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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.8 n.1 Campinas jun. 2004

 

ARTIGOS

 

Avaliação das práticas educacionais de um programa de atendimento a alunos superdotados e talentosos

 

Evaluation of educational practices a gifted and talented program

 

 

Renata Rodrigues Maia-Pinto1; Denise de Souza Fleith2

Universidade de Brasília

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo avaliar o rendimento acadêmico e a criatividade de alunos de um programa de atendimento a alunos superdotados e talentosos, investigar a percepção de professores, alunos e mães acerca das atividades e estratégias educacionais implementadas no programa, bem como examinar a extensão em que tais atividades e práticas educacionais se diferenciam das utilizadas em sala de aula regular. Participaram do estudo 77 alunos, do ensino fundamental e médio, que freqüentavam o programa, 11 professores que atuavam no programa, 6 professores de sala de aula regular e 6 mães de alunos do programa. Os resultados indicaram que alunos com habilidade em áreas acadêmicas apresentaram rendimento acadêmico superior aos da área artística que, por sua vez, obtiveram escores superiores no teste de criatividade. A percepção de professores, alunos e mães acerca das atividades empregadas no programa era positiva. As práticas educacionais utilizadas no programa se diferenciavam moderadamente das implementadas na sala de aula regular.

Palavras-chave: Práticas educacionais, Alunos superdotados.


ABSTRACT

This study evaluated the impact of a program designed to meet the needs of gifted and talented students on the academic performance and creativity of its participants, to investigate teachers’, students’ and parents’ perception of activities and strategies implemented in the program, as well as to examine the extent to which activities and educational strategies adopted in the program differ from the ones used in the regular classes. Seventy-seven students who attended the program, 11 teachers who worked in the program, 6 teachers from regular clasrooms and 6 parents of students from the program participated in this study. The results indicated that academically gifted students had a better academic performance than talented students, who obtained a higher score in the creativity test. The perception of teachers, students and parents about activities developed in the program was positive. Educational practices implemented in the program were moderately different from that adopted in regular classrooms.

Keywords: Educationalpractices, Giftedstudents.


 

 

Introdução

A presença, em sala de aula, de crianças com características fora do padrão da classe é uma constante preocupação para os educadores. Quase sempre, trabalhar com essa criança é um desafio para o professor. Quando o aluno apresenta um rendimento abaixo da média da classe, o professor logo percebe. As ações para este fim são, hoje, bem divulgadas no ambiente escolar e há um certo consenso de que esta criança precisa de um atendimento extra ou de estratégias de ensino especiais que favoreçam o seu desenvolvimento. No entanto, se a criança apresenta um desempenho acima da média, sobressaindo-se de alguma maneira, na maioria das vezes, o que acontece é o reconhecimento de que este é um ótimo aluno, com um futuro brilhante. Entretanto, são oferecidas, a este aluno, poucas oportunidades de incremento de suas habilidades. Neste sentido, muitos estudiosos têm chamado a atenção para a importância de se reconhecer e estimular, em sala de aula, o potencial de alunos superdotados e talentosos (Callahan, 1986; Renzulli, 1986; Tomlinson, 1995; Guenther, 2000; Alencar & Fleith, 2001; Maia-Pinto & Fleith, 2002).

Muitas definições de superdotação têm sido propostas (Renzulli, 1986; Davis & Rimm, 1994; Freeman & Guenther, 2000; Heller, Mönks, Sternberg & Subotnik, 2000; Alencar & Fleith, 2001). Alencar e Fleith (2001) afirmam, por exemplo, que “superdotação é um construto psicológico a ser inferido a partir de uma constelação de traços ou características de uma pessoa” (p. 52). Sugerem que uma definição só deve surgir depois que houver uma discussão de metas ou objetivos gerais a serem alcançados em um determinado programa.

A definição de superdotação que consta nas Diretrizes Gerais para o Atendimento Educacional dos Alunos Superdotados e Talentosos (Ministério da Educação, 1995) e que é adotada por alguns programas brasileiros, considera crianças superdotadas e talentosas as que apresentam notável desempenho e/ou elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual superior, aptidão acadêmica específica, pensamento criador ou produtivo, capacidade de liderança, talento especial para artes visuais, artes dramáticas e música e capacidade psicomotora. Entretanto, segundo Renzulli (1986, 1999, 2001), esta concepção, apesar de abranger diversas áreas, não leva em conta fatores afetivos. Para ele, as seis categorias não são paralelas, uma vez que as categorias aptidão acadêmica e artes são áreas de desempenho e as demais são processos que podem se manifestar em áreas de desempenho.

Nesse sentido, o autor propõe uma definição de superdotação denominada concepção dos três anéis, que afirma ser a superdotação o resultado da interação de três fatores: habilidade acima da média, envolvimento com a tarefa (motivação) e criatividade. Habilidade acima da média, que seria o primeiro anel, envolve duas dimensões: (a) habilidades gerais, que consistem na capacidade de processar informações, de integrar experiências que resultem em respostas apropriadas e adaptadas a novas situações e na capacidade de se engajar em novas situações; e (b) habilidades específicas, que consistem na capacidade de adquirir conhecimento, prática e habilidades para atuar em uma ou mais atividades de uma área específica.

Motivação ou envolvimento com a tarefa, o segundo anel, refere-se a uma forma refinada e direcionada de motivação, uma energia canalizada para uma tarefa em particular ou uma área específica.

