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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.7 n.2 Campinas dez. 2003

 

HISTÓRIA

Psicologia e eduacação: 50 anos de atividades1

 

 

Geraldina Porto Witter2

UMC/PUC-Campinas

O ciclo de vida profissional inclui etapas interligadas que influem umas nas outras: escolha da profissão, formação, atuação, preparo para aposentadoria e aposentadoria. Variáveis que influem numa etapa podem permanecer presentes em todas as demais, como é, por exemplo o prazer de poder ajudar o outro a se desenvolver ou da leitura. Outras são mais circunscritas a uma dada etapa como é o caso da influência do conteúdo específico de uma dada disciplina. As etapas são artifícios didáticos, de utilidade para a exposição, a análise ou o ensino, mas com variação de intensidade as variáveis estão tão relacionadas entre si que é difícil, quase impossível dizer que não estejam presentes do momento que surgem no ciclo até o final do mesmo, para não dizer o final dos dias vividos. Além disso a vida pessoal não é um viver distinto da vida profissional, não são linhas paralelas, são linhas entrelaçadas como fios de uma meada de linha. Estas influências estão presentes na vida de qualquer profissional, formam o pano de fundo de um evoluir que só se divide em etapas para facilitar a apresentação do complexo vivenciado de modo mais lógico, seqüencial e sem múltiplos complicadores.

Na apresentação que se segue está subjacente o complexo destas variáveis para as quais não se estará aqui chamando a atenção com a freqüência que merecem. Entre elas podem ser lembradas pessoas como avós, pais, amigos, colegas, professores de todos os níveis de escolaridade, esposo, filhos, diretores e outros como chefes, alunos, o próprio trabalho (especialmente de ensino e pesquisa) e as leituras.

Quando se completa 50 anos de exercício profissional, trabalhando na Psicologia e na Educação parece ser um marco temporal adequado para se fazer um balanço do que foi realizado. Todavia, face ao espaço disponível será feita aqui uma apresentação de cunho mais quantitativo sem maiores avanços no significado emocional que tiveram e sem adentrar nos prazeres, angústias e tristezas que povoam a vida profissional.

A escolha da Educação como área de atuação foi quase uma imposição materna, que temia ver a filha casar e parar de estudar. Isto nunca ocorreria já que desde os três ou quatro anos já havia aceito como natural a necessidade de aprender algo novo todos os dias (discurso e ação das avós). Mas a mãe (Custódia N. Porto) ao casar, com pouco mais de 15 anos largara os estudos e isto sempre foi uma nuvem em sua alegria de viver. Nuvem que ela afastava com muita leitura. Assim, por sua insistência e para sua tranqüilidade a filha foi ser normalista. Foi aí que encontrou a Psicologia, conduzida pelas mãos de uma professora (Maria Aparecida Arouca) que sabia transmitir o conteúdo e o prazer que este conhecimento trazia, além disso, usava o saber psicológico muito bem em sala de aula. Não era uma produtora de conhecimento mas com criticidade ao transferir conhecimentos indicava a necessidade de pesquisar. Assim a insistência da mãe, assegurou a dupla oportunidade: o prazer do ensinar e o encontro da Psicologia, como área do conhecimento tão rica e útil para o ser humano.

Formada professora normalista a Autora assumiu o trabalho, em agosto de 1953, tomando posse de uma cadeira (assim eram chamadas as vagas) na 3ª Escola Mista de Mogi das Cruzes. A experiência mostrou a necessidade de dar continuidade aos estudos. Havia problemas, falta de recursos financeiros, universidade só em São Paulo, filha com três anos, trabalho etc. Mas não são realmente barreiras quando se quer ir além e se encontra apoio na família e estímulo entre os amigos.

Na USP a ênfase em quase todas as disciplinas era o fazer ciência; ser auxiliar nas pesquisas dos professores; fazer pesquisas e ir às fontes originais eram atividades comuns. Aprendia-se muito conteúdo, mas criticamente também se discutia como o mesmo fora gerado e suas limitações. Acabava-se sempre com a eterna e inevitável constatação que o universo desconhecido era imenso e só uma nesga era conhecida, que após a pesquisa mais questões pairavam sem respostas do que se tinha conseguido descobrir. Aos poucos isto perde o caráter de frustração para assumir o de propulsor na busca de se conhecer um pouco mais. A pós-graduação tornou isto mais marcante e mais premente a necessidade diária de busca de informação. Doutorou-se em Ciências em 1969 e obteve o título de livre docente em Psicologia Escolar em 1977 na mesma Universidade (IPUSP).

