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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.8 n.2 Campinas dez. 2004

 

ARTIGOS

 

Perfis de capacidades cognitivas na bateria de provas de raciocínio (BPR-5)

 

Cognitive abilities profiles in the battery of reasoning tests (BPR-5)

 

 

Leandro S. AlmeidaI, 1; Ricardo PrimiII, 2

I Universidade do Minho Instituto de Educação e Psicologia Campus de Gualtar
II Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Psicologia Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Essa pesquisa estudou os perfis de capacidades cognitivas na Bateria de Provas de Raciocínio (BPR-5), que é composta por cinco subtestes: raciocínio abstrato, verbal, numérico, espacial e mecânico. Os participantes foram 3039 estudantes do Brasil (1.444) e Portugal (1.595) das amostras de padronização. Os perfis foram caracterizados e comparados com a origem dos dados (Brazil X Portugal), gênero, idade, desempenho e áreas de estudo. Os perfis foram similares nos dois países e sistematicamente associados às variáveis critério. Concluiu-se que a forma dos perfis pode, potencialmente, trazer novas e sistemáticas informações sobre as forças e fraquezas das capacidades dos estudantes já que estão associadas às variáveis idade, áreas de estudo, reprovação e gênero.

Palavras-chave: Análise de conglomerados, Avaliação da inteligência, Precisão de desempenho acadêmico.


ABSTRACT

Studied the cognitive subtest profiles on the Battery of Reasoning Tests (BPR-5) that is comprised by five subtests: Abstract Reasoning, Verbal Reasoning, Numerical Reasoning, Spatial Reasoning and Mechanical Reasoning. The participants were 3039 students from Brazil (1444) and Portugal (1595) of the standardization study. These profiles were characterized and compared with the data origin (Brazil X Portugal), gender, age, achievement and areas of study. Profiles were similar in the two countries and wer systematic related with the other criterion variables. It was concluded that the shape of the profiles can potentially bring new and systematic information about student's learning strengths and weaknesses as they are associated with age, areas of study, grade retention and gender.

Keywords: Cluster and profile analysis, Intelligence assessment, Prediction educational achievement.


 

 

Introdução

Uma dos temas importantes da psicologia escolar é a questão das relações entre inteligência e aprendizagem. Uma concepção muito difundida a respeito dessas relações é que a inteligência é multidimensional e que, portanto, as pessoas possuem diferentes capacidades de tal forma que, dependendo das capacidades mais ou menos desenvolvidas, corresponderiam facilidades e dificuldades em diferentes áreas da aprendizagem (Flanagan, Ortiz, Alfonso & Mascolo, 2002; McGrew & Flanagan, 1998; Sternberg & Williams, 1997).

Os modelos mais recentes sobre a estrutura da inteligência corroboram a idéia de que as capacidades humanas se organizam hierarquicamente em pelo menos dez áreas amplas de raciocínio além do fator g (McGrew & Flanagan, 1998). Essas dez capacidades são (a) Inteligência Fluida (Gf) referindo-se às operações mentais de raciocínio em situações novas minimamente dependentes de conhecimentos adquiridos; (b) Conhecimento Quantitativo (Gq) referindo-se ao estoque de conhecimentos declarativos e de procedimentos quantitativos e à habilidade de uso da informação quantitativa e manipular símbolos numéricos; (c) Inteligência Cristalizada (Gc) referindo-se à extensão e profundidade dos conhecimentos adquiridos de uma determinada cultura; (d) Leitura e Escrita (Grw), referindo-se ao conhecimento adquirido em habilidades básicas requeridas na compreensão de textos e expressão escrita; (e) Memória de Curto Prazo (Gsm) referindo-se à habilidade associada à manutenção de informações na consciência por um curto espaço de tempo; (f) Processamento Visual (Gv) ligado à habilidade de gerar, perceber, armazenar, analisar, manipular e transformar imagens visuais; (g) Processamento Auditivo (Ga) referindo-se à habilidade associada à percepcão, análise e síntese de padrões sonoros; (h) Armazenamento e Recuperação da Memória de Longo Prazo (Glr) definido como a extensão e fluência que itens de informação ou conceitos são recuperados por associação da memória de longo prazo; (i). Velocidade de Processamento (Gs) relacionado à habilidade de manter a atenção e realizar rapidamente tarefas simples automatizadas em situações que pressionam o foco da atenção e (j) Rapidez de Decisão (Gt), referindo-se à rapidez em reagir ou tomar decisões envolvendo processamentos mais complexos.