Criatividade, o terceiro anel, envolve aspectos que geralmente aparecem juntos na literatura: fluência, flexibilidade e originalidade de pensamento e, ainda, abertura a novas experiências, curiosidade, sensibilidade e coragem para correr riscos. Vale observar que a criatividade não está, exclusivamente, relacionada à área artística, mas à qualquer área de interesse do aluno. É importante ressaltar que os três anéis não precisam estar presentes ao mesmo tempo e nem na mesma intensidade, mas é necessário que interajam em algum grau para que possa resultar em um alto nível de produtividade.

Esta definição foi utilizada no presente estudo porque, além de incluir fatores intelectuais e afetivos do desenvolvimento do aluno superdotado, apresenta um forte embasamento empírico e está constantemente sendo revista e avaliada (Gubbins, Emerick, Delcourt, Newman & Imbeau, 1995; Renzulli, 1999; Westberg & Archambault, 1995). É importante destacar, ainda, que a adoção de uma definição específica de superdotação deve estar em harmonia com as práticas e serviços educacionais oferecidos aos alunos com altas habilidades.

Estratégias Educacionais Direcionados aos Alunos Superdotados

Existem hoje, em diversas escolas brasileiras, programas para atendimento a alunos especiais. Porém, a grande maioria está direcionada para crianças infradotadas. Segundo Fleith (1999), a idéia de que o aluno superdotado tem recursos suficientes para desenvolver habilidades e produzir conhecimento é um mito que se reflete no uso limitado de práticas educativas direcionadas a esta clientela. É necessário que se desenvolvam estratégias educacionais que atendam as necessidades dos alunos superdotados e talentosos. Neste sentido, algumas práticas educacionais têm sido usualmente indicadas para o trabalho com o aluno superdotado (Renzulli, 1994; Renzulli & Reis, 1997; Fleith, 1999; Alencar & Fleith 2001). Dentre elas, podem ser ressaltados o enriquecimento, a compactação, a modificação ou diferenciação curricular, e a aceleração do aluno superdotado. Segundo Alencar e Fleith (2001), atividades de enriquecimento podem ser implementadas em salas de aula regular ou em salas especiais. Geralmente, estas atividades são implementadas individualmente, com cada aluno por meio do estudo independente, ou são organizadas investigações em pequenos grupos de interesse onde são oportunizados minicursos e desenvolvimento de centros de interesses. Um exemplo desta modalidade é o Modelo de Enriquecimento Escolar (Renzulli, 1986, 2001; Renzulli & Reis, 1997) que propõe a inclusão, em cada unidade do currículo regular, de serviços instrucionais que ajustem o conteúdo e estratégias educacionais às características dos alunos, incrementem a quantidade e a qualidade das experiências deste aprendizado e ofereçam vários tipos de enriquecimento às experiências escolares. Já a aceleração é um processo que “permite que a criança mova-se através do currículo em áreas que o aluno domina, no ritmo dele” (p. 111). O aluno pode avançar, em uma ou mais matérias, para séries em que se encaixar melhor ou pode, ainda, participar de classes especiais. A modificação e a diferenciação curricular são estratégias que visam atender os interesses individuais dos alunos e reforçar seu potencial de aprendizado em uma ou mais áreas. Nesse sentido, são oferecidas aos alunos, atividades desafiadoras que despertam a sua motivação e que propiciam uma maior realização acadêmica.

Os resultados de pesquisas têm indicado ( Westberg & Archambault, 1995; Westberg, Archambault & Brown, 1997; Fleith, 1999) que a preparação do professor é um fator decisivo para a implementação e bom andamento de um programa para alunos superdotados. Para que sejam implantadas estratégias que realmente proporcionem o desenvolvimento do potencial e/ou do talento deste aluno, é de fundamental importância que o professor tenha segurança a respeito da definição de superdotação, saiba identificar as habilidades e necessidades especiais do aluno superdotado, estabeleça uma meta para o desenvolvimento de um planejamento específico e saiba organizar os vários tipos de material e estratégias de ensino.

Avaliação de Programa para Superdotados e Talentosos

Para Cook e Shadish (1986) a avaliação de um programa social produz conhecimento sobre o valor do mesmo e de suas partes constituintes. Este conhecimento pode ser usado, no mínimo, para fazer com que os programas respondam melhor aos problemas sociais a que se propõem solucionar.

Renzulli (1975) defende que a avaliação de programas é um processo que envolve avaliação de informações, tomada de decisão e ação para melhoria do programa. Para ele, o propósito da avaliação não é apenas estabelecer escores ou classificações que expressem sucesso ou falha de um determinado programa. Ao contrário, a avaliação deve se constituir em um meio de identificação de circunstâncias e condições que resultem em mudanças. Ainda, segundo Renzulli (1975) para que uma avaliação exerça um papel construtivo e positivo no processo de educação, deve-se verificar, até que ponto, os objetivos do programa estão sendo executados, prever conseqüências inesperadas e não planejadas, identificar políticas e atividades que contribuam para o sucesso ou fracasso em áreas particulares, prover feedback contínuo em estágios intermediários durante o curso do programa e sugerir ações alternativas para modificações no programa.

