas por Ortega & cols. (1993, 1994, 1995). Nestas, mais uma vez os jogos de Senha foram utilizados para analisar o raciocínio infantil. Os resultados indicaram que a intervenção psicopedagógica favorece a produção de respostas de qualidade superior, se comparados aos inicialmente observados, e que alunos de escolas de abordagem construtivista jogam Senha melhor que alunos de escolas “não-construtivistas”. Ainda tendo o Senha como referência, outros estudos foram realizados, tendo os jogos como instrumento e o construtivismo de Piaget como fundamentação teórica.

De modo geral, pode-se afirmar que os autores já citados e Macedo (1992, 1994), Souza (1994), Petty (1995), Rabioglio (1995), Petty e Passos (1996), Macedo, Petty e Passos (1997), Carracedo (1998), Magalhães (1999) e Torres (2001) valorizam a contribuição da ação de jogar, tanto para fornecer informações aos pesquisadores ou professores, como para desenvolver atitudes e competências nas crianças.

O valor dos jogos para o desenvolvimento e a aprendizagem de alunos do Ensino Fundamental também é um dos temas que norteiam o trabalho desenvolvido no Laboratório de Psicopedagogia (LaPp) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. O contexto das atividades supõe propostas de jogos e intervenções, por meio de questionamentos e realização de situaçõesproblema. Os objetivos são: (a) oferecer uma alternativa de acompanhamento e intervenção para alunos com dificuldade de aprendizagem ou em recuperação, visando a diminuição do fracasso escolar e (b) promover a construção de habilidades cognitivas e sociais próprias ao pensamento operatório, oportunizando o desenvolvimento de atitudes favoráveis ao jogo e, por extensão, à aprendizagem. No contexto das atividades são valorizados aspectos como: atenção, organização e autonomia, bem como, conhecimentos matemáticos e lingüísticos.

 

OBJETIVOS

Os objetivos da presente pesquisa foram, primeiro, analisar como crianças resolviam e compreendiam problemas relativos a um jogo de Senha. Segundo, apresentar formas de intervenção como conseqüência das observações realizadas no contexto da pesquisa e dos critérios propostos para a análise das respostas.

 

MÉTODO

Sujeitos e local

Para realizar esta pesquisa, foram analisados protocolos de 60 crianças entre 7 e 12 anos de idade, estudantes de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental, em escolas públicas ou particulares. Estes alunos fazem parte do projeto de apoio psicopedagógico para a aprendizagem escolar, realizado em forma de oficinas de jogos, no Laboratório de Psicopedagogia (LaPp) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Estas oficinas têm duração de uma hora e meia, sendo que em cada uma delas 12 alunos realizam práticas de jogos e desafios sob a direção de dois docentes e um estagiário (cursando a graduação do curso de Psicologia).

Material

Foram elaborados três formulários diferentes. Um deles serviu para as crianças realizarem o registro das partidas disputadas. Nesse registro em uma coluna a criança fazia sua proposta e em outra indicava o número (0, 1 ou 3) de acertos com referência à combinação escondida pelo outro jogador.

Os outros dois formulários continham questões para a resolução de problemas, sendo que nos dois casos as crianças deveriam responder por escrito. No primeiro deles foram propostos três problemas do tipo RJS (“resolver jogada seguinte”), com o objetivo de avaliar o saber procedimental dos sujeitos. Para isso, foi solicitado que completassem o quadro abaixo:

 

O outro formulário tinha o objetivo de avaliar o saber operatório dos sujeitos, isto é, verificar se compreendiam as relações entre proposta, escore obtido e próxima proposta. Para isso, foram formulados dois problemas do tipo CJS (“compreender jogada seguinte”): 1) Se você joga e tira 0, o que faz na próxima tentativa? 2) Se você joga e tira 1, o que faz na próxima tentativa?

