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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.11 n.2 Campinas dez. 2007

 

RESENHA

 

Tecnologia de informação e comunicação no processo educacional

 

Information and communication technology in educational process

 

 

Moacir Wuo

Universidade Camilo Castelo Branco

 

 

Sancho, J. M. & Hernández, F. (orgs.) (2007). Tecnologias para transformar a educação. Tradução de Valério Campos. Porto Alegre: Artmed Editora.

Sancho e Hernández reúnem pesquisadores e catedráticos em Didática e Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), com experiência e atuação em projetos de inovações educativas e em programas de educação em redes em escolas européias, para discutir e explorar os saberes e as intervenções das novas tecnologias no processo educacional. A obra vai além do que propõe no título e reflete a experiência dos autores na área das TIC, assim como busca equacionar e compreender as dimensões do complexo problema de integrar tecnologias e transformar o processo educacional.

Os oito capítulos que compõem a obra e seus respectivos autores são apresentados de maneira clara com as propostas de questões que vão da prática, discussões oriundas de vivências em projetos nas es-colas européias, à fundamentação teórica, ou a necessidade dela passando pelas concepções das políticas educacionais.

No primeiro capítulo De Tecnologias da Informação e Comunicação a Recursos Educativos Sancho descreve programas de educação envolvendo aplicações e usos de computadores nos processos de ensino e de aprendizagem. Esse novo nicho se estabelece quando a estrutura "dura" da escola aceita com naturalidade a tecnologia "suave" dos computadores e da Internet. A aceitação só será revertida em melhorias e ganho educacionais se administradores escolares, especialistas em educação, assessores pedagógicos e professores reorientarem suas visões sobre o ensino, promovendo mudanças no currículo, processos de avaliação, espaços educativos e incorporar enfoques construtivistas na gestão do ensino.

São discutidas as influências e as possibilidades que as redes de informações e comunicação exercem no desenvolvimento educacional ao longo da vida das pessoas e a necessidade de converter em conhecimentos reais.

As argumentações e exposições ricas e atuais de Sancho, não descrevem despretensiosamente questões mais profundas do processo educacional como o ensino centrado no professor, as provas padronizadas, o interesse e habilidades dos alunos de interagir com as novas tecnologias, os paradoxos de coexistências de programas educativos que desvinculam a criatividade da autonomia intelectual. A escola, para construir sua transformação e tirar proveito das tecnologias disponíveis, deve refletir e questionar suas atuais convicções pedagógicas.

Hernádez, no capítulo Por que dizemos que somos a favor da educação se optamos por um caminho que deseduca e exclui? apresenta a sua visão de educação na qual deve incorporar criatividade, inventividade e integração e ação sociais num mesmo eixo. Elege a aprendizagem como sentido a partir de experiências que conduzam crianças, jovens e adultos ao envolvimento com o aprender. Critica a atual pedagogia "entediante" e os discursos modernistas de reforma, fruto de dominação e de poder que mantém seu caráter hegemônico. Propõe o abando da estrutura curricular atual.

Sem dúvida, trata-se de uma proposta radical cujos caminhos devem ser reconstruídos desconstruindo o sistema atual de ensino. É possível que o leitor se assuste ou, no mínimo, sinta-se "cartesiano demais". Os argumentos fazem referências à construção da subjetividade a partir de experiências vividas contrapondo-se a subjetividade conformada construída em contextos limitados das escolas atuais.

As justificativas para a proposta de mudanças não se apresentam plenamente convincentes e soam, às vezes como especulações. É fato que, apesar de ainda existir tantas questões por serem respondidas e tanto por fazer na área da educação, é inegável que a escola tem propiciado grandes avanços.

Pablos, no capítulo A visão Disciplinar no espaço das Tecnologias da Informação e Comunicação faz uma apresentação esmerada com definições e conceitos de disciplina e interdisciplinaridade, a primeira como a práxis e a outra como um espaço comum onde se encontram objetos de pesquisas ou de associações de áreas do conhecimento científico.

As discussões de Pablo trazem as análises de Foucault (As palavras e as coisas, 2002) sobre a racionalidade operativa que conduz às subdivisões dos mais diversos aspectos da realidade. A interdisciplinaridade proporcionaria uma via ou possibilidade de trânsito interativo entre essas subdivisões.

As fundamentações conduzem às necessidades e aos desafios da interdisciplinaridade nas TIC e o desenvolvimento de uma teoria de educação. O leitor se sentirá recompensado com as extensões e implicações apresentadas e as ricas análises envolvendo mediações e ferramentas cognitivas.

Gilleran, no capítulo Práticas Inovadoras em Escolas Européias faz uma análise descritiva dos programas e das práticas educativas com o uso das TIC, à luz do construtivismo compartilhado, desenvolvidos e patrocinados pela Rede de Escolas Européias. A concepção dos programas considera não só um processo de aprendizagem ao longo da vida como também os avanços tecnológicos de equipamentos portáteis e sem fios com possibilidades de acesso em praticamente qualquer ambiente.

