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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.12 n.1 Campinas jun. 2008

 

ARTIGOS

 

O debate de dilemas morais na universidade

 

Moral dilemmas debate in the university

 

El debate de dilemas morales en la universidad

 

 

Luciana Karine de Souza *

Universidade Federal de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho apresenta uma reflexão sobre o uso da técnica de debates de dilemas morais com estudantes de Psicologia e sobre a elaboração de dilemas por eles. O uso da técnica de discussão de dilemas no contexto educativo, no caso, a universidade, embora não vise à promoção do amadurecimento do julgamento moral, pode indiretamente oferecer avanços quanto à reflexão sobre os conteúdos estudados, bem como sobre as experiências de vida dos próprios estudantes. Espera-se que o trabalho contribua para a compreensão da aplicação da técnica de discussão de dilemas morais como recurso didático em disciplinas sobre temas associados, como desenvolvimento moral ou ética profissional. Sobretudo espera-se que um novo espaço de reflexão sobre a prática profissional do psicólogo se abra aos universitários.

Palavras-chave: Desenvolvimento moral, Ética, Dilema.


ABSTRACT

This study presents some ideas about the use of moral dilemma discussions technique and the preparation of semi-real dilemmas, in Psychology undergraduates. The use of dilemma discussion technique in an educative context, such as the university, may offer some advance as in regard to the contents studied, as well as to the students' life experiences. It is expected that this study contribute to the understanding of the application of the moral dilemma discussion technique as a didactic resource in courses about themes alike, such as moral development and ethics. Above all one expects that a new opportunity for reasoning about the practice of Psychology as a profession opens up to undergraduates.

Keywords: Moral development, Ethics, Dilemma.


RESUMEN

Este trabajo presenta una reflexión sobre el uso de la técnica de debates de dilemas morales con estudiantes de Psicología y sobre la elaboración de dilemas por ellos. El uso de la técnica de discusión de dilemas en el contexto educativo, en particular en la universidad, pese a no tener como objetivo promover la madurez del juicio moral, indirectamente puede ofrecer avances en relación a la reflexión sobre los contenidos estudiados, así como también sobre las experiencias de vida de los propios estudiantes. Se espera que el trabajo contribuya para la comprensión de la aplicación de la técnica de discusión de dilemas morales como recurso didáctico en disciplinas sobre temas asociados, como ser el desarrollo moral o la ética profesional. Principalmente se espera que un nuevo espacio de reflexión sobre la práctica profesional del psicólogo se abra para los universitarios.

Palabras clave: Desarrollo moral, Ética, Dilema.


 

 

Introdução

O presente trabalho apresenta uma reflexão sobre o uso da técnica de debates de dilemas morais com estudantes de Psicologia. Tal reflexão fundamenta-se na experiência realizada ao longo de dois semestres com uma disciplina optativa sobre desenvolvimento moral. Argumenta-se na direção do uso da técnica em contextos educativos, no caso, a universidade. Como recurso didático, embora não vise à promoção do amadurecimento do julgamento moral, a técnica pode indiretamente oferecer ganhos quanto à reflexão sobre os conteúdos estudados, bem como sobre outros temas. Em complemento à reflexão proposta, são analisados dilemas morais hipotéticos criados por estudantes universitários que cursaram a disciplina referida e que vivenciaram a técnica de discussão de dilemas morais.

Há algum tempo os esforços dedicados à promoção do desenvolvimento moral vêm ocorrendo mediante a técnica de discussão de dilemas morais em grupos. Trata-se de uma técnica conhecida entre psicólogos e educadores, com resultados significativos em amostras de distintos países (Berkowitz, 1985; Biaggio, 2002; Power, Higgins & Kohlberg, 1989).

É reconhecida a importante contribuição deixada pelo psicólogo norte-americano Lawrence Kohlberg ao estudo do desenvolvimento moral e à aplicação da teoria em contextos nos quais o psicólogo atua, como a escola, por exemplo. Não foi sem esforço empírico e teórico que Kohlberg (1984) alcançou status. Trabalhou incessantemente para aperfeiçoar uma proposta teórica, um instrumento de avaliação do julgamento moral e a aplicação da técnica de debate de dilemas. Estudantes e colegas contribuíram significativamente nestes esforços, concordando ou discordando e propondo novas abordagens (Biaggio, 2002). Contudo, ainda que a teoria de Kohlberg (1984) seja conhecida, faz-se necessária uma menção breve à mesma.

O desenvolvimento do julgamento moral: A teoria de Lawrence Kohlberg

Kohlberg (1984) postulou uma seqüência invariável, hierárquica e universal de estágios de desenvolvimento do julgamento moral. Mediante a análise da estrutura das respostas das pessoas a dilemas morais, o autor identificou formas qualitativamente diferentes de raciocínio moral, algumas das quais, segundo ele, Piaget (1932/1994) não considerou em sua teoria do desenvolvimento moral. Para uns, Kohlberg avançou com a identificação do nível pós-convencional de raciocínio moral. Para outros, estudiosos da teoria piagetiana, a estrutura pós-convencional proposta pelo americano foi contemplada no conceito de autonomia de Piaget.