Portanto, o presente estudo visa avaliar um programa de atendimento ao superdotado e talentoso no que diz respeito às estratégias educacionais empregadas, verificando a extensão em que elas se diferenciam das implementadas em sala de aula regular e atendem, de fato, às necessidades dos alunos que freqüentam o programa. As questões de pesquisa investigadas neste estudo foram: Existem diferenças entre alunos diagnosticados e alunos em observação no Programa de Atendimento aos Alunos Portadores de Altas Habilidades e Talentosos com relação ao rendimento acadêmico e nível de criatividade, bem como entre alunos talentosos e alunos com habilidades acadêmicas? Qual é a percepção dos alunos acerca das atividades e estratégias educacionais desenvolvidas no Programa de Atendimento a Portadores de Altas Habilidades e Talentosos? Qual é a percepção dos professores de sala de aula regular acerca das atividades e estratégias educacionais desenvolvidas no Programa de Atendimento a Portadores de Altas Habilidades e Talentosos? Qual é a percepção dos professores da sala de recursos acerca das atividades e estratégias educacionais desenvolvidas no Programa de Atendimento a Portadores de Altas Habilidades e Talentosos? Qual é a percepção das mães dos alunos atendidos acerca das atividades e estratégias educacionais desenvolvidas no Programa de Atendimento a Portadores de Altas Habilidades e Talentosos?

 

Método

Delineamento

Um delineamento quase-experimental (Gall, Borg & Gall, 1996) foi utilizado para responder à questão 1. As questões de pesquisa 3 e 5 foram investigadas por meio de procedimentos qualitativos. As questões 2, 4 e 6 foram investigadas utilizando-se procedimentos qualitativos e quantitativos (delineamento fatorial para as questões 2 e 4, e análise descritiva para a última questão).

Participantes

Participaram deste estudo 77 alunos, de ambos os gêneros, do ensino fundamental e do ensino médio de escolas públicas e particulares do DF, que freqüentavam três salas de recursos do Programa para Alunos Portadores de Altas Habilidades e Talentosos da Secretaria de Educação do Distrito Federal (duas no Plano Piloto3 e uma localizada em uma Região Administrativa). Participaram, ainda, dez professores que atuavam nestas salas de recursos, uma professora itinerante do programa, seis professores regentes e seis pais de alunos atendidos no programa.

Alunos. Dos 77 alunos participantes, 20 freqüentavam salas de recursos do Plano Piloto (10 na sala de recursos A e 10 na sala de recursos B) e 57 eram da sala de recursos de uma região administrativa (sala de recursos C). A idade média destes alunos era de 11,3 anos, variando entre 7 e 18 anos. 38 cursavam o primeiro ciclo do ensino fundamental (1ª a 4ª série), 31 cursavam o segundo ciclo do ensino fundamental (5ª a 8ª série) e oito cursavam o ensino médio. Dentre os 77 alunos, 31,2% eram do gênero feminino e 68,8% eram do gênero masculino e 87% eram de escolas públicas e 13% de escolas particulares. Com relação à área de habilidade destes alunos, 58,4% foram indicados para a área de habilidades acadêmicas, 28,6% foram indicados para a área de talentos (área artística) e 13% para ambas as áreas.

Professores do Programa. Este estudo contou com a participação de 11 professores do programa para superdotado, sendo 54,5% do gênero feminino e 45,5% do gênero masculino. A idade média dos participantes era 39,20, variando entre 30 e 52 anos. Todos professores tinham curso superior completo. Sete professores haviam recebido treinamento na área de superdotação. O tempo médio de experiência no magistério era de 12,20 anos, variando entre 2 e 23 anos.

Professores Regentes. Também participaram deste estudo seis professores regentes que ministravam aulas aos alunos que compuseram a sub-amostra. Dentre eles, cinco eram do gênero feminino e um do masculino. A idade média destes participantes era de 35,67 anos variando entre 23 e 51 anos. Todos os professores tinham curso superior. Apenas um professor tinha algum tipo de treinamento na área de superdotação.

Mães de Alunos. As mães dos seis alunos entrevistados integraram, ainda, a amostra deste estudo. A idade média era de 40,50 anos variando entre 33 e 45 anos. A profissão das participantes variava: analista de sistemas, auxiliar de faturamento, cabeleireira, do lar, fisioterapeuta e professora de matemática. Apenas uma mãe relatou ter feito um curso de pós-graduação em nível de mestrado.

Programa de Atendimento a Alunos Portadores de Altas Habilidades e Talentosos da Secretaria de Educação do Distrito Federal

Desde 1977, a Secretaria de Educação do Distrito Federal promove um atendimento para alunos portadores de altas habilidades e talentosos. O principal objetivo desse atendimento segundo a Secretaria de Educação do Distrito Federal, (1994) é ‘proporcionar atendimento especializado ao aluno da rede oficial de ensino do Distrito Federal, identificado como portador de altas habilidades, promover um processo de identificação e acompanhamento do processo de diagnóstico dos alunos que apresentam aspectos indicativos de altas habilidades, e desenvolver sistemática de atendimento às necessidades educacionais complementares do aluno com altas habilidades’ (13). A definição de superdotação adotada neste programa é aquela que e consta nas Diretrizes Gerais para o Atendimento Educacional dos Alunos Superdotados e Talentosos (Ministério da Educação, 1995).

A partir de 2001, o Modelo de Enriquecimento Escolar, proposto por Renzulli (1986, 2001), foi adotado no programa. Uma equipe de 42 professores e 5 psicólogos atende cerca de 631 alunos distribuídos em treze diferentes salas de recursos localizadas em Brasília, sendo cinco no Plano Piloto e oito nas Regiões Administrativas. Nessas salas, o aluno recebe atendimento duas vezes por semana em horário contrário ao horário de sala de aula regular. Atividades de enriquecimento são oferecidas nas áreas acadêmicas (ciências, matemática, leitura e informática) e de talentos (artes plásticas, artes cênicas, música e educação física). Os professores que atuam no atendimento, bem como psicólogos e pedagogos das equipes que avaliam os alunos superdotados, participam, periodicamente, de cursos de atualização periodicamente com professores do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.

