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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.13 n.2 Campinas dez. 2009

 

RESENHAS

 

Geraldina Porto Witter

Universidade Camilo Castelo Branco

Endereço para correspondência

 

 

Gage, N. L. (2009). A conception of teaching. New York: Springer, xix + 174p.

Em 2008, faleceu aos 92 anos um dos maiores psicólogos que fizeram a Psicologia ter a rica e variada base científica que hoje desfruta. Trata-se de Nathaniel L. Gage, cujo porte torna desnecessária qualquer apresentação. Não chegou a ver seu último livro publicado, que, por si só, é testemunho de seu valor. Contribuiu muito para a formação de professores. A análise de seu currículo mostra a ampla competência do ilustre educador, que integrou o colégio invisível de muitos psicólogos e educadores. Trabalhou muito como psicólogo, educador, filósofo da educação, história da educação e sociologia educacional. É reconhecido pela sua contribuição para que se aceitasse que o ensino tem fundamentação científica. Ficou consagrado como “Pai da Pesquisa sobre o Ensino”. Foi um homem excepcional, formador de cientistas, amigo, colega, cidadão pleno e de grande capacidade para amar e doar-se.

O livro aqui resenhado coroa o trabalho de sua vida de forma exemplar. A estrutura dada ao livro compreende: tributo, agradecimentos, oito capítulos, índice de autores e de matéria. Na primeira parte, grandes educadores, psicólogos e pesquisadores rendem justa e carinhosa homenagem ao autor. No sucinto prefácio, o autor lembra que, se uma teoria permanece inviolável por décadas ou séculos, é porque não é testável, lembrando um trabalho de Festinger que considera o fato como sinal de pouco desenvolvimento. Além disso, todas as teorias podem ser usadas, incompletas ou carentes de maior elaboração. Nos agradecimentos, lembra os que lhe deram suporte para a realização do livro e destaca o apoio da esposa, com a qual esteve partilhando a vida por 69 anos, das filhas e do filho.

No primeiro capítulo, informa que, embora haja outras situações de ensino, a ênfase do livro será na situação em que professor e alunos estão um diante do outro. Explicita a trajetória das escolhas feitas entre as diversas alternativas teóricas até a formação da apresentada no livro. Parte da teoria de ensino substituindo a teoria da instrução, uma vez que a última dá menor autonomia e fica muito restrita ao currículo e aos materiais em que os professores-instrutores são treinados. Analisa os aspectos descritivos e prescritivos da teoria de ensino e a inclusão dos objetivos afetivos e cognitivos na Educação. Em seguida, descreve rapidamente seis níveis possíveis da relação generalização-especificidade para uma teoria de ensino. O nível I trata do ensino que abrange todos os níveis escolares, todas as matérias e tipos de alunos. O nível VI trata dos tópicos principais dentro de um determinado nível de ensino. Considera ainda as teorias das Ações de Ensinar e das Características do Professor, bem como a Teoria do Ensino em Sala de Aula. Fecha o capítulo com uma perspectiva geral dos demais.

O capítulo seguinte discute se é desejável e possível formular uma teoria de ensino tendo por referência os conceitos de teoria e a demonstração de adequação mediante evidência, ou seja, a avaliação de seus efeitos na realidade. Contesta os que pensam que o ensino por seres humanos está moribundo, a existência de pesquisas com e sem teoria como base inicial, que deverão ser consideradas por seus resultados e bases científicas. Lembra as controvérsias sobre o método científico. Considera que a pesquisa educacional tem negligenciado a teoria pelo uso inadequado das próprias teorias, como apego exagerado e falta de evidências.

O terceiro capítulo considera o uso de paradigmas no estudo do ensino, contemplando sua evolução. Descreve rapidamente vários paradigmas e relaciona as variáveis neles implícitas. Propõe um paradigma para o estudo da aprendizagem que busca estabelecer relações bidirecionais em 15 pares de categorias, que resulta em formas distintas de descrever o processo de aprendizagem.

Em seguida, Gage descreve uma concepção do Processo de Ensino e lembra que, desde a Antiguidade clássica, vários autores elaboraram, demonstraram e advogaram vários processos de ensinar e isto continuou a acontecer ao longo do século passado. O básico em um modelo implica em ter um conjunto integrado e específico de princípios e práticas a serem usadas pelo professor que aceita implícita ou explicitamente a concepção de ensino efetivo (p. 62) que espera seja assegurada. Considera quatro famílias de modelos de ensino: social, de processamento de informações, pessoal e dos sistemas comportamentais. São descritos sucintamente e apresentados alguns pontos positivos e limitações, nem sempre aceitos por docentes e políticos educacionais, a despeito das evidências científicas.

No capítulo 5, Gage enfoca o conteúdo do ensino que muitas vezes é negligenciado na pesquisa na área, embora já se disponha de boas soluções metodológicas e formas de análise de dados para tanto. Destaca, para análise, o alinhamento instrucional que merece particular atenção face à variabilidade de conteúdos a serem trabalhados. A denominação alinhamento instrucional refere-se

à similaridade do conteúdo ensinado com o conteúdo de avaliação da realização dos objetivos de ensino. O conteúdo ensinado consiste nos fatos, conceitos, procedimentos e autocompreensão (metacognições) que o aluno precisa saber compreender e ser capaz de usar de várias formas, com o resultado do ensino (p. 91).

Descreve possibilidades de estudar tais aspectos, retoma a taxonomia de objetivos e os principais tipos e subtipos de conhecimento que não podem ser ignorados no processo de ensino para garantir a aprendizagem.

As capacidades cognitivas e a motivação dos estudantes são duas categorias essenciais no processo de ensino do conteúdo (capítulo 6). Da primeira, destaca a inteligência e o conhecimento anterior do aluno, ambas requerendo habilidades e competências do professor para fazer os ajustes adequados para superar as dificuldades dos alunos, entre elas o manejo da sala de aula que é o tema do capítulo seguinte, que não deve ser confundido com ensino. Trata de variáveis que influem em ambas, tais como pobreza, avaliação de desempenho, supervisão, administração da sala de aula e tempo efetivamente dedicado ao ensino.

Para se alcançar êxito, torna-se necessária a integração dos vários conceitos e propostas. É o que o autor enfoca no último capítulo. Para tanto, recorre ao conceito de subteorias que facilita a integração de teorias aparentemente opostas, mas que podem se complementar compondo uma proposta mais abrangente e completa. Oferece ao leitor várias possibilidades para melhor conhecer e trabalhar o ensino. Integra processo, conteúdo e variáveis do aluno (capacidade cognitiva e motivação). Integradas as várias subteorias, o ápice é a sua utilização com a qual o docente também irá aprender e rever construtivamente o seu saber e fazer no ensino.

A proposta de Gage é a de unificação de propostas tais como as teorias comportamental, cognitiva, das capacidades cognitivas, das capacidades grupais e especiais, de mudanças de QI, de dissonância cognitiva, a que agrega outras possibilidades e aponta como incluir outras possibilidades em uma teoria unificada.

A bibliografia referida é rica, inclui clássicos, mas estão presentes textos recentes e artigos de periódicos. É leitura indispensável para aqueles que se dedicam ao ensino, como administradores, docentes, pesquisadores e mesmo para os que querem ou precisam aprender mais e melhor.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: gwitter@uol.com.br

Recebido em: 16/07/2009
Aprovado em: 30/11/2009