Numa perspectiva multidimensional de avaliação da inteligência pode-se pensar, além da análise por comparação normativa, na análise dos perfis. Essa análise busca saber, para além da informação geral referente ao nível de competência (informação normativa), quais competências se apresentam mais desenvolvidas e quais se apresentam menos desenvolvidas. O pressuposto é que essa análise traria informações adicionais importantes sobre o funcionamento da inteligência das pessoas. A interpretação por referência à norma compara os escores obtidos por um sujeito com os escores obtidos por um grupo de referência (grupo normativo) indicando a posição relativa dessa pessoa diante do grupo. Esse método consiste, portanto, em um procedimento de comparações entre indivíduos (Cronbach, 1996). A interpretação pela análise de perfil foca a configuração das competências dentro de um indivíduo indicando quais competências são mais e menos desenvolvidas. Portanto, enquanto a análise normativa trabalha com comparações indivíduo-grupo (entre indivíduos), a análise de perfil trabalha com comparações dos escores em várias dimensões dentro de um mesmo indivíduo (intra-indivíduo). Evidentemente um tipo de análise não exclui o outro já que se pode realizar interpretações normativas e de perfil simultaneamente.

Considerando uma avaliação multidimensional na qual se obtenha, além do escore global, os escores, nos subtestes, podem ser pensados de acordo com Cronbach e Gleser (1953), em três tipos de informação: elevação, dispersão e forma. A informação de elevação indica o nível geral de habilidade calculada pela média dos escores nos subtestes. A dispersão do perfil indica quanto os escores dos subtestes estão afastados da média geral. Geralmente se obtém essa informação para cada sujeito por meio do desvio padrão dos escores nos subtestes. A informação da forma focaliza a configuração de competências pelas notas dos subtestes caracterizando-se quais estão mais altas e quais estão mais baixas.

A informação de elevação é comumente empregada quando se faz uma avaliação da inteligência e corresponde ao nível global de inteligência somando-se as notas nas provas aplicadas. As informações adicionais referem-se à dispersão e à forma. No contexto escolar é relevante saber se essas informações trazem alguma contribuição ao entendimento do funcionamento cognitivo do aluno, especialmente, em casos de dificuldades de aprendizagem, a partir do que possam ser planejadas intervenções mais eficientes.

As pesquisas sobre análise de perfis tentam verificar se as informações de dispersão e forma trazem validade incremental ao que já é conseguido utilizando-se somente a informação de elevação, isto é, se de alguma forma aumentam o poder preditivo dos instrumentos de critérios como dificuldades de aprendizagem e desempenho acadêmico. (Watkins & Glutting 2000). Geralmente o poder preditivo do desempenho acadêmico que a informação de nível possui está ao redor de 30 a 40% de explicação da variabilidade do desempenho.

Por exemplo, Kline, Snyder, Guilmette e Castellanos (1993) analisaram os perfis nas baterias Wechsler Intelligence Scale for Children (WISC–R), Kaufman Assessment Battery for Children (K–ABC) e Stanford–Binet Intelligence Scale (SB–IV) em alunos indicados para educação especial e encontraram que a informação de dispersão não aumenta o poder preditivo e a informação de forma aumenta no máximo 11% o poder preditivo do desempenho acadêmico. Hale e Saxe (1983) também analisaram os perfis do WISC-R e notaram que somente a informação de forma consegue aumentar o poder preditivo do desempenho acadêmico. Com dados semelhantes e mais recentemente Watkins e Glutting (2000) analisaram os perfis do WISC-III, buscando verificar a validade incremental das informações de dispersão e forma na previsão de desempenho. Os autores encontraram que a informação de elevação explica 12 a 56% da variabilidade do desempenho acadêmico em matemática e português. A informação de dispersão não traz informação significativa e a forma traz um incremento de no máximo 8%.