Focalizando na esfera cognitiva do estudo da moral, Kohlberg (1984) organizou seis estágios de julgamento moral em três níveis distintos: nível pré-convencional, nível convencional e nível pós-convencional. No nível pré-convencional, o indivíduo não reconhece princípios morais compartilhados por indivíduos inseridos em uma comunidade, julgando os atos pela sua conseqüência, punição (raciocínio contemplado pelo estágio 1, que prioriza a punição e a obediência), ou vantagem que traga satisfação pessoal (estágio 2, identificado por hedonismo). No nível convencional, o indivíduo, reconhecendo as leis de sua comunidade, é capaz de internalizá-las, vendo-se pertencente ao grupo que as elaborou e com ele identificando-se. Neste nível pode compreendê-las mediante dois mecanismos: pelo estágio 3, conhecido como moral do bom garoto, valorizando ações que despertam aprovação social e priorizam relacionamentos pessoais; e pelo estágio 4, orientado à lei e à ordem, exercendo respeito por autoridades e regras, seguindo-os para manter a ordem social (Biaggio, 2002).

No nível pós-convencional, apresentado por Kohlberg (1984) como a inovação em sua teoria, "a perspectiva diferencia o self das regras e expectativas dos outros e define os valores morais em termos de princípios próprios" (Biaggio, 2002, p.24). No estágio 5, que contempla a orientação para o contrato social, o indivíduo julga que regras e leis disponíveis mais injustas devam ser modificadas mediante meios democráticos socialmente reconhecidos. Já no último estágio de julgamento moral (estágio 6), o mais elevado e maduro, permite resistência às leis injustas não modificadas por intermédio dos meios democráticos. O indivíduo no estágio 6 "reconhece os princípios morais universais da consciência individual e age de acordo com eles" (Biaggio, 2002, p.27). São exemplos deste estágio, personalidades marcantes da história mundial, como Gandhi, Jesus Cristo e Martin Luther King. É interessante marcar que raras são as pessoas que atingem esta maturidade de julgamento moral.

Kohlberg (1984) e sua equipe desenvolveram instrumentos de avaliação do julgamento moral (Biaggio, 2002). Aliado a isso foi investido empenho em promovê-lo com vistas à educação moral. Resultante deste investimento é a técnica de discussão em grupo de dilemas morais hipotéticos.

O desenvolvimento do julgamento moral: A técnica pelo Método Blatt

Moshe Blatt, sob orientação de L. Kohlberg, propôs uma técnica de discussão de dilemas morais hipotéticos capaz de estimular a passagem para estágios mais elevados de julgamento moral (Blatt & Kohlberg, 1975). Blatt preconizou que a discussão de dilemas entre indivíduos de estágios distintos provocaria o conflito cognitivo, responsável pela passagem de um estágio a outro, mais amadurecido. Confrontado com opiniões mais amadurecidas que as próprias na tarefa de resolver um dilema moral, o indivíduo experimenta um conflito mobilizador das estruturas cognitivas, conduzindo-as a um estágio mais amadurecido do desenvolvimento moral.

Blatt realizou dois experimentos com pré-adolescentes expostos a mensagens baseadas em diferentes estágios de julgamento moral. Os participantes submetidos a mensagens um estágio acima do próprio assimilaram-nas mais do que os que foram expostos a um estágio imediatamente inferior ou a dois acima do seu. Para Biaggio (2002), "o raciocínio de estágio superior é assimilado somente se causar conflito cognitivo, isto é, se for discrepante ou introduzir incerteza na decisão moral" (p.51).

Coordenado por um professor ou pesquisador treinado, acompanhado de um observador, o grupo de debates deve ter 10 a 12 participantes a partir da pré-adolescência, quando os efeitos da técnica são mais duradouros e marcantes. O grupo deve ser heterogêneo em termos de estágios de julgamento moral, medidos previamente por um instrumento de avaliação do julgamento moral. Essa heterogeneidade é pré-requisito fundamental para a técnica, visto que estimula os debates e o conflito necessário à modificação das estruturas cognitivas (Blatt & Kohlberg, 1975).

Dedicando-se a aperfeiçoar a técnica de discussão de dilemas morais em grupo de Blatt, Arbuthnot e Faust (1981) delinearam seis passos que guiam a técnica: Formação de grupos com 8 a 15 pessoas, distribuídas de modo equivalente nos estágios (por exemplo, 3, 4 e 5); Escolha de dilemas propícios a criar conflito cognitivo; Preparação da discussão, explicando-se o que será realizado, o papel da educação moral e do coordenador, e as diretrizes para participação com ênfase na liberdade de opinião; Apresentação do dilema e questionamento a cada integrante sobre a solução que adotaria, justificando-a. A discussão normalmente começa pelas respostas guiadas pelo raciocínio dos estágios mais baixos do grupo, e os integrantes nos estágios mais maduros são encorajados a opinar e debater as diferenças; Garantia de que o máximo de indivíduos possível experimente o conflito cognitivo, quando o coordenador apresenta perguntas que não podem ser respondidas pelo estágio dominante no grupo, ou questões embasadas no raciocínio do estágio imediatamente superior ao mais maduro. Este é o conhecido argumento +1, como é referido na literatura da área; e Encerramento da discussão, "tanto quando o grupo termina o debate sobre o argumento do estágio maior, como depois de todas as grandes questões e diferenças importantes de opinião foram discutidas" (p.146).

