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Psicologia Escolar e Educacional

versión impresa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.10 n.2 Campinas dic. 2006

 

RESENHAS

 

Educação e diversidade: estratégias de enfrentamento e mudança

 

Marli Lúcia Tonatto Zibetti

Universidade Federal de Rondônia/UNIR

 

Nenevé, M. & Proença, M. (orgs). (2005). Educação e Diversidade: interfaces Brasil-Canadá. São Paulo: Casa do Psicólogo, 279p.

O livro Educação e Diversidade: interfaces Brasil- Canadá representa, tanto nos temas que aborda, quanto na constituição do grupo que dele participa, uma forma de luta pela igualdade, buscando a superação de diferenças que discriminam, conforme defende Boaventura de Souza Santos, ao mesmo tempo em que destaca as diferenças em aspectos nos quais a busca de igualdade resultaria em descaracterização. Esta produção, que envolve autores brasileiros e canadenses, traduz o intercâmbio bem sucedido entre pesquisadores de dois países, com histórias e características muito distintas, mas que se reúnem para produzir conhecimento com a marca do compromisso histórico das necessidades do nosso tempo.

Organizado por Marilene Proença, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, e Miguel Nenevé, professor e pesquisador do Núcleo de Estudos Canadenses na Universidade Federal de Rondônia, apresenta textos de autores de seis instituições brasileiras e duas canadenses trazendo uma grande contribuição ao aprofundamento do debate sobre as temáticas educação e diversidade em uma perspectiva crítica, que se caracterizam como desafios tanto para educadores quanto para os responsáveis pelas políticas públicas no Brasil e no Canadá. Os textos dos professores organizadores do livro abrem a obra e analisam produções de autores brasileiros e canadenses em suas respectivas áreas de pesquisa.

Marilene Proença no texto Movimentos contemporâneos de crítica em Psicologia e Educação: interfaces Brasil-Canadá destaca como marco destes movimentos as obras Psicologia e Ideologia: uma introdução à psicologia escolar, de Maria Helena Souza Patto publicada em 1981 no Brasil, e a obra de Edmund O’Sullivan, Critical Psychology: na interpretation of personal wordl, publicado em 1984 no Canadá. A análise de Proença revela que os dois autores estudados questionam o lugar de neutralidade da psicologia e suas idéias têm deixado marcas e desdobramentos em diversos trabalhos e discussões no campo da Psicologia Educacional/Escolar.

No segundo capítulo sob o título Peter McLaren, Pós-Modernismo e Pós-Modernismo de resistência Miguel Nenevé concentra sua análise na visão do canadense Peter McLaren sobre educação, sua recente aproximação ao marxismo, seu conceito de “pósmoderno de resistência” em face a outros pósmodernismos bem como sua evolução na maneira de perceber o pós-modernismo. Faz ainda uma análise do termo pós-moderno nas diferentes áreas do conhecimento, discute pós-modernismo, pósmoderno de resistência e marxismo no pensamento do autor, concluindo que houve, de fato, uma evolução desse pensamento no que se refere ao pósmodernismo na educação.

Newton Duarte (UNESP/Araraquara/SP) escreve o terceiro capítulo no qual apresenta A teoria da atividade como fundamento para pesquisas sobre aprendizagens informais em situações de trabalho no Canadá e para a reflexão sobre a educação escolar no Brasil. Produzido a partir de Estudos de Pósdoutorado no Center for de Study of education and work (CSEW) no Ontário Institute for Studies in Education (OISE) da Universidade de Toronto no Canadá, situa-se na continuidade das pesquisas do autor que vem trabalhando para construir uma psicologia sócio-histórico-cultural fundamentada no materialismo histórico-dialético.

O texto de Humberto Luiz Lima de Oliveira (UEFS/BA) utiliza duas narrativas literárias para redefinir conceitos de educação, pedagogia, desenvolvimento e progresso. A primeira narrativa, um romance contemporâneo cujos personagens são crianças e adolescentes estudantes da rede pública de Montreal. A segunda, oriunda da tradição oral africana trata a educação como formação para a vida. Confrontando os dois textos o autor procura “extrair o que poderia ser de fato uma pedagogia necessária e essencial para este milênio com sede de mudanças efetivas de paradigmas” (p. 70).

As contribuições do pensamento do Canadense Peter McLaren e de Paulo Freire para a construção de uma educação multicultural e inclusiva é o tema abordado por Carmem Velanga (UNIR/RO), no qual a autora defende a idéia de que um maior conhecimento das contribuições dos dois educadores, cujos trabalhos posicionam-se a favor dos “sem-direitos”, traz possibilidades para modificar a orientação do currículo que se pretende crítico e inclusivo.