Os problemas eram de diferentes naturezas e graus de desafio. No formulário sobre os problemas RJS, a proposta era completar três jogadas, como se fossem partes do contexto de uma partida: nos itens 1 e 2, o jogador deveria indicar qual seria sua próxima tentativa, a partir do resultado de uma jogada já realizada. Já o item 3, apresentava um desafio maior, uma vez que o jogador deveria considerar, simultaneamente, duas jogadas já realizadas. Nas três propostas, a informação numérica (resultado da jogada) foi indicada. Estes problemas foram denominados “resolver jogada seguinte” (RJS), pois a exigência era fazer um registro, que implicava uma tomada de decisão na prática, ou seja, particular a um conteúdo. No formulário sobre os problemas CJS, o jogador deveria explicar, por escrito, qual o procedimento que adotava para realizar duas jogadas propostas. Neste caso, o jogador deveria registrar seu procedimento para realizar qualquer situação em que obtivesse escore=0 e escore=1. Estes problemas foram denominados “compreender jogada seguinte” (CJS), propondo explicar como fez, ou seja, tratava-se de formular uma regra que expressasse um jogar bem, de ordem geral.

Procedimentos para coleta e análise dos dados

Um docente explicou as regras do jogo, realizando três partidas na lousa como ilustração. Em duas delas, deveria descobrir uma combinação escondida pelo grupo de alunos e na outra, propôs que o grupo a descobrisse. As dúvidas relativas às regras foram respondidas e, em seguida, foi explicado como deveriam proceder para anotar as partidas. Cada criança jogou quatro vezes como quem descobre e outras quatro como quem esconde.

Pode-se questionar o sentido desta etapa, já que os protocolos das partidas serviram somente para as crianças aprenderem as regras, tendo sido desconsiderados para a análise de desempenho. Sua justificativa deve-se ao fato de fazer com que as crianças jogassem várias partidas para que aprendessem as regras do jogo. Sem isto, seria impossível exigir que elas pudessem responder aos problemas, já que estes pressupõem saber jogar (mas não necessariamente saber jogar “bem”).

Há ainda uma outra observação sobre esta etapa de aprendizagem do jogo: caso um jogador acertasse a combinação escondida na primeira tentativa, deveria iniciar uma outra partida e esta era desconsiderada para a contagem. Esta conduta justificou-se, pois não seria possível exercitar a ação de jogar propriamente dita, em uma partida bem sucedida por acaso. Neste jogo, é fundamental jogar várias partidas para assimilar as regras e construir procedimentos favoráveis. Com isso, valorizou-se a lógica em detrimento da sorte, ainda que esta última fosse sempre parte do contexto, pois acertar “sem pensar” é uma possibilidade (desde que o jogador combine as três letras, sem repetição).

Ao final desta proposta (jogar oito partidas de Senha), foram entregues os formulários que continham os problemas, para serem resolvidos individualmente. Para preencher o formulário que continha os problemas do tipo RJS (“resolver jogada seguinte”), houve pouca conversa no ambiente da pesquisa, tanto das crianças entre si como das crianças com os adultos. As instruções foram fornecidas individualmente e consistiram em apontar os quadros e pedir que cada espaço fosse preenchido com uma resposta, fazendo com que se observasse que era a continuação de uma partida já iniciada. Quando uma criança terminava e ia entregar o protocolo, solicitava-se que conferisse suas respostas. Em alguns momentos, se ela não conseguia conferir e pedia ajuda, um dos pesquisadores lia junto e ela própria conferia se queria manter ou mudar o que tinha produzido.

Com relação ao formulário sobre os problemas CJS (“compreender jogada seguinte”), houve mais conversa entre adultos e crianças, pois era exigido um registro por escrito e nem todas as crianças conseguiam expressar sua forma de jogar com clareza. Isto fez com que houvesse algumas colaborações, que foram consideradas na análise dos resultados, no item relativo à autonomia para realizar a tarefa, ou seja, o tipo de ajuda concedida e/ ou solicitada.

No preenchimento do formulário sobre problemas CJS, portanto, quando alguma criança solicitou a presença do adulto para responder às questões, esta informação foi anotada nos protocolos para ser levada em consideração nos resultados. Diferentes tipos de auxílio foram concedidos às crianças, variando desde a leitura do enunciado e “ditado” do que queriam escrever (ajuda na produção escrita), até uma releitura de uma resposta já produzida pela própria criança, que só queria um interlocutor. Cumpre ressaltar que, em nenhum caso, a resposta “certa” foi fornecida e nem tão pouco foram dadas informações quanto aos “acertos” e “erros” produzidos.