A técnica de debates de dilemas em grupo foi replicada em vários estudos (Berkowitz, 1985; Power, Higgins & Kohlberg, 1989). Na avaliação de Biaggio (2002), trata-se de um método de educação moral sem doutrinação nem relativismo, sem que o professor exija uma resposta certa. No Brasil, há trinta anos a teoria e a técnica são utilizadas em pesquisa com resultados relevantes, alguns dos quais relatados a seguir.

A promoção do desenvolvimento do julgamento moral: Dados brasileiros

No início da década de 1980, Biaggio (1983, 1985, 1988) passou a utilizar a técnica de promoção da maturidade de julgamento moral, seguindo o modelo de Blatt e Kohlberg (1975) e as orientações de Arbuthnot e Faust (1981). Com o objetivo de preparar professores e orientadores educacionais para a implantação de um programa de promoção da maturidade do julgamento moral dos estudantes, Biaggio (1983) coordenou dois grupos de discussão de dilemas morais. Neste primeiro trabalho, a técnica mostrou-se eficaz com ganho significativo na maturidade de julgamento moral. Biaggio salientou a relevância social deste tipo de intervenção, visto que o pensamento moral pós-convencional "permite o raciocínio crítico capaz de transformações. Acreditamos que só formando uma juventude capaz de questionar o status quo é que se conseguirá promover mudanças sociais" (p.32).

Duas orientadoras educacionais que participaram do grupo de debates do primeiro estudo aplicaram a técnica em seus alunos (Biaggio, 1985). Uma turma de 7a série apresentou, no pós-teste, um aumento no escore médio de julgamento moral. Segundo Biaggio (1985), apesar de as médias do uso do estágio 4 terem aumentado significativamente após oito sessões de discussões de dilemas, "a maioria dos sujeitos apresenta elementos de estágio 3 e de estágio 5, e não necessariamente 4, o que não fica aparente nos escores médios" (p.198). A segunda experiência foi com alunos de 8a série, tendo uma turma vivenciado a técnica e outra não (grupo controle). Os dois grupos apresentaram ganhos na maturidade de julgamento moral, provavelmente devido à sua não-equivalência no pré-teste (Biaggio, 1988). Contudo, Biaggio relatou que os alunos resistiam a discutir os dilemas levados pelas coordenadoras, reivindicando dilemas trazidos por eles. Este dado foi interpretado como resistência ao conformismo à autoridade, dada a reduzida incidência de estágio 4 em brasileiros (Biaggio, 1975, 1976).

A terceira experiência com a técnica de debates de dilemas morais envolveu universitários do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Biaggio, 1985). Em metade dos 10 encontros foram utilizados dilemas de Blatt, Colby e Speicher (1974); na outra metade, dilemas brasileiros, elaborados pela equipe de Biaggio. Os ganhos obtidos em julgamento moral com as discussões foram estatisticamente significativos em uma re-análise dos dados, com a ressalva de que dependia grandemente do interesse dos participantes em discutir dilemas que surgiam no momento das discussões (Biaggio, 1985).

Diante dos resultados encontrados na investigação do nível de julgamento moral bem como da aplicação da técnica de Blatt e Kohlberg (1975) com participantes brasileiros, Biaggio (1985) ressaltou a situação política brasileira vigente durante os estudos realizados. Nos trabalhos da década de 1980, no que tange o interesse dos participantes dos grupos em discutir dilemas vividos por eles, entende-se que "com a Abertura e a Nova República, a necessidade de atuar, de participar ativamente é tão grande, em todos os setores, que certamente se manifesta na escola, nesse tipo de trabalho" (p.200). Biaggio associa a isso os resultados das pesquisas da década de 1970, nas quais se observou a baixa incidência do estágio 4 (Biaggio, 1975, 1976) e a ausência de resistência em discutir dilemas prontos (Rodrigues, 1977).

Dias (1992) conduziu uma pesquisa na qual participaram alunos da 6a série do ensino fundamental (um grupo controle e um grupo experimental). O grupo experimental, submetido a debates de dilemas hipotéticos por quatro meses, apresentou ganhos significativamente superiores no nível de julgamento moral na comparação com o grupo controle, tanto na análise de médias dos grupos como nas respostas individuais de cada participante. Em Lins e Camino (1993) foram comparadas duas estratégias de educação moral: uma com base na transmissão direta de valores morais (grupo de exposição, que estudava as teorias de J. Piaget e de L. Kohlberg) e outra alicerçada na técnica de discussão de dilemas morais (grupo de discussão). Dois grupos de 11 universitários passaram por 32 sessões de uma hora. O grupo de debates reduziu o uso do estágio 4 e aumentou o do estágio 5; o grupo de exposição, por sua vez, aumentou o uso do estágio 4. Mais participantes avançaram de estágio no grupo de discussão na comparação com os que regrediram; no grupo de exposição ocorreu o inverso.

