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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  n.19 São Paulo dez. 2004

 

ARTIGOS

 

Por que Vygotski se centra no sentido: uma breve incursão pela história do sentido na psicologia

 

Why Vygotsky focuses on sense: a brief panorama of the history of sense in psychology

 

Por qué Vygotski se centra en el sentido: una breve incursión por la historia del sentido en la psicología

 

 

Maria Regina Namura*

Unitau

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo mostra as construções teóricas do sentido formuladas pela psicologia ao longo da sua história. Constituída em uma ciência particular para compreender a mente humana, um de seus principais debates é a produção/criação de sentidos e a necessidade do homem em dar sentido à vida. Nessa trajetória, identificamos que a psicologia criou conceitos e teorias para compreender os processos psicológicos da produção de sentidos. Contudo, atravessada pelo método experimental e pelo modelo das especializações decorrentes do positivismo, desprezou as interfaces com as ciências sociais, a filosofia e a arte. Na sua história contemporânea, atrela-se às concepções lógicolingüísticas fundando uma epistemologia dos sentidos. Essas vertentes deixam de apreender o homem na sua totalidade. Conclui-se com Vygotski que o problema da psicologia não é conceitual, mas metodológico, está em seus métodos de análise.

Palavras-chave: Sentido, História da psicologia, Epistemologia e métodos de análise.


ABSTRACT

This article approaches the theoretical constructions of sense formulated by psychology throughout its history. Conceived as a private science to understand the human mind, one of its main debates is production/creation of senses and the mankind’s necessity to give a sense to life. In this trajectory, we identify that psychology has created concepts and theories in order to understand the psychological processes of sense production. However, once intersected by the experimental method and by the specialization model that resulted from positivism, psychology has despised the interfaces with social sciences, philosophy and art. In its contemporary history, psychology has combined with logical- linguistic conceptions, establishing an epistemology of senses. These tendencies hinder the perception of man in his entirety. The conclusion, following Vygotsky, is that psychology’s problem is not conceptual, but methodological; it is in its analysis methods.

Keywords: Sense, History of Psychology, Epistemology and analysis methods.


RESUMEN

Este artículo presenta las construcciones teóricas del sentido formuladas por la psicología a lo largo de su historia. Se constituye en una ciencia particular para comprender la mente humana y uno de sus principales debates es la producción / creación de sentidos y la necesidad del hombre en darle sentido a la vida. En esta trayectoria, identificamos que la psicología ha creado conceptos y teorías para comprender procesos psicológicos de producción de sentidos. Con todo, atravesada por el método experimental y por el modelo de las especializaciones que resultan del positivismo, ha despreciado las interfases con las ciencias sociales, la filosofía y el arte. En su historia contemporánea se junta a las concepciones lógico-lingüísticas fundando una epistemología de sentidos. Esas vertientes dejan de aprehender al hombre en su totalidad. Se concluye con Vygotski que el problema de la psicología no es conceptual, sino metodológico, está en sus métodos de análisis.

Palabras clave: Sentido, Historia de la Psicología, Epistemología y métodos de análisis.


 

 

Circunscrito ao corpo teórico da psicologia, nosso propósito é situar a questão do sentido e sublinhar as respostas que puderam ser formuladas pela psicologia para explicar a categoria “sentido” e a necessidade do homem em dar um sentido à vida ou construir uma vida cheia de sentido. O objetivo em mostrar os debates mais significativos sobre a questão do sentido no vasto e complexo campo da psicologia originou-se das discussões em torno dessa categoria na polêmica e inacabada obra de Vygotski. Em seu pensamento crítico e de aguda sensibilidade para tratar dos processos psicológicos, formulou a categoria “sentido”, para ressaltar a natureza especificamente humana do homem, a sua capacidade de criação e autoprodução nos seus modos e condições de existência, e para superar as cisões e reduções que a psicologia, aprisionada aos modelos naturalistas e idealistas de homem, promoveu no “sujeito psicológico”.

A polêmica entre razão e emoção presente no corpo teórico-metodológico da psicologia tem sua gênese na chamada pré-história da psicologia.1 A visão idealista de Platão e a racionalista de Aristóteles e os desenvolvimentos subseqüentes dessas tendências filosóficas tiveram forte influência sobre a psicologia. Para a questão do sentido no mundo acadêmico, especialmente, essa influência permite identificar uma dupla gênese, a vertente racionalista e a vertente irracionalista, que, no vocabulário psicológico, podemos aproximar do debate entre razão e sensação, para compreendermos a diversidade de concepções de “sentido”. Permite também compreender o desenvolvimento e as transformações que o termo “sentido” vai sofrendo no decurso da história do pensamento psicológico [ou das idéias psicológicas], marcado pelo modelo gnosiológico-epistemológico do pensamento moderno – a teoria da representação – que, ao estabelecer a relação entre o sujeito cognoscente e o objeto, estabelece simultaneamente a cisão entre sujeito e objeto, conhecimento racional e conhecimento sensível, razão e emoção, objetivo e subjetivo.

Herdeira dessas cisões, a psicologia científica vai trilhar seu caminho por duas grandes vertentes no tratamento da categoria “sentido”. A primeira vinculada aos órgãos do sentido, às sensações e percepções, com as seguintes expressões: sentido de direção, do tato, térmico, da pele, do gosto, do olfato, da audição, da posição e dos movimentos da cabeça. Na segunda vertente, o “sentido” reporta-se ao capítulo sobre linguagem e comunicação, referindo-se aos sentidos denotativo e conotativo da palavra (Escala semântica de Osgood).2

Essas construções vão ao encontro da grande influência do positivismo na psicologia. Como sistema filosófico e como método de investigação científica, o positivismo entende o fenômeno psicológico como dado psicológico ou fato empírico e exclui a dimensão valorativa como pertencendo a um mundo incompatível com a objetividade e neutralidade da ciência. Ao fazer a cisão entre objetivo e subjetivo, entre mente e corpo, entre fato e valor, define-se pelos fatos e fenômenos psicológicos naturais como passíveis de conhecimento científico, eliminando as ambigüidades e indeterminações dos significados e dos sentidos humanos. A pesquisa realizada por Faar (1999) sobre a história da institucionalização da psicologia social corrobora esse fenômeno, afirmando que a psicologia enquanto ciência, ou na sua curta história, descende do positivismo de Comte. Foi Allport que o elegeu como o fundador da psicologia social.

A questão da psicologia sensorial condicionada à reflexologia, psicofisiologia e métodos experimentais não traduz o interesse de todos os “projetos” da psicologia, mas sinaliza a tensão entre as tradições européia e americana e a crescente hegemonia da psicologia social americana como uma disciplina da psicologia que “ignora as tradições da psicologia social que se desenvolveram no contexto da sociologia e das outras ciências sociais” (ibid., p. 33).

A dualidade empirista e racionalista do corpo teórico da psicologia evidencia o tratamento dispensado ao sentido. O sentido estaria ou na esfera exterior, nas coisas e nos objetos, sendo capturável pelas sensações e percepções, ou no plano subjetivo (puro), numa interioridade quase auto-suficiente em criar sentidos.

Figueiredo (2002) constata esse fenômeno ao analisar as tradições dos “projetos da psicologia” e mostra que alguns se ocupam do “espaço psicológico” como conhecimento objetivo dos fenômenos psíquicos. A perspectiva funcionalista delineia os processos cognitivos e emocionais como “estados subjetivos” reificados. Os “projetos da psicologia” de tradição mais filosófica, por sua vez, promovem uma certa dissolução do psicológico e remetem às dimensões política, religiosa e ética da experiência.

