SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número1 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.9 n.1 Campinas jun. 2005

 

SUGESTÕES PRÁTICAS

 

Focos de intervenção em psicologia escolar

 

 

Edla Grisard Caldeira de Andrada1

Universidade Federal de Santa Catarina

Endereço para correspondência

 

Atualmente o Psicólogo Escolar é um profissional muito requisitado por educadores, equipe escolar e famílias, porém, é ainda compreendido, na maioria das vezes, como “aquele que pode tratar os alunos problemas e devolvê-los à sala de aula bem ajustados”. Essa visão caracteriza e fundamenta a intervenção clínica, uma prática que precisa ser abolida das Escolas, e revela a necessidade do estabelecimento de matrizes teóricas que fundamentem a prática deste profissional tão requisitado e tão pouco compreendido. Entre as tarefas descritas pelo CFP na resolução nº 014/00 destaco as seguintes possibilidades de atuação do psicólogo escolar:

a) aplicar conhecimentos psicológicos na escola, concernentes ao processo ensino-aprendizagem, em análises e intervenções psicopedagógicas; referentes ao desenvolvimento humano, às relações interpessoais e à integração famíliacomunidade- escola, para promover o desenvolvimento integral do ser;

b) analisar as relações entre os diversos segmentos do sistema de ensino e sua repercussão no processo de ensino para auxiliar na elaboração de procedimentos educacionais capazes de atender às necessidades individuais.

A partir das possibilidades acima descritas, alguns focos de intervenção na escola revelam-se como fundamentais e precisam estar embasados em conhecimentos da psicologia científica, tal qual propagada no curso de Psicologia.

FOCO 1 - As implicações do fazer pedagógico:

Todo fazer pedagógico precisa estar embasado em teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, sendo que a prática do educador precisa estar coerente com tais teorias. Isso implica em material e atividades adequadas, clima de sala de aula, papel do professor e do aluno e concepção de ensino. Assim, o psicólogo escolar precisa estar atualizado quanto às teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, especialmente com aquelas que embasam o corpo teórico da escola em que trabalha, focalizando os processos cognitivos.

Conhecimento necessário: Teorias do desenvolvimento e aprendizagem - inatismo, ambientalismo, construtivismo e psicologia histórico-cultural (Santos, 1997; Zanella, 2001; Davis & Oliveira, 1994). Possibilidade de intervenção

• Uma reunião inicial com a equipe pedagógica (orientadores e supervisores e direção, assim como professores) é mais que necessária. Faz-se importante deixar claro qual visão de sujeito o psicólogo tem (Andrada, 2005), o que pensa acerca da aprendizagem e quais estratégias diferenciadas tem a oferecer além do esperado atendimento individual na sala do psicólogo.

• Faz-se necessário conhecer o Projeto Político Pedagógico da Escola e participar da sua atualização.

• Trabalhar junto à equipe pedagógica em espaços semanais ou quinzenais de diálogo com os professores (intervenção mediada) a fim de juntos criar novos significados as situações cotidianas de sala de aula, eliminando a possibilidade de estigmatizar os alunos com dificuldade de aprendizagem (Curonici & MacCulloch, 1999).

• Criar espaços de discussão acerca das teorias de aprendizagem em Paradas Pedagógicas, sempre vislumbrando o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola e a prática pedagógica.

FOCO 2 - O envolvimento de pais e educadores no processo de formação e educação das crianças e adolescentes:

Quando pensamos em processo de formação dos alunos não podemos excluir a participação ativa das famílias e, certamente, dos educadores. Envolver a família, co-responsável no processo de educação de seus filhos e filhas, a fim de que se possa colher dados acerca do outro sistema direto em que participa o aluno é mais que necessário (Andrada, 2003).

Conhecimento necessário: história das famílias no Brasil (Costa, 1983); teorias sobre a dinâmica familiar e teorias sobre o desenvolvimento das famílias (Carter & Mcgoldrick, 1995).