Rique e Camino (1997) verificaram, em estudantes de 8a série, que a técnica de debates de dilemas morais em grupo é mais eficaz quando a intervenção é realizada em participantes consistentes, ou seja, que utilizam predominantemente um dos estágios de julgamento moral (estágio modal) e que, portanto, tendem a apresentar uma estabilidade no pensamento moral. Segundo Camino (1998), "a intervenção em períodos de consistência favorece a uma diminuição do estágio moral e a uma reorganização do raciocínio moral na direção prevista na seqüência kohlberguiana" (p.133). Já com relação às pesquisas brasileiras que indicaram um elevado uso do estágio 3 e um reduzido uso do estágio 4 (Biaggio, 1976), Camino (1998) questiona se os achados seriam mais alentadores se indicassem a predominância do estágio 4. Isso porque, para Camino, "a presença do raciocínio do estágio 4 em um país em que predominam leis injustas não significa avanço, e sim retrocesso" (p.134). Neste sentido, a autora sugere que na discussão de dilemas sobre o respeito à lei socialmente aceita e compartilhada, dependendo da lei abordada, a promoção do aumento da maturidade moral a partir do estágio 3 pode ser estimulada diretamente para o estágio 5. Camino ressalta que o raciocínio neste estágio abrange não apenas o contexto de um contrato social, mas também de um pensamento comunitário. Este aspecto foi trazido à tona por Snarey e Keljo (1991) diante da ausência do estágio 5 nos estudos de várias culturas.

Método Konstanz de discussão de dilema moral: Um contraponto ao Método Blatt

Lind (2005), pesquisador alemão, propôs uma intervenção educacional para a promoção do desenvolvimento do julgamento moral reunindo aspectos da técnica de Blatt e Kohlberg (1975): o Método Konstanz de Discussão de Dilema Moral (Die Konstanzer Methode der Dilemmadiskussion). Contudo, nas discussões de dilemas, são destacados contra-argumentos em vez de argumentos um estágio acima do grupo.

Na avaliação de Lind (2005), o Método Blatt funciona de modo mais eficaz quando duas condições básicas são respondidas: respeito mútuo entre participantes e livre abertura para assuntos de cunho moral; e elevado nível de atenção continuada. Todavia, embora Lind reconheça o impacto da técnica de Blatt no desenvolvimento moral, o pesquisador alemão levanta uma série de fragilidades no Método Blatt. Segundo Lind, o argumento +1 trazido pelo professor resgata-o como um modelo a ser seguido, o que contraria as teorias cognitivo-desenvolvimentais de J. Piaget e de L. Kohlberg, que sugerem que o professor estimule, sendo um facilitador, mas não modele, o que o tornaria um moralizador. A proposta de Lind para contrapor o argumento +1 é o uso do contra-argumento, que demonstrou ser mais eficaz na criação do conflito cognitivo por evitar o modelamento referido anteriormente. Esta foi a conclusão alcançada por Walker (1983) ao comparar os dois métodos (com argumento +1 e com contra-argumento) e verificar que o último é igualmente eficaz. Outra crítica está no fato de que, no Método Blatt, são discutidos vários dilemas morais em um período total de 45 minutos, além de as sessões serem muito próximas umas das outras.

Para Lind (2005), o Método Konstanz evita tais críticas ao fornecer tempo suficiente para a apresentação e discussão do dilema, o professor omite sua opinião e não conduz a discussão, os participantes encontram-se em grupos pequenos, e fases alternadas de apoio e de desafio são apresentadas a cada dez minutos para manter um nível proximal de aprendizagem, otimizando a atenção e a motivação. Ademais, o Método Konstanz inova ao permitir tempo suficiente para explorar a percepção de todos os participantes sobre o dilema, um momento em que os participantes ordenam os argumentos dos oponentes, e uma fase final avaliativa na qual se pergunta aos integrantes do grupo o que foi aprendido com a experiência.

Tanto o Método Konstanz como o Método Blatt são ferramentas importantes para o contexto educativo, seja este a escola ou a universidade. São admiráveis os ganhos relatados mediante ambas as técnicas no que tange o desenvolvimento do julgamento moral de estudantes em distintos países, inclusive o Brasil. Contudo, nenhum dos métodos é conhecido a ponto de ser aproveitado nas escolas pelos professores. Na universidade, os estudantes, quando têm a oportunidade de conhecer a teoria de L. Kohlberg, raramente tomam conhecimento da técnica.

A técnica de discussão de dilemas morais, sob quaisquer dos métodos discutidos, apresenta-se como ferramenta didática para uso em cursos de graduação em Psicologia. Aprender as teorias cognitivo-desenvolvimentais de J. Piaget e de L. Kohlberg para o desenvolvimento moral, acompanhadas da vivência dos debates de dilemas, oportuniza ao universitário uma nova abordagem à aprendizagem dos conteúdos e uma abertura às suas idéias sobre distintos temas de relevância ética e moral.

A vivência da técnica de discussão de dilemas morais no curso de Psicologia

A tarefa de lecionar uma disciplina sobre Desenvolvimento Moral requer do professor uma prontidão especial para os eloqüentes e freqüentes questionamentos dos alunos. Tais questionamentos abarcam não apenas as teorias e a técnica de discussão, mas também a diversidade de temas morais que são trazidos pelas teorias, pelos dilemas morais para discussão em aula, ou pelas experiências de vida dos próprios alunos. Organizar todas estas valiosas manifestações é um desafio e, ao mesmo tempo, um importante aliado didático para o desenvolvimento da disciplina ao longo do semestre.

De início, é interessante notar que há distintos modos de utilização da técnica para a vivência de discussão de dilemas morais ao longo da disciplina. Considerando-se que o objetivo principal é tratar das teorias em desenvolvimento moral, faz-se necessário conduzir a experiência sem perder de vista tal meta.