Gordon Allport (1962), estudando o desenvolvimento da personalidade, aponta para a dualidade suscitada pelo método científico e para a influência mais direta da tradição lockeana e da tradição leibniziana nos vários projetos e escolas psicológicas. Assinala que, apesar da diversidade de sistemas psicológicos e das múltiplas teorias, constata-se a presença de seus correspondentes reducionismos ao tomarem a experiência, o comportamento, as relações psicofísicas, os processos conscientes da mente e os processos inconscientes como objeto de estudo, e poucas abordam a “totalidade da existência psíquica do homem” (p. 18).

A tradição lockeana introduz a metáfora da mente como uma tábula rasa na qual a sociedade inscreve o texto que deseja, fazendo supor uma mente passiva que recebe as impressões do meio ambiente e a elas reage. O entrecruzamento de associações vai construindo a estrutura mental, o pensamento e a organização das idéias. Por isso a conhecida afirmação de Locke, de que nada podia haver no intelecto que antes não tivesse passado pelos sentidos. Da ordem das impressões sensoriais, os órgãos do sentido são a porta de entrada dos processos cognitivos, dos processos de aprendizagem e da reflexão. Interessado em como se adquire conhecimento, concebe duas qualidades de experiência; uma derivada da estimulação sensorial, causada pelos objetos físicos, e outra, derivada da reflexão, que age sobre as impressões sensoriais para produzir idéias de nível superior e abstrações. Os sentidos, enquanto sensações ou experiência sensorial, são em última instância a fonte primeira dos processos cognitivos.

A concepção de “sentido” a partir desses pressupostos filosóficos conduz às vertentes empiristas da psicologia. Seus representantes podem ser encontrados nos diversos tipos de associacionismo, behaviorismo, na psicologia animal, enfim, “em tudo aquilo que hoje em dia é apreciado em nossos laboratórios como psicologia verdadeiramente científica“ (op. cit, p. 22). A influência do empirismo de Locke na psicologia científica pode ser condensada, segundo Gordon Allport, em três pressupostos: o que é externo e visível – o estímulo – é mais importante que o organismo, a admissão de que o que é anterior é mais relevante do que o que segue no desenvolvimento, e o que é pequeno e molecular, as idéias simples, é mais fundamental do que o que é grande e complexo, as idéias complexas.

A crença na equivalência das espécies, que explica o mais complexo pelo mais simples, o estudo do animal como um protótipo do homem, revela uma aversão especial aos problemas atinentes a motivos complexos, à integração em nível elevado, à consciência, à liberdade, à individualidade. Essa preferência e crença nas unidades moleculares mantêm os sentidos sob a égide dos processos sensoriais, da psicofisiologia e do arco-reflexo.

A tradição alemã contrapõe-se ao reducionismo molecular e ao dualismo cartesiano, postulando que a pessoa é a fonte dos atos e que a atividade é dotada de finalidade, idéias oriundas da enteléquia de Aristóteles e do intentio de Tomás de Aquino, precursores do sistema filosófico de Leibnitz (1646-1716). Quanto às idéias de Locke, revida-as ironicamente, afirmando que nada podia haver no intelecto que não tivesse passado pelos sentidos “(nada), salvo o próprio intelecto”. Em vez de unidades moleculares, Leibniz focaliza as relações entre o corpo e a alma e defende a auto-suficiência das mônadas, ativas, porém regidas por uma sincronização operada por Deus. Ele fornece uma contribuição importante para a teoria dos sentidos na psicologia, a distinção entre percepção e apercepção3, sugerindo a existência de processos conscientes e inconscientes, de princípios organizativos imanentes e de harmonia interna.

Entendida como a consciência das próprias percepções, a apercepção é um processo perceptivo de nível mais elevado, é a faculdade de pensar um objeto de forma clara e distinta, que resulta em conhecimento. Deixa, entretanto, a idéia de um sistema fechado que nenhuma ação externa poderá atingir, decorrendo dessas idéias as teorias da cognição e da motivação.

O monismo idealista, da tradição alemã, vai ser criticado por Berkeley (1685-1753), que elimina o sagrado e introduz a experiência como o único fenômeno de que se pode ter certeza e que se pode conhecer. A mente é a realidade imediata. A questão não é o modo como a mente afeta a matéria, conforme Descartes, nem como a matéria gera a mente, conforme Locke, mas de que modo a mente gera a matéria, uma vez que a mente é o dado básico, a realidade imediata conforme análise de Wertheimer (1991). Sucedido cronologicamente por Hume (1711-1776), o monismo idealista torna-se um ceticismo em relação à realidade externa, com a afirmação de que a mente conhece somente seus próprios processos.

Esses questionamentos influíram diretamente no tratamento que a psicologia dispensou à idéia de “sentido”. A noção de “sentido” já não corresponde diretamente aos órgãos do sentido, às impressões sensoriais, ao psicofísico; ele emana da experiência própria do indivíduo, que é auto-organizado e propositivo, chegando ao solipcismo em Berkeley. As idéias, percepções, motivações e a reflexão numa organização própria da mente geram e doam sentido ao mundo ao “interagir” com o meio ambiente. O “sentido” apresenta-se quase auto-suficiente, mas não abandona as sensações como fonte de conhecimento. O debate nesse momento gira em torno da fidedignidade desse conhecimento, o sentido está relacionado ao conhecimento verdadeiro ou não.

O combate ao inatismo é na verdade um embate entre a perspectiva científica e a perspectiva filosófica, em que a psicologia foi gerada. Na ciência, o sentido refere-se aos órgãos do sentido, o tempo de reação das transmissões neurológicas e fisiológicas, o arco-reflexo, enfim, estava ligado às sensações. Na filosofia, a questão correlata em discussão era a origem das idéias: inatas ou oriundas da experiência – o debate inatismo-empirismo, uma discussão em torno da gênese e de como se adquire o conhecimento, é o debate que a psicologia importa para definir-se como ciência.

Desse modo, o estudo das sensações atrelado à psicofísica pretende estabelecer a relação entre o mundo físico e o psíquico, mas os métodos experimentais constataram que entre a percepção imediata e seu objeto físico não existia uma correspondência ponto-a-ponto e sim processos mais complexos. Mesmo assim, preponderaram estudos de tempo de reação, ação reflexa, percepção visual, as sensações e o sentido do tato através de desenhos experimentais que permitiram construir uma psicologia científica voltada para o conhecimento do organismo e que deveria responder pelo funcionamento dos órgãos do sentido, interposto entre a percepção e seu estímulo externo. A hipótese que orientava e direcionava esses experimentos era a busca da resposta na natureza do organismo, e a investigação sobre a fisiologia dos sentidos poderia responder pela ação dos órgãos do sentido em face das percepções.4 Uma “epistemologia fisiológica”, segundo Wertheimer (1991), com o objetivo de descobrir como se obtém informação através dos sentidos e como essa informação é transmitida do órgão sensorial para o cérebro, enfim, o caminho fisiológico para a compreensão dos fenômenos psicológicos.

A descoberta da ligação entre o físico e o psíquico perquiria os pesquisadores, que se revelavam ao mesmo tempo fascinados pelos métodos rigorosos e precisos da ciência, pela natureza ordeira do mundo que revelavam e insatisfeitos com a distância que a ciência oficial impunha ao apelo imediato da vida e da mente, afastando o homem da realidade sentida. Essa ambigüidade foi constatada nos estudos de Fechner, cujos métodos demonstraram como quantificar com precisão eventos mentais e como as quantidades físicas e psíquicas se relacionam. A contribuição do seu assistente Hermann von Helmholtz foi combater o inatismo, demonstrando que a percepção do espaço era um trabalho da mente, como resultado da experiência do sujeito em face do estímulo. Demonstrou que os métodos experimentais usados em fisiologia eram aplicáveis aos processos psicológicos da sensação e percepção, e que esses processos não eram um somatório de reações, mas determinados por um “arranjo especial”. A sensação capta o estímulo, a percepção é uma composição que relaciona sensação e experiência, isto é, a percepção é um processo cognitivo muito mais complexo, que implica inferências inconscientes da experiência passada do indivíduo com o objeto percebido, adicionadas à sensação.

