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Psicologia Escolar e Educacional

versión impresa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.13 n.1 Campinas jun. 2009

 

ARTIGOS

 

Pesquisa na área Sateré-Mawé: a descoberta de talentos indígenas

 

Research in Sateré-Mawé area: discovery of indigenous talents

 

Investigación en el área de Sateré-Mawé: el descubrimiento de talentos indígenas

 

 

Maria Alice Becker; Carlos Gillermo Rojas Nino; Valeria Weigel

Faculdade de Educação, Universidade Federal do Amazonas

 

 


RESUMO

Este artigo trata da sensibilização de professores indígenas Sateré-Mawé para identificar talentos ou altas habilidades e das oficinas de arte, ocorridas durante o desenvolvimento do projeto integrado de Educação, Sustentabilidade e Hábitos Nutricionais por uma equipe interdisciplinar da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Na sensibilização, explanou-se sobre leis da Educação Especial e utilizou-se um questionário com perguntas a respeito de liderança, criatividade, capacidade de planejamento, expressão gráfica e verbal como exemplos. Embora os professores indígenas não tenham utilizado o instrumento durante o desenrolar do projeto integrado, apresentaram sugestões para ações futuras. As oficinas artísticas fizeram parte das atividades do projeto, que envolveu ações de formação, pesquisa e produção de material pedagógico para as escolas indígenas, sendo utilizada a metodologia de pesquisa-ação (Thiollent, 2003). O resultado das oficinas de arte mostrou que alguns professores apresentavam talento para representar graficamente aspectos da sua cultura e vida de contato íntimo com a natureza.

Palavras-chave: Educação (Amazônia), Pesquisa interdisciplinar, Pesquisa-ação.


ABSTRACT

This article explores the attention given to Sateré-Mawé indigenous teachers in order to identify talented or high skilled teachers among them. We take into consideration the art workshops held during the development of the integrated project on Education, Sustainability and Nutrition habits by an interdisciplinary team from the Federal University of Amazonas. Our work on high skilled students in special Education was based on laws and on a questionnaire with questions about leadership, creativity, and planning, graphic and verbal expression. Although the indigenous teachers did not pay much attention to the use of instruments they had during the integrated project, they gave suggestions for future actions. The artistic workshops were part of the project which also involved education, creation of pedagogic material for the Indigenous schools. Our methodology was based on action-research (Thiollent, 2003). The result of the research revealed that some teachers had talent to represent, through their arts, their life and their culture.

Keywords: Education (Amazônia), Interdisciplinary research, Action-research.


RESUMEN

Este artículo trata de la sensibilización de profesores indígenas Sateré-Mawé para identificar talentos o grandes habilidades y de los talleres de arte, que ocurrieron durante el desarrollo del proyecto integrado de Educación, Sustentabilidad y Hábitos Nutricionales por un equipo multidisciplinario de la Universidad Federal del Amazonas (UFAM). En la sensibilización, se expuso sobre las leyes de la Educación Especial y se utilizó un cuestionario con preguntas al respecto de liderazgo, creatividad, capacidad de planificación, expresión gráfica y verbal como ejemplos. Aunque los profesores indígenas no utilizaron el instrumento durante el desenvolvimiento del proyecto integrado, presentaron sugerencias para acciones futuras. Los talleres artísticos formaron parte de las actividades del proyecto, que involucró acciones de formación, investigación y producción de material pedagógico para las escuelas indígenas, siendo utilizada la metodología de investigación-acción (Thiollent, 2003). El resultado de los talleres de arte mostró que algunos de los profesores manifestaban talento para representar gráficamente aspectos de su cultura y vida de contacto íntimo con la naturaleza.

Palabras clave: Educación, Investigación interdisciplinar, Investigación-acción.


 

 

Iniciamos este artigo situando geograficamente o lugar chamado Paraíso, onde professores indígenas Sateré- Mawé estavam tendo aulas de Graduação em Ciências Naturais, ofertadas pela Universidade Federal do Amazonas &– UFAM &– e relatando a seguir como se desenvolveu o trabalho com os professores indígenas e os resultados que surgiram.

O município de Maués onde está situada a reserva indígena da etnia Sateré-Mawé fica a 267 km da capital Manaus. A etnia dos Sateré-Mawé tem contato com o homem branco há quatro séculos e está espalhada em uma área de 788.528 hectares demarcados e homologados pelo governo federal na calha central da Amazônia brasileira, sendo o acesso à reserva feita pelo rio Maués-Açu. Este espaço é ocupado por muitas comunidades que possuem escolas para as suas crianças e algumas contam também com postos de saúde. De acordo com o levantamento demográfico realizado por Teixeira (2005) com a participação dos próprios índios, a população dos Sateré-Mawé conta com 8500 indivíduos, dos quais 3288 moram na área Marau-Urupadi.