Embora essas pesquisas mostrem que a informação sobre a forma atinja níveis significativos que não podem ser negligenciadas, os autores concluem que esse incremento não traz ganhos práticos informativos importantes sobre as pessoas. Discutem que as configurações de forma encontradas que aumentam a previsão de desempenho são descrições geralmente já conhecidas intuitivamente e, portanto, pouco informativas. Por outro lado, Kaufman (1994) defende que a análise de perfis pode trazer importantes informações sobre as dificuldades de aprendizagem e de como remediá-las.

Talvez um dos problemas nesses estudos refere-se à sub-representação do construto inteligência presente nas baterias analisadas. Recentemente pesquisadores têm revisado as baterias mais conhecidas de avaliação da inteligência à luz do modelo Cattell-Horn-Carroll e concluíram que fatores importantes da inteligência não são avaliados pelos subtestes dessas baterias. Geralmente se avaliam bem três ou quatro fatores dos dez descritos anteriormente (Flanagan McGrew, & Ortiz, 2000; Flanagan, & Ortiz, 2001). Talvez em razão dessa limitação de representatividade do construto é que não se consiga atingir níveis mais altos de previsibilidade do desempenho.

Nesse estudo pretendemos explorar os perfis de capacidades mais freqüentes no grupo de padronização da BPR-5 Forma B, comparando os dados obtidos na amostra de padronização brasileira e portuguesa. Com isso pretendemos verificar as formas mais freqüentes e correlacioná-las com outras variáveis para verificar a utilidade dessas informações para a interpretação das capacidades cognitivas das pessoas.

A BPR-5 originou-se da Bateria de Provas de Raciocínio Diferencial (BPRD) construída por Almeida (1986; 1988). Ela é composta por cinco subtestes: Raciocínio Abstrato (RA), Raciocínio Verbal (RV), Raciocínio Numérico (RN), Raciocínio Espacial (RE) e Raciocínio Mecânico (RM), em duas formas: Forma A, para alunos da sexta à oitava séries do Ensino Fundamental e Forma B, para alunos da primeira à terceira séries do Ensino Médio. A BPR-5 fundamenta-se nas concepções fatoriais mais recentes da inteligência discutidas anteriormente. Em termos de fatores específicos adotando-se a terminologia do modelo CHC, o subteste RA associa-se principalmente à inteligência fluida (Gf), definida como capacidade de raciocinar em situações novas, criar conceitos e compreender implicações. O subteste RV associa-se à inteligência fluida e à inteligência cristalizada (Gc), definida como extensão e profundidade do conhecimento verbal vocabular, e à capacidade de raciocinar utilizando conceitos previamente aprendidos. O subteste RN associa-se à inteligência fluida e em parte à habilidade quantitativa (Gq) definida como a compreensão de conceitos quantitativos básicos como soma, subtração, multiplicação, divisão e manipulação de símbolos numéricos. O subteste RE associa-se em parte à inteligência fluida, mas, principalmente, à capacidade de processamento visual (Gv), definida como a habilidade de representar e manipular imagens mentais. O subteste RM associa-se em parte à inteligência fluida e aos conhecimentos práticos mecânicos.

Portanto um perfil de capacidades na BPR-5 consiste na configuração das cinco notas indicando as capacidades mais e menos desenvolvidas da pessoa nessas habilidades. A utilidade deste instrumento na avaliação das aptidões dependerá de sua sensibilidade em identificar subtipos de pessoas com configurações específicas nessas capacidades. Por isso, então, o objetivo desse estudo foi o de explorar os perfis encontrados na amostra de padronização brasileira e portuguesa e comparar os resultados nesses dois países.