Instrumentos

Teste do Pensamento Criativo – Produção de Desenhos (TCT-DP). O TCT-DP (Urban & Jellen, 1996) visa avaliar o nível de criatividade dos indivíduos, identificar aqueles com alto potencial criativo. O instrumento consiste em uma folha de teste que oferece alguns fragmentos de desenho como estímulos a serem completados de uma forma livre. Os critérios são: (a) continuação ou extensão dos seis segmentos apresentados; (b) complemento, adição ou suplemento dado aos segmentos; (c) novos elementos, novas figuras ou símbolos; (d) conexão feitas com linhas a qualquer um dos segmentos; (e) conexões feitas para a produção de um tema; (f) ultrapassagem de limite do fragmento fora do quadrado; (g) ultrapassagem do limite da moldura; (h) qualquer tentativa de romper as duas dimensões com intenção de perspectiva; (i) humor e afetividade, afeição, emoção, poder expressivo; (j) não-convencionalidade A ou manipulação da folha; (l) não-convencionalidade B ou elementos surrealistas, abstratos, ficcionais, (m) não-convencionalidade C ou o uso de símbolos ou signos; (n) não-convencionalidade D ou utilização não-estereotipada dos fragmentos; e (o) velocidade ou tempo gasto para a produção do desenho. O escore final é resultado do somatório de pontos atribuídos a cada um dos critérios mencionados anteriormente.

Resultados de análise fatorial indicaram que as cargas dos fatores (critérios) mensurados eram altas (0,48 a 0,78). O índice de fidedignidade entre juízes variou de 0,89 a 0,97. Além disso, Cropley e Cropley (2000) encontraram um índice de fidedignidade do tipo teste-reteste de 0,75 e de avaliação entre juízes de 0,94 para o TCT-DP.

O Teste de Pensamento Criativo foi selecionado para este estudo por ser um teste não-verbal passível de ser usado em culturas diversas e ser de fácil e rápida aplicação (Urban & Jellen, 1996). A avaliação das respostas fornecidas pelos alunos foi realizada, inicialmente, pela pesquisadora deste estudo e, posteriormente, por uma psicóloga treinada, especializada em diagnóstico de alunos superdotados.

Questionário de Atividades de Classe (CAQ). Trata-se de um instrumento que avalia o clima instrucional de sala em aula considerando-se quatro dimensões: atividades envolvendo processos básicos de pensamento, atividades envolvendo processos superiores de pensamento, enfoque em sala de aula e clima de sala de aula (Steele, 1981). O instrumento foi construído tendo como suporte a Taxonomia dos Objetivos Educacionais (Bloom, Engelhart, Frust, Hill & Krathwohl, 1956). Atividades envolvendo processos básicos de pensamento dizem respeito àquelas cuja ênfase recai em operações cognitivas como memória, transcrição e interpretação. Exemplos de itens são: “espera-se que o aluno vá além das informações oferecidas pela professora” e “é esperado que o aluno descubra conseqüências do que aprenderam e como usar essas informações.” As atividades que envolvem processos superiores de pensamento dizem respeito àquelas que enfatizam operações cognitivas como aplicação, análise, síntese e avaliação. Exemplos de itens são: “a interpretação de questões e a lógica do raciocínio têm uma grande importância” e “as atividades principais desta classe envolvem, inventar, desenhar e compor.” O foco em sala de aula diz respeito às oportunidades de discussão e debates oferecidas aos estudantes, pressão em relação à notas e pontuações e ao papel do professor enquanto provedor de informações e do aluno enquanto participante ativo ou passivo. Exemplos de itens são: “a classe participa ativamente de debates” e “há pouca oportunidade dos alunos participarem de debates.” O clima de sala de aula diz respeito ao entusiasmo e ao envolvimento dos alunos nas atividade de sala de aula; atividades que promovam a independência do aluno; aceitação de diversos pontos de vista e soluções de problema em sala de aula; liberdade de expressão do senso de humor dos alunos; expressão de diversos sentimentos e valores, tempo consumido em sala com aulas expositivas; e quantidade de tarefas extra-classe. Os seguintes itens são exemplos desta dimensão: “são aceitos, nesta classe, muitos pontos de vista e soluções para os problemas” e “existem poucas brincadeiras ou risos nesta classe.” Os índices de fidedignidade do instrumento variam de 0,76 a 0,88 (Steele, 1981).

Entrevistas. Entrevistas semi-estruturadas foram conduzidas com professores da sala de recursos (n=11), professores de sala de aula regular (n=6), alunos do programa (n=6) e mães destes alunos (n=6) com a finalidade de investigar a percepção dos entrevistados acerca das atividades e estratégias de ensino implementadas no programa, bem como obter dados demográficos sobre os mesmos.