Essa distinção, central para o sentido, vai se apresentar sempre na forma de um paradoxo, porque a questão da significação aí contida colide com o método experimental. A teoria de Helmholtz esmaece a ênfase fisiológica, ao vincular o “sentido” a um trabalho interior da mente, à influência da experiência passada e à personalidade do indivíduo, ao mesmo tempo em que rejeita qualquer método que dependa da observação e de informações do sujeito, porque são distorcidas pelas suas condições subjetivas. O esforço de Helmholtz avança na concepção teórica, mas é estancado pelas opções metodológicas, pela força do método experimental e pelo modelo positivista das ciências físico-químicas.

Se o conhecimento e as idéias provêm da experiência, o sentido também tem essa origem; entretanto, essa afirmação não é totalmente verdadeira. Há duas questões que se estendem pela história das idéias psicológicas: o sentido atrelado aos órgãos do sentido (como sensação) ou à experiência (como percepção, cognição) é apreendido no mundo empírico, mas não necessariamente pelo método experimental.

De um lado, temos Helmholtz e a psicologia científica sustentada no método experimental como legítimo para compreender a natureza das sensações e dos órgãos do sentido, e compreender como se conhece; de outro, Wundt e o “dualismo metodológico”.

O Laboratório de Leipzig, pela via oficial, estatui a psicologia como uma ciência natural, mas o próprio Wundt, com a publicação da Psicologia dos Povos, dá visibilidade a uma psicologia social impossível de se constituir com métodos experimentais. Ele mesmo optou pelo dualismo metodológico quando estabeleceu que a melhor maneira para desenvolver uma psicologia científica era manter os métodos psicofísicos5 para estudar os processos da sensação e percepção, enquanto os processos mentais complexos, como o pensamento, deveriam ser estudados pelo uso de material coletado na área da antropologia cultural.

(...) [Wundt] não pensava ser possível estudar, através da introspecção, fenômenos mentais como o pensamento. Era possível estudar apenas os processos sensoriais básicos. Isso porque a mente não pode voltar-se sobre si mesma e estudar aquilo de que ela mesma é produto. Estudar a relação entre linguagem e pensamento, por exemplo, era, para Wundt, parte de sua Volkerpsychologie. (Farr, 1999, p. 45)

e o método adequado é a observação, em outras palavras, os processos mentais superiores só podem ser compreendidos por meio do método histórico.

Essas observações mostram que os pesquisadores não estavam alijados de um pensamento mais abrangente e amplo em relação ao homem e ao mundo, basta lembrar que no final do século XIX a tradição romântica na Alemanha (Dilthey, Weber, Husserl) estava em pleno vigor, mas o fascínio pela ordem da sociedade era conciliável com um método científico que pudesse controlar, ordenar e predizer o comportamento, o que deu visibilidade à psicologia como ciência. Esse caminho limitou a investigação aos fenômenos sensoriais passíveis de estudo pelos métodos psicofísicos e não incorporou temas que apresentassem incompatibilidade com a ciência experimental. Isso significou restringir a pesquisa do sentido ao mensurável e ao observável, enquanto as idéias ou conceitos que tangenciavam questões subjetivas e mesmo a “síntese criativa” de Wundt6 foram criticadas e excluídas do campo científico, deixando o “sentido”, mais uma vez, confinado aos processos psicofisiológicos e às experiências imediatas, sobretudo pela forma como foi apropriado pela psicologia norte-americana.

O “sentido”, na trilha da Psicologia dos Povos, estava se distanciando das sensações elementares para, possivelmente, tornar-se algo da criação humana, se a psicologia social de Wundt tivesse sido acolhida pela ciência da psicologia. O dualismo metodológico revelava o reconhecimento de epistemologias diferenciadas na relação método-objeto de investigação, e um aspecto decorrente e menos conhecido desse fato é, segundo Heidbreder (1969), o esboço de uma “teoria do significado” a partir da sua psicologia social.

Concordava, com Brentano, que o traço distintivo de um processo psicológico é “significar” um objeto, isto é, refere-se a algo que não faz parte dele. Brentano7 entendia que um processo psicológico verdadeiro é o ato psicológico (no caso, o ato de significar) e não o conteúdo. Ao contrário, Wundt entendia que o conteúdo formava a vida psíquica, constituindo os elementos que representam o processo psicológico, além do que, somente o conteúdo é passível de ser estudado por introspecção.

Wundt era capaz de levantar problemas até hoje polêmicos na psicologia, quanto ao tratamento do fenômeno subjetivo: a relação forma/conteúdo, o acesso aos processos superiores do pensamento e a relação com a linguagem, a importância dos sentimentos, emoções e vontade na organização do campo da consciência, a noção de que os elementos sensoriais não podem ser percebidos como partes isoladas, mas participantes da configuração da consciência.

Figueiredo, numa análise minuciosa do texto Uma Introdução à Psicologia, de Wundt (1911), aponta outras questões importantes para a concepção de sentido, como o processo de apreensão do sentido na leitura de uma palavra ou sentença, num tempo e num espaço em que apenas algumas palavras estão presentes. Há, para Wundt, a integração numa totalidade (poder psíquico de combinação) que no mínimo revela uma experiência “subjetiva” com legislação própria. A tese formulada por Figueiredo a partir da análise desse texto é que os impasses encontrados por Wundt estão presentes em todo pensamento não dialético da psicologia, quando resolve agenciar uma ciência da subjetividade (1986, p. 27). Resume seus comentários da psicologia wundtiana apontando a existência de um “projeto” da psicologia como ciência independente, que implica a existência de uma consciência com estrutura e dinâmica próprias que não se realizou.

A possibilidade de uma concepção de “sentido” na Psicologia como uma experiência subjetiva com legislação própria dilui-se no método experimental dos primórdios da psicologia e se estende para a concepção de homem dos sistemas psicológicos positivistas, postulando a observação, a descrição do comportamento, o princípio da neutralidade como filtros que retêm as impurezas. Desse modo, o “sentido” é abortado do método experimental junto com os sentimentos e a experiência humana. Nas correntes mais dogmáticas da associação estímulo- resposta, concebe-se um organismo vazio a partir do que se pode pensar que onde não há experiência de subjetividade não há “sentido”, só sensação.

O que se postula nesse momento é o debate sobre a existência ou não de um trabalho interior, de um processo específico da subjetividade, da ordem da reflexão, da imaginação criadora, de um psiquismo ativo e não reativo. O estudo da consciência estruturada por elementos simples (sensações e imagens), como princípios explicativos dos processos psíquicos, traduz um sentido configurado por instintos, impulsos e sensações que alteram as condições neurofisiológicas e psicofísicas; ou como hábitos adquiridos e comportamentos condicionados, desprovido de conteúdo psicológico que alcance as manifestações superiores dos processos psicológicos. Depois das sensações o “sentido” é inexplicável.

Ser desprovido de conteúdo psicológico é ser alijado das necessidades propriamente humanas, é conceber os sentidos como um somatório de sensações e imagens elementares que, cumulativamente, resultam num processo organizativo, sem uma participação ativa do sujeito (salvo traços de memória conservados nas conexões nervosas). Qualquer elemento significativo deve ser deixado de lado pelo método para distinguir experiência imediata (sensação), de experiência mediata (interpretação/significado). Contra esse elementarismo associacionista, a psicologia da Gestalt lança suas críticas, propondo que o todo é distinto da soma de suas partes, isto é, as relações ou a combinação dos elementos sensoriais formam algo novo e significativo.8

O sentido como categoria analítica e explicativa começa a ter visibilidade com a psicologia da Gestalt, sob influência da fenomenologia. Husserl (1859- 1938), considerado o fundador da fenomenologia, empreendeu um estudo crítico das condições em que o conhecimento é possível e, ao repensar os fundamentos do saber, postulou que os princípios das ciências naturais eram dogmáticos. Critica igualmente o “projeto” da psicologia, tanto a vertente intelectual idealista quanto o empirismo naturalista. Segundo Muller (1968, p. 398), na polêmica com a abstração metafísica, Husserl empreende uma

(...) revolução metodológica descrevendo o psiquismo humano como sendo sempre e de imediato “relação com o mundo” (...) trata-se de estabelecer que uma psicologia bem fundamentada só pode ser intencional e intersubjetiva (...) não se trata de transcender experiências, mas de extrair-lhes o sentido partindo do mundo vivido.