Possibilidade de Intervenção

• Em entrevista com a família levantar dados acerca das seguintes questões: autonomia X dependência; limites; autoritarismo X autoridade; relacionamento cognitivo e emocional na família, com o objetivo de resignificar os relacionamentos intra-familiar (Papp, 1992; Minuchin, 1982).

• Junto com a família, em encontros sistematizados, refletir sobre a função da dificuldade de aprendizagem neste momento do ciclo de vida familiar (Carter & Mcgoldrick, 1995), criando estratégias com pais e cuidadores que possibilitem o sucesso escolar da criança.

• Confrontar família e professor quando necessário, criando um espaço de dialogo franco acerca das dificuldades de todos, não só do aluno, diluindo no s sistemas a “culpa” pelo fracasso escolar. Assim, outra armadilha é enfraquecida: “a culpa sempre é da família”.

• Unir pais e professores no processo educacional das crianças em estratégias cognitivas que contem com a participação de ambas as partes.

• O Psicólogo Escolar, questionador, curioso e acima de tudo assumindo uma posição investigativa, pode criar junto à equipe uma estratégia de intervenção colaborativa, na qual todos têm influência sobre o aluno, assim como sofrem influência mutuamente (Andrada, 2005; Curonici & McCulloch, 1999).

FOCO 3 - O esclarecimento das dimensões psicológicas implicadas no processo de ensino e aprendizagem.

O processo de ensino e aprendizagem implica em várias áreas do conhecimento humano, sendo que nenhuma área se sobrepõe a outra. A educação é um fenômeno muito complexo para ser vislumbrada somente pela pedagogia, ou pela psicologia, ou medicina. Dessa forma, é preciso reconhecer que a dificuldade de aprendizagem tem origem, causas e desenvolvimento múltiplos o que exige do profissional pesquisa em áreas distintas do conhecimento (Polity, 2001; Fernandez, 1990). Faz-se necessário um trabalho que considere todas as dimensões implicadas, dentre as quais a psicologia se faz presente.

Conhecimento necessário: Processos cognitivos; teorias sobre memória, atenção, concentração, apropriação do conhecimento e linguagem (Antunes, 1998; Rezende, Tronca & Tronca, 2004; Antunes, 2002). Problemas de aprendizagem: hiperatividade, déficit de atenção, dislexia, dislalia, disgrafia, entre outros (Ciasca, 2003; Neves & Almeida, 2003).

Possibilidades de intervenção

• Diagnóstico e encaminhamento das crianças com suspeita de dificuldades de aprendizagem para especialistas da área.

• Acompanhamento do processo de aprendizagem dos alunos com dificuldades de aprendizagem.

• Criação de estratégias psicopedagógicas junto à equipe escolar e professores envolvidos.

• Ouvir os professores, suas demandas e fazê-los participar em alguns dos atendimentos com as crianças, repensando novas práticas e novos olhares sobre o aluno que chama de “problema”.

• Participar das reuniões e conselhos de classe, nas quais o psicólogo poderá estabelecer novas maneiras de perceber o processo educacional dos alunos, evitando rótulos, diagnósticos imprecisos e hipóteses únicas e fechadas.

FOCO 4 - Os sistemas de interações existentes no interior da Escola.

Os problemas de aprendizagem podem ser fruto de falhas nas inter-relações do sistema direto do qual a criança participa. A criança precisa ser compreendida dentro de seu sistema social de interação, como parte inseparável do seu sistema social, o qual inclui família, escola, entre outros. Dentro da escola, fazse necessário procurar entender os problemas que a criança está apresentando relacionando-os aos diferentes sujeitos envolvidos, com o objetivo de planejar as intervenções necessárias (Del Prette, 2001; Souza, 1997).

Conhecimento necessário: Teoria sistêmica (Vasconcellos, 2002; Moraes, 1997); teoria de grupos, papéis e atitudes sociais (Gayotto, 1992; Osório, 2003; Yozo, 2001).