 

Método

Participantes: Neste estudo foram analisados os escores de 3.039 alunos, 1.444 do Brasil e 1.595 de Portugal pertencentes à amostra de padronização da BPR-5 Forma B nos dois países. Na amostra portuguesa 58,1% dos alunos eram mulheres e as idades variaram de 12 a 21 anos com média 16,7 e desvio padrão 1,23. Na amostra brasileira, 53,1% dos alunos eram mulheres e as idades variaram de 14 a 53 com média 19,5 e desvio padrão 6,69. Na amostra brasileira, 307 sujeitos já haviam terminado o ensino médio (correspondente ao ensino secundário em Portugal) e responderam à BPR-5 em um processo seletivo. Todas essas pessoas tinham mais de 18 anos; por isso observa-se uma maior dispersão nas idades na amostra brasileira.

Material

A BPR-5 (Almeida & Primi, 1998; Primi & Almeida, 2000a, 2000b) originou-se da Bateria de Provas de Raciocínio Diferencial (BPRD) construída por Leandro S. Almeida que, por sua vez, originou-se dos Testes de Raciocínio Diferencial de Meuris (1969). Ela é organizada em duas formas (A e B), com cinco subtestes cada detalhados abaixo. A Forma A aplica-se aos estudantes da sexta à oitava série do ensino fundamental e a Forma B aos alunos da primeira à terceira série do ensino médio. Neste estudo utilizamos a Forma B.

Prova de Raciocínio Abstrato (Prova RA): Prova composta por 25 itens (19 itens são comuns às Formas A e B) de conteúdo abstrato, envolvendo analogia com figuras geométricas, ou seja, A:B // C: (A, B, C, D, E). É necessário que se descubra a relação existente entre os dois primeiros termos e aplicá-la ao terceiro, para se identificar o quarto termo entre as 5 alternativas de resposta. A Prova RA indica a capacidade de estabelecer relações abstratas em situações novas para as quais se possui pouco conhecimento previamente aprendido. O tempo limite é de 5 minutos para Portugal e 12 minutos no Brasil.

Prova de Raciocínio Verbal (Prova RV): Prova composta por 25 itens (18 itens são comuns às Formas A e B), envolvendo analogia, como a prova de raciocínio abstrato, contudo entre palavras. A relação analógica existente entre um primeiro par de palavras deverá ser descoberta e aplicada de forma a identificar a quarta palavra entre as cinco alternativas de resposta que mantém a mesma relação com uma terceira apresentada. A Prova RV indica a extensão do vocabulário e a capacidade de estabelecer relações abstratas entre conceitos verbais. O tempo limite é de 4 minutos para Portugal e 10 minutos para o Brasil.

Prova de Raciocínio Espacial (Prova RE): Prova composta de 20 itens (12 itens são comuns às Formas A e B) nos quais existem séries de cubos tridimensionais em diferentes posições que indicam movimento. Os movimentos podem ser constantes, por exemplo sempre para a direita, ou alternados, por exemplo para esquerda e para cima. Por meio da análise das diferentes faces pode-se descobrir o cubo que se seguiria se o movimento descoberto fosse aplicado ao último cubo da série. Existem cinco alternativas de resposta. A Prova RE indica a capacidade de visualização, isto é, de formar representações mentais visuais e manipulá-las transformando-as em novas representações. O tempo limite é de 8 minutos para Portugal e 18 minutos para o Brasil.

Prova de Raciocínio Numérico (Prova RN): Prova composta por 20 itens (12 itens são comuns às Formas A e B) nos quais existem séries de números; o sujeito deve descobrir qual relação aritmética rege as progressões nas séries e aplicá-la respondendo quais seriam os dois últimos números que completariam a série. A Prova RN indica a capacidade de raciocinar indutiva e dedutivamente com símbolos numéricos em problemas quantitativos e o conhecimento de operações aritméticas básicas. O tempo limite é de 9 minutos para Portugal e 18 minutos para o Brasil.