Para a coleta de dados, coube aos adultos presentes o papel de: (a) organizar a distribuição e recolha dos formulários; (b) tirar dúvidas restantes quanto às regras; (c) acompanhar as partidas, sem interferir nas tentativas dos jogadores, visando garantir a não produção de erros por parte dos “informantes” (quem escondia a combinação), e (d) apresentar e/ ou explicar as propostas dos problemas.

Como procedimento de análise dos dados, é importante ressaltar que a classificação dos protocolos foi realizada por três docentes das oficinas separadamente, ou seja, num primeiro momento, cada um analisou o conjunto de protocolos sem trocar informações e só num segundo momento, compararam as avaliações, chegando a um consenso nos poucos casos em que houve dúvidas com relação à interpretação dos resultados apresentados nos protocolos.

 

RESULTADOS

Para realizar a análise dos resultados foram consideradas exclusivamente as respostas aos formulários, visando interpretar (observar e compreender) o que cada criança produziu para continuar uma partida (respostas aos problemas RJS, “resolver jogada seguinte”) e para explicar uma jogada (respostas aos problemas CJS, “compreender jogada seguinte”).

As Tabelas 1, 2 e 3 sintetizam os resultados obtidos. Ao analisar esta tabela, é possível identificar alguns aspectos interessantes. Dentre eles, pode-se destacar: (a) nas situações “RJS” (“resolver jogada seguinte”) 1 e 2, há mais acertos do que erros e na situação “RJS” 3, há mais erros; (b) nas situações “CJS” (“compreender jogada seguinte”) 1 e 2, há mais erros do que acertos; (c) comparando as situações “RJS” e “CJS”, há mais erros nesta última; (d) a quantidade de erros produzidos em cada situação do tipo RJS é diferente, sendo que o menor número refere-se à RJS2 e o maior à RJS3. Isto pode ser explicado da seguinte maneira: na RJS2, a criança tem três chances de acerto (dentre 6 combinações possíveis, poderia produzir como respostas BAC, ACB ou CBA), isto é, deveria “afirmar” o lugar de uma das letras, fixando-a. Na RJS3, tinha somente uma chance de acerto, ou seja, teria que produzir ACB. Neste caso, deveria considerar simultaneamente as duas combinações apresentadas, “negando” todos os lugares já “utilizados”. Por sua vez, a situação RJS1 permitia duas possibilidades de respostas: CAB ou BCA, sendo que a criança também teria que “negar” os lugares da combinação já realizada.

Ao analisar a Tabela 2, também é possível identificar alguns aspectos interessantes: (a) 2 crianças repetem jogadas já realizadas, sendo que não há repetição de jogada quando o escore=0; (b) 4 crianças repetem o lugar da 1a letra de uma jogada anterior e, portanto, a maioria muda de lugar pelo menos esta letra; (c) se há repetição do lugar de uma letra, é mais freqüente quando esta não é a 1a letra da combinação proposta pela criança; (d) na RJS2, houve o maior número de acertos, sendo que, das 44 crianças que acertaram, 18 fixaram a 1a letra; (e) na RJS3, ocorreu o maior número de erros, ou seja, das 60 crianças, só 26 acertaram a resposta.

Existe uma diferença dos resultados do problema CJS1 da Tabela 1 (em que há 18 acertos e 42 erros) em relação à Tabela 3 (que apresenta 34 acertos e 26 erros, como dados referentes à mesma situação).

 

Isto se deve ao fato de que, a Tabela 1 implicou uma interpretação das respostas produzidas, para definir “acerto” ou “erro”, havendo uma relação de interdependência entre as respostas das situações CJS1 e CJS2. Na presente tabela, o interesse era descrever as respostas, independentes umas das outras.