Desde 2004 foi criado na Universidade Federal do Amazonas o curso de Ciências Naturais para esta etnia, tendo como professores os próprios docentes da UFAM. Esta graduação acontece nos períodos de férias escolares indígenas, quando os professores Sateré-Mawé e outros indígenas não professores vão para um local próximo à cidade de Maués, denominado Paraíso, onde residem com a família durante o tempo em que recebem aulas dos professores da UFAM. Este local pertence à igreja católica e possui alojamentos prédio para aulas e refeitório, bem como um grande espaço para os alunos estudarem ao ar livre.

A cooperação entre os indígenas e os professores da Universidade existe há alguns anos, tendo sido já realizados vários estudos em diversas áreas científicas. A equipe da universidade em grande parte pertence ao Programa de Pós-Graduação em Educação sempre coordenado por antropóloga e composto por alunos de graduação, especialização e mestrandos que acompanham seus professores nas excursões para a área indígena. Fazem parte da equipe também alguns professores indígenas que são atualmente bolsistas de iniciação científica dos professores da Universidade.

A interdisciplinaridade e o cuidado com os mundos social e natural

A atual pesquisa integrada4 &– Educação, sustentabilidade e hábitos nutricionais na área sateré-mawé/ EDUSUHAN &– contou com a equipe composta de profissionais que se articulam tanto no compromisso social com populações amazônicas, quanto pela complementaridade da formação de cada um dos seus membros, para dar conta de desenvolver as ações previstas. Neste sentido, a equipe tem profissionais das ciências de alimentos, produção vegetal, agronomia, engenharia de pesca, alternativas alimentares e nutricionais e outros como antropologia, psicologia, educação ambiental, filosofia da arte e design, que estão mais diretamente responsáveis pela definição de formas mediadoras da apropriação desses conhecimentos e tecnologias pelas comunidades sateré-mawé.

Para nos aproximarmos desta realidade caleidoscópica que nos propomos conhecer temos que unir esforços, conhecimentos, técnicas, metodologias e disposição para encontros e mudanças que não foram possíveis de serem pensadas em um projeto inicial. Na metodologia de pesquisa-ação o planejamento é flexível e “há sempre um vaivém entre várias preocupações a serem adaptadas em função das circunstâncias e da dinâmica interna do grupo de pesquisadores no seu relacionamento com a situação investigada” (Thiollent, 2003, p. 47). Os problemas operacionais que surgem tornam o estudo uma verdadeira aventura exigindo que os participantes usem sua criatividade e achem soluções para os problemas a todo o momento. A operação logística para que o planejado aconteça é somente parte do problema. O que se segue ainda é mais desafiador: como compreender esta vida indígena tão integrada à natureza e como integrar conhecimentos de campos tão diversos, resultado da nossa fragmentação científica? Como diz o índio Marcos Terena (Morin, 2000a, p. 46-48)

Durante muito tempo recebemos especialistas em índio, a UnB também forma muitos. Nós índios, também estamos nos especializando em brancos e isso não significa que vamos deixar de ser índios... (...) o brasileiro precisa ter mais clareza sobre a figura do índio que é totalmente caricaturada. (...) Enfim, vocês devem ter um pedaço de índio dentro de vocês. Para nós o importante é que vocês olhem para a gente como seres humanos, como pessoas que nem precisam de paternalismo (coitado do índio), nem precisam ser tratados com privilégios... Nós queremos compartilhar esse Brasil com vocês.

É do nosso conhecimento que as reservas indígenas ainda são lugares onde a natureza está mais preservada embora em nossos estudos anteriores com a etnia Sateré- Mawé os indígenas tenham mostrado preocupação com a falta de cuidado de muitos deles ao usar indiscriminadamente o veneno timbó, jogado na água para matar peixes ao invés de usar outras formas de pesca. Também se preocupam com a falta de caça na floresta e com o lixo que está se acumulando nas comunidades devido ao uso de enlatados, garrafas de refrigerantes e pilhas velhas, o que significa a intromissão dos hábitos consumistas sendo assimilados por eles e provocando os mesmos problemas que temos em nossas cidades.

Segundo Ozdemir (1997) frequentemente o problema ambiental fica invisível e trabalha silenciosamente e quando é diagnosticado exige ações que estão em conflitos enraizados nos valores sociais, religiosos, estilos de vida e sistema econômico. Para este autor, a não ser que nós modifiquemos as perspectivas e se estabeleça uma visão mais coerente do lugar do homem no mundo natural e do significado do mundo natural como independente de qualquer tendência utilitarista, os problemas ambientais persistirão. Existe uma forte relação entre os problemas ambientais e nossa compreensão da natureza, isto é, o que nós fazemos e como nos comportamos, depende de como compreendemos e conceitualizamos todos os seres. Nossa relação com eles dentro deste mundo natural também é moldada pelo nosso sistema de valores que por sua vez dita nosso comportamento e nossas atitudes. Assim, se pensamos que os seres humanos são separados da natureza e são superiores a ela, e que ela tem recursos infindáveis, então achamos que temos o direito de controlar e subjugar o ambiente natural conforme nossas necessidades atuais, sem lembrarmos que as gerações futuras estarão sendo afetadas por nossas atuais atitudes. Só muito recentemente estamos tomando consciência desta forma errada de pensar e tem iniciado em alguns países a preocupação ética de conservação do ambiente terrestre, que possibilitará uma esperança de mudança no comportamento atual, a consideração do tempo/espaço não limitado ao presente e uma responsabilidade para ações humanas de longo termo.