Alguns exemplos de questões formuladas aos entrevistados foram: (a) para os professores da sala de aula regular: Você tem informação de como esse aluno foi indicado para o programa? Você poderia descrever esse aluno? Como você define superdotação? Essa definição é baseada em sua experiência ou em alguma teoria?; (b) para os professores da sala de recursos: Quais são os objetivos do programa de enriquecimento? Que referencial teórico embasa esse programa? Qual é o seu conceito de superdotação?; (c) para alunos do programa: Há quanto tempo você participa da sala de recursos? Você pode descrever as atividades desenvolvidas na sala de recursos? As atividades na sala de recursos são diferentes da sala de aula regular? Como? e; (d) para mães as mães dos alunos: O Sr(a) tem informações acerca dos objetivos do programa? Como o Sr(a) as obteve? O Sr(a) tem informações sobre as atividades desenvolvidas no programa? Que tipo de informações e de que maneira elas chegaram até você? O Sr(a) notou alguma mudança em seu(sua) filho(a) desde que ele(a) passou a freqüentar o programa? Qual?.

Procedimentos

A primeira etapa deste estudo constituiu-se da autorização da Secretaria de Educação do Distrito Federal para a realização deste estudo; do contato com a coordenadora do programa que indicou as salas de recursos para coleta de dados; da autorização dos pais dos alunos para que seus filhos pudessem participar da pesquisa. Nesta fase foi, também, realizado um estudo piloto com o objetivo de verificar se os itens e a escala de respostas do Questionário de Atividades de Classe (CAQ) eram claros e compreendidos por crianças de 2ª, 3ª e 4ª séries do ensino fundamental. Verificou-se, ainda, o tempo necessário para aplicação do instrumento para as diferentes faixas etárias. Na segunda etapa, foram aplicados os instrumentos Questionário de Atividades de Classe (CAQ) (Steele, 1981) e Teste do Pensamento Criativo – Produção de Desenhos (Urban & Jellen, 1996). Uma vez instruídos sobre o preenchimento do CAQ, os participantes responderam o questionário individualmente. O mesmo procedimento foi utilizado na aplicação do TCT-DP. Em seguida, o CAQ foi aplicado nos professores.

Na terceira etapa ocorreram entrevistas com professores do programa, alunos, professores regentes e mães de alunos que foram entrevistados individualmente em salas reservadas nas escolas onde estavam instaladas as salas de recursos. Seis alunos de 3ª a 6ª séries, que freqüentavam o programa, foram sorteados e entrevistados. Posteriormente, foram entrevistados os professores regentes destes seis alunos. Com relação aos professores dos alunos de 5ª a 8ª séries foram convidados para entrevista aqueles professores que atuavam nas áreas de habilidade dos alunos entrevistados. Em seguida, as mães dos seis alunos entrevistadas foram entrevistadas.

Foi solicitado, ainda, aos professores e alunos das salas de recursos que providenciassem os boletins dos alunos com as notas do primeiro semestre de 2001. As escolas enviaram os boletins de 36 alunos. No entanto, 19 eram avaliações qualitativas e somente 17 eram boletins com notas. Portanto, os dados relativos ao rendimento acadêmico basearam-se nestes 17 boletins.

 

Resultados

Os dados de pesquisa relativos à questão de pesquisa 1 foram analisados por meio de teste t. A variável independente foi grupo (ex: alunos, em observação, que estavam freqüentando o programa há menos de três meses e alunos, diagnosticados, que já freqüentavam o programa há mais de seis meses) e as variáveis dependentes foram criatividade, medida pelo TCT-DP, e rendimento acadêmico, definido pela média das notas obtidas no ano de 2001.

Os dados relativos à comparação da percepção entre alunos e professores com relação às atividades desenvolvidas na sala de recursos (questões de pesquisa 2 e 4) foram tratados por meio de uma análise de variância multivariada (MANOVA). A variável independente foi grupo (ex: professores e alunos) e as variáveis dependentes foram as quatro dimensões avaliadas no CAQ (atividades envolvendo processos básicos de pensamento, atividades envolvendo processos superiores de pensamento, enfoque e clima de sala de aula).

Para análise dos dados obtidos relativos às questões de pesquisa 2, 3, 4 e 5, uma abordagem qualitativa foi usada. A partir deste enfoque, os dados foram tratados através de uma análise de conteúdo. Unidades de significância (códigos) foram designadas para os dados coletados. Essas unidades foram agrupadas e categorias foram geradas. A análise se completou com a relação estabelecida entre as categorias produzidas (Strauss & Corbin, 1990).

Resultados da Questão de Pesquisa 1

Com relação ao rendimento acadêmico nos 1º e 2º semestres do ano de 2001, os resultados indicaram que não houve diferença significativa entre alunos com habilidades acadêmicas e alunos talentosos com relação ao rendimento acadêmico no 1º semestre (t [14]=0,19; p=0,85). Entretanto, foram observadas diferenças significativas entre os dois grupos no que diz respeito ao rendimento acadêmico no 2º semestre (t [14]=2,28; p=0,04). Os alunos com habilidades acadêmicas apresentaram desempenho superior (M=7,74; DP=1,19) quando comparados aos alunos talentosos (M=6,36; DP=1,21).

Os resultados apontaram, ainda, diferenças significativas entre o rendimento acadêmico no 1º e no 2º semestres de alunos talentosos (t[8] 2,51; p= 0,04). Esses alunos apresentaram um declínio no rendimento acadêmico entre o 1º semestre (M=7,76; DP=1,23) e o 2º semestre (M= 6,36; DP= 1,21).