Esta tabela pode ser mais bem compreendida a partir da análise dos conteúdos de cada resposta, apresentados abaixo e também por meio de algumas observações. Problemas CJS 1 (O que fazer com escore 0?). Respostas consideradas certas: Eu faço BAC depois de tentar ACB. Mudo tudo de lugar. Tiro todas do lugar. Ex: ABC–BCA. Se CBA=0, eu faço BAC para ver se acerto. Se é 0, faço ACB–BAC –CBA. Mudo a senha e não repito a letra naquele lugar. Tento fazer uma nova senha sem usar a mesma ordem anterior. Troco todas as letras de lugar. Inverto tudo. Tento outra maneira, mudo as três. Respostas consideradas erradas: Eu troco as letras: a primeira na última e a última na primeira, e a do meio, no meio. Eu tento de novo. Coloco diferente. Mudo todas. Tento não repetir. Embaralho as letras. Chuto para ver se acerto. Penso mais. Tento tirar um número maior. Eu acerto. Jogo de novo até conseguir as três respostas. Problemas CJS2 (O que fazer com escore 1?). Respostas consideradas certas: Eu faço CBA depois de tentar CAB. Deixo uma e mudo duas. Tiro duas do lugar. Ex.: ABC – CBA. Eu coloco esta letra na mesma posição. Repito uma letra e as outras duas mudo de lugar. Eu vejo se é o primeiro, segundo ou terceiro nas jogadas. Aposto em um que esteja lá. Jogo uma letra repetida e as outras diferentes do último jogo. Penso numa das três e coloco uma igual. Respostas consideradas erradas: Tento colocar outra seqüência. Mudo todas. Faço diferente. Eu penso bastante no um.

Escrevo o que escolho. Mudo o que não acertei. Eu tento descobrir o que errei. Eu penso na que eu não joguei. Eu acerto todas. Eu tento imaginar a letra. Eu tento tirar 10 ou um número maior. Jogo de novo até conseguir as três respostas.

Como já mencionado anteriormente, há respostas aos problemas CJS1 que, se consideradas independentes da CJS2, poderiam estar corretas. No entanto, ao compararmos ambas (interdependência), fica claro que o jogador não tinha uma hipótese sustentável e/ ou generalizável no contexto como um todo. Por exemplo: respostas como “mudo tudo de novo”, “coloco diferente” ou “não ponho a mesma letra” seriam corretas, se, na outra situação, não apresentassem estas, respectivamente: “mudo tudo de novo”, “coloco diferente” e “troco de letra”.

Uma outra análise possível das respostas produzidas pelas crianças é agrupá-las de acordo com seus acertos e erros. Assim, com base nas informações contidas nas sínteses das tabelas e quadros apresentados acima, foi possível caracterizar três níveis de desempenho.

Apresentamos a seguir os critérios utilizados para a classificação das respostas das crianças, correspondentes ao nível I. Combinações possíveis: a1-b1-c; a1-b2- c; a2-b1-c ou a2-b2-c:

Formulário com três jogadas para completar (situação “próxima jogada”): (1) Errou 1 jogada, sendo a situação 3; (2) Errou 2 ou 3 jogadas.

Formulário com duas questões (situação “escrita”): (1) Errou as 2 explicações; (2) Só acertou porque teve ajuda do adulto.

Autonomia em relação ao adulto: nenhuma, ou seja, não conseguiu escrever sozinha (a criança recorre ao adulto para ajudá-la a elaborar a resposta, pois não consegue traduzir em palavras a explicação das suas jogadas).

Exemplos de Nível 1:

 

Para serem classificadas como nível II, as respostas da criança deveriam ser as apresentadas a seguir, excluindo as seguintes combinações: a1-b1-c; a1-b2- c; a2-b1-c e a4-b3-c.

(a) Formulário com três jogadas para completar (situação “próxima jogada”): (1) Errou tudo; (2) Errou até duas jogadas; (3) Errou uma jogada, mas não a situação 3; (4) Acertou tudo.

(b) Formulário com duas questões (situação “escrita”): (1) Errou as duas explicações; (2) Acertou uma das explicações; (3) Acertou as duas explicações, ainda que nem sempre muito claras (com exemplo, ao invés de escrever uma resposta completa).

(c) Autonomia em relação ao adulto: Relativa, ou seja, recorreu ao adulto em vários momentos.

Exemplos de Nível 2:

 

Para a classificação das respostas como nível III, foram considerados os seguintes critérios:

(a) Formulário com três jogadas para completar (situação “próxima jogada”): (1) Errou uma jogada, mas não a situação 3; (2) Acertou tudo.

(b)Formulário com duas questões (situação “escrita”): Acertou as 2 explicações, sendo o texto escrito compreensível e comunicável.

(c)Autonomia em relação ao adulto: Total, ou seja, conseguiu escrever sozinha (a criança recorre ao adulto para contar o que fez, comentando sua estratégia, e não para ajudá-la a elaborar a resposta).

