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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  n.23 São Paulo dez. 2006

 

O idoso e a velhice sob a ótica de estudantes de Medicina: um estudo de representações sociais

 

Old age from the perspective of students of medicine: social representation

 

El idoso y la vejez en la óptica del estudiante de Medicina: un estudio de representaciones sociales

 

 

Maria Cristina Diniz Gonçalves EzequielI; Maria Cecília SonzognoII

IMestre profissional em ensino em Ciências da Saúde pela CEDSS/Unifesp/EMP. E-mail: cristinaezequiel@fog.br
IIDoutora em Psicologia da Educação pela PUC-SP. Professora do Programa de Mestrado em Ensino em Ciências da Saúde pela CEDSS/Unifesp/EMP. E-mail: mcsonzogno@uol.com.br

 

 


RESUMO

Ser docente da FMP e ter preocupação com a relação entre estudantes e pacientes idosos nos remeteu a esta pesquisa. Nossos objetivos: analisar as representações sociais (RS) que estudantes de Medicina têm do idoso e da velhice, discutir suas relações com o idoso e identificar suas dificuldades, anseios e expectativas no manejo com esses pacientes. Discutimos sobre: conceitos de RS, RS e saúde, velhice e envelhecimento, e o idoso e a velhice na sociedade brasileira atual. Utilizamos questionário semi-estruturado e a técnica do "grupo focal". Os sujeitos foram 96 estudantes que cursaram 4º ano, em 2004. A análise dos dados foi realizada por freqüência de ocorrência, percentagens e análise temática. Conceituam velhice como "sabedoria" e "experiência", amenizando o fato de ser um período de perdas e limitações. Relacionam-se bem com idosos quando os identificam com seus avós. Sentem medo e angústia, e associam velhice à doença e à morte.

Palavras-chave: representação social; idoso; velhice; estudantes de Medicina.


ABSTRACT

As an academic professor of the FMP, our concern with the relationship between the students and the elderly motivated us to carry out this research. Our objectives were to analyze Social Representations (SR) that medical students have regarding to the elderly and aging, to discuss their relationships with the elderly and to identify their difficulties, anxieties and expectations when dealing with these patients. Our discussions were about concepts of SR and SR and Health, Aging and Old Age, the Elderly and the Old Age in the current Brazilian Society. A semi-structured questionnaire and the technique "focal group" were used. The subjects were 96 students in the 4th year, in 2004. Analysis of data was performed by occurrence of frequency, percentage and thematic analysis. They conceive the old age as "wisdom" and "experience", which may relieve the fact that it is a period of losses and limitations. They have a good relationship when the elderly look like their grandparents. They feel afraid and anguish due to the association of old age to disease and death.

Keywords: Social Representations; elderly; aging; medical students.


RESUMEN

Ser un profesor de la FMP y tener preocupación con la relación entre estudiantes y pacientes longevos nos llevó a hacer esta pesquisa. Nuestros objetivos fueron analisar las Representaciones Sociales (RS) que los estudiantes de Medicina tienen del idoso y de la vejez, discutir sus relaciones con ellos e identificar sus dificultades, ansias y expectativas en el manejo con esos pacientes. Discutimos sobre los conceptos de RS, RS y salud, Vejez y Envejecimiento y el Idoso y la Vejez en la Sociedad Brasileña actual. Utilizamos un questionario semi-estructurado y la técnica de grupo focal. Los sujetos fueron 96 estudiantes que cursaron el 4 año, en 2004. El análisis de los datos fue hecho por frecuencia de ocurrencia, porcentajes y análisis temática. Conceptuan la vejez como "sabiduría" y "experiencia", amenizando el hecho de que es un período de pérdidas y limitaciones. Ellos relaciónanse bien com los idosos cuando los identifican con los abuelos. Tienen miedo y angustia y asocian vejez a la enfermedad y muerte.

Palabras clave: representaciones sociales; idoso; vejez; estudiantes de Medicina.


 

 

Introdução

Podemos nos tornar poderosos pelo conhecimento,
mas atingimos a plenitude pela simplicidade.

(Tagore)

Ser docente da disciplina de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP), fez-nos observar, de maneira aleatória que, na maioria das vezes, as reações dos estudantes ante pacientes idosos são negativas, manifestando-se através de "falas" de sensações de fracasso, impotência, insucessos em relações, insegurança, medos. Nossa preocupação nos fez buscar explicações que nos dessem suporte científico para intervenções, mudanças, enfim, transformações.