Foi também verificado, se existiam diferenças no nível de criatividade entre alunos com habilidades acadêmicas (n=44), alunos talentosos (n=20) e alunos indicados para ambas as áreas (habilidades acadêmicas e talento) (n=10). Foram observadas diferenças significativas entre os alunos com habilidades acadêmicas e alunos talentosos (p=0,006). Esses (M=52,75; DP=11,52) apresentaram um desempenho superior aos primeiros (M=44,98; DP = 6,64).

Resultados Da Questão de Pesquisa 2, 3, 4 e 5

A percepção de professores, alunos e mães acerca das atividades e estratégias educacionais empregadas no programa, de maneira geral, era positiva. Entretanto, notou-se a falta de informações sobre os objetivos e o trabalho desenvolvido no programa por parte de ais e professores da sala de aula regular.

Seis alunos foram entrevistados a respeito das atividades desenvolvidas nas salas de recursos. As respostas dos alunos relacionadas aos tipos de atividades desenvolvidas nas salas de recursos foram distribuídas em quatro categorias: atividades acadêmicas, atividades artísticas, atividades com recursos instrucionais e atividades de recreação. Dentre as atividades acadêmicas citadas, destacam-se pesquisas em livros, leitura e escrita de textos e poemas, jogo de xadrez e confecção de maquetes. As atividades artísticas referiam-se a desenhos, pinturas e exposição de trabalhos. Atividades com recursos instrucionais envolviam o uso de materiais considerados diferentes, fitas de vídeo e atividades extra-classe. Já as atividades de recreação referiam-se àquelas consideradas divertidas e lúdicas. Quando questionados se as atividades da sala de recursos se diferenciavam das atividades da sala regular, apenas um aluno respondeu que não.

Todos os seis alunos responderam que gostavam de freqüentar a sala de recursos e os motivos apresentados geraram três categorias de respostas: (a) clima de sala de aula (espaço para brincadeiras, descanso, liberdade e prazer pelo trabalho), (b) interação social (colegas e professor amigos) e aspectos acadêmicos (oportunidade de aprendizagem e pesquisa, ensino de qualidade). Foi perguntado, ainda, aos alunos se haviam sido informados sobre o porquê e como foram indicados para trabalhar na sala de recursos. Dois alunos responderam que não sabiam.

Foi perguntado aos seis professores da sala de aula regular dos alunos como eles definiam superdotação e em que baseavam esta definição. As definições de superdotação apresentadas pelos professores foram divididas em três categorias: (a) desenvolvimento acima da média (em termos de habilidade, capacidade e desempenho acadêmico), (b) traços de personalidade (questionador, interessado) e (c) habilidades cognitivas (dificuldade em organizar idéias, visão futurista). Nenhum professor desenvolvia, de maneira sistemática e planejada, algum trabalho diferenciado com seus alunos. Um professor afirmou que desenvolvia um trabalho de monitoria envolvendo alunos com mais facilidade e alunos com dificuldades. Outro professor afirmou que desenvolvia um trabalho paralelo para atender às perguntas, de seus alunos, que estavam “mais além da turma.” Outros trabalhos desenvolvidos eram atividades em grupo, indicação de bibliografia relacionada ao interesse do aluno.

Perguntou-se, aos professores da sala de recursos, qual o conceito de superdotação que eles adotavam. As respostas mais freqüentes foram relacionadas ao conhecimento e/ou habilidade acima da média (dimensão cognitiva, aluno com habilidade acima da média em uma ou mais áreas), envolvimento com a tarefa (dimensão afetiva, empenho pessoal, paixão pelo que faz, desenvolvimento de trabalhos em quantidade, com qualidade e persistência) e criatividade (destaque na área artística, comportamento de originalidade, apresentação de idéias criativas e brilhantes). Os professores apresentaram respostas como: “crianças com habilidade acima do normal em diversas áreas ou em uma só,” “comportamento de originalidade, empenho pessoal, paixão pelo que faz,” “habilidades nitidamente observadas que a pessoa tem,” “indivíduo talentoso ou com habilidade em uma área que desenvolvem trabalhos em quantidade, com qualidade e persistência” e “aluno que passa além dos testes, se sobressai em situações, emite respostas e idéias criativas e brilhantes”.

Uma das perguntas dirigidas aos professores dizia respeito aos tipos de atividades e estratégias desenvolvidas na sala de recursos. As repostas para essa questão foram agrupadas em cinco categorias: objetivos (trabalhar a área de interesse do aluno, trabalhar a habilidade do aluno; desenvolver a socialização, o raciocínio, a forma de expressão; desenvolver a criatividade; desenvolver a capacidade crítica através da construção do conhecimento), estratégias (trabalho prático, mobilidade da criança em sala, enriquecimento de conteúdos, auto-avaliação do aluno, discussões de temas); produto (produção de textos, histórias em quadrinhos, pesquisas na internet, projetos coletivos e individuais por interesse, jogos e desenhos); papel do professor (facilitador, ensinar, mediar, ajudar, direcionar); características diferenciadas da sala de aula regular (não tem um programa definido, há diversidade de ofertas de atividades, há muitos debates, não há exigência de cumprimento de metas em determinado tempo).

Para conhecer a opinião das mães a respeito do programa foi elaborado um roteiro de entrevista contendo sete perguntas abertas. A primeira pergunta investigava as informações que as mães tinham sobre o programa e como elas foram obtidas. No geral, as mães tinham poucas informações sobre os objetivos do programa. As respostas apresentadas foram distribuídas em três categorias: atividades sociais (ajudar instituições de caridade, trabalho social), atividades acadêmicas (trabalhar assuntos que a criança tenha curiosidade, trabalhar assuntos diferentes da sala de aula regular) e desenvolvimento do aluno (desenvolver áreas de interesse, expandir habilidades). As mães afirmaram que o contato que elas mantinham com os professores das salas de recursos era o “contato de porta de sala” na hora da entrada ou da saída do aluno. Em relação aos pontos positivos do programa, as respostas das mães forma distribuídas em quatro categorias: desenvolvimento de habilidades, atividades acadêmicas, atividades sociais e afetividade.