Possibilidade de intervenção

Criar espaços para escutar as demandas dos sujeitos da escola e pensar maneiras de lidar com situações que são cotidianas. Faz-se necessário circular pelos corredores, estar atento aos movimentos dos sujeitos.

• Criar formas de reflexão em conjunto com todos os sujeitos (alunos, professores e especialistas) para que se possa trabalhar com suas relações e paradigmas (Andrada, 2003).

• Faz-se necessário ouvir os alunos, o que pensam sobre sua escola e sua turma. Isso pode ser feito através de desenhos, entrevistas, ou mesmo que escrevam o que pensam, sentem, como percebem sua turma e sua escola.

 

REFERÊNCIAS

Andrada, E.G.C. (2003). Família, escola e a dificuldade de aprendizagem: intervindo sistemicamente. Em: Psicologia Escolar e Educacional, Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, v.7, n.2, jul-dez,.

Antunes, C. (2002). A memória: como os estudos sobre o funcionamento da mente nos ajudam a melhorá-la: fascículo 9, Petrópolis, RJ: Vozes.

Antunes, C. (1998). As inteligências múltiplas e seus estímulos. Campinas, SP: Papirus.

Carter, B., & Mcgoldrick,M. (1995). As mudanças do ciclo de vida familiar. POA: Artes Médicas.

Ciasca, S.M. (org.) (2003). Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar. SP: Casa do Psicólogo.

Costa, J.F. (1983). Ordem médica e norma familiar. 2ed, Graal.

Curonici, C., & McCulloch, P. (1999). Psicólogos e Professores: uma visão sistêmica acerca dos problemas escolares. SP: EDUSC.

Davis, C; Oliveira, Z. (1994). Psicologia na Educação, 2ed.; SP: Cortez.

Del Prette, Z.A.P. (org.) (2001). Psicologia Escolar e Educacional, saúde e qualidade de vida. SP: Editora Alínea.

Fernández, A. (1990). A Inteligência Aprisionada. 2.ª ed, Porto Alegre: Artes Médicas.

Gayotto, M.L.C.(Org) (1992). Creches: desafios e contradições da criação coletiva da criança pequena. São Paulo: Ícone.

Minuchin, S. (1982). Famílias, funcionamento e tratamento. POA: Artes médicas.

Moraes, M. C. (1997). O Paradigma Educacional Emergente. Campinas, SP: Papirus.

Neves, M.M.B.J; Almeida, A.F.C. (2003). A atuação da psicologia escolar no atendimento aos alunos com queixas escolares. Em: Almeida, S.F.C. (org) Psicologia Escolar: ética e competências na formação e atuação profissional. SP: Ed. Alínea.

Osório, .L.C. (2003). Psicologia Grupal. Porto Alegre: Artmed

Papp, P. (1992). O processo de mudança. Porto Alegre: Artes Médicas.

Polity, E. (2001). Dificuldade de Aprendizagem e Família: Construindo Novas Narrativas. São Paulo; Vetor.

Rezende, E.S., & Tronca, F.Z.; Tronca, G.A. (2004). A ciência psicopedagógica: pressupostos fundamentais para o trabalho transdisciplinar. Tubarão: Ed. UNISUL.

Santos, M.A. (1997). Psicologia escolar no Brasil: fazeres e saberes. Dissertação de mestrado, Programa de Pósgraduação em Educação. UFSC/SC.

Souza, M.P.R. (1997). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos 3ed. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Vasconcellos, M. J. E. (2002). Pensamento Sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas, SP: Papirus.

Yozo, R.Y.K. (1996). 100 Jogos para Grupos: uma abordagem psicodramático para empresas, escolas e clínicas. 5ed, SP: Ágora.

Zanella, A.V., & Vygotsky, L. (2001). Contribuições à psicologia e o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. Itajaí: Univali.

 

 

Endereço para correspondência:
Edla Grisard Caldeira de Andrada
Largo Benjamin Constant, 691 – apto 403
CEP 88015-390 – Florianópolis - SC
e-mail: edla@floripa.com.br

 

1 Psicóloga e docente da Universidade Federal de Santa Catarina