Em nossas buscas por pensamentos solidários, encontramos alguns trabalhos, dentre eles os dos seguintes autores: Spence et alii (1968), Cicchetti et alii (1973), Bayne (1974), do Canadá; Campbell et alii (1977), Perrotta et alii (1981), Peach e Pathy (1982), Warren et alii (1983), Coccaro e Mille (1984), Austin (1985), Wattis et alii (1986), Duthie et alii (1987), Traines (1991), Adelman et alii (1992), Intrieri et alii (1993), Duque et alii (2003), Bernard et alii (2003), entre outros, dos Estados Unidos; Deary et alii (1993), Sainsburry et alii (1992, 1994), da Nova Zelândia; Shahidi e Devlen (1993), da Inglaterra, que, compartilhando a mesma impressão e tendo confirmação científica desses fatos, desenvolveram projetos com inclusões de cursos sobre idoso e o processo de envelhecimento normal - senescência - e o patológico - senilidade - e os adicionaram aos currículos institucionais no intuito de transformar as atitudes e relações inicialmente vazias em ricas e compensadoras.

As atitudes figuram dentre os chamados "construtos hipotéticos" utilizados como elementos importantes na explicação do comportamento humano, e são determinantes na tomada de posição ante os outros e os acontecimentos, constituindo poderosos preditores do comportamento (Rodrigues et alii, 2002). Sabendo que atitudes, comportamentos, comunicação estão diretamente influenciados pelas representações sociais (RS) que temos dos fenômenos, pessoas, fatos do cotidiano e estão atrelados ao contexto sócio-histórico-cultural e temporo-espacial, resolvemos, pois, estudá-las para melhor compreendermos nossos estudantes e ajudá-los na tarefa tão complexa e responsável de sermos médicos de corpo e de alma.

Reportamo-nos a Moscovici (1978, p. 26): "a representação social é uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos".

No nosso país, o interesse pelo maior conhecimento sobre a velhice e o processo de envelhecimento vem crescendo lentamente, um pouco desencontrado com a explosão demográfica que a nós chega, num momento "em que as desigualdades e os problemas sociais parecem recrudescer" (Ferrari, 1999, p. 201).

Estamos nos preparando e a nossos estudantes para essa realidade? Observamos as diferenças e agimos em relação a elas?

Queremos entender "para quê", "como", "com que finalidade" e o "por quê" das atitudes e comportamentos frente aos pacientes idosos, e só assim conseguiremos interferir de maneira consciente, determinada e fundamentada na "visão de mundo" desses estudantes, com a intenção de aproximá-los da situação demográfica, histórica, cultural e social dos idosos na realidade atual.

 

Socializando nossos referenciais teóricos

Conceitos de representação social - um passeio no tempo e na história

Ao estudarmos representações sociais (RS), deparamo-nos com um mundo de conceitos e interpretações daquilo que está relacionado ao sujeito como ser que pensa, sente, fala, critica, vive e convive, aprende, ensina, reflete em sociedade, e a relação entre ele e o sistema que o abarca. Pensar em RS é descobrir a importância do olhar para saberes, sejam eles formais ou não, com olhos interessados em ver além da clivagem entre ciência e "senso comum", mas acreditando que ambos são construções sociais e, portanto, sujeitos às influências do contexto sócio-histórico-cultural e temporo-espacial.

Este estudo sobre representações sociais tem como prioridade descortinar, expor os "porquês" e "para que" olhamos dessa ou daquela maneira para um objeto ou fenômeno e o representamos socialmente exatamente como os enxergamos, no sentido mais completo da visão. Qual o real significado, qual a importância, qual a influência desse objeto para o nosso cotidiano e como agimos sobre ele.

A relação entre seres humanos ocorre através de trocas de significados, de representações sociais que trazemos, influenciados pelo nosso conhecimento cultural, nossa vivência prática, nossa interpretação individual do que significa para nós o representado no sentido social, psicológico, o conhecimento formal transformado, organizado, partindo da subjetividade para o real, concreto e atual que pode ser modificado a cada momento, segundo nossos interesses, nossas necessidades, nossas vontades e conveniências.

Moscovici (1978, p. 181) nos diz que:

Por representações sociais, entendemos um conjunto de conceitos, proposições e explicações originadas na vida cotidiana, no curso de comunicações interpessoais. (...) podem também ser vistas como a visão contemporânea do senso comum.