Uma das formas de trabalho é iniciar a disciplina com a vivência da técnica, sem ainda apresentar a fundamentação teórica aos alunos. Dessa forma, os estudantes passam pelas discussões desconhecendo os estágios kohlberguianos, opinando livremente sobre os dilemas apresentados. Com as aulas normalmente ocorrendo uma ou duas vezes por semana, um período de no máximo dois meses garante uma boa vivência da técnica. Os alunos são organizados em grupos pequenos, de três a seis integrantes. O número de integrantes não pode ser totalmente controlado em função da variação do número de turmas e da freqüência dos alunos às aulas.

A organização dos grupos de discussões pode igualmente variar segundo critérios apresentados pelo próprio professor. Há distintas formas de conduzir a montagem dos grupos. Relatam-se algumas das formas utilizadas recentemente, despertando distintas manifestações nos alunos. Uma primeira forma é permitir que os alunos se organizem à vontade, desde que sigam o número mínimo e máximo de componentes no grupo (entre três e seis). Nesta modalidade normalmente os estudantes se organizam por afinidades interpessoais, como amizades e parcerias românticas. A partir de então caberá ao professor alocar tanto os alunos que "sobram" destas rápidas organizações, como os que chegam atrasados. Nenhuma experiência negativa resultou do convite elegante e polido aos grupos para que recebam a participação destes colegas. Uma segunda forma de organizar os grupos é seguindo os nomes da lista de chamada, organizando-os de cinco em cinco pela ordem alfabética.

Outra maneira de agrupar os alunos para a discussão de dilemas morais é, após algumas discussões organizadas livremente, eleger um aluno de cada grupo para montar os grupos. Esta maneira, assim como a precedente, permite que os alunos não cristalizem as discussões em função de os integrantes serem sempre os mesmos, o que pode empobrecer o debate. Discutir os dilemas com colegas diferentes atualiza a experiência e demanda atenção e motivação renovadas. No entanto, a organização dos grupos pelo professor desperta, em alguns estudantes, sentimentos negativos em virtude de não poderem sentar com seus amigos ou de não poderem escolher os colegas do grupo. Estas raras manifestações podem ser respondidas de variadas formas, mas com foco tanto na necessidade de diversificação das experiências, como na de vivência real de discussões em grupo que certamente advirão nos contextos profissionais futuros, nos quais raramente é possível escolher os colegas de trabalho.

É importante frisar que o presente trabalho apresenta um uso da técnica de debates de dilemas morais que visa a objetivos didáticos, não se propondo a funcionar para promover, especificamente, o amadurecimento moral. Assim, como a técnica não é aplicada exatamente conforme os métodos de Blatt ou de Lind, não se podem propor, nem esperar ganhos em termos de julgamento moral.

Antes da distribuição do dilema moral impresso para cada grupo de alunos, o professor deve aquecer a turma para a temática a ser tratada no dilema. Uma breve introdução atentando para a relevância do tema auxilia na preparação dos alunos para a recepção do dilema. Após a distribuição do dilema nos grupos, tem-se notado que é importante realizar uma leitura do dilema em voz alta para que não restem dúvidas sobre sua redação, sobre as perguntas que seguem sobre o dilema, ou sobre o problema enfrentado pelo seu protagonista. Finalmente, cabe sempre ressaltar aos estudantes que não há respostas corretas para o dilema e que todas as opiniões, ainda que divergentes, são importantes e merecem atenção e espaço na discussão. É sempre salientado que todos devem opinar sobre o dilema.

Para que os estudantes não dispersem nas discussões e mantenham o foco na tarefa, é pedido a eles que entreguem material por escrito sobre a discussão realizada no grupo. Um dos pedidos possíveis é a redação da solução acordada pelo grupo para o dilema1. Outra possibilidade é pedir aos alunos que respondam as questões que seguem ao dilema sobre repercussões do mesmo ou sobre diferentes personagens assumindo novos papéis ou sendo analisados sob outra perspectiva. Há ainda outra forma de pedir aos alunos que registrem material sobre a discussão: pode-se requisitar que elaborem uma resposta a favor ou contra a decisão do protagonista do dilema, justificando ambas as decisões; no caso de dilemas que não oferecem uma decisão tomada pelo personagem principal, pode-se pedir aos alunos que elaborem estas duas possibilidades.

Quanto aos dilemas, alguns estão disponíveis pela internet, por exemplo, no site organizado por Lind. Em língua portuguesa, há dilemas em Biaggio (1983) (dilema de Heinz, dilema O Coração Artificial), Biaggio (1985) (dilemas O Caso dos Moranguinhos com Agrotóxicos, Índios Vendem Madeira para Não Morrer de Fome e Os Colonos Sem-Terra) e em Biaggio, Vargas, Monteiro, Souza e Tesche (1999) (Dilema da Capivara e dilema Aborto). O clássico Dilema de Heinz (retomado em Biaggio, 2002) - o dilema pioneiro de L. Kohlberg - é interessante para uso na abertura das discussões tanto por ser um marco na teoria como por ter sido extensa e intensivamente analisado e, assim, oportunizar uma ilustração bastante direta dos estágios após a fase de debates de dilemas.