Nossos objetivos como um pequeno ramo da pesquisa integrada

Nosso objetivo inicial era sensibilizar professores indígenas Sateré-Mawé do município de Maués/Amazonas para identificar estudantes com potencial para altas habilidades; divulgar aos professores as características de aprendizagem, características comportamentais e sociais de alunos; informar sobre legislação na área de altas habilidades; levantar o conhecimento que os professores têm sobre o tema; e incentivar os professores na formulação de ações para identificar e trabalhar com alunos com potencial para altas habilidades. Mais adiante, na discussão dos resultados desta sensibilização, apresentamos as perguntas do questionário e as respostas que eles deram às nossas indagações. Esta sensibilização é um pequeno ramo da pesquisa integrada, na qual um dos objetivos era discutir com os comunitários seus conhecimentos, tecnologias, hábitos, gostos e preferências alimentares, a fim de informar sobre novas possibilidades nutricionais para humanos e animais, assim como possibilitar a geração de novas fontes de renda. Apresentaremos no final o inesperado resultado que foi a descoberta de provável talento de alguns indígenas, demonstrado nas oficinas desenvolvidas quando estiveram em Manaus trabalhando com o professor de filosofia da arte.

Sobre a Metodologia da sensibilização

Sensibilização é o termo que utilizamos em uma primeira exposição, para um público que desconhece o campo da Educação Especial, ao introduzir as leis e conceitos concernentes à área. Em nosso caso foi realizada uma sensibilização somente para a área de altas habilidades/ superdotação e para o tema de descoberta de talentos. Além de divulgar os fundamentos legais, mostramos e debatemos o instrumento com as características em diferentes campos, e questionamos sobre os próprios talentos dos participantes. Também questionamos sobre a observação, para ver se os professores conseguiam identificar pessoas com aquelas características, bem como refletir sobre o que poderia ser feito, tanto pelas comunidades como no município, para atender os que forem identificados. É uma tomada de consciência inicial sobre aspectos da Educação Especial.

Na sensibilização realizada não se planejou demonstrar relação entre o que foi respondido no questionário e o que foi vivido na sensibilização, e se houve diferença entre os grupos de professores, já que não se tratou de metodologia de pesquisa correlacional ou outra metodologia quantitativa, mas sim de metodologia da pesquisa-ação, que permitiu explorar inicialmente a compreensão conceitual do tema abordado, introduzindo na educação indígena o tema da Educação Especial que eles desconheciam.

A sensibilização inicial para o tema de identificação de potenciais

O primeiro encontro para sensibilização sobre o tema de identificação de talentos ou potencial para altas habilidades aconteceu em um domingo com a participação livre, já que esta era uma atividade extra para os professores indígenas que estavam no lugar chamado de Paraíso.

Inicialmente as professoras universitárias fizeram uma apresentação sobre a Educação Especial expondo o artigo 59 da Lei de Diretrizes e Bases (1996) que dispõe sobre o sistema de ensino para alunos com necessidades educativas especiais, quem são esses alunos e também foi apresentada uma parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em seguida aprofundamos sobre o tema da sensibilização como forma de introduzir o conceito de altas habilidades ou superdotação e talento e expusemos quais são as características dos estudantes com altas habilidades, que necessidades educacionais apresentam e o que a escola deve fazer após identificá-los.

O tema Altas Habilidades/superdotados “refere-se a comportamento observados e/ou relatados que confirmam a expressão de traços consistentes, ou seja, características que permanecem com frequência e duração no repertório dos comportamentos da pessoa, de forma a poderem ser registrados em épocas diferentes em situações semelhantes” (Ministério da Educação e do Desporto [MEC],1995, p. 13).

Pessoas que demonstram potencial para desenvolver altas habilidades, talento ou superdotação fazem parte da Educação Especial e necessitam de identificação e atendimento conforme a Lei de Diretrizes e Bases 9394 (1996), artigos 58 e 60, o Plano Nacional de Educação Lei 10172 (2001) e as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica do Ministério da Educação - 11/09/01. Mesmo tendo seu atendimento garantido por leis, falta ao professor maior conhecimento e informação sobre como identificar o aluno superdotado e como trabalhar para que desenvolva seu potencial (MEC,1994).

Labatte (1991) refere-se, em seu artigo a estudantes americanos índios que são criativos ou artisticamente superdotados, apontando que os mesmos compreendem os conceitos e o vocabulário e processam as atividades em aula usando mais os símbolos visuais.