Prova de Raciocínio Mecânico (Prova RM): Prova composta por 25 itens (19 itens comuns às Formas A e B) constituídos por gravuras que retratam um problema e opções de resposta. As questões são compostas por problemas práticos que envolvem conteúdos físico-mecânicos. A resposta é dada escolhendo-se, dentre as a lternativas, a resposta que melhor responde à questão proposta pelo problema. A Prova RM avalia o conhecimento prático de mecânica e física. O tempo limite é de 7 minutos para Portugal e 15 minutos para o Brasil.

 

Procedimentos

Inicialmente os escores dos alunos nas cinco provas foram normalizados para uma escala padronizada EPN (Escore Padrão Normalizado) com média 100 e desvio padrão 15. Neste procedimento, os escores foram comparados com o grupo de alunos com o mesmo nível de escolaridade. Em seguida os escores padronizados foram convertidos para um nova variável com três níveis: capacidade abaixo da média (resultados até Percentil 25), capacidade média (resultados delimitados pelos percentis 25-75) e capacidade acima da média (percentil acima de 75). A partir disto construiu-se para cada sujeito um código com cinco dígitos cada qual referindo-se a uma capacidade: raciocínio abstrato (RA), raciocínio verbal (RV), raciocínio mecânico (RM), raciocínio espacial (RE) e raciocínio numérico (RN). Para cada aluno o dígito correspondente a uma capacidade poderia ser -, m ou + dependendo de seu nível de capacidade. Neste esquema poderíamos ter 35=243 códigos diferentes representando os perfis possíveis na BPR-5. Esta codificação visou transformar o perfil de capacidade representado segundo um modelo dimensional para uma categoria (táxon) representando um tipo específico se aproximando mais de um modelo taxonômico.

 

Resultados

Foram observadas, das 243 possíveis configurações de perfis 189 no Brasil (77,7%) e 208 (85,6%) em Portugal, sendo que 174 (71,6%) perfis aparecem nos dois países. Considerando os dois países observaram-se 224 perfis, dos 243 possíveis, o que indica uma grande variabilidade nos perfis encontrados com a BPR-5. Para resumir tais perfis eles foram classificados em oito grupos:

1. perfis médios: quando a capacidade fosse média em quatro ou cinco provas,

2. perfis superiores: quando as cinco capacidades estivessem acima da média ou quatro estivessem acima e uma fosse média,

3. perfis inferiores: quando cinco capacidades estivessem abaixo da média ou quatro estivessem abaixo e uma fosse média,

4. perfis médio inferiores: quando a capacidade estivesse abaixo da média em três provas e fosse média nas outras duas,

5. perfis médio superiores: quando a capacidade estivesse acima da média em três provas e fosse média nas outras duas,

6. perfis com discrepância: quando fosse encontrado pelo menos uma capacidade inferior à média e uma superior à média,

7. perfis médios negativo: quando a capacidade estivesse média em três provas e inferior a média nas outras duas,

8. perfis médios positivo: quando a capacidade estivesse média em três provas e superior a média nas outras duas.

Na Tabela 1, apresentamos a distribuição de alunos em cada uma dessas categorias. Pode-se observar que a categoria mais freqüente é a de perfis com discrepância justamente a mais informativa para avaliação das aptidões já que nesses perfis há pelo menos uma capacidade bem desenvolvida contrastando com outra menos desenvolvida. Há algumas pequenas diferenças, entre os países, que são significativas (X2 = 26,8, gl=7, p < 0,001). A amostra portuguesa possui menos perfis inferiores e mais perfis médios e com discrepância.

Pode-se observar também na Tabela 2 que a distribuição de alunos nessas oito categorias difere nos vários grupos etários (para o Brasil X2 126, 7, gl =35; p < 0,001 para Portugal X2 = 60,8, gl = 35, p < 0,01). Um fato interessante é que o número de perfis médios diminui nos alunos mais velhos e o número de perfis com discrepância aumenta, sugerindo uma especialização das capacidades cognitivas.