Biaggio (1985) e sua equipe empreenderam uma série de adaptações dos dilemas em língua inglesa organizados em manual por Blatt e colaboradores (1974), muitos dos quais foram utilizados em pesquisas aplicadas com debates de dilemas (como Anistia, Enterrado Vivo e Situação). Além disso, a pesquisadora lecionou por várias ocasiões uma disciplina optativa no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mediante o qual apresentou a teoria de L. Kohlberg e aplicou a técnica de discussão de dilemas com os alunos. Nessas oportunidades, Biaggio aproveitava para aplicar os dilemas brasileiros, elaborados por mestrandos de sua equipe. Destes dilemas destacam-se O Pomar de Seu Manoel, Dano Acidental e O Supermercado. Mais adiante, em suas pesquisas aplicadas aos temas da ecologia e do pacifismo, trabalhou com dilemas ecológicos de L. Iozzi (p. ex., Dilema da Energia Nuclear, Dilema da Chuva Ácida), de J. Snarey (Dilema da Capivara), formulou dilemas associados à violência em parceria com a mestranda Nepomuceno dos Santos (2000) (Dilema do Roubo), e dilemas relativos a temas pacifistas em parceria com R. Martini, filósofa que trabalha com a teoria de Kohlberg, e com L. Souza, ex-orientanda de pesquisa (o dilema O Transplante Inter-Étnico foi criado pelo trio de pesquisadoras). É relevante destacar que muitos dilemas originam-se de notícias veiculadas em jornais ou revistas, que fornecem diariamente relatos que podem originar dilemas morais interessantes e baseados em fatos reais (a exemplo de O Transplante Inter-Étnico).

Com relação à escolha dos dilemas, é interessante utilizar uma seleção de temas diversos que possibilite a abordagem a distintas questões sociais. Tendo escolhido o dilema de Heinz como o primeiro, pode-se utilizar o dilema sobre o aborto em seguida e, como contraponto, deixar para a última discussão o dilema que trate do tema da eutanásia. No interstício, sugerem-se dilemas de temas variados, inclusive com temáticas relevantes ao contexto brasileiro, como tráfico de drogas e futebol.

Contudo, a partir das experiências de pesquisa e de aplicação dos dilemas, notou-se uma lacuna temática no que tange a vivência profissional do psicólogo. Acredita-se que uma disciplina optativa sobre desenvolvimento moral que utilize a discussão de dilemas pode encontrar na disciplina obrigatória de Ética Profissional uma aliada no fornecimento de temas para debates e de exemplos de casos vividos por psicólogos de todo o Brasil. Esta parceria pode tanto contribuir para a discussão geral do tema do desenvolvimento moral, como estimular a elaboração, pelos próprios universitários, de dilemas morais hipotéticos sobre a prática profissional em Psicologia. Este exercício certamente contribuiria para ambas as disciplinas.

A construção de dilemas: Recurso didático e empático aos debates morais do psicólogo

A aplicação da técnica de debates de dilemas morais hipotéticos é referida pelos alunos como uma forma eficaz de vivenciar o conflito cognitivo mediante a técnica e de exemplificar os estágios de julgamento moral propostos por Kohlberg (1984). No entanto, como argumentado anteriormente, a técnica permanece distanciada da realidade profissional escolhida pelo aluno por não haver dilemas morais disponíveis sobre a prática profissional do psicólogo. A partir daí, passou-se a estimular os alunos a elaborarem dilemas morais hipotéticos (ou reais, como se verá mais adiante) sobre o tema que quisessem. Nesse processo de criação, os estudantes foram estimulados também a redigir dilemas que envolvam o psicólogo e sua profissão.

Para a elaboração dos dilemas, os alunos foram instruídos a seguirem os passos propostos por Lind (www.uni-konstanz.de/ag-moral). Em resumo, um dilema necessita dos seguintes aspectos: Não aceita todas as alternativas de ação possíveis para resolvê-lo; Implica ações que violam princípios morais; Possui história que desperta curiosidade, empatia, tensão e/ou outras emoções morais; Não desperta raiva, ansiedade ou ódio; Não apresenta saídas fáceis de resolução; Seu texto é escrito em um parágrafo; O protagonista é nomeado, apresentado no primeiro período do texto, e mencionado mais vezes que outros personagens; Precisa avisar o leitor de que o protagonista está sob pressão para agir; Suscita uma votação que implica discordância; Seu texto não requer do leitor o conhecimento detalhado de incidentes públicos; Sua apresentação é realista e plausível; e Omite informações supérfluas para clareza e concisão do texto.

A outra maneira de incluir a técnica de debates de dilemas morais em grupos é posicioná-la após a apresentação da teoria do julgamento moral de L. Kohlberg. Dessa forma, os alunos estão preparados teoricamente para a discussão de dilemas e conseguem elencar uma gama maior de respostas aos dilemas em função dos estágios propostos pela teoria. Esta modalidade auxilia na fixação dos conteúdos, de um lado; de outro, retira a espontaneidade das respostas dos estudantes por desconhecerem a teoria.