Exemplos de Nível 3:

 

Os resultados indicam que, dos 60 formulários analisados 55% (N=33) são de nível 1; 20% (N=12) de nível 2 e 25% (N=15) de nível 3. Como se pode observar, há uma predominância de protocolos de nível 1.

Níveis “intermediários”

Algumas respostas do tipo CJS, dependendo da exigência do avaliador, poderiam ser re-classificadas e, portanto, merecem um destaque. Em outras palavras, não estão suficientemente claras, mas apresentam indícios que sugerem uma forma “melhor” ou “superior” em relação à maioria das produções do nível em que foi “classificada”. Vejamos alguns exemplos:

(a) LUI – (Nível 1) Escore=0 Þ “jogo mudando a letra”. (Comentário: não dá para ter certeza de que mudaria TODAS as letras).

Escore=1 Þ “repito o mesmo número da minha escolha”. (Comentário: parece que fixaria uma letra, mas de novo, não é possível afirmar que é isto que faria). (b) NAL – (Nível 1)

Escore=0 Þ “tento fazer uma nova senha, sem usar a mesma ordem anterior”. (Comentário: não dá para ter certeza de que mudaria TODAS as letras).

Escore=1 Þ “tento adivinhar qual a letra que estava certa”. (Comentário: a idéia do jogo não é adivinhar, mas deduzir. No entanto, a nomenclatura não seria problema, se a criança tivesse mencionado que mudaria o lugar das outras letras “não certas”).

(c) GUS – (Nível 1) Escore=0 Þ “embaralho as letras”. (Comentário: não dá para ter certeza de que mudaria TODAS as letras).

Escore=1 Þ “escrevo o que escolho”. (Comentário: não dá para saber o que pretendia com esta frase).

(d) MIL – (Nível 1) Escore=0 Þ “eu penso uma outra ordem das letras”. (Comentário: não dá para ter certeza de que mudaria TODAS as letras).

Escore=1 Þ “tento descobrir a letra que acertei”. (Comentário: faltou mencionar que critério utilizaria para descobri-la).

(e) NAT – (Nível 1)

Escore=0 Þ “faço outra maneira, mudando a letra”. (Comentário: não dá para ter certeza de que mudaria TODAS as letras).

Escore=1 Þ “tento imaginar a letra”. (Comentário: esta resposta sugere que a criança fixaria uma letra, mas não dá para ter certeza).

(f) DAN – (Nível 2) Escore=0 Þ “faz uma outra senha, não com as mesmas letras, mas com diferente”. (Comentário: não dá para ter certeza de que mudaria TODAS as letras).

Escore=1 Þ “vejo se é primeiro, segundo ou terceiro nas jogadas”. (Comentário: esta resposta também sugere que a criança fixaria uma letra, mas não dá para ter certeza).

 

DISCUSSÃO

As duas possibilidades de analisar protocolos (identificar qualitativamente o que foi produzido e classificar por níveis), fornecem importantes informações sobre as formas de respostas apresentadas pelas crianças para resolverem problemas. Assim, na perspectiva do profissional, estas constatações contribuem para estruturar o projeto de trabalho desenvolvido nas oficinas no que se refere às intervenções, visando a melhoria na qualidade das produções e, como conseqüência, uma mudança de nível das respostas das crianças. Além disso, dependendo do tipo de erro, há uma forma de intervenção diferente, adequada para a necessidade do sujeito e adaptada à sua compreensão da situação. Em outras palavras, se a criança produz uma resposta considerada insuficiente para resolver o problema proposto e também apresenta uma quantidade de erros que a classificam no nível I, é necessário um trabalho de intervenção que possa ajudá-la a perceber a incompletude ou insuficiência do que está produzindo (realizando), mesmo que ainda não possa superar seus erros. Seria inadequado propor ou esperar que já pudesse corrigi-los ou, pior ainda, antecipá-los (compreendê-los). No caso específico do Senha ABC, uma intervenção importante com crianças cujas respostas são de “nível I” seria jogar junto várias partidas, pedindo explicações em ação, explicitando suas contradições. Por exemplo: “Você tirou 1, disse que tinha que fixar uma letra e mudou todas. E agora?”. Neste nível, os melhores resultados de intervenção referem-se à possibilidade de colocar a criança em contato com os erros produzidos, uma vez que, em geral, nem notam sua existência.