O “mundo vivido” é o nível da vivência do imediato, a presença no mundo antes da reflexão como a origem de todo o conhecimento. Decorre dessa experiência aplicar uma “reflexão radical” (método fenomenológico) que permita descobrir estruturas e conexões que não se subjuguem aos procedimentos experimentais e à observação, mas revelar o “sentido” das condutas humanas, da consciência, dos processos criativos.

A psicologia da Gestalt, entretanto, apropria-se de forma particular da fenomenologia, submetendo-a ao método experimental e define o mundo dos fenômenos, basicamente, como o mundo perceptível no presente. A extração do sentido da experiência foi relegada e os fatos de ontem ou de minutos atrás se instalam no neurológico. Incorpora o princípio do isomorfismo psiconeural (que traz os processos não-conscientes para participarem da gestalten junto com os processos conscientes constituindo o real) e a noção de campo de força ou de todo orgânico da física moderna de Max Planck desdobrados nos estudos sobre a percepção visual (linhas e agrupamentos, figura-fundo, fechamento, pregnância e insight) para sustentar a existência dos princípios dinâmicos da cognição e de uma configuração global, um todo que determina uma nova gestalten, quando as partes se alteram ou sofrem alguma modificação.

O significado é processado em função de uma gestalten que teria como um dos seus atributos a forma, o modo como as coisas são percebidas, em contraste com qualquer significado anteriormente fixado nas imagens ou elementos da memória. Não há dúvida em considerar que a teoria da Gestalt coloca em pauta um princípio ativo e estruturador da vida psíquica, trazendo a figura do indivíduo que conhece, a percepção e o insight como conceitos que explicam o comportamento pela compreensão que o indivíduo tem da estrutura da situação problemática atuando de acordo com o que entendeu. (Cabral, 1972, p. 234). Essa compreensão mostra uma atividade com finalidade, não mais por associações S-R, entretanto, focaliza o aparelho sensorial, não a subjetividade que implicaria uma idéia de “sentido”, segundo uma configuração mais complexa, contemplando a ação, as finalidades, os sentimentos e interesses dos indivíduos.

A ética subjacente ao pensamento dos estudiosos e pesquisadores da vertente cognitivista9 é a emancipação e o bem-estar do homem na sociedade: “liberdade humana” e “vida com sentido” são expressões encontradas em autores como Salomon Asch (1907-1996) na sua crítica à psicologia moderna, que subestima as condições estruturais no campo social imediato e os problemas propostos por tais forças. No entanto, dar forma científica conforme o método experimental exigia comprovações e medições incompatíveis com o estudo do homem como ser social e redunda numa nova qualidade de reducionismo, expresso nas reflexões de Asch sobre o sentido da vida.

(...) os homens têm necessidade de dar sentido aos acontecimentos circundantes, compreender alguma coisa da ordem da vida e agir segundo formas razoavelmente relacionadas com sua compreensão (...) o alcance das doutrinas psicológicas atuais convertem o processo de valer-se da experiência (...) em formação mecânica (...) e não deixa lugar para a participação do indivíduo na vida coletiva, para a alegria de viver, para a necessidade de agir e encontrar algum sentido de finalidade e dignidade, para a capacidade de planejamento, empreendimento, de saber e criação. (1977, pp. 27-28)

Ter a fenomenologia como idéia reguladora, sem dúvida, diferenciou a Gestalt da psicologia associacionista e estruturalista, principalmente no que se refere à noção de vida psíquica, saltando do processo molecular (fenômenos psicológicos entendidos como a soma de elementos simples) para uma concepção molar dos fenômenos psicológicos, unidades maiores e mais organizadas que levam em conta a natureza e a estrutura da percepção, da experiência imediata e dos processos cognitivos. Entretanto, referendada por pressupostos epistemológicos experimentais para conquistar o status de ciência, investe em experimentos com linhas, espaços e formas puras para demonstrar o caráter estrutural dos fenômenos da experiência e evita lidar com os objetos comuns da vida, repletos de significado.10

A primazia da forma em detrimento do conteúdo é o vetor dinâmico do formalismo, que não ameaça o método experimental e a concepção abstrata do homem, na medida em que os conteúdos próprios das vivências da existência do homem estão subsumidos no ato perceptivo que é algo imediato. Introduz uma idéia de sujeito, mas o que fornece o “sentido” é o aparelho sensorial, como uma estrutura, um arranjo com organização própria, não o poder psíquico da criação e do conteúdo da vida que singulariza e dá concreção à vida.

Ao eleger a gestalten (forma) como a unidade fundamental que revela o significado intrínseco do todo (em detrimento do conteúdo), continua a considerar os fenômenos psicológicos como entidades naturais, abstratas, e as condições do ambiente social como dadas. Se o social está dado como natural, a finalidade da ação não transforma a realidade, não é concebida como práxis, mas volta-se para o organismo para reestruturar o campo perceptivo. Os fenômenos psicológicos são dinâmicos, mas centrados em si mesmos, conforme o modelo idealizado de homem natural e suas relações interpessoais. A ênfase na relação sujeito-objeto, inaugurada pela fenomenologia, não redundou em superação dos dualismos vigentes na ciência da psicologia, nem na desnaturalização da consciência, e o “sentido” continua ligado à experiência imediata, agora como percepção complexa, não como sensação. Em síntese, está fixada no aqui e agora e a cognição não se dirige à compreensão do homem ante o mundo e os outros homens, ou seja, é a-social e a-histórica.

Prevalece a individualização na compreensão da psique humana e a parcialidade na concepção de “totalidade” sistêmica. Se a parcialidade é o que o método nos oferece, parece que devemos questionar o método na medida em que o “sentido” acolhido pelo desenho experimental é o sentido da estrutura e das relações funcionais do organismo.

Do ponto de vista epistemológico, a psicologia moderna é herdeira da tensão entre empirismo e racionalismo, na batalha sobre a gênese do conhecimento; a polêmica entre sensualismo e inatismo, já anunciado acima (Locke e Leibnitz),11 recebe influência também de Descartes, que, ao separar mente e corpo, reitera o dualismo fundado na filosofia grega,12 e o inatismo das idéias repercute na primazia do conhecer sobre o ser a partir da dúvida metódica: é possível duvidar do corpo e do mundo, mas não do pensamento: penso, logo existo. Explica Lima Vaz (1997) que o primado da representação sobre o ser configura o terreno cultural da modernidade, que teve origem na “revolução copernicana”; opera um giro no universo simbólico do homem ocidental:

(...) na natureza com Galileu e a ciência pós-galileana, na ética e na política com Hobbes, na teoria do conhecimento com Descartes e Kant, e na metafísica com Kant e os sistemas pós-kantianos (...) Esse fundamento gnosiológico foi assegurado pela teoria da representação como explicação do objeto do conhecimento. (p. 166)

contexto que irá delinear a profunda crise do “sentido” que acompanha a formação da modernidade.

As teorias da representação e o apogeu da razão permitiram o desenvolvimento de diversas áreas do saber e é dentro desse contexto epistemológico que a psicologia adquire sua autonomia, sendo a última área do saber a se separar da filosofia. Nesse percurso, enquanto a razão triunfa, é lícito e legítimo suspeitar dos sentidos; seu destino foi ser deslocado do sentido do ser, do sentido da vida, para o sentido de conhecer, de forma a interpretar e conhecer a realidade.