A experiência de ministrar uma disciplina optativa sobre desenvolvimento moral oportunizou a construção de 20 dilemas morais elaborados por estudantes de Psicologia de duas universidades federais brasileiras. Atentando para o espaço necessário o relato das experiências até aqui apresentadas, os dilemas não serão transcritos na íntegra na presente oportunidade, mas debatidos livremente de acordo com distintos aspectos. Em especial, atenta-se aos dilemas que tocam ao profissional psicólogo na área da Psicologia abordada pelo dilema. A interpretação livre realizada sobre o conteúdo dos dilemas não é fundamentada na teoria de julgamento moral de L. Kohlberg, visto que se prefere elencar o conteúdo social e profissional destes dilemas. Contudo, alguns autores, inclusive brasileiros, são referidos em virtude da associação encontrada entre suas discussões e os conteúdos dos dilemas elaborados pelos alunos.

Vinte dilemas foram selecionados para ter o conteúdo analisado neste trabalho com foco na prática psicológica. Treze dilemas abordam temas variados e sete remetem-se à prática do profissional psicólogo. Como referido anteriormente, os dilemas foram elaborados por estudantes do curso de graduação em Psicologia, sendo 5 da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e 29 da Universidade Federal de Minas Gerais. Todos os participantes cursaram uma disciplina optativa sobre desenvolvimento moral em suas universidades, ministrada pela autora do presente relato.

Primeiramente os alunos experimentaram a técnica de discussão de dilemas, depois estudaram a teoria do julgamento moral de Kohlberg, e, ao final, foram requisitados a elaborar um dilema moral hipotético ou baseado em fatos reais. Mais especificamente, os dois primeiros meses da disciplina foram dedicados à vivência da técnica, tendo sido utilizados aproximadamente, nas duas turmas, dez dilemas variados, dentre os referidos na sessão anterior deste texto. Nas seis semanas seguintes os estudantes foram apresentados às teorias de desenvolvimento moral de J. Piaget e de L. Kohlberg, com maior destaque a este último autor. Durante este período as aulas se organizaram em torno de discussão de textos, exposição formal de destaques da teoria de Kohlberg, análise de estudos brasileiros, realização de trabalhos práticos em grupo (por exemplo, análise de filme com base na teoria) e de prova. Finalmente, os alunos foram solicitados a elaborar um dilema moral, individualmente ou em grupo. Esta atividade era avaliada em virtude da participação na confecção do dilema (ou seja, participou de alguma forma na elaboração do mesmo) e da estrutura mínima que ele requer para ser considerado um dilema (segundo os critérios mínimos conforme sugerido por Lind).

Os dilemas de futuros psicólogos: Recursos importantes para a formação ética e profissional

Os alunos foram estimulados, mas não exigidos, a redigir um dilema que envolvesse um psicólogo ou estudante de Psicologia. Todos os dilemas que compõem a amostra foram doados pelos seus autores mediante um termo por escrito, assinado pelos autores, mediante o qual autorizam o uso do dilema para fins didáticos ou de pesquisa.

Os dilemas morais hipotéticos elaborados pelos alunos foram apresentados e discutidos em duas etapas. Na primeira, os dilemas com conteúdos variados foram descritos; na segunda, relatados e analisados os dilemas que envolvem a prática profissional em Psicologia.

Duas alternativas de ação do protagonista organizaram, num primeiro momento, os dilemas morais de temas variados. Pôde-se identificar que as escolhas foram entre: emprego de nível superior e ética profissional; cumprimento da lei e bem-estar social; amizade e verdade; carreira profissional e boa imagem social; amizade e justiça; emprego e justiça; lei e família; vida do filho e própria vida; dignidade e prosperidade material; beneficência e justiça; e entre família e justiça.

Neste primeiro grupo de dilemas as temáticas apresentaram um enfoque social. Dois dos dilemas colocaram em jogo ou o desemprego de vários indivíduos, ou a subsistência de várias famílias. Outro dilema tratava de um estudante carente que podia perder a bolsa integral de estudos dependendo da decisão do protagonista. Ainda outro dilema tratava da escolha entre persistir numa vida de crimes e manter uma vida financeiramente tranqüila para sua família (o protagonista morava em uma favela e estava envolvido com traficantes), ou aceitar um emprego comum e adotar uma vida digna.

Os dilemas recém relatados são representativos de o quanto o Brasil é frutífero, podem-se argumentar tensões entre as esferas individual e coletiva, em especial, no que diz respeito a tensões sociais. Não bastaria apelar para a busca por vantagem em tudo, nem conduzir a discussão para a identificação de um individualismo em uma cultura que se admite essencialmente coletivista, como a brasileira. É interessante a reflexão, no entanto, proposta por Camino (1998), ao admitir que o descumprimento às leis em um país de leis injustas pode ser um avanço no lugar de um retrocesso. Mais que isso, Camino indica que o pensamento do estágio 5, que prevê contrato social, abarca o senso comunitário que posiciona o bem-estar da comunidade acima do cumprimento da lei.

Outros dilemas trataram de comportamento agressivo ou criminoso. Um dos dilemas abordou um estudante que agride outro física e verbalmente em função de racismo. Outro dilema abordou a agressão física a um travesti, trazendo à tona não apenas a violência direta, mas a questão da violência indireta ou estrutural (Christie, Wagner & Winter, 2001), como no caso da intolerância. São temáticas sociais e, sobretudo universais quanto à necessidade por compreensão e tolerância em todas as culturas.