No caso de produções de nível II, há uma oscilação nas respostas apresentadas. As crianças começam a errar menos, têm dúvidas, sabem realizar, mas ainda não conseguem compreender. Em outras palavras, o momento é de desequilíbrio em relação ao sistema, ou seja, a criança já começa a perceber erros, embora não seja capaz de superá-los sozinha. Mais uma vez, intervir adequadamente poderá contribuir para uma mudança de nível. Retomar uma partida e analisar as decisões tomadas pode ser um bom recurso de intervenção para crianças que estão com dúvidas em relação aos procedimentos adotados, revezando “boas” jogadas com jogadas puramente “no chute”. Ao se confrontar com seus erros, pode compreendê-los e evitá-los em outras partidas.

É só no nível III que as respostas das crianças expressam uma síntese entre o realizar e o compreender. No entanto, esta síntese não garante acertar sempre, daí o valor que atribuímos às intervenções e ao diálogo com as crianças após jogar e resolver situaçõesproblema (Macedo, 2002).

Todo este processo de intervenções durante ou após o jogar tem como objetivo uma conscientização das ações executadas para melhorar o desempenho no jogo. No entanto, as mudanças que ocorrem não são restritas a este contexto. Como foi apresentado na introdução, o trabalho desenvolvido nas oficinas visa à melhoria do desempenho escolar e este é o principal enfoque ou meta: ir melhor no jogo para ir melhor na escola. Nosso olhar é sobre “o que aprendo sobre a criança quando joga” e isto significa dizer que se busca avaliar continuamente para intervir melhor. Avaliar, neste caso pode ser definido como observar, regular, interpretar e localizar. Intervir, por sua vez, é definido como adequaro desafio às necessidades de cada criança, visando a regulação da produção em função das informações obtidas. Assim sendo, o processo de avaliação formativa (Hadji, 1993; Perrenoud, 1998) implica a consideração simultânea de duas ações: observação e regulação. A regulação implica uma análise da situação para confirmar o que está “certo” e corrigir o que está “errado”. Daí a importância das intervenções, tanto no que se refere ao realizar (no nosso caso, jogar mais) e ao compreender (discutir o que foi produzido, questionar jogadas, explicar estratégias, compartilhar idéias).

É possível fazer uma analogia entre o realizar e o compreender na perspectiva de nossas pesquisas com jogos. Se no livro “4Cores, Senha e Dominó” (Macedo, Petty & Passos, 1997) os jogos são apresentados sob a ótica de “o que fazer” e “como jogar” (destacando os procedimentos ou a realização), na presente pesquisa pretendemos dar “pistas” sobre “o que observar”, sobre “como analisar” as respostas das crianças ao jogarem Senha (destacando as análises possíveis ou o compreender). A idéia, portanto, foi focar o olhar do pesquisador sobre os resultados e, mais que isto, sobre as implicações destes resultados, bem como sobre os indícios do pensamento infantil, expressos nos protocolos, visando contribuir para o trabalho pedagógico ou clínico, no que se refere à avaliação e intervenção por meio de jogos. Com isto, valorizamos a importância do trabalho com jogos como promotor de generalizações. Em síntese, do ponto de vista do adulto, elaborar situações-problema e analisar estratégias são recursos didáticos que podem (e devem!) servir como base para o desenvolvimento de muitas atividades que não são necessariamente relativas a contextos de jogos. E, do ponto de vista da criança, enfrentar situações-problema e discutir estratégias para sua resolução, também são recursos preciosos para poderem lidar com os desafios escolares tendo melhores condições de superarem dificuldades.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 01/07/03
Revisado em: 06/08/03
Aprovado em: 05/12/031

 

1 Professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, coordenador do Laboratório de Psicopedagogia (LaPp) do Instituto
de Psicologia da USP.
2 Mestre em Psicologia Escolar pelo Instituto de Psicologia da USP, técnica do LaPp/ IPUSP.
3 Especialista em atendimento a alunos com dificuldade escolar, integrante do LaPp/ IPUSP.
4 Mestre em Pedagogia do Movimento Humano pela Escola de Educação Física e Desporto da USP, integrante do LaPp/ IPUSP.