Para ampliar a criatividade em estudantes minoritários Torrance (1977, citado por Labatte,1991) desenvolveu uma lista de características positivas de criatividade, muitas das quais se relacionam diretamente com a produção artística. A lista inclui a habilidade para expressar sentimentos e emoções, a habilidade para improvisar com materiais e objetos comuns, a habilidade em artes visuais tais como o desenho, a pintura e escultura, a habilidade para atividades em grupo, a sinestesia, a originalidade nas ideias de resolução de problemas e a persistência para resolver problemas.

Um modelo de currículo interessante é o sugerido por Clark (1986, citado por Labatte,1991) baseado no funcionamento cerebral, que pode ajudar os professores a desenvolver materiais que aumentarão o potencial criativo e artístico de estudantes americanos talentosos ou superdotados. Seu modelo busca atingir as funções cerebrais do pensamento, do sentimento, da intuição e do sentido, e assim todos os tipos de talentos ou altas habilidades são atingidas e aprimoradas. Essa forma holística segundo o autor é a melhor para expandir o potencial, já que atinge os dois hemisférios cerebrais integrando suas funções diferenciadas.

Outro autor, Wardle (1990, citado por Labatte, 1991), que estuda a arte na cultura indígena afirma que tradicionalmente as artes ocidentais europeia ignoraram artistas indígenas, mas que isso está mudando e começam a ser mais respeitados. A expressão gráfica simbólica usa quatro formas: símbolos, cores, materiais naturais e técnicas através das quais a própria arte foi criada. Em sua opinião como educador, sugere que se deve ajudar todos os estudantes americanos fornecendo as imagens e informações de culturas como a dos nativos americanos para aumentar e ampliar sua consciência dos valores de beleza dos costumes, artefatos e símbolos dessas culturas, assim enriquecendo suas próprias vidas. Além disso, ajudar os próprios alunos de arte indígenas a pensar sobre si mesmos, sua sociedade e tribo em relação com a perspectiva global.

Em relação ao próprio indígena, Wardle (1990, citado por Labatte, 1991), acredita que existe uma riqueza de expressão no simbolismo usado pelos artistas índios norte-americanos, tanto do passado como dos atuais, que permite o acesso ao significado e sentimento. Em relação à perspectiva global, supõe que muitos dos símbolos artísticos usados pelos índios norte-americanos podem ser observados nas civilizações antigas do hemisfério ocidental, bem como nas primeiras sociedades gregas, egípcias e outras.

Robbins (1991) comenta que os estudantes indígenas talentosos ou superdotados devem desenvolver completamente seu potencial naquilo que eles realmente desejam e são capazes de realizar, e que eles devem ter clareza quanto a sua herança cultural e a como devem agir dentro da sociedade norte-americana. Sendo estudantes indígenas talentosos ou superdotados, devem usar sua capacidade para resistir às pressões dos colegas para agirem com conformismo, sem sentir medo, mesmo que o sistema da sociedade exija como norma ser conformado. Devem ter claros seus problemas e fazer com que os educadores os escutem e ajudem a aliviar estes problemas.

Este autor americano coloca que seus estudantes indígenas talentosos são relutantes em exaltarem a si mesmos acima dos outros em suas comunidades e que em discussões de resolução de problemas, mostram-se cuidadosos sobre como oferecer conselhos ou sugestões, buscando sempre ter certeza de não estarem sendo coercitivos ou dominadores. Seguidamente as sugestões dos estudantes indígenas contêm qualidades, mesmo quando contradizem as ideias dos outros estudantes; este respeito pela integridade e autonomia com os colegas é um valor necessário para as relações humanas serem mais harmoniosas. Os seus alunos indígenas mais realizadores frequentemente tentavam mascarar seus talentos, o que levava a não preencherem seu potencial e a se tornarem autodestrutivos. Este comportamento era devido a quererem sentir-se parte da comunidade de estudantes não indígenas, os quais achavam que não era desejável ter boas notas (Robbins, 1991).

Conforme o autor, o conceito de cultura indígena como algo imutável é um mito, pois ela se desenvolve quando as novas gerações encontram novos ambientes. As tradições são mantidas, mas adquirem um novo significado que está sempre mudando. O problema é reconhecer o lugar onde estão, desenvolver o tipo de relações sociais que eles desejam e necessitam, e decidirem sobre seu próprio conceito do que significa “ser índio”. Mas indígenas, assim como todas as pessoas, têm que se adaptar às mudanças do ambiente social, político e espiritual (Robbins, 1991).

Como professores que se relacionam há anos com diferentes culturas indígenas no Amazonas, pensamos que não se trata de um mito, mas talvez de um conceito errôneo das pessoas que não têm a oportunidade de interagir com estas culturas. A lógica indígena não é a mesma lógica do homem branco. Os professores indígenas com os quais trabalhamos demonstraram muito interesse e compreenderam perfeitamente o objetivo da sensibilização sobre o que era a Educação Especial e no final disseram querer mais informações sobre esse assunto que era novo para eles. Justifica-se assim a proposta de um evento para sensibilizar professores indígenas Sateré-Mawé a fim de que aprendam a identificar e a elaborar programas para atendimento de seus alunos.