Dois dilemas abordaram o disparo de armas de fogo. Uma das histórias focaliza o manuseio curioso e descuidado de dois adolescentes, sem supervisão adulta, que ocasiona na morte de um deles. O outro remete a uma discussão familiar na qual o pai de família agride fisicamente a mãe, tendo como defesa um dos filhos que dispara acidentalmente contra o irmão. Estes dois dilemas são atuais ao contexto brasileiro à medida que recém foi realizada a consulta à população sobre a liberação da aquisição de armas de fogo no Brasil.

Os trabalhos com discussão de dilemas morais, tanto de Blatt e Kohlberg (1975) como de Lind (2005), a partir de um dado momento passaram a focalizar as experiências reais de vida dos indivíduos. Assim, dilemas morais reais tornaram-se foco de análise e de discussão nos grupos, o que gerou maior envolvimento dos integrantes nos debates. O uso de dilemas reais, ou baseados em fatos reais, suscitou uma motivação especial no indivíduo pela identificação deste com o tema ou o contexto envolvido no dilema. Os temas mencionados nos dilemas elaborados pelos estudantes de Psicologia demonstram uma aproximação com questões próprias ou da cultura, como tráfico de drogas, ou de contexto sócio-histórico específico, como a discussão sobre armas de fogo ou do dilema que envolve um morador de favela. Este último dilema, a propósito, é interessante mencionar ao se saber que foi elaborado por uma estudante gaúcha que nunca viveu fora do Rio Grande do Sul.

Na mesma direção da argumentação de Camino (1998) podem-se compreender os dilemas realizados pelos alunos que envolveram a escolha entre um relacionamento interpessoal significativo ou a justiça e o cumprimento da lei. Sendo as leis injustas, é compreensível uma decisão que recai mais para o estágio 3 do que para o 4. Assim argumentou Biaggio (2002) ao analisar as diferenças encontradas no uso dos estágios na comparação entre amostras brasileiras, mexicanas e norte-americanas.

Com relação aos sete dilemas que trataram da prática profissional em Psicologia, pôde-se organizar as tensões do protagonista entre os seguintes elementos: bem da empresa e bem-estar dos funcionários; emprego e ética profissional; amizade e emprego; renda familiar e ética profissional; amizade e cumprimento do código de ética; bem-estar do paciente e ordem da chefia; sigilo e bem-estar do paciente. Quanto às áreas da Psicologia abordadas nos dilemas, três deles remeteram à Psicologia Organizacional, três, à área clínica e um, à Psicologia Jurídica.

Os dilemas efetuados com base nas áreas da Psicologia Organizacional e Psicologia Jurídica foram inspirados nas experiências dos alunos com estágios curriculares. Como referido anteriormente, quando se argumentou sobre a eficaz aliança que se pode estabelecer entre desenvolvimento moral e ética profissional, a discussão de dilemas morais pode preparar o estudante também para as vivências de estágio que virá a experimentar ao praticar as atividades que exercerá após a formatura. Cabe destacar que as experiências de vida, em especial, as que se referem a um período específico da vida, como a época de estágios curriculares, evocam sentimentos, reflexões, dúvidas e, possivelmente, dilemas teóricos, práticos e, acima de tudo, pessoais.

Espera-se que o trabalho possa contribuir na compreensão da aplicação da técnica de discussão de dilemas morais como recurso didático em disciplinas como desenvolvimento moral ou ética profissional. Mais que isso, espera-se que um novo espaço de reflexão sobre a prática profissional do psicólogo se abra aos universitários.

 

Considerações Finais

A recente versão do Código de Ética Profissional do Psicólogo (Conselho Federal de Psicologia, 2005) e a profusão de cursos de graduação em Psicologia no país - que vem sendo acompanhada pela oferta crescente de especializações - são fontes que inspiram importantes discussões sobre temas fundamentais acerca da prática psicológica. O lugar e o procedimento para realizar essas discussões não estão, contudo, formalizados. O que se buscou com o presente trabalho foi discutir uma proposta de atividade acadêmica mediante a qual o estudante universitário pode, ao mesmo tempo, aprender uma importante teoria do desenvolvimento cognitivo, vivenciar a técnica que promove o desenvolvimento cognitivo segundo a teoria estudada, discutir temas morais e éticos importantes nos mais distintos aspectos, e debater temas associados à prática da futura profissão escolhida. Dessa forma, o estudante universitário se mantém atento às discussões éticas humanas universais e aos debates ético-profissionais específicos da Psicologia. Essas experiências o fortalecem na importante atribuição de ajudar as pessoas a quem virá a atender e orientar.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Endereço para correspondência: UFMG - FAFICH - Depto. de Psicologia
Av. Antônio Carlos,6627, sala F-4050, Campus Pampulha
CEP: 31.270-901, Belo Horizonte, Minas Gerais.

Recebido em: 26/06/2007
Revisado em: 04/05/2008
Aprovado em: 04/06/2008

 

 

Sobre a autora:

* Luciana Karine de Souza (lucianak@fafich.ufmg.br) - Departamento de Psicologia Universidade Federal de Minas Gerais.
1 Obviamente não se espera que encontrem facilmente esta "solução", e nem se exige que a encontrem. Contudo, a solicitação de um desfecho que represente o grupo estimula o debate e garante maior integração de todos.