A psicanálise representa uma das correntes desse momento.13 Um dos méritos de Freud foi ter transgredido a hegemonia da razão, e, nesse bojo, libertou o sentido da necessidade de responder pela veracidade do conhecimento. Nada ocorre ao acaso, os fenômenos psíquicos são inter-relacionados e indissociáveis do todo. O sentido é revelado quando se explica a função das manifestações psíquicas na conduta humana, quando se explica a ocorrência de um lapso de memória, de um ato falho, do sonho, do sintoma neurótico ou de uma simples mania. As relações funcionais dos processos psíquicos têm um sentido a ser decifrado, possuem uma função específica na dinâmica da personalidade.

Essa é a exposição de Figueiredo (1986) para explicar que o determinismo freudiano não é mecanicista, mas funcional e responde à questão: “para que serve?”. A resposta ao “para que serve” tem uma função, isto é, tem um “sentido”. Para evitar a superficialidade, traduzimos literalmente as palavras de Figueiredo.

Todas as manifestações psíquicas e comportamentais “são elevadas pela psicanálise ao nível de ato psíquico que tem um sentido, uma intenção e um lugar na vida psíquica do indivíduo e se coloca, assim, acima da aparência de estranheza, incoerência e absurdo” (...) é o totalitarismo deste determinismo funcional que impõe uma decifração de sentido e uma identificação de intencionalidade, mesmo aonde os eventos parecem seguir uma causalidade mecânica ou ocorrer aleatoriamente. Nestes casos supõe-se uma intencionalidade inconsciente e um sentido encoberto (latente). (1986, pp. 96-97)

A ênfase sobre a existência do conflito diferencia a psicanálise da tradição funcionalista, que enfatiza a harmonia e a complementariedade entre o organismo e o meio ambiente. Encontra-se assim o indivíduo movido por tendências contraditórias: conflito entre forças pulsionais antagônicas, conflito entre forças biológicas e as barreiras físicas e sociais que dificultam ou impedem a plena e imediata satisfação dos desejos.

Entendemos que pensar em “sentido”, numa visão psicanalítica, remete ao sentido latente dos conteúdos psíquicos, e enquanto latente, liga-se ao inconsciente. Esses seriam, portanto, os “desejos” que registram a minha singularidade enquanto ser humano. Embora o inconsciente seja atravessado pela cultura, o arranjo que cada sujeito fará dos significados partilhados pela cultura é bastante pessoal. Em A interpretação dos sonhos, Freud (1972-1900) mostra que ainda que participe dos sonhos, símbolos ou conteúdos partilhados por uma cultura, a organização de tais símbolos apresentados ao sonhador só pode ser compreendida no sentido particular da organização psíquica daquele sonhador. Duas pessoas podem relatar sonhos com conteúdos idênticos, mas seu sentido não será o mesmo para cada uma delas. Estarão respondendo a desejos que são exclusivos do sonhador.14

A abrangência dessa concepção deve-se ao estudo dinâmico da conduta humana; entretanto, no sujeito que deseja, subordinado ao determinismo funcional, há uma dinâmica psíquica que requer a decifração do sentido latente, evidencia-se um aparato mental próprio da visão mentalista, isto é, preexiste um conteúdo mental (sexual) que se manifesta simbolizado nas ações, nos sonhos, nos sintomas. O “sentido” mediado pelo símbolo precisa ser decifrado, porque essas manifestações são símbolos de um conteúdo sexual que não pode se apresentar como tal. A técnica de interpretação decifra o “sentido” oculto, que está dado pela teoria. Sabe-se que o conflito, como determinante fundamental da vida psíquica, aparece também no conflito entre o homem e a cultura (por exemplo, em o Mal estar da civilização (1972-1927), uma das obras de Freud enquanto pensador da cultura) e o sentido pode se desdobrar na relação com o outro, pelas reverberações de um outro saber, não necessariamente do especialista.

Numa apreciação geral e ainda parcial do que foi apresentado até aqui podemos dizer que, na concepção do psicológico, como fenômeno natural, o sentido se reduz a processos fisiológicos (sensações, instintos) e a hábitos adquiridos no condutivismo; inserido nos processos cognitivos, o sentido está oculto nas estruturas funcionais da gestalten. Para a psicanálise, enquanto método de investigação do psiquismo humano e no campo das formações socioculturais, o sentido é o conteúdo particular dos significados, é a resposta “à singularidade da relação do sujeito com o desejo (...) capaz de dotar de uma dimensão simbólica a repetição sintomática (ocupa) o lugar da compulsão do neurótico, de tudo conhecer/tudo explicar” (Kehl, 2002, p. 73).

Numa apreciação geral e ainda parcial do que foi apresentado até aqui podemos dizer que, na concepção do psicológico, como fenômeno natural, o sentido se reduz a processos fisiológicos (sensações, instintos) e a hábitos adquiridos no condutivismo; inserido nos processos cognitivos, o sentido está oculto nas estruturas funcionais da gestalten. Para a psicanálise, enquanto método de investigação do psiquismo humano e no campo das formações socioculturais, o sentido é o conteúdo particular dos significados, é a resposta “à singularidade da relação do sujeito com o desejo (...) capaz de dotar de uma dimensão simbólica a repetição sintomática (ocupa) o lugar da compulsão do neurótico, de tudo conhecer/tudo explicar” (Kehl, 2002, p. 73).

Esses sistemas psicológicos e os respectivos tratamentos dispensados ao sentido foram os mesmos sistemas psicológicos sobre os quais Vygotsky articulou sua análise metateórica em O significado histórico da crise da Psicologia: uma investigação metodológica (1926-1996), propondo a possibilidade de uma nova síntese, a partir da oposição entre as forças e concepções naturalista e idealista. É preciso provocar uma ruptura pelo pensamento dialético para uma nova concepção da gênese, do desenvolvimento e da natureza dos fenômenos psicológicos. Esses pressupostos permitem superar os reducionismos objetivistas e subjetivistas, formular o problema corretamente, eleger o método que possa responder à natureza do objeto e construir categorias próprias da psicologia.

Nesse mesmo período, nos campos da sociologia e filosofia, discutiam-se formulações da categoria “sentido” de forma ampliada e com um tratamento metodológico que não fragmentava o sujeito, nem estudava o sujeito em “partes” como falou Vygotsky. A proposição de instrumentos metodológicos adequados ao estudo dos processos históricos e aos produtos culturais, pelas peculiaridades do objeto de estudo, substitui a atitude explicativa das ciências físiconaturais e das conexões causais por uma atitude compreensiva; o método compreensivo se define em termos de uma captação de sentido (Penna, 1991).

Esse movimento tem origem na tradição do pensamento alemão pós-1848 em oposição ao positivismo. A proposição do historicismo alemão abre uma polêmica em relação ao conceito objetivo de razão. No decorrer da evolução do pensamento alemão, na transição do século XIX para o século XX, no bojo do movimento do anticapitalismo romântico, vemos surgir a fenomenologia, a psicanálise e um certo psicologismo como visões de mundo. Esse movimento não só tem implicações no desenvolvimento futuro das ciências humanas, mas também é um divisor de águas entre o racionalismo e o irracionalismo, os quais se constituirão nas bases filosóficas das acepções de sentido em pleno bojo da modernidade e nas diferentes tendências das discussões contemporâneas denominadas pós-modernas.

Os protagonistas mais conhecidos na trajetória da reação ao positivismo e que inspiraram o estudo do sentido foram Husserl (1859-1938) e a fenomenologia, Mead (1863-1931)15 e o “behaviorismo social”, Weber (1864-1920) e a “imputação de sentido”, e o historicismo de Dilthey (1833-1911), todos contemporâneos de Vygotsky.