O sucesso dos programas pode ser dimensionado pelo leitor acessando os portais indicados no texto. Esses portais demonstram que as escolas deram amplitude ao programa estabelecendo redes de comunicações em todos os níveis - alunos, professores e gestores escolares.

A Organização das Escolas e os reflexos da Rede Digital é discutida por Martín. Trata da invisibilidade das TIC e a remoção sutil da estrutura profunda a escola. Os ganhos, nesse processo, devem articular o uso das TIC nos propósitos e interesses escolares passando, necessariamente, pela organização do espaço cibernético da escola, evitando os riscos da chamada mcdonalização.

A organização escolar e da aprendizagem devem mudar, iniciando pela "desaprendizagem organizativa" para transformar-se ou recriar-se num sentido amplo. Incorporar significa continuar com as velhas e inoperantes práticas de dominação vertical via "web". Na incorporação a escola, submetida aos "webmasters", e os professores deixariam de interagir com seus alunos ou no binômio caricato aluno-máquina.

O processo de inclusão é tratado por Alba no capítulo Uma Educação sem Barreiras Tecnológicas TIC e Educação Inclusiva. A evolução da tecnologia, na ótica de Alba, visa e se justifica por razões econômicas e políticas e não sociais.

As declarações universais sobre reconhecimento do direito de todos ao acesso à educação ainda não se fizeram realidade. Nos países desenvolvidos uma parcela reduzidíssima de pessoas com algum tipo de deficiência chega aos bancos universitários. Essa é a questão proposta pela autora - quais as causas, as barreiras que impedem o acesso dessas pessoas às atividades educativas?

Considerando a indisponibilidade de recursos informáticos e o analfabetismo tecnológico digital é possível concluir, sem muito esforço, a existência de legiões de excludentes, marginalizados ou "desconectados", sem possibilidades de acessar a cultura e a informação. Nessas legiões encontram-se pessoas com algum tipo de deficiência, chegando a 50 milhões na Europa cerca e 18 milhões no Brasil. É uma exclusão silenciosa.

Os dispositivos "inteligentes", agendas falantes, sintetizadores de voz, digitalizadores de sons, versões em Braille, entre muitos outros, vão muito além do teclado e permitiriam o acesso à inclusão se as páginas das "webs" educativas fossem projetadas para essa finalidade.

Área traz à pauta Vinte Anos de Políticas Institucionais para Incorporar as Tecnologias de Informação e Comunicação ao Sistema Escolar. As políticas educacionais se estabeleceram no final de 1970 na Europa, Estados Unidos e Japão com programas e projetos educacionais, mas o grande desenvolvimento se deu entre 1997 e 2001 com a utilização Internet. A partir desse período as TIC passam a constituir um importante elo de integração social, do qual fazem parte os mais diversos segmentos e interesses.

Área analisa o modelo de desenvolvimento e incorporação das TIC nas Ilhas Canárias como um estudo de caso. Os aspectos apresentados vão desde as questões práticas da sala de aula como o voluntarismo de professores até as questões amplas como os interesses político-partidários. As análises indicam algumas premissas e caminhos que devem ser observados para o estabelecimento de políticas educativas assim como a necessidade do desenvolvimento de uma inovação pedagógica, sem as quais as mudanças não ocorrerão nas práticas escolares.

Os Cenários da Escola do OCDE, os professores e o Papel das Tecnologias da Informação e Comunicação constitui o último capítulo assinado por Istance. São apresentadas as reflexões sobre o futuro da escola como um projeto de educação para toda a vida, desenvolvidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essas reflexões são construídas a partir de determinados cenários com a combinação de correntes e tendências ideológicas com propósitos de se fazer uma projeção do futuro da educação num período de 10 ou 20 anos.

Nesses cenários são analisados a profissão docente, o uso das TIC e o "padrão" de sociedade no qual o cenário projetado poderia ter lugar. É um exercício extremamente interessante que, segundo o autor, tais procedimentos têm permitido estabelecer importantes debates políticos e de desenvolvimento em muitos países europeus. A clareza e a qualidade das argumentações promovem a aproximação do leitor e, ao mesmo tempo, convidam para uma análise, pelo menos comparativa, com a situação do Brasil.

Todos os capítulos apresentam notas com explicações complementares dos autores e referências, tornando a obra um espaço de debate. O tema não é tratado como especulação ou superficialidade e advém de experiências concretas, de realizações concebidas a partir de fundamentações científicas. Leitura necessária para profissionais da educação - professores e especialistas de educação - formados ou em formação, e obrigatória para aqueles que respondem pelas políticas educacionais nos mais diversos segmentos e rincões deste país.