Paralelamente à formação, continuou a vida como docente no primário (hoje Fundamental), uma rápida vivência no ginasial e colegial (ensino médio) e, em seguida, ensino superior, primeiro em uma instituição estadual isolada (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro) depois na Universidade de São Paulo, na qual se aposentaria em 1983. Por um período de dois anos (1970-1972) também atuou em Ribeirão no Curso de Psicologia que lá funciona, para estabelecer uma base para a Psicologia Escolar. Em 1977 começou a atuar na Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal da Paraíba e, aos poucos, também colaborou em outros cursos. A preocupação básica era formar recursos humanos, docentes pesquisadores para as regiões menos favorecidas.

Após a aposentadoria começou a trabalhar na Especialização em Psicologia Escolar, recém criada na PUC-Campinas, como professor visitante e em 1985, após concurso, como docente da pós-graduação. Em 1990 fez concurso para docente titular em Psicologia e ao mesmo tempo em Biblioteconomia e Ciência da Informação já que também vinha atuando nesta área na referida Universidade.

Ao longo dos 50 anos, a Autora aprendeu muito, com muitos, professores, alunos, funcionários e familiares. É devedora de todos que colaboraram para que continuasse a seguir a solicitação da avó de estar ciente de ter aprendido algo novo a cada dia. Também tem por certo que ajudou a muitos caminhando com eles em parte de suas trajetórias ou apenas cruzando com eles por breves momentos. O balanço é de que estes contatos foram sempre enriquecedores, mesmo quando doloridos, pois sempre foi possível encontrar o lado positivo, receber o que se necessitava e dar ao outro o apoio que esperava.

Antes de apresentar alguns dados quantitativos relacionados a esta trajetória cabe lembrar alguns pontos: (1) resultam de uma formação da qual muitos participaram; (2) a inspiração e o estímulo veio também do contato com muitos; (3) a inserção em tópicos diversos decorreu muitas vezes da necessidade de respeitar e de acompanhar a motivação de orientandos, tanto quanto da necessidade de pesquisa na área; (4) a preocupação subjacente predominante sempre foi produzir para as necessidades nacionais e de informação para o profissional-pesquisador, ou mesmo o profissional consumidor brasileiro como forma de melhorar a realidade nacional; (5) os dados dizem respeito ao período de início da profissão até março de 2003, incluindo o período de ensino fundamental e médio, quando só em agosto se completaria o ciclo de 50 anos e (6) de muitas atividades (como palestras e mesmo mais recentemente apresentações de trabalhos em eventos, sem anais impressos) não tendo comprovantes ou registros não foram computadas.

Para facilitar a contextualização da produção ao longo da carreira segue a apresentação de um rol geral da experiência de ensino da autora.

Experiência de Ensino (níveis)

1. Ensino Primário (1953-1962) 3ª Escola Mista G.E. Braz Cubas

2. Ensino Secundário Concurso Público – 1961 Dr. Washington Luiz (1965-1966)

3. Ensino Superior Assistente – Cadeira de Psicologia e Psicologia Educacional da FFCL de Rio Claro (1963-1965. Assistente – Cadeira de Psicologia e Psicologia Educacional da FFCL da USP (1965-1969).

Assistente Doutor – Departamento de Psicologia da Aprendizagem da USP (1969-1970).

Assistente Doutor – Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do IP USP (1970-1977).

Profª Regente da Disciplina Psicologia Escolar e História 215 Problemas de Aprendizagem da FFCCH da USP Ribeirão Preto (1969-1972).

Profª Orientadora do Curso de Pós-Graduação em Lingüística da FFLCH da USP (1971-2002).

Profª Orientadora do Curso de Pós-Graduação em Psicologia Escolar do IP USP (1970-2001).

Profª Titular do Centro de Educação da UFPb (1977- 1980). Profª Orientadora do Mestrado de Educação da UFPb (1978-1983).