As questões de pesquisa 2 e 4 foram também investigadas por meio de dados obtidos no Questionário de Atividades de Classe (CAQ). Uma análise multivariada de variância (MANOVA) foi realizada para verificar se havia alguma diferença entre a percepção de alunos e de professores com relação às quatro dimensões referentes às atividades de sala de aula. Os resultados indicaram diferenças significativas entre os sois grupos Wilks’ Lambda=0,65, F[4,63]=8,66; p= 0,0001). Os alunos (M=3,38; DP=0,34; n=57) avaliaram o enfoque de sala de aula mais positivamente do que os professores (M=2,56; DP=0,45; n=11). Com relação ao clima de sala de aula, os professores (M=3,73; DP=0,21) apresentaram uma avaliação mais positiva do que os alunos (M=3,37; DP=0,45). Em termos descritivos, é importante ressaltar que a dimensão melhor avaliada pelos alunos foi a relativa aos processos superiores de pensamento, enquanto clima de sala de aula foi a dimensão melhor avaliada pelos professores. Por outro lado, a dimensão que apresentou média mais baixa, segundo os alunos, foi enfoque em sala de aula e, conforme avaliação dos professores, a dimensão processos básicos de pensamento obteve média mais baixa.

 

Discussão e conclusão

Ao se verificar possíveis diferenças entre alunos com habilidades acadêmicas e alunos talentosos com relação ao rendimento acadêmico, apenas duas diferenças foram significativas. Alunos com habilidade acadêmica obtiveram melhor rendimento acadêmico quando comparados aos alunos talentosos. A análise mostrou, também, que os alunos talentosos tiveram uma queda de rendimento entre o primeiro e o segundo semestre de 2001. Esses resultados parecem refletir a desvalorização das habilidades artísticas no contexto escolar. O desenvolvimento de habilidades acadêmicas pode ser considerado prioritário em sala de aula. Nesse sentido, parece haver uma ruptura entre o que é valorizado em sala de aula regular e na sala de recursos. Entretanto, em função do número limitado de alunos da amostra, sugere-se a condução de novas investigações.

As análises verificando o nível de criatividade de alunos com habilidades acadêmicas, talentosos ou indicados para ambas áreas geraram alguns pontos interessantes que corroboram a literatura da área (Cropley, 1999; Plucker, 1999; Rejskind, 2000; Massé & Gagné, 2002). Os resultados assinalaram que alunos talentosos apresentaram nível de criatividade superior aos alunos com habilidades acadêmicas. Há uma tendência em relacionar criatividade à área artística e poucas são as estratégias que visam o desenvolvimento da criatividade em outras áreas de estudo. Isso nos remete a um mito de que quando se trabalha com a área acadêmica não se trabalha com a criatividade e, tampouco, se promove um ambiente descontraído e com humor (Amabile, 1989; Csikszentmihalyi, 1996; Starko,1995; Alencar, 2001; Alencar & Fleith, 2001). Entretanto, segundo a definição do três anéis (Renzulli, 1986), criatividade pode ser influenciada por práticas educacionais e desenvolvida por meio de estimulação e treinamento.

Dados do presente estudo assinalam que o dobro do número de alunos do gênero masculino é atendido no programa quando comparado ao de alunos do gênero feminino. Dentre estes, a maioria foi indicada para a área de talentos, ao passo que a maior parte dos alunos do gênero masculino foi indicada para a área de habilidades acadêmicas. Esse fato aponta para a existência de estereótipos sexuais interferindo na indicação de alunas para o programa. De acordo com Reis (1987), providências devem ser tomadas de maneira a minimizar barreiras de natureza social nos próximos anos. Portanto, é essencial um esclarecimento maior aos professores e pais, por parte do professores itinerantes e psicólogos, de que o potencial superior em uma área não está vinculado, necessariamente, ao gênero do aluno. Arieti (1976) e Alencar e Fleith (2003) também destacam o número reduzido de oportunidades oferecidas às mulheres para expressar sua criatividade em áreas específicas, com menor encorajamento para um desenvolvimento pleno de talentos criativos em vários domínios.

A percepção dos alunos acerca das atividades e estratégias implementadas no programa é positiva. No sentido de esclarecer pontos sobre a capacidade de julgamento de alunos jovens e sobre a representação que fazem de seus professores, Salvador e cols. (2000) afirmam que os alunos formam uma imagem ideal de seu professor e essa imagem influi na representação que fazem de seu professor. Nesse sentido, fatores afetivos, tais como disponibilidade dirigida ao aluno, o respeito e o afeto que lhe transmite e a capacidade de mostrar-se acolhedor e positivo, constituem o eixo sobre o qual se baseiam as representações dos alunos. De acordo com os autores, o peso desses fatores é mais elevado quanto mais baixo for o nível de escolaridade dos alunos. À medida que este aumenta, os fatores equilibraram-se com outros de natureza acadêmica (domínio do conteúdo, diversidade de técnicas instrucionais adotadas pelo professor etc). É importante ressaltar que a maior parte dos alunos que participou do presente estudo cursava entre a 3 a e 5 a série do ensino fundamental. Resultados obtidos por Virgolim e Gubbins (2001) assinalam, também, uma percepção positiva de alunos acerca das atividades desenvolvidas em um programa para superdotado. Segundo estes alunos, o programa era uma oportunidade de aprendizagem mais aprofundada de tópicos de seus interesses.