As equipes e o desenrolar dos encontros

No primeiro encontro participaram 12 professores indígenas que responderam a um questionário após nossa exposição dos fundamentos legais e dos exemplos dados do que seriam pessoas talentosas ou superdotadas.

Em um segundo encontro, um ano depois, as duas professoras se reuniram no mesmo local Paraíso, com os mesmos professores e outros professores indígenas que participavam de uma nova pesquisa integrada, solicitada por eles e como continuidade das questões que surgiram com os resultados alcançados dos estudos anteriores. Como entre estes professores indígenas bolsistas de iniciação científica, muitos não haviam participado do primeiro encontro de sensibilização, foi trabalhado novamente o tema e distribuído um instrumento composto de questionários com perguntas específicas para identificação de diversos talentos como liderança, criatividade, capacidade de planejamento, expressão gráfica e expressão verbal entre outros. Este instrumento tem sido utilizado em alguns estudos em nosso país, inclusive no doutorado da primeira autora deste artigo, no estado do Rio Grande do Sul.

Neste segundo momento, falamos sobre este instrumento que estava sendo oferecido para servir somente como exemplo, para que eles pudessem identificar quais seriam em sua opinião, características de talentos altas habilidades. Entre as sugestões para os professores, falamos sobre a observação das matas o estudo dos insetos, aves e de todos os seres vivos, investigando seus hábitos; o estudo dos animais de grande e de pequeno porte e suas utilidades; a realização de atividades de comparações e troca de experiências. Eles sugeriram que seria importante também fazer estudos de plantas, ervas medicinais e ervas mágicas e do universo natural e sobrenatural dos seres.

No diálogo que se estabeleceu nesta ocasião, eles foram levantando algumas possibilidades, como aquela em que para coletar alimentos, o caçador da comunidade sem dúvida seria uma pessoa que teria muita habilidade para descobrir o animal na floresta. Outras pessoas seriam as que sabem inventar contos e ainda outros seriam os que sabem fazer desenhos complexos nas cestarias e artesanato de sua cultura.

Também o pajé seria uma pessoa com muitos conhecimentos e habilidades úteis para a comunidade, embora este papel já não seja mais tão procurado, principalmente devido ao contato com o homem branco e sua medicina, que tem efeito curativo mais rápido, sendo preferida por eles. Em pesquisa realizada anteriormente com esta etnia, havíamos percebido tanto nos discursos de alguns jovens e adultos escolarizados quanto nas observações do cotidiano nas comunidades, uma transformação de valores e sentidos tradicionais, pela assunção de lógicas diferentes na constituição e organização dos sentidos dados a essas situações de mal-estar/bem-estar do corpo e da alma. Tuxauas e professores(as) entrevistados na pesquisa anterior, que buscava identificar e interpretar os elementos do etnoconhecimento Sateré-Mawé sobre a relação gente/ ambiente/educação/saúde, externaram sua preocupação com o fato de haver uma crescente desvalorização dos tratamentos e curas tradicionais, e um aumento da busca pelos remédios do branco, mesmo quando existem processos de cura próprios.

Naquela pesquisa anterior, no que concerne à temática definida para estudo &– a relação gente/ambiente/ saúde &– o fato de pensar em saúde quando se aborda o ambiente, representa a maneira totalizante de compreender os processos da vida na cultura sateré-mawé. Nestes processos imbricam-se pessoas, animais, plantas, coisas e espíritos, cruzando-se mundos de naturezas diversas num único compósito de tempos e espaços variados, mas articulados e complementares. O mundo fragmentado e as informações atomizadas não fazem parte de sua forma de pensar e agir, diferente de nossa própria forma de ser e pensar no mundo dos não-indígenas.

Passaremos, a seguir, para a apresentação dos resultados dos nossos encontros, que está descrita em forma de perguntas e respostas com a própria expressão escrita usada pelos participantes e, na sequência, apresentaremos a metodologia das oficinas de arte e exemplos dos possíveis talentos descobertos.

Os resultados da sensibilização no primeiro encontro: nossas perguntas e as suas respostas

Descrevemos aqui as perguntas e somente algumas das suas respostas pela impossibilidade de apresentá-las todas. A pergunta inicial foi: Que talento ou habilidade você tem?

Algumas das respostas foram

(PIS1): tenho habilidade de imaginar as coisas que estão além do alcance do estudo formal;

(PIS6): eu desde criança gostava de olhar a natureza infinita, e com isso cresci, gostava das cores que a própria natureza nos dá. Depois que eu comecei a saber ler e escrever, iniciei a minha primeira curiosidade, escrevi uma poesia sobre a vida da natureza. E a partir daí consegui criar poesias até hoje;

(PIS7): eu tenho habilidade para cuidar das crianças, não somente em sala de aula mas em qualquer lugar, para mim as crianças são pessoas mais valiosas do mundo.