Para Mead, era decisivo resolver a antítese do problema da mente e da consciência individual, em relação ao mundo e à sociedade;

(...) mostrou como o self emerge da interação social (...) em vez do dualismo self/ outro; o self é considerado em relação ao outro, em vez de uma dicotomia ou/ou, temos uma situação de ambos/e (...); resolveu um problema que os psicólogos nem se deram conta de que existia. (Farr, 1999, pp. 79-112)

ao deslocar a consciência do mundo físico e naturalista para o social. O mais importante em Mead, para os propósitos deste trabalho, é que o ato comunicativo como unidade de análise tem um sentido que não é a expressão exclusiva da intenção do ator. O ator, contudo, pode antecipar as reações do outro em função da sua experiência e familiaridade com o outro e adequar suas ações à situação.

Segundo Farr (ibid., p. 102),

(...) o significado do ato é a natureza da resposta que ele provoca nos outros. Os outros reagem ao início de um ato em termos de seu final, e o self reage, então, a suas reações. (...) A linguagem para Mead é uma complexificação específica no mecanismo de sinalização que ocorreu na evolução da espécie humana e torna essa espécie diferente de todas as outras. (...) Essa é a matriz social da qual emergem a mente e a consciência do self como um objeto do mundo social de outros, tanto filogeneticamente na evolução da espécie, como ontogeneticamente no desenvolvimento de cada membro da espécie.

O sentido da ação como ato comunicativo ou ato significativo coloca o problema da relação entre pensamento e linguagem, sobre um referencial “realista” e não idealista, da herança cartesiana. O desenvolvimento do pensamento de Mead tem suas raízes na filosofia ocidental, no idealismo e historicismo alemão, em Hegel16 e Dilthey,17 e na visão de homem social, na teoria darwiniana da evolução das espécies. Isto implica numa mente como produto da linguagem; ele mostrou como a

(...) mente emerge naturalmente da conversação dos gestos que ocorrem num nível inferior na escala da evolução dos tipos de conversação que caracterizam a interação humana [...] a linguagem é, fundamentalmente, uma forma de comportamento específico da espécie e ela é responsável pela natureza auto-reflexiva da inteligência humana. (Farr, op. cit., p. 100)

O pensar é uma atividade social, uma comunicação que acontece, e o gesto, uma ação com sentido; isso pode ser o indicador de uma ontologia, ou seja, está relacionado à prioridade do ser em relação ao conhecer.

Os discípulos de Mead, Blumer e os sociólogos da Escola de Chicago, assumiram-se como os herdeiros e guardiões da concepção de psicologia social de Mead e referiram-se a ela como interacionismo simbólico. Banchs (1997) esclarece que o mérito dessa perspectiva é reconhecer o ato comunicativo como unidade básica de análise da psicologia social, definir os indivíduos como construtores da realidade em que vivem e suas condutas como funções dos significados que atribuem aos objetos ou às condutas de outros indivíduos. “Los objetos sociales no tienen um significado inherente, sino que es el indivíduo em la interacción com otros quien le signa un significado particular” (ibid., p. 79). Entretanto, dirigiu seus estudos para a interação de pequenos grupos, e de algum modo descuidou do conjunto das ações sociais nas suas implicações sociopolíticas, sendo também sua teoria criticada como a-histórica.18

Na sociologia da tradição européia, a análise mais explícita da questão do sentido (sentido da ação social) vem do pensamento weberiano, que tinha como centro de suas reflexões a sociedade capitalista e as questões controvertidas que estavam em pauta no início do século XX, entre elas, a ação dotada de sentido.

Weber é caudatário desse referencial teórico ao estabelecer os principais aspectos da teoria da ação significativa condicionada aos problemas metodológicos das ciências histórico-sociais. Nos fundamentos de sua sociologia destaca o sentido da ação social, que não pode ser concebido independentemente da situação em que ocorre, é inerente a ela.19

Se o que é próprio da ação social é ser dotado de sentido para o agente, ou seja, ter um sentido subjetivo, temos que entender que uma ação não é uma entidade simples, embora a análise de Weber encontre nele o seu elemento mínimo. Realizar uma ação envolve um conjunto de atos de tal modo que formem uma unidade, que, pelo menos no universo social, é sempre teleológica: busca um fim, aponta para algo, enfim tem um sentido. (...) A unidade compreensível da ação é, então, dada pelo seu sentido. (...) A única sede efetiva, empírica, possível do sentido é o agente, o sujeito, que comparece como seu portador (...) a noção de sujeito desempenha um papel absolutamente fundamental no esquema weberiano por mais uma razão. Ele é portador simultâneo de múltiplos sentidos e, o que é decisivo, forma uma unidade, não necessariamente homogênea é até contraditória, cujos elementos componentes são precisamente os diversos sentidos possíveis de sua ação. (Cohn, 1979, pp. 186)

O sentido de ação social comporta um propósito, está dirigido ao outro com uma finalidade, um sentido que deve afetar seu interlocutor/um outro, que responde, ou seja, deflagra uma ação. O sujeito da ação (primeira) antecipa a resposta ou a reação de outrem, e inclui na sua ação a expectativa da resposta. A expectativa da ação de outrem pode incluir elementos e atribuir outros sentidos em relação às respostas dos outros. Trata-se de ressaltar que o sentido não é uma sensação, não é um sentimento vago e incólume, nem para o sujeito que age nem para o que recebe. O que devemos extrair dessa proposição é a concepção de sentido orientado para uma realidade, um sentido que, atravessando a sociedade pelas ações dos indivíduos, alimenta e realimenta a configuração do sentido, incorporando, no desenrolar da ação, a expectativa da resposta de outrem. Enfim, oferece uma compreensão de como os sujeitos conferem um sentido às situações que vivem nas relações sociais.20

O sentido instaurado nas relações sociais dá visibilidade à mediação dos processos de significação pelas expectativas e finalidades implicadas na realidade social. Respondem a algo mediado pelo “simbólico”, não à fisicidade do empírico. Não são reificados no método de investigação, nem transformados em fenômenos abstratos. Tendo como raiz de pensamento a tradição alemã e sua matiz racionalista e molar, o sentido tem base na sociabilidade, sem se diluir no subjetivismo e tornar o psicologismo numa visão de mundo.

Nascido na Rússia, Bakhtin viveu, como Vygotsky, a efervescência cultural e revolucionária do início do século vinte. O “sentido” contextualizado na enunciação é a pedra de toque em Bakhtin.

A comunicação é a função essencial da linguagem, não se trata somente de um veículo da linguagem, mas de uma enunciação como atividade comunicativa, discurso dialógico que modela a linguagem e o sentido. O discurso é dialógico porque se dirige a outra pessoa, relaciona-se com outros enunciados, resultando como elemento constitutivo do sujeito, dos significados e dos sentidos. O texto A construção da enunciação (1929-1980) faz referência ao intercâmbio comunicativo originado nas relações de produção, na vida cotidiana, na efetiva realização da vida social, perguntando-se como os fatores sociais e as situações de vida podem modelar a mente e construir sentidos. Explica que cada enunciação, antes de tudo, orientada para o social, tem um conteúdo, um significado, sem o qual ela se transforma num conjunto de sons sem sentido e perde seu caráter de interação social. Destaca que há aspectos extraverbais da enunciação que não estão expressos no sentido geral da situação, mas que serão definidos em situações especificas, quando tomamos conhecimento do espaço e tempo, onde e quando ocorre a enunciação, do tema sobre o qual se fala e da atitude dos falantes ante o que ocorre (valoração). Essa condição deixa claro que as diferentes situações determinam os diferentes sentidos de uma mesma expressão verbal.

Reivindica a realidade social objetiva, o materialismo histórico e o método dialético e traz o ato comunicativo, a enunciação, como a unidade que reconcilia o objetivo e o subjetivo.21 Contribui para a compreensão da produção de sentido com sua concepção histórica e social da linguagem trazendo a cultura, a ideologia, a ética e a estética.