As mães, apesar de avaliarem satisfatoriamente o programa, tinham poucas informações acerca dos objetivos do mesmo e das atividades ali desenvolvidas. Elas expressaram a necessidade de maior esclarecimento e de uma orientação profissional a respeito da melhor maneira de se acompanhar e incentivar seus filhos. Uma família bem informada e consciente do fenômeno da superdotação poderá acompanhar o desempenho de seus filhos superdotados no contexto educacional, avaliar a extensão em que suas necessidades estão sendo atendidas, bem como discutir com a escola práticas psicoeducacionais complementares de atendimento a estes alunos. Segundo Alencar e Fleith (2001), uma parceria entre escola e família é de fundamental importância no processo de desenvolvimento cognitivo e afetivo do aluno superdotado.

Da mesma maneira, os professores da sala de aula regular relataram uma falta de conhecimento ou informações a respeito do programa. Os professores da sala de recursos não tinham nenhuma forma sistematizada de comunicação com os professores regentes de seus alunos e, tampouco, estes em relação àqueles. Um dos objetivos do Modelo de Enriquecimento Escolar (Renzulli, 1986; Renzulli & Reis, 1997) é estabelecer uma parceria e um ambiente de cooperação entre professores da sala de aula regular e professores da sala de recursos. O que se observa é uma falta de integração entre o trabalho desenvolvido no programa e o implementado no ensino regular.

Muitos professores da sala de aula regular apresentaram dificuldade em identificar seus alunos que participavam do programa. Isso, provavelmente, é reflexo da ausência de uma definição clara do conceito de superdotação por parte destes professores. Eles, tampouco, desenvolviam estratégias de ensino específicas para trabalhar com estes alunos. Alguns mitos surgiram dos conceitos apresentados, como por exemplo, de que superdotação é sinônimo de genialidade ou que o superdotado se destaca, especialmente, em termos de rendimento acadêmico. A importância de se ter uma definição de superdotação deve-se ao fato de que, dentro da escola, o professor, à luz deste entendimento, poderá facilitar o desenvolvimento de seu aluno, estimulando seus interesses e habilidades, provendo oportunidades de desenvolvimento profissional e indicando-o para programas especiais (Shaughnessy, Stockard, Stanley & Siegel, 1996; Webstby, 1997; Chan & Chan, 1999; Maia-Pinto & Fleith, 2002). Nesse sentido, Galloway e Porath (1997) afirmam que a concepção inadequada do professor sobre superdotação pode resultar em uma expectativa inapropriada sobre o aluno superdotado, colocando-o em risco.

A maior parte dos professores, que reconheciam traços diferenciados em seus alunos, usava estratégias que não atendiam às necessidades de alunos superdotados. Os trabalhos desenvolvidos eram, em sua maior parte, de monitoria, de trabalho paralelo para atender dúvidas “diferenciadas” e sugestão de bibliografias. Há, na literatura (Siegel & Moore, 1994; Porath, 1997; Westberg, Archambault & Brown, 1997; Tirri, Tallent-Runnels & Adams, 1998; Maia-Pinto & Fleith, 2002) algumas descrições de estratégias semelhantes adotadas com esse tipo de clientela sem muito êxito.

A partir dos resultados, pôde-se observar que os professores têm um conceito relativamente bem formado a respeito de superdotação, mas que, possuem um conhecimento limitado a respeito do modelo adotado. Neste sentido, treinamentos em forma de palestras e aulas expositivas, aos quais os professores vêm se submetendo nos últimos anos, parecem não ser a alternativa mais promissora. Sugere-se o acompanhamento, supervisão e avaliação, sistemática e contínua, juntamente com o professor de suas práticas na sala de recursos. Detectou-se, também, uma falta de comunicação não apenas entre a família e professores do programa , mas entre estes e os professores da sala de aula regular, sendo aconselhável que este grupo fosse incluído em grupos de discussão e reuniões de orientação sobre as atividades desenvolvidas no programa. Sugere-se, ainda, um maior interação entre professores e psicólogos do programa.

Nesse sentido, pode ser afirmado que o Modelo de Enriquecimento Escolar vem sendo gradualmente implementado nas salas de recursos, mas ainda não está totalmente internalizado pelo professor, haja vista a transferência gradual da teoria para a prática. A educação do aluno superdotado e talentoso constitui um desafio para educadores e psicólogos. Por isso, estes profissionais precisam se instrumentalizar no sentido de ter subsídios teóricos e práticos para implementar atividades e estratégias que atendam, de fato, às necessidades daquele grupo.

 

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Recebido em: 19/09/03
Revisado em: 23/10/03
Aprovado em: 05/12/03

 

 

1 Psicóloga e Mestra em Psicologia pela Universidade de Brasília.
2 Ph. D. pela University os Connecticut e Professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasilia.
3 O Plano Piloto é a região de Brasília/DF onde residem predominantemente indivíduos de status socioeconômico médio e alto, enquanto que as Regiões Administrativas (antigas cidades satélites) são habitadas, na maior parte, por indivíduos de poder aquisitivo mais baixo.