Na segunda pergunta queríamos saber Como descobriu? Como desenvolveu esta habilidade? Para que esta habilidade serve em sua vida? Suas respostas foram:

(PIS1): descobri pensando sobre a natureza, tudo que está na minha frente, e desenvolvi lendo livros, ouvindo canções, mitos, discursos, falas. E está servindo no fortalecimento da minha descoberta enquanto ser humano.;

(PIS8): Observando outra pessoa da minha etnia cantar as musicas que ele criou. Esta minha habilidade desenvolvi no decorrer da minha adolescência, com incentivo de meus colegas e minha família. Esta habilidade serve pra me relaxar, alegrar outras pessoas e também uso para dar minhas aulas.

Depois pedimos que dissessem Que habilidade ou talento gostaria de ter e não tem? Suas respostas: “(PIS7): eu gostaria muito de ter talento para aprender a tocar violão, fazer poesias, construir letra de musica, mas isso não consigo desenvolver sozinha. (PIS8): ser locutor de radio”.

A quarta pergunta foi: Que pessoas adultas você conhece que podem ser consideradas talentosas na sua comunidade?

Referiram que “(PIS1): Tuxaua, pois ele sabe se dar com várias pessoas, questões que vai surgindo na comunidade. (PIS8): O tuxaua. Ele toca flauta, conta histórias, canta a musica do ritual da tucandeira. Também toca gambá”.

Na quinta questionamos: O que é considerado valoroso ou talento raro na sua comunidade?

E responderam que

(PIS1): Pajelança, coisa que nem todos têm acesso, e todos valorizam.

(PIS6): na minha comunidade considero valoroso as danças tradicionais, como o ritual da tucandeira principalmente, esse talento é bastante raro porque nem todas as pessoas conseguem lidar com as musicas apropriadas para o ritual.

A sexta pergunta pediu que dissessem sobre Que alunos são rápidos para aprender? Buscam sempre novidades? São comprometidos com a tarefa? São lideres espontâneos? Artistas?

Com as respostas a esta pergunta as pesquisadoras perceberam que eles tinham compreendido o conceito que estávamos trabalhando. Eis suas respostas:

(PIS1): os alunos são rápidos em aprender mitos da sua realidade, e conseguem se motivar em fazer perguntas, e conseguem fazer com que os colegas lhe escutam, animam com suas artes, cantos, danças.;

(PIS2): sim, os alunos aprendem rápido.;

(PIS3): é os alunos que perguntam e aquele que é curioso na sala de aula durante o desenvolvimento da aula.;

(PIS4): muitas vezes esse aluno é chamado de maluco, mas a comunidade se acostumava com ele.;

(PIS5): no meu ponto de vista o aluno que fica animado dentro de seu trabalho; este aluno é comprometido a aprender aquilo que desejava; ele é espontâneo com a sua tarefa; é líder e responsável.;

(PIS6): alunos que aprendem mais rápido são aqueles que têm mesmo a vontade de ter conhecimento sobre tudo o que está estudando, prestando atenção às explicações do seu mestre, enfim na matéria que está estudando. E os que buscam sempre novidades são alunos curiosos que procuram ter novos conhecimentos. Os que são comprometidos são aqueles que querem aprender intensamente tudo aquilo que está em seu redor. São lideres aqueles que tiveram desde criança um dom para fazer tal trabalho. Daí o professor ajuda por meio de seus ensinamentos para facilitar a sua maneira de aprender.;

(PIS7): são aqueles alunos inquietos que perguntam, que querem saber de tudo, que não ficam calados. Nesses alunos os conhecimentos são desenvolvidos mais rápidos.;

(PIS8): são os alunos curiosos, agitados, inquietos.

Na sétima indagamos sobre O que o professor faz para ajudar esses alunos a desenvolverem seu potencial? O que a escola faz? O que a comunidade faz?

E suas respostas foram

(PIS3): o professor deve ajudar o aluno da mesma forma, conversar trocando idéias e valorizar os trabalhos do aluno. A escola faz reconhecer os valoresda nossa cultura. A comunidade dá apoio ao trabalho da escola.

(PIS7): fazer com que o aluno continue sempre assim, dando liberdade para as perguntas para desenvolver o que ele ou ela gosta de fazer. A escola tem que ser bastante dinâmica para poder acompanhar o desenvolvimento de cada aluno. A comunidade colabora mandando o aluno para a escola, a realizar trabalhos e rituais envolvendo os alunos.

(PIS8): o professor tem que aproveitar a curiosidade dos seus educandos para desenvolver a sua técnica de ensinoaprendizagem. Isso trará uma boa formação escolar para os aprendizes. A escola e a comunidade devem trabalhar os talentos que os educandos trazem de sua família, para a partir disso preparar esses aprendizes para a vida, pois cada talento é importante para a vida de cada um de nós. E para finalizar, questionamos sobre O que pode ser feito no município?

Responderam que

(PIS1): poderia ser feito a valorização de produção de conhecimentos próprios das pessoas, cursos, seminários, preparar mais pessoas para esse tipo de atividade.

(PIS7): o município deveria dar oportunidade para nos desenvolvermos os nossos conhecimentos, realizar os encontros pedagógicos, procurar não contrariar as nossas decisões.