Com preocupação semelhante, as representações sociais de Moscovici (1978) são modalidades de conhecimento construídas no dia-a-dia, que se processam no diálogo permanente entre indivíduos (Jovchelovitch e Guareschi, 1994). Ancorado em Durkheim,22 considera os processos de representação social – a comunicação, os ritos, mitos e símbolos – mediações sociais que revelam a procura de sentido e de significado que marcam a existência humana no mundo. A raiz durkheimiana busca superar a fragmentação do sujeito e a dicotomia indivíduo-sociedade enfatizando a consciência coletiva. Desse modo, não reduz o conhecimento e os sentidos a fenômenos intra-individuais, e avança em relação às barreiras naturalizantes do homem, na articulação com a linguagem e os processos de significação e simbolização, isto é, no contraponto da individualização da psicologia social.

Entendida como uma epistemologia do senso comum, preocupada com a construção de saberes sociais envolvendo a cognição, também se aproxima da sociologia do conhecimento.

(...) [O] caráter simbólico e imaginativo desses saberes traz à tona a dimensão dos afetos, porque quando sujeitos sociais empenham-se em entender e dar sentido ao mundo, eles também o fazem com emoção, com sentimento e com paixão. A construção da significação simbólica é, simultaneamente um ato de conhecimento e um ato afetivo com base na realidade social. (Jovchelovitch e Guareschi, 1994, p. 63)

É importante lembrar que Moscovici dá ênfase ao processo social e ao produto compartilhado, e os significados estão postos pelo coletivo, não privilegiando as singularidades (Spink, 1997).

A sua teoria da influência social enfoca a capacidade dos participantes de um grupo social produzirem sentido e comunicarem significados como produto do consenso entre os atores sociais; “por analogia podemos pensar nas representações sociais como decisão coletiva de um comitê” (Moscovici, 1988, p. 220). Nessa perspectiva, as representações sociais prevêem que as mudanças sociais se realizem nas relações e nos/pelos universos consensuais, como se os sujeitos fossem plenamente autônomos e autores dos sentidos que atribuem, minimizando as estruturas macroeconômicas. No fundo, os sentidos, como representação social, têm forte apelo consensual e instrumental, tendem mais para um ato de conhecimento do que para um ato afetivo, e, como assinala Sawaia (1993), não explicam por que se tornam hegemônicos os conhecimentos que favorecem a servidão e a instrumentalização do ser humano.

O alerta de Lima Vaz (1997) sobre a crise do sentido na modernidade e a primazia da representação e da teoria do conhecimento no debate entre razão e emoção, é atualizado e intensificado no pensamento contemporâneo pela ênfase nos processos de significação da realidade e pela produção de sentido do construtivismo e do construcionismo23. Este é o vetor epistemológico crítico da postura pós-moderna,24 principalmente após a crise do marxismo como ideologia sociopolítica e a crítica da razão ilustrada pela teoria crítica.

A postura pós-moderna na psicologia social tem sido qualificada como uma nova possibilidade epistemológica, teórica e metodológica de apreender e transformar a realidade social, uma realidade construída socialmente por um processo de desnaturalização da linguagem, do contexto e do tempo, em que o sujeito, como fonte de experiência, é desconstruído de diversas maneiras, alterando profundamente o que significa um ser humano.25 A centralidade da linguagem e da produção de sentidos construídos nos espaços de convivência privilegia a natureza simbólica e histórica da realidade social. Produz sentidos para e a partir de comunidades/cultura particulares, isto é, em instâncias locais e condições específicas sem pretensões de estabelecer leis universais. Thomas Ibáñez26 concentra- se nos pressupostos epistemológicos e ontológicos do construcionismo e propõe a desconstrução sistemática como método básico para se produzir sentidos relevantes e responder como damos sentido à vida e ao mundo em que vivemos. Destaca, entre outros postulados, o fenômeno da reflexividade, pelo qual o sujeito, sendo capaz de tomar a si mesmo como objeto de análise, pode constituir um mundo de significados compartilhados e um espaço intersubjetivo de ação.

O alvo da crítica à abordagem construcionista incide no relativismo e no reducionismo lingüístico, por suas raízes na sociologia do conhecimento, no historicismo alemão, raízes hermenêuticas e lingüísticas, questões complexas e polêmicas para serem detalhadas neste espaço, mas que dizem respeito diretamente aos fundamentos da realidade social, do sujeito e do sentido. A focalização na linguagem, como dispositivo para a construção social, é de suma importância em todas as vertentes da psicologia social crítica, mas como ferramenta exclusiva de análise é uma postura pós-moderna (Banchs, 1997).

O deslocamento do sentido dos modos de produção do ser social para os modos de conhecimento do ser da condição pós-moderna afiança a atual ênfase na produção de sentido sustentado em consensos e negociações estratégicas. Se Vygotsky estivesse vivo estaria fazendo a crítica pela ausência do método dialético e dos princípios do materialismo histórico, e alertando para que não se continue incorrendo nas cisões que caracterizaram a história da psicologia.

Na atualidade, a noção de fragmentação e a tendência a reduzir tudo ao sentido, deixa como saldo um processo de articulação contínua de desconstrução e reconstrução em função do caráter temporal dos consensos e dissensos. O risco pode ser debitado a um certo idealismo, e o impasse é a impossibilidade de negar o sentido, sobretudo, aquele “território denso e substancial que ameaça o cientificismo” (Eagleton, 1993), a inserção biológica do homem sobre o qual o social imprime suas marcas, e a impossibilidade de negar a experiência estética. Quer dizer, construir uma psicologia que explique os sentidos humanos, uma psicologia que apreenda o homem na sua cotidianeidade, como um homem por inteiro e inteiramente homem.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: reginanamura@cadepsi.com.br

Recebido em março de 2004.
Aprovado em setembro de 2004.

 

 