Isabel Killoran (YORK-U/Toronto/Canadá) contribui com dois belíssimos textos para a excelente qualidade do livro. No primeiro descreve a experiência de um grupo escolar em um distrito na cidade de Hamilton – Canadá, evidenciando-a como modelo de verdadeira inclusão. A autora explora a abordagem inclusiva da escola focalizando seus princípios filosóficos, administrativos e educacionais, além das estratégias colaborativas e das atitudes dos professores. O trabalho utiliza entrevistas e textos de pessoas que atuaram e atuam em processos de inclusão. Destaca as estratégias de colaboração entre os participantes, o planejamento colaborativo entre pais, irmãos, equipe de apoio escolar, comunidade e colegas no processo educativo. Ao enfatizar o pedagógico, a proposta focaliza o que o aluno tem de positivo, proibindo a utilização de testes para avaliar possíveis limitações ou dificuldades.

No segundo texto a autora descreve o início de sua experiência como formadora de professores e afirma que “ensinar é algo muito pessoal. Diz respeito ao que cada um de nós já vivenciou e como isso influencia na relação professor e aluno.” (p. 155). Por isso, toma como ponto de partida sua trajetória como professora primária e faz um relato pautado em sua história pessoal. Descreve seu trabalho com alunos que têm problemas de comportamento e justifica as razões que a levaram a decidir-se pela formação de professores.

No sétimo capítulo a autora Tânia Brasileiro (UNIR/ RO) revisita a teoria do conhecimento, elaborada por Paulo Freire, a partir de educadores críticos da realidade. Para isso utiliza as contribuições dos autores canadenses Peter McLaren e Edmund O’Sullivan; do americano Henry Giroux e dos espanhóis Ramón Flecha, Monclús e Blanco.

Walterlina Brasil (UNIR/RO) inicia seu trabalho discutindo as idéias do autor canadense Dieter Misgeld sobre as contribuições de Freire e discute educação e cidadania na América Latina. Em seguida propõe uma reinterpretação das idéias de Paulo Freire focando a educação superior a partir da análise da proposta de Susan Schwartz dos registros de estudos acadêmicos como possibilidade de formação reflexiva na graduação.

O trabalho da Canadense Tara Goldstein aborda um interessante programa de ensino e pesquisa de “etnografia performativa” desenvolvido na universidade de Toronto no Canadá (OISE/UT). A proposta da etnografia performativa propõe a transformação dos dados e dos textos da etnografia crítica e naturalística em roteiros, histórias e dramas teatrais que são, ou lidos em voz alta por um grupo de participantes, ou apresentados em público. O trabalho da autora “apresenta a etnografia crítica aplicada ao campo da educação de professores e é focado no tema da educação anti-opressiva ou educação para a justiça social.” (p. 184).

No texto seguinte, a brasileira Klondy Lúcia de Oliveira Agra (UNIRON/RO) analisa a temática do multiculturalismo a partir da peça teatral Hong Kong, Canadá, um dos trabalhos de Tara Goldstein. A autora destaca que o multiculturalismo no Brasil difere do multicuralismo observado em outros países, mas aponta a possibilidade de aprendermos com o interesse e o cuidado com que estes têm tratado esta temática.

Déborah P. Britzman, professora da Universidade de YORK-U (Toronto/Canadá) retorna aos arquivos da psicanálise de Melanie Klein sobre a “criançaquestão” e a partir da leitura do filme La vie em Rose, discute as demandas por “saber” que são apresentadas aos adultos pelas crianças e jovens.

E fechando a obra o texto de Alessandra Arce (UFSCAR/São Carlos/SP) introduz no Brasil, de forma preliminar, a experiência do Instituto de Estudos da Criança da Universidade de Toronto que foi, nas palavras da autora, “um dos primeiros a ser criado na América do Norte com o objetivo de estudar a criança: seu desenvolvimento, cuidado e educação além de preocupar-se com a formação de professores e realizar pesquisas educacionais”.(p. 258).

Pela variedade de autores, experiências e contribuições que o presente livro apresenta, sua leitura pode ser comparada a uma viagem por diferentes caminhos com distintas paisagens, entretanto a bordo de um mesmo veículo: a palavra escrita produzida a partir de estudos desenvolvidos por um grupo de pesquisadores dispostos a aprender e ensinar por meio da convivência crítica com a diversidade cultural.

Além disso, os trabalhos publicados divulgam e estimulam a parceria acadêmica/cultural existente entre Brasil e Canadá a qual conta com o apoio da ABECAN - Associação Brasileira de Estudos Canadenses - que tem contribuído para estimular estudantes e pesquisadores brasileiros a realizar intercâmbio para aprofundar estudos por meio de estágios de doutoramento, pós-doutorado ou desenvolvimento de pesquisas naquele país.