Para explorar em mais detalhes os perfis com discrepância separou-se os alunos que apresentavam este tipo de perfil e construiu-se uma matriz distância entre eles que indicava, para cada combinação de dois alunos quaisquer, o grau de semelhança/diferença entre seus perfis. Submeteu-se essa matriz a uma análise hierárquica de conglomerados (hierarchical cluster analysis), empregando o método de Ward com o objetivo de identificar subgrupos formados por alunos com perfis semelhantes. Uma análise visual dos dendogramas na amostra brasileira sugeriu a formação de oito subgrupos. Esta mesma análise foi feita para a amostra portuguesa solicitando também a formação de oito grupos.

Na Figura 1 apresentamos os gráficos Boxplot mostrando os perfis nos oito grupos formados. Neste gráfico, as linhas coloridas verticais para cada prova dentro de cada grupo indicam de baixo para cima, o nível de habilidade mínima, o percentil 25, a mediana, o percentil 75 e o resultado máximo na escala padronizada (M=100, DP=15).

No Grupo 1, são salientes os níveis altos nas provas RE e RN e mais baixos na prova RV. O Grupo 2 destaca-se pelos níveis baixos na prova RV. Na amostra portuguesa o desempenho nas provas RA, RM e RE estão mais altos, já na amostra brasileira o desempenho está mais alto nas provas RA, RM e RN.

No Grupo 3, o desempenho nas provas RM e RV está mais elevado e na prova RN rebaixado. Na amostra portuguesa RE aparece rebaixado também. O Grupo 4 apresenta desempenho acima da média na prova RA. O Grupo 5 apresenta desempenho acima da média na prova RV (na amostra brasileira este contraste parece mais saliente). O Grupo 6 não é equivalente nos dois países. Na amostra brasileira há um contraste entre as provas RE (alto) e RV (baixo). Já na amostra portuguesa, o desempenho na prova RA está abaixo da média e o desempenho nas provas restantes está acima da média.

O Grupo 7 possui desempenho abaixo da média na Prova RM e alto em todas as outras. Na amostra portuguesa RE aparece rebaixado junto com RM. O Grupo 8 é caracterizado por um desempenho alto na Prova RM e baixo na Prova RN na amostra brasileira e na Prova RV na amostra portuguesa.

Nas Tabelas 3 e 4 apresentamos o número de alunos classificados em cada um destes clusters, e sua relação com as variáveis sexo e presença de pelo menos uma reprovação escolar na amostra brasileira; e com sexo e agrupamento de estudo para a amostra portuguesa. Não possuíamos a informação do agrupamento de estudo para todos os sujeitos da amostra portuguesa e por isso as informações referentes a esta variável foram calculadas com base nos 140 alunos dos 487 com perfis discrepantes para os quais esta informação era disponível.

Algumas informações são notáveis. Os Grupos 3, 4, 7 e 8 têm uma relação muito clara com o gênero e semelhante nos dois países. Os Grupos 3 e 8 formados predominantemente por homens e os Grupos 4 e 7 formados predominantemente por mulheres. Com relação à reprovação há uma chance maior de o aluno ter sido reprovado em algum ano de estudo caso ele pertença aos Grupos 2 e 8. Em relação ao agrupamento de estudo, percebe-se as diferenças mais salientes aparecem no Grupo 5 com uma maior concentração de alunos do agrupamento Científico-Natural, Grupo 1 com maior concentração de alunos no agrupamento das Artes, e Grupos 6 e 7 com maior concentração de alunos do agrupamento Econômico-Social.

 

Discussão

O objetivo desse estudo foi o de explorar os perfis de capacidade cognitiva na amostra na padronização brasileira e portuguesa revelados pela BPR-5. A literatura internacional tem questionado, principalmente, a utilidade das informações sobre a dispersão (diferença entre altos e baixos) e sobre a forma dos perfis indagando se esses indicadores trariam mais dados sobre os sujeitos além do que a informação sobre elevação (nível de competência) já traz (Hale & Saxe; 1983; Watkins & Glutting; 2000 e Kline & colaboradores 1993).