Profª Orientadora do Mestrado de Biblioteconomia da UFPb (1980-1985).

Profª Orientadora do Mestrado de Psicologia da UFPb (1981-1985). Profª Orientadora do Mestrado de Biblioteconomia da PUC-Campinas (1988-1998).

Profª Orientadora do Mestrado e Doutorado de Psicologia da PUC-Campinas (1985 até o presente).

Gestora do Curso de Psicologia da UMC (2000 até o presente.

As tabelas a seguir apresentam uma síntese quantitativa da trajetória aqui considerada.

 

Orientação de trabalhos acadêmicos é uma atividade muito reforçadora pela oportunidade que enseja de poder contribuir para o crescimento do outro e ao mesmo tempo é uma situação em que se aprende muito com o orientando, se vê a própria curiosidade científica estimulada. Orientação implica em trocas muito ricas que vão, em muitos casos, além do conhecimento técnico-científico, ocupa uma posição impar nas relações afetivas tanto interpessoais como do trabalho em si mesmo.

Associada às orientações estão a participação em bancas e comissões examinadoras acadêmicas, em cujos bastidores e em sua ocorrência pública também se pode contar com trocas preciosas de experiência de vida que vão além da aprendizagem acadêmica. Esta atividade aparece condensada na Tabela 2.

 

Entre as várias formas de levar o conhecimento científico aos outros, integrantes ou não da comunidade universitária está o discurso oral, que se concretiza em vários tipos e níveis distintos conforme a audiência. É neste âmbito que muitas vezes são estabelecidas novas relações entre as pessoas, se tem a oportunidade de sentir as preocupações e as necessidades dos profissionais que estão atuando. A Tabela 3 apresenta parte desta atuação da Autora como responsável pela apresentação de discurso técnico-científico em locais e para públicos diversos. É aqui, especialmente no ensino hoje chamado de fundamental e médio (1º e 2º graus) que menos comprovantes do realizado se tem acumulado, mas também ocorre no ensino superior e em associações. Este dado tem importância para as agências avaliadoras de cursos e para a avaliação do profissional. O que importa mesmo é ter levado adiante a informação.

 

 

A publicação é outra forma de levar aos pares e à sociedade em geral o resultado do trabalho gerado pelo profissional. Ao longo dos 50 anos aqui enfocados esta preocupação não se fez presente nos primeiros anos de formação e de atuação. Em parte isto decorre das contingências educacionais, de trabalho e mesmo de veículos de divulgação científica então vigentes. Hoje há muito mais oportunidades e estímulo para a publicação do que havia nos anos 60 e 70. O panorama mudou para melhor, embora não seja inteiramente satisfatório e haja muitos aspectos a merecer discussão mais ampla. Neste último tópico vale lembrar que embora a publicação e o impacto de uma publicação em termos de citação no exterior seja hipervalorizado hoje, a probalidade de sua influência no profissional que atua no Brasil e de mudança na realidade nacional acaba sendo muito limitado. Há que se cuidar primeiro dos que aqui podem fazer a diferença, junto a todos que anseiam por aprender e melhorar a qualidade de vida dos brasileiros. Eles é que poderão fazer a diferença.

A Tabela 4 apresenta a contribuição da Autora em termos de vários tipos de publicações.

 

 

Os dados são indicativos de que à trajetória vivida gerou uma produção aceitável, poderia ser maior se outras fossem as contingências de vida e outras decisões tivessem sido tomadas ao longo da mesma. Não foram aproveitadas todas as oportunidades surgidas nem foram criadas chances, vivenciou-se o ocorrido. Mas ao lado das relações pessoais, do atender ao chamado de orientandos, colegas e amigos tudo foi sempre feito com muito cuidado, amor e disposição para doar-se e ajudar o outro ir além. Assim, pode-se dizer que há um sentimento de dever cumprido, mas há também a sensação da tarefa incompleta, de não ter cumprido a totalidade do que podia ter realizado. Mas valeu ter feito o percurso e encontrado tantas pessoas.

 

 

1 Síntese da apresentação feita no VI Congresso Brasileiro de Psicologia Escolar e Educacional, realizado em Salvador, Bahia, em abril de 2003
2 Docente da UMC/PUC-Campinas