* Doutora em Psicologia Social pela PUC-SP e Docente da Unitau.
1 Consultamos manuais de psicologia na busca do debate entre razão e emoção e da palavra “sentido” e obras sobre pesquisa histórica para a construção deste texto. Na obra Historiografia da Psicologia Moderna, organizado por Josef Brozek e Marina Massimi (1998), encontramos os termos história recente, longa história, pré-história da psicologia, dos quais nos apropriamos para situar o debate razão/sensação.
2 Esta referência foi encontrada em Krech, Crutchfield e Ballachey (1969).
3 A noção de apercepção evolui na direção de um fenômeno mais complexo e ativo do que a recepção de estímulos sensoriais. Em Wundt, a doutrina da apercepção explica o processo de organização dos vários elementos mentais num todo novo, as propriedades desse novo padrão criado pelo princípio da síntese criativa não aparecem nos elementos originais.
4 Os primórdios da psicologia científica aqui representados por Fechner (1801-1887), Helmholtz (1821-1894) e Wundt (1832-1920).
5 A solução de Wundt para estudar o problema mente-corpo foi o paralelismo psicofísico, em que as mesmas leis causais operam na esfera mental e na esfera física. O princípio da causalidade psíquica sustenta que há regularidade e legalidade nos eventos mentais, assim como nos eventos físicos.
6 A idéia de ordem incorporada ao método científico como razão de ser da natureza, da sociedade e do homem induz o cientista a abandonar o mundo dos valores. Fechner considerava os fenômenos subjetivos reais e legítimos, mas deveriam ser analisados como objetos de interesse intelectual e não da ciência positiva. No caso de Wundt, nem mesmo o dualismo por ele estabelecido foi mantido pelos seus assistentes, pois o método experimental legitimava a psicologia como ciência e, desse modo, não conseguiu convencer seus sucessores e colegas nem da manutenção do dualismo, isto é, da viabilidade de manter uma psicologia fisiológica e uma psicologia sociocultural que integrasse a arte, a religião, a história.
7 Franz Brentano (1838-1917) nutriu-se de Aristóteles, Leibniz e Locke, afirmando o primado da psicologia sobre as ciências naturais. A psicologia do ato em contraposição à psicologia do conteúdo tem raiz na sua prerrogativa sobre a intencionalidade da consciência, que sempre tende para alguma coisa (cf. Mueller, 1968, p. 396).
8 A tradição vinculada a Leibnitz (1646-1716), posteriormente encontrada em Franz Brentano (1838-1917), John Dewey (1859-1952), da escola funcionalista, e a escola de Wurzburg dão origem às teorias cognitivas e motivacionais e ao movimento da Gestalt, em que começa a ter visibilidade uma certa noção de sentido, produzido pelo conceito de fato psicológico que vai além da organização de elementos sensoriais.
9 O desenvolvimento da psicologia social cognitivista recebeu influência da Gestalt. Asch foi aluno de Wertheimer (1880-1943) e recebeu influência de Kohler no Swarthmores College (Faar, 1999).
10 Para Heidbreder (1969, p. 304), os experimentos com linhas e formas sem sentido pretendem mostrar que os mesmos princípios fazem parte da experiência diária. A gestalten unifica a cultura, as ciências físicas, biológicas, evita o dualismo da psicologia, mas o sentido é um conceito frágil, não há precisão do que é o fenômeno e do que é o real, eles têm que ser idênticos.
11 O empirismo postula a origem sensorial do conhecimento e a inatividade da consciência na aquisição da experiência. Quanto ao racionalismo, manifesta-se como: 1) doutrina psicológica opondo- se ao voluntarismo e ao emocionalismo; 2) como perspectiva epistemológica em oposição ao empirismo, 3) como posição metafísica, distinta do realismo, que sustenta a prioridade do ser sobre o conhecer, e do irracionalismo, que afirma a ininteligibilidade do real. A perspectiva do racionalismo de Descartes, estruturada a partir da modernidade, caracteriza-se pela fusão com o idealismo (cf. Penna, 1991).
12 Segundo Massimi (1986), as idéias da preeminência da alma e de sua autonomia do corpo, debatida por Santo Agostinho e Tomás de Aquino, estão na origem da investigação filosófica, pela necessidade de fundamentar a objetividade do conhecimento humano e de seu instrumento principal, a razão. O dualismo é um efeito inevitável do surgir de uma forma de pensamento analítico e auto-reflexivo; é uma criação epistemológica, antes de ser uma afirmação ontológica. A questão torna-se problemática, na medida em que se procura transformar uma dimensão epistemológica em realidade ontológica.
13 Em 1900 aparece a primeira obra de Freud sobre os sonhos, de fraca repercussão na época, mas que viria a abrir à psicologia perspectivas imprevistas para a época. Após a publicação de Psicopatologia da vida cotidiana (1901), a teoria das motivações inconscientes começa a repercutir no pensamento ocidental. O “sentido” na perspectiva psicanalítica imprime suas marcas na hegemonia da razão.
14 Nos sintomas, encontramos algo correlato: a histeria foi, por exemplo, uma resposta sintomática, marcada por um contexto cultural numa determinada época. Embora pudéssemos encontrar sempre, em seu substrato mais profundo, a sexualidade, ou melhor, o conflito sexual como seu detonador, a expressão histérica era, como ainda é, absolutamente singular. Por isso fala-se na “escolha do sintoma”, como uma singularidade daquele sujeito.
15 A expressão “individualização da psicologia social” é encontrada no livro Psicologia Social, de F. H. Allport (1924), conduzindo o campo da psicologia social a um reducionismo teórico e metodológico. Allport entendia o trânsito do nível individual para o coletivo como se segue: na medida em que nos movemos do nível do individual para o nível do coletivo, não é necessário mudar nosso referencial, o coletivo pode ser explicado em termos do indivíduo. Muitos dos psicólogos que antecederam Allport e os seus contemporâneos contemplavam a dimensão do coletivo de alguma maneira (Le Bon, Mead, McDougal) e acreditavam que era impossível explicar o coletivo em termos do indivíduo. No primeiro caso, estamos falando de uma psicologia social psicológica, desligada do contexto social, presentista e a-histórica. Na outra ponta, a psicologia social sociológica, na sua perspectiva interacionista, nutre-se de alguns princípios do pragmatismo filosófico (Charles Pierce, William James, John Dewey), destacando a natureza social das ações humanas, o desenvolvimento do eu como uma função da aprendizagem social, as situações cotidianas e o significados dos objetos (cf. Faar, 1999, pp.135-150).
16 Segundo Faar (p.180), Wundt, Mead e Vygotsky defenderiam a opinião de que Hegel e não Descartes deveria ser paradigma para a psicologia, especialmente a psicologia social.
17 Mead foi orientando no seu doutorado por Dilthey (Joas, 1985, apud Faar). O historicismo de Dilthey dá impulso à psicologia descritiva e analítica. A influência sobre Weber (que será citado adiante) na análise da sociedade capitalista no campo da sociologia também é determinante nas suas reflexões sobre o sentido dessa sociedade.
18 A análise de Faar, pelos paradigmas e raízes da psicologia social moderna, sustenta que a interpretação de Mead por Blumer tornou-se objeto de controvérsia. As diferenças entre eles eram tão grandes que é difícil acreditar que Blumer tenha alcançado uma perfeita compreensão do significado da obra de Mead.
19 Isso não contempla a totalidade do pensamento de Weber, preocupa-se com o processo de modernização e racionalização da sociedade capitalista, chegando a analisar a burocratização da vida moderna.
20 Essa concepção nos diz que é na relação com o outro e em situações específicas que as experiências humanas adquirem sentido, o sujeito é portador de um sentido, o sujeito comparece como portador de um sentido que tem um significado na organização social, diferentemente de Marx, em que o sentido deve ser extraído da lógica da ação, análise a que voltaremos mais tarde.
21 Atualmente, diversos estudos têm aproximado Bakhtin e Vygotsky (Freitas, 1997; Silvestri e Blank, 1993) que indagam também sobre a possibilidade de terem se conhecido e/ou terem tido acesso as suas respectivas obras.
22 Fundamenta-se também em Piaget, Lévi-Bruhl e Freud para compreender a estrutura cognitiva das representações sociais e os diferentes aspectos da interiorização de conhecimentos, e compartilha dos estudos da construção de significados e símbolos da linguagem com os interacionistas. Fundamentos que permitem diluir a primazia dos estudos da percepção e dos sentidos como naturais e “puramente” cognitivos/conceituais.
23 Segundo Munné (1997), o construtivismo está orientado para o desenvolvimento da personalidade e o construcionismo orientado para a psicologia social e política. Epistemologicamente falando, há mais coincidências do que diferenças nessas construções em relação ao problema fundamental da relação sujeito-objeto.
24 A diversidade de posturas em relação à noção de pós-moderno (desde a “morte do sujeito” à postura neoilustrada de Habermas e a teoria da comunicação, o fim da história e das metanarrativas (Lyotard), passando por Nietzsche e Heidegger) dificulta maior detalhamento neste espaço.
25 Expressão em itálico emprestada de Munné (2002). Outros autores consultados para os comentários que se seguem foram: Spink (1999); Hernandez (1997); Banchs (1997). 26 Dentro do movimento pós-moderno, os psicólogos sociais Thomaz Ibáñez, Michael Billig, Pablo Fernández e Kenneth Gergen são as referências mais conhecidas na incorporação e difusão dos pressupostos epistemológicos e ontológicos do construcionismo social, com acentos diferenciados quanto à maneira de considerar a linguagem, o espaço da intersubjetividade.
26Dentro do movimento pós-moderno, os psicólogos sociais Thomaz Ibáñez, Michael Billig, Pablo Fernández e Kenneth Gergen são as referências mais conhecidas na incorporação e difusão dos pressupostos epistemológicos e ontológicos do construcionismo social, com acentos diferenciados quanto à maneira de considerar a linguagem, o espaço da intersubjetividade.

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