Segundo Jodelet (1989, pp. 43-45), RS é: "uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social", e completa esclarecendo que "qualificar esse saber como 'prático' se refere à experiência a partir da qual ele é profundo, nos quadros e condições nos quais o é, e sobretudo ao fato de que a representação serve para se agir sobre o mundo e sobre os outros".

Em seu trabalho pioneiro, realizado em 1961, sobre a teoria das RS, Moscovici nos ensina que a análise das mesmas objetiva três dimensões, que são:

A primeira se refere à estrutura interna dos conteúdos das proposições relativas a um determinado objeto da representação. Através dela constatamos que uma representação é uma unidade de elemento ordenado, estruturado e hierarquizado.

A segunda refere-se à quantidade e à qualidade de informações que o grupo possui a respeito de determinado assunto social, ou seja, tudo aquilo que a pessoa conhece sobre o objeto da representação.

Por último, temos a atitude, que reflete as orientações positivas ou negativas em relação ao objeto socialmente representado, seja ela atitude favorável, desfavorável ou neutra (Moscovici, 1978).

Conforme Moscovici (ibid.), há dois processos principais envolvidos na elaboração das representações sociais, quais sejam: ancoragem e objetivação.

Ancoragem refere-se à inserção orgânica do que é estranho no pensamento já constituído, onde cada "objeto" previamente conhecido passa a adquirir um determinado valor hierárquico para um grupo de indivíduos. Ancorar é classificar e denominar: "coisas que não são classificadas nem denominadas, são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras" (Moscovici, 1984, p. 30).

Já a objetivação significa tornar tangível algo abstrato, sendo o processo através do qual se criam imagens equivalentes não verbais. É a operação através da qual se torna real, concreta a figura ou imagem. "Na objetivação, materializase a palavra." E mais, "o propósito de todas as representações é o de transformar algo não familiar ou a própria não familiaridade, em familiar" (Jodelet apud Sá, 1996, p. 47).

Em suma, para se entender "por que" RS no estudo de fatos, fenômenos e pessoas, devemos nos reportar a Moscovici (1984, pp. 23-24), quando diz que:

No todo, a dinâmica dos relacionamentos é uma dinâmica de familiarização, onde objetos, indivíduos e eventos são percebidos e compreendidos em relação a encontros ou paradigmas prévios. Como resultado, a memória prevalece sobre a educação, o passado sobre o presente, a resposta sobre o estímulo, a imagem sobre a "realidade".

As RS são estratégias desenvolvidas por atores sociais para enfrentar a diversidade e a mobilidade de um mundo que, embora pertença a todos, transcende a cada um individualmente (Guareschi e Jovchelovitch, 1999).

Aprendemos que estudar os conceitos de RS nos leva a avaliar a importância dos pontos de vista epistêmicos, psicodinâmicos e sociais. Isso quer dizer dando ênfase ao cognitivo, emocional e atitudinal do sujeito que vive e convive em sociedade, sempre contextualizando em relação aos saberes, conhecimentos da sociedade em questão, dentro de um período histórico, respeitando todo o desenvolvimento cultural construído previamente.

Para sintetizar a importância do estudo das RS mundo, nas batalhas constantes e ferrenhas do dia-a-dia, seja na educação, na saúde, na política, na história, para promover mudanças, transformações, nos reportamos a Moscovici (1999, p. 15): "Em síntese, minha posição pessoal é de que a teoria das representações sociais (...) permanecerá criativa por tão longo tempo, o quanto ela souber aproveitar a oportunidade que cada método disponível possa oferecer".

 

Representação social na Saúde - é uma realidade?

O estudo da RS na Saúde é um campo vasto, que deve ser explorado, analisado, interpretado e levado em consideração se pensarmos em intervenções para a transformação. As transformações, para serem seguras, transparentes, eficazes, devem ser fundamentadas em atitudes, ações, comportamentos, idéias, interesses comuns à coletividade em questão, levando em consideração todo o contexto sócio-histórico e cultural.

Cada vez mais se verifica a importância do estudo das RS no processo saúde/doença, em especial em doenças estigmatizantes e cobertas de mitos e preconceitos como tuberculose, hanseníase, epilepsia, câncer e AIDS.

A situação de saúde vigente no nosso país ainda é muito precária, mas tem sido, ultimamente, voltada para a prevenção de doenças e promoção de saúde.