(PIS8): o município tem que incluir no seu sistema de ensino currículos que atendam as habilidades dos alunos. A seguir, tratamos sobre as oficinas de arte.

A metodologia das oficinas de arte

O grupo de indígenas para participar das oficinas de artes foi escolhido aleatoriamente, sendo composto por caçadores da comunidade de Santa Maria. Alguns vieram a Manaus fazer uma experiência de expressão cultural mais rica, enquanto outros não puderam vir, mas todos participaram na aldeia e em Manaus, em duas ocasiões diferentes. Em suas produções artísticas mostraram duas coisas: o uso da posição vertical na expressão do desenho e na particularidade temática de cada um, ainda que a metodologia levasse necessariamente para a diversidade de assuntos. Neste sentido, deram-se os seguintes temas: animais, vida doméstica, vegetais. Isto nos leva para a sua utilização conforme os objetivos propostos no projeto Edusuhan, que trata da questão alimentícia dentro da aldeia, e não foge do tema da pesquisa desenhado em três áreas &– a questão de técnicas de plantio, a questão da conservação de alimentos e elaboração dos alimentos. Muitos dos desenhos serão utilizados na produção de cartilhas para as escolas da própria etnia.

A metodologia usada nas oficinas basicamente parte da aleatoriedade, iniciando-se com uma linha curva a partir da qual se começa a projetar o imaginário sem um tema fixo, e daí se desprende todo um trabalho complexo de produção de imagens, uma completando a outra até preencher a folha de papel. Inicialmente se fez este primeiro exercício em duplas e posteriormente, de forma individual. Um segundo exercício também individual e em duplas, consistiu em fixarem um tema e a partir de uma linha aleatória curva também &– a reta não permite uma projeção rica da imaginação &– construir figuras até preencher a folha. Então um terceiro exercício nos levou à produção também aleatória de textos, a partir da recopilação dos substantivos, adjetivos e verbos que os desenhos podem trazer, ou também expressões com as quais se produziram textos de temática aleatória como uma carta, um conto, uma poesia.

O material disponibilizado, em um primeiro momento, foram folhas de papel A4, lápis 6B e borracha. No segundo estágio, mais complexo, utilizamos o mesmo formato do papel A4 dividido em 4 quadrantes; em cada um, colocamos uma linha curva de forma aleatória e o exercício consistia em girar a folha lentamente para construir uma história em 4 quadrantes, ordenadamente numerados, com um princípio e um fim. Neste exercício cada um foi vendo a possibilidade de sua história que ao ficar pronta, foi numerada em sequência. Logo começaram a fazer a história, colocando palavras que explicassem o encadeamento da ação. Em todos os exercícios não se procurou a questão técnica expressiva e a beleza, mas sim a concatenação histórica.

No primeiro momento o importante é o tema, e como a pessoa vai desencadear a ação que vai terminar no quadrante numero 4, logicamente. As temáticas elaboradas por eles eram de animais, cobras engolindo passarinhos, peixes fisgados. Em um segundo momento, fizeram manchas aleatórias com os dedos e com tintas coloridas, sem pensar na temática, já que a própria mancha permite uma maior riqueza temática e a projeção é muito mais ampla, sempre utilizando a linguagem das histórias em quadrinhos. Temos aí um primeiro e um segundo momento, quando os alunos se apropriam de técnicas que não foram transmitidas, e isso possibilitou que expusessem a sua cultura e imaginação, e começassem a se descobrir como seres criativos, promovendo a mudança da autoimagem, pois nesse momento constatam que podem produzir coisas muito boas e próprias.

Um terceiro momento é suprimir a aleatoriedade e começar a trabalhar questões que estão relacionadas à cultura local: os ritos como a tucandera, a questão dos mitos, da origem, as fábulas e inclusive as questões da cotidianidade.

 

 

 

Neste segundo e terceiro momentos, o trabalho no sentido técnico se torna mais complexo, pois as cores, texturas e os planos começam a interagir com os autores. A seguir, mostramos alguns exemplos dos possíveis talentos que descobrimos, observados nos detalhes e na riqueza de expressão dos desenhos, nos quais se constata uma capacidade de observação dos seres própria de uma relação de intimidade com o mundo natural. Conforme Feldhusen (1993, p. 37)

O talento é um veiculo através do qual a cognição criativa pode ser expressada....é por meio da inteligência geral trazida para a efetividade em uma área de talento, que torna possível ir além do desempenho habilidoso ou competência, para revelar a verdadeira contribuição para invenções, reconceitualizações ou a produção de um novo trabalho de arte.