 

 

Nesse estudo, procuramos, em primeiro lugar, caracterizar os perfis descobrindo quais são os mais freqüentes e comparar os dados brasileiros com os portugueses. Dois pontos principais são importantes em relação a essa primeira análise. Primeiro há uma parcela considerável de sujeitos com perfis nos quais se observam competências discrepantes, isto é, um subteste acima do percentil 75 e outro com percentil abaixo de 25. Em segundo lugar, quando se analisa separadamente os alunos com esses perfis, caracterizando sua forma, observam-se semelhanças marcantes entre as formas nos dois países. Esse dado sugere que há uma estabilidade na estrutura das capacidades avaliadas pela BPR-5 e que essa estabilidade perpassa experiências culturais diversas corroborando a idéia da existência de regularidades na estrutura da inteligência independentemente das culturas (McGrew & Flanagan, 1998). Interessante notar que essa semelhança foi observada em contextos diferentes de aplicação já que em Portugal os tempos para resolução de cada prova foram muito menores que os do Brasil.

Legenda: raciocínio abstrato (RA), raciocínio verbal (RV), raciocínio mecânico (RM), raciocínio espacial (RE) e raciocínio numérico (RN)
(+) superior; (-) inferior

 

Nota. O teste Qui Quadrado indicou que a distribuição de sujeitos em relação ao sexo e reprovações é significativamente diferente nos oito grupos: Sexo X2 = 91,4, gl=7, p <0,001; Reprovação X2 = 16,3, gl=7, p < 0,05.

 

Legenda: raciocínio abstrato (RA), raciocínio verbal (RV), raciocínio mecânico (RM), raciocínio espacial (RE) e raciocínio numérico (RN)
(+) superior; (-) inferior

Nota. O teste Qui Quadrado indicou que a distribuição de sujeitos em relação ao sexo e ao agrupamento é significativamente diferente nos oito grupos: Sexo X2 = 78,4, gl=7, p < 0,001; Agrupamento X2 = 39,7, gl=21, p < 0,01.

A informação de forma dos perfis só terá utilidade a partir da demonstração de que elas trazem insigths importantes sobre as pessoas avaliadas além daquelas já sabidas pela informação da elevação do escore global (Hale & Saxe, 1983; Kline & colaboradores, 1993 e Watkins & Glutting 2000). Nesse estudo tentamos demonstrar isso pela correlação dos tipos de perfis segundo sua forma com variáveis externas de critério importantes para a área educacional, nomeadamente: gênero, idade, reprovações e área de estudo. As associações encontradas indicaram que há, de fato, configurações de competências distintas em razão de todas as variáveis analisadas corroborando a utilidade da informação de forma.

Os resultados da análise de perfis sugerem que a BPR-5 demonstrou possuir grande potencial em caracterizar o perfil de habilidades cognitivas dos alunos analisados. Uma análise exploratória inicial demonstrou que os subgrupos de alunos formados em função de seu perfil de habilidades diferem em outras características importantes tais como repetência e gênero. Somando-se os oito perfis com discrepância com os três perfis gerais (inferior, médio e superior) pode-se concluir que 68,2% dos casos analisados poderão ser classificados em um destes 11 subgrupos. O próximo passo será investigar qual a relação entre estes perfis e o desempenho acadêmico, dificuldades de aprendizagem e escolha profissional como se tem observado na literatura internacional.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Leandro Silva Almeida
Universidade do Minho
Instituto de Educação e Psicologia
Campus de Gualtar
4710 - 057 Braga/Portuga
e-mail: leandro@iep.uminho.pt

Ricardo Primi
Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Psicologia
Universidade São Francisco
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45
CEP 13251-900 - Itatiba, SP
e-mail: ricardo.primi@saofrancisco.edubr

Revisado em: 22/10/2004
Aprovado em: 18/12/2004

 

 

1 Docente da Faculdade de Psicologia na Universidade do Minho, Instituto de Educação e Psicologia, Braga Portugal.
2 Docente da Universidade São Francisco, Itatiba/SP; Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional - LabAPE. O autor agradece ao CNPq e a FAPESP pelo financiamento de seus projetos.