Segundo Spink (2003, p. 38): "As representações são formas de conhecimento social que orientam a ação, individual ou institucional, para a prevenção da doença e a promoção ou recuperação da Saúde".

É aí que entramos e, fazendo interlocução com idosos, vemos a necessidade premente do estudo das RS da velhice, do velho, do processo de envelhecimento, para que possamos promover saúde, postergar incapacidades e respeitar a autonomia, independência e o exercício de sua cidadania em uma sociedade consciente e preparada para lidar com suas peculiaridades. Não podemos deixar nossos estudantes de Medicina fora desse contexto, longe da convivência com a coletividade e das RS que seus pacientes - seja de qualquer classe social, etnia, gênero e idade - têm da saúde, que é nosso melhor trunfo, como médicos, núcleo principal de nossa atenção e trabalho.

Vemos, pois, que nos dias atuais o estudo das RS no campo da Saúde tem o seu lugar de destaque, pois é uma forma de conhecimento prático, social, que orienta as ações, aproximando-as das reais necessidades da população.

Certamente, usando as RS através da "objetivação" e "ancoragem" conseguir-se-á reconstruir, analisar, reformular e transformar conhecimentos prévios tornando-os próprios do indivíduo que vai utilizá-los, com a certeza do investimento em algo familiar, necessário e imprescindível para o seu próprio bem e da coletividade.

Herzlich (1991, p. 28) comenta que:

Uma representação social (...) permite em princípio compreender porque alguns problemas sobressaem numa sociedade e esclarecer alguns aspectos de sua aproximação pela sociedade como os debates e os conflitos que se desenrolam entre diferentes grupos de atores.

O estudo das RS é um passo fundamental, se realmente queremos implantar qualquer trabalho que tenha como objetivo a transformação do investimento na área da Saúde, quer seja de caráter institucional ou individual.

 

Velhice e o processo de envelhecimento - entre mitos e preconceitos, o desejável e o real

Durante muito tempo pensava-se que o indivíduo, ao nascer, trazia um suprimento de energia em quantidade limitada e que, com o passar do tempo, ela decairia lentamente e o indivíduo adoeceria e chegava, então, ao final de vida (Haber apud Groisman, 2002). Com isso, não havia lugar para a criação de terapêutica diferente para a senilidade e poucos eram os médicos que se dedicavam ao desenvolvimento de novos tratamentos e investimentos para perpetuar a vida dos idosos.

O século XX foi marcado, graças aos conhecimentos adquiridos, por grandes avanços nos estudos e pesquisas relacionados ao processo de envelhecimento.

Desde os pioneiros, Elie Metchnikoff (1903) e Ignatz Leo Nasher (1909), que estabeleceram os fundamentos científicos da Gerontologia e Geriatria, respectivamente, o interesse, a atenção, o respeito e as investigações no campo do envelhecimento vêm crescendo de maneira impressionante e satisfatória.

Em 1961, foi fundada no Brasil a Sociedade de Geriatria - SBG, que passou a ser designada Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia - SBGG, a partir de 1968 (Papaléo Netto, 2002). Hoje, essa Sociedade conta com 430 médicos titulados na especialidade e 122 gerontólogos.

Ainda é difícil, para muitos, a aceitação da velhice como evolução normal do desenvolvimento humano. A origem das crenças preconceituosas contra os idosos é multidimensional. Nossos medos quanto ao envelhecer, a proximidade da morte, tudo leva a crer que envelhecimento ainda é um assunto cheio de tabus em nossa sociedade. Esse movimento de fuga do "ser velho" contribui para o desenvolvimento de atitudes preconceituosas contra o envelhecimento (Adelman; Greene e Ory, 2000).

Uns consideram os idosos depositários de saberes, memória de vida de um povo, enquanto outros desvalorizam sua presença, atribuem-lhes o estereótipo do desvalor, o preconceito de inutilidade e o estigma de feiúra (Beauvoir, 1990).

O envelhecimento é vivenciado de maneira heterogênea pela população. Pessoas com a mesma idade cronológica podem estar em estágios completamente distintos do processo de envelhecimento (Groisman, 2002). Sabe-se que fatores ambientais, culturais, familiares, genéticos, emocionais, sociais e econômicos influenciam de maneira incisiva na evolução do processo de envelhecimento.

Quando, como médicos, treinamos os nossos olhares, os nossos ouvidos, enxergamos para além de doenças e doentes, de casos clínicos; enxergamos indivíduos biológicos permeados pelo afeto, por dimensões psicossociais, psicoculturais, fisiológicas, patológicas, religiosas, objetivas e subjetivas, enxergamos "pessoas". E só assim estaremos realmente nos preparando para tratá-las.

 

O idoso e a velhice na sociedade brasileira atual

O envelhecimento populacional é universal, e não mais um privilégio dos países desenvolvidos. No Brasil, com o aumento sensível da expectativa de vida, a discrepância na distribuição de rendas, o sistema de saúde precário, o grande número de doenças crônico-degenerativas incapacitantes nos põe ante a constatação do total despreparo para dar o atendimento a uma população que envelhece. Essa nova realidade é um desafio. Para muitos estudiosos, isso pesa de modo desfavorável no processo de envelhecimento do nosso país.

A evolução demográfica da população brasileira vem sendo marcada, nas cinco últimas décadas, por transições decorrentes de mudanças nos níveis de mortalidade e fecundidade, uma vez que as imigrações internacionais deixaram de ter influência a partir de 1940, sendo a saída de brasileiros para o exterior um fenômeno muito recente (Berquó, 1999).

A composição étnica dos idosos no Brasil revela que 60,8% são brancos e 38,1% são pretos, cabendo aos asiáticos e indígenas menos de 1%.

A feminilização do envelhecimento já se faz evidente em todo o país. No último Censo Demográfico do IBGE (1999/2000), a população de pessoas idosas do sexo feminino superou em 3.270.820 a do masculino.

Projeções para 2025 mostram que o Brasil terá a sexta maior população de idosos do mundo, em torno de 32 milhões de pessoas com 60 anos de idade e mais (Ramos, 2002).

A maioria dos idosos (85%) apresenta, pelo menos, uma das doenças crônicas e 30% deles têm hipertensão arterial sistêmica, que requer tratamento contínuo e, mesmo assim, leva o indivíduo a complicações ateroscleróticas graves e muitas vezes incapacitantes, como o acidente vascular cerebral (Ramos; Veras e Kalache, 1993).

Hoje, olhar pela velhice é uma prioridade, independente do ônus financeiro que ela possa acarretar. A medicina moderna precisa repensar a ciência no seu novo paradigma, ter uma visão mais global e humanista, em que os avanços tecnológicos se integrem às necessidades da população que envelhece.

 

Nossos objetivos

Geral

• Analisar as representações sociais que o estudante do 4º ano da Faculdade de Medicina de Petrópolis tem do idoso e da velhice.

Específicos

• Apreender os conceitos e as concepções de idoso e velhice do estudante do 4º ano da Faculdade de Medicina de Petrópolis;

• Discutir as relações que esse estudante tem com o idoso e a velhice;

• Identificar suas dificuldades, anseios e expectativas no manejo do paciente idoso.

 

Nosso percurso metodológico

Para a realização desta pesquisa de mestrado, apoiamo-nos na abordagem qualitativa, com enfoque nas RS que o estudante do quarto ano da Faculdade de Medicina de Petrópolis tem do idoso e da velhice. As representações, segundo Rangel (Teves e Rangel, 1999, p. 62) "oferecem possibilidades de estudo de preocupações e conceitos que refletem e orientam pensamentos, opiniões e ações".

Trata-se de uma pesquisa qualitativa estratégica, segundo a classificação de Bulmer para pesquisa social (apud Minayo, 1993).

 

Os sujeitos em estudo

Participaram, da primeira fase deste estudo (aplicação de questionário semi-estruturado), noventa e seis estudantes, de ambos os sexos, que estavam cursando o 4º ano da Faculdade de Medicina de Petrópolis.

Da segunda fase, "grupo focal", participaram quinze estudantes, desse mesmo grupo, selecionados de maneira aleatória, através de uma tábua de números aleatórios (Levin, 1987).

 

Instrumentos

Na busca por literatura que nos orientasse melhor sobre a escolha dos procedimentos metodológicos, encontramos apoio nos livros de Minayo (1993), Sá (1998), Guareschi e Jovchelovitch (1999), Jodelet (2001), Moreira (2001), Spink (2003).

Utilizamos um questionário semi-estruturado composto de duas partes, sendo a primeira intitulada "Conhecendo você", com perguntas sobre gênero, idade, naturalidade, caracterização dos pais, moradia, com quem vivem, livros que marcaram sua vida, tipo de leitura, atividades extracurriculares, no intuito de conhecermos o perfil sociocultural dos sujeitos da pesquisa e suas cotidianidades.

A segunda parte, intitulada "Conhecendo sua visão do idoso e da velhice", foi elaborada com perguntas que fizeram emergir representações sociais que os sujeitos da pesquisa têm do idoso e da velhice.

Depois de uma aproximação dos dados do questionário, vimos a necessidade de nos envolvermos mais com os sujeitos da pesquisa, simulando situação do cotidiano para melhor entendermos algumas respostas que inicialmente nos pareceram contraditórias. A simulação de uma situação do cotidiano facilita aos participantes do grupo se expressarem de maneira mais espontânea e, portanto, mais fidedigna e reveladora de suas opiniões sobre fenômenos ou objetos, ou pessoas, suas RS.

Partimos, pois, para a técnica do "grupo focal" ou "focus groups" .

Para Minayo (1993, p.129), "O grupo focal consiste numa técnica de invejável importância para se tratar de questões da saúde sob o ângulo do social, porque se presta ao estudo de representações e relações dos diferenciados grupos".

Foi elaborado um roteiro de perguntas norteadoras, que assumiram o papel de fagulhas que incendiaram o interesse dos estudantes em participar da pesquisa, estimularam posicionamentos, questionamentos, conversas e discussões.

A sessão teve duração de uma hora e quarenta minutos e foi gravada para exposição em vídeo (Sistema VHS).

 

Análise dos resultados

Após leitura exaustiva das respostas do questionário, separamos aquelas de cunho quantitativo, referentes a dados pessoais, para computarmos freqüência de ocorrência e cálculo de porcentagem simples, e as que mereciam uma avaliação qualitativa foram objeto de pré-análise, categorização, tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

A transcrição do "grupo focal" foi submetida a uma modalidade de análise de conteúdo.

Na análise de conteúdo, lançamos mão da análise temática (Bardin, 2003; Franco, 2003).

 

Nossas descobertas e discussões

Conhecendo estes estudantes de Medicina

Os estudantes foram caracterizados como jovens, sendo em sua maioria brancos (82,29%), com idades variando entre 20 e 23 anos (58,33%). Nascidos em nove (9) estados brasileiros, com predominância em estados das regiões Sudeste (63,96%) e Nordeste (20,83%). Convivem ou conviveram muito com seus avós (65,62%), o que deve ter propiciado a lembrança de histórias, fatos, emoções, relações que têm ou tiveram papel importante na construção das RS.

A maioria dos estudantes (84,37%) reside em Petrópolis, cidade que sedia a nossa Faculdade, com colegas e ou amigos (59,37%), com os quais socializam saberes e crenças. Vivem em grupos.

Os pais desses estudantes têm, em sua maioria (57,83%), idades na faixa etária compreendida entre 50 e 59 anos, já se aproximando da idade considerada, no nosso país, como a de idoso (60 anos).

Seus pais exercem profissões liberais (65,10%), dentre elas a profissão médica (30,40%), o que pode ter influenciado direta ou indiretamente em sua escolha por medicina. O convívio com pais médicos leva, pelo menos, à oportunidade de escutar "histórias de velhos", sejam elas boas ou ruins.

Têm avós vivos (84,38%), com predominância de dois ou mais (44,79%); convivem ou conviveram muito com seus avós (65,62%). Isso é um fator favorável em relação à construção das RS; é a ação do convívio intergeracional interferindo e agindo, sendo uma variável importante nas relações humanas, nas trocas, doações, nas transformações.

 

 

Quanto à preferência da faixa etária com que gostariam de trabalhar, deparamo-nos com o fato de que prevaleceu adultos e idosos (57,81%) para ambos os sexos. Em relação a trabalhar só com idosos, geriatria, cinco mulheres (3,40%) pretendem e, entre os homens, um estudante, que corresponde a 0,6%.

 

 

Conhecendo as concepções de idoso e velhice

Somente 44,79% dos estudantes de ambos os sexos consideram "velho" aquele indivíduo com 60 anos de idade ou mais.

Os estudantes têm como pessoas mais idosas na família, os avós (65,62%), que são, também, as pessoas idosas que mais influenciaram em suas vidas (84,37%) e de forma positiva em 92,70%.

 

 

Algumas frases suportam estas afirmativas, dentre elas:

Eu tive uma convivência excelente e inesquecível com meu avô materno (falecido); até hoje tenho saudades do tempo que convivi com ele.
[...] um carinho enorme, brinco com eles, adoro abraçá-los e eles têm um sentimento de proteção muito grande para comigo
.

Quando questionados sobre o processo de envelhecimento, 47 estudantes (48,95%) não responderam ou disseram saber pouco sobre ele. Três estudantes, dois do gênero masculino e um do feminino, demonstraram saber que o processo de envelhecimento é biopsicossocial e cultural.

 

 

Descobrindo o que mais incomoda os estudantes na velhice

Nossos estudantes se incomodam muito mais com os problemas de ordem orgânica, dentre eles as limitações físicas e funcionais, e com as doenças, de forma decrescente de preocupação, com problemas de ordem sociocultural, relacionados aos preconceitos, à desvalorização do idoso, ao tratamento aplicado a eles, mas também referem dificuldades no seu relacionamento, atribuindo à sociedade essa responsabilidade pelo despreparo.

Os estudantes preocupam-se, também, com os problemas de ordem psicológica, pois têm medo de envelhecer, de morrer, relacionando velhice à morte.

 

 

Conhecendo o que estes estudantes sentem na assistência ao paciente idoso

Ao analisarmos esse tema, descobrimos quatro categorias, a saber: afetividade positiva; compaixão; afetividade negativa e indiferença.

Interpretamos essas respostas como: na maioria das vezes (56%) sobressaíram os sentimentos de afetividade positiva, com reconhecimento dos pacientes idosos em relação ao tratamento, o que enobrece o papel de médicos, mesmo sendo ainda "aspirantes", dando-lhes autoconfiança e melhorando a auto-estima. Satisfação pessoal do estudante que tem alegria, prazer, orgulho e sente ser um privilégio tratar de idosos. Empatia, quando têm ternura, carinho, carisma, respeito, dedicação, quando se identificam com os seus pacientes idosos. Outro sentimento que aflorou foi o da reciprocidade entre eles, mostrando uma relação médico-paciente.

Depois vem o sentimento da "compaixão" quanto à solidariedade, quando têm "vontade de ajudar", "de dar-lhes conforto", "de aliviar o sofrimento" ou o sentimento de misericórdia, quando são condescendentes, têm pena, "necessidade" de proporcionar-lhes "o melhor tratamento possível". Nesse ponto, devemos ter muito cuidado, pois percebemos aí o "paternalismo" que tanto intervém de maneira negativa na relação médico-paciente, principalmente em relação ao paciente idoso.

Na categoria "afetividade negativa", observamos que existem dois eixos principais, que são os sentimentos em relação aos próprios estudantes, quando sentem medo, indignação, medo de fracassar (provavelmente por insegurança no manejo com os idosos), depressão por saberem que a situação é irreversível, angústia, remorso por não saber assisti-los. Ou em relação ao idoso, quando percebem que o idoso depende do outro, é carente; tristeza por vê-los abandonados por suas famílias.

Nesse momento, passamos a perceber que há o incômodo de não saberem lidar com as angústias, os medos de envelhecer, ficam tristes e não sabem como lidar com os idosos no sentido biopsicossocial.

Dentro da categoria "indiferença", percebemos que a maioria mantém o sentimento de maneira constante, pois sentem o mesmo que por outros pacientes, respeito, "vontade de salvar", não têm preocupação em escolher pacientes, sejam novos ou velhos; ainda tem aqueles que, dependendo da situação, podem se sensibilizar ou não.

Vimos, pois, que teríamos que saber mais, desvendar, descortinar e descobrir o que se esconde atrás de frases "feitas" e desprovidas de compromisso e apreço.

Ao completarmos a nossa análise das respostas do questionário, observamos que algumas dúvidas nos perturbavam. Nossos sujeitos da pesquisa - esses jovens estudantes de Medicina - trazem na bagagem, além da mudança para virem morar na cidade de sua faculdade, costumes, crenças, valores, conceitos, concepções advindas de sua educação familiar e institucional, suas experiências de vida. Emigram de sua terra natal, muitos oriundos de cidades distantes, situadas em diversos estados do país, e ficam longe do convívio dos pais, avós e parentes, e de seus costumes. Moram com seus colegas e dividem sentimentos bons e ruins, problemas, dúvidas, medos.

Começam a freqüentar as enfermarias nos hospitais e encontram pacientes comprometidos do ponto de vista físico, emocional e social, com doenças diversas, de cunho agudo, crônico e ou terminal. No meio desses pacientes estão os idosos, que eles relacionam em sua maioria à sabedoria e à experiência, mas vêem como carentes, dependentes, incapazes, debilitados, doentes. Então, eles sentem pena, angústia, às vezes raiva, medo de fracassar com os idosos, medo de ficar velho e ficar doente e morrer.

Os estudantes sentem carinho pelos idosos, compaixão, pena, empatia, gostam de tratar deles porque são reconhecidos, há reciprocidade entre eles, sentem orgulho e percebem ser um privilégio. Mas quando perguntamos quem deseja trabalhar com eles, seis estudantes se manifestam.

 

 

Definindo velhice com associação de palavras

Para melhor avaliarmos as respostas dadas à pergunta, agrupamos as unidades de registros em cinco categorias, sendo: atributos do saber; atributos físicos; atributos de temporalidade; fatos sociais; afetividade.

Diante de conotações favoráveis e desfavoráveis, para esses alunos, ainda sobressaem atributos como "experiência" e "sabedoria".

Segundo Palmore (apud Neri et alii, 2002, p. 974), "Considerar todos os idosos como sábios esconde uma falsa crença positiva e um compromisso pretensamente positivo com os velhos que não condizem com a realidade".

Será que isso também acontece na comunidade da pesquisa?

 

 

Visitando uma situação do cotidiano: encontros, discussões, reflexões sobre velhos e o envelhecer

Em meio a tantas discussões e reflexões, assistimos diversas vezes à fita de vídeo e lemos repetidamente a transcrição das "falas", chegando à conclusão de que existem dois núcleos temáticos fundamentais a serem debatidos.

A relação dos estudantes com parentes idosos - avós, tios - e a relação dos estudantes com seus pacientes idosos.

Observamos, também, que, no que tange ao relacionamento com o paciente idoso, podemos separar em duas vertentes: quando o paciente é alguém que eles desconhecem e não têm vínculo afetivo, e aqueles nos quais vêem semelhança com seus avós, identificando-os como pessoas afetivamente ligadas.

Os primeiros comentários foram de que velhice está, na realidade, associada a perdas físicas, funcionais, emocionais e sociais, e que as expressões "sabedoria" e "experiência" eram utilizadas para amenizar, esconder uma situação inevitável e incômoda de incapacidades, dependência e carência.

Eu acho que isso é uma forma de você tentar pegar um ponto positivo de um processo tão complicado, (...) que está associado a perdas; você perde saúde, perde seus projetos futuros, ou seja, você não acredita em mais nada, então você tenta salvar algumas coisas, que seriam sabedoria e experiência. (E-1)
Você dizer que é só sabedoria e experiência, (...) está querendo esconder que vai ter perda de saúde, tudo isso. (...) para você sabedoria e experiência (...) não é só isso, é uma baita mentira. (E-2)

Verificamos nas conversas que cada vez foi ficando mais clara a importância do vínculo afetivo como meio necessário para que os estudantes mudem o olhar para a velhice. Olhar com outros olhos significa enxergar a importância da compreensão, da paciência, do entendimento, do saber cuidar, da troca, da vontade de ajudar, de ter amor pelo que fazem.

(...) não iam fazer mais nenhuma medicação e tal, mas iam dar conforto para ela adormecer sem nenhum tipo de dor. (E-9)
(...) ficou completamente incapacitado (...) aquele idealismo acabou. Ficou o quê? O sentimento que eu sei é que é o amor. (...) o que resta é o respeito. (E-10)

A emoção foi crescendo e se manifestando através das falas, dos olhares, dos gestos, o que nos levou a pensar na relação, no vínculo que eles fazem entre si, como são solidários em situações de exposição do sofrimento! Surgiram "falas" de dor pela perda de avós queridos e de como é difícil aceitar e lidar com a morte.

Eu não tava preparada pra morte do meu avô! (E-5)

Fomos percebendo que todos tinham histórias tristes e alegres de seus "velhos" e somente histórias tristes ou relatos de perdas, ou de abandono pela família, ou maus tratos, até de abusos e preconceitos quando se reportavam a pessoas idosas em geral e a seus pacientes idosos.

Eu tenho uma