 

 

 

Considerações finais

Como sabemos, existe entre os brasileiros em geral, um desconhecimento sobre o estado do Amazonas, o maior no país, os povos que habitam a floresta e sua forma de ser, de pensar, de viver e explicar o mundo. Questões sobre educação, saúde e territórios indígenas são políticas e ideológicas e estão presentes na mídia geralmente apontando as dificuldades por que passam, enquanto outras têm caráter de denúncia de conflitos com a sociedade maior. No estado, existem sessenta e cinco povos indígenas (83.966 indivíduos) dos duzentos e quinze (345 mil indivíduos em terras indígenas) hoje existentes no Brasil5, os quais falam cerca de vinte e sete das cento e oitenta línguas ainda remanescentes no país. Como no Amazonas são várias as etnias, com culturas e línguas próprias, grupos de pesquisa como o deste artigo mantêm-se fazendo estudos durante algum tempo em uma mesma etnia, sempre a partir de resultados dos estudos anteriores e dos interesses e solicitações dos próprios indígenas, utilizando diferentes metodologias e ferramentas de estudo.

A realização da atual pesquisa integrada na área Sateré-Mawé, que deu continuidade às anteriormente realizadas, possibilitou o desenvolvimento de diálogo e saberes interculturais, na medida em que articulou não somente profissionais de várias áreas do conhecimento científico, como também os professores Sateré-Mawé e comunitários, com seus conhecimentos tradicionais. A equipe de professores da universidade disponibilizou conhecimentos e tecnologias sobre hábitos e produção alimentares, visando refletir e discutir usos culturais tradicionais e possíveis mudanças em valores e costumes para consecução de melhores condições de vida e de inserção dessas comunidades no desenvolvimento econômico e social do país com sustentabilidade.

A definição de pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa-ação ensejou condições favoráveis ao encaminhamento de procedimentos que permitiram a todos que participaram das ações a apreensão de multiplicidade de elementos da realidade indígena, os quais certamente passariam despercebidos se houvesse um rígido protocolo metodológico de investigação. As diversas oficinas foram filmadas e vídeos editados para serem utilizados nas escolas e comunidades, além do relatório final. A aprendizagem foi mútua &– das culturas do branco e da cultura Sateré-Mawé, e entre a equipe de professores universitários, que, cada um em sua especialidade, contribuiu para que o processo se desenrolasse em harmonia.

Neste artigo tratamos de um aspecto &– identificação de talentos e oficinas de arte &–, relatando sobre a sensibilização para o campo da Educação Especial, antes desconhecido na Educação Indígena, e que é importante, pois permite um olhar diferenciado para os que têm maior potencial, ou os que têm alguma deficiência em sua etnia. Mesmo que não proporcionem resultados imediatos que possam ser apresentados aqui, o tema poderá interessá-los futuramente. Ao usar a metodologia de pesquisa-ação, não visamos respostas imediatas, mas “facilitar a busca de soluções para problemas reais para os quais os procedimentos convencionais têm pouco a contribuir” (Thiollent, 2003, p. 10). Como lemos no corpo do artigo, em suas respostas na sensibilização, os professores apresentaram várias ideias que poderão ser agilizadas como propostas de ação para atender alunos indígenas que apresentem um maior potencial.

O desenvolvimento das oficinas de expressão cultural, assim como os cursos práticos e as atividades de levantamentos na área indígena, realizados como parte das estratégias de investigação e de produção de resultados da pesquisa ampla, além de revelar talentos indígenas, apontou para significativa constatação: a de que as representações dos sateré-mawé sobre os elementos da sua alimentação revelam uma concepção totalizante da realidade, em que homem e natureza encontram-se numa imbricação estruturante. Sabemos que os Sateré-Mawé são detentores de sistemas de conhecimentos &– saberes, tecnologias, crenças, mitos &– os quais são respeitados como base da construção/apropriação de conhecimentos e tecnologias de cunho científico, demonstrados durante o processo desenvolvido em conjunto com os professores e comunidades que participaram. Esta constatação demonstra o quanto o pensamento dos Sateré-Mawé se mostra multidimensional, construindo-se na direção daquilo que Morin (2000b) denomina de pensamento complexo. Em outras palavras, o pensamento sateré-mawé ensina aos nãoíndios a desconstruir a fragmentação própria do pensamento cartesiano, que se estrutura em disciplinas instituídas ainda no século XIX, na formação das universidades modernas. O que o pensamento sateré-mawé nos ensina é a transgressão a essa disciplinaridade, rompendo as fronteiras entre os diferentes saberes.

 

Referências

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Thiollent, M. (2003). Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez.        [ Links ]

 

 

Recebido em: 25/01/2008
Reformulado em: 06/07/2009
Aprovado em: 17/07/2009

 

 

Sobre os autores:

Maria Alice Becker
Psicóloga, professora do PPGE/FACED/UFAM
Carlos Gillermo Rojas Nino
Filósofo, professor do PPGE/FACED/UFAM
Valeria Weigel
Antropóloga, professora do PPGE/FACED/UFAM
4 Esta pesquisa recebeu financiamento do CNPq e foi desenvolvida em parceria com a Organização dos Professores Indígenas Sateré- Mawé/WOMUPE, contando com apoio da Secretaria Municipal de Educação do Município de Maués/AM e da Pastoral da Criança/ CNBB.
5 Segundo o Banco de Dados da FUNAI, www.funai.org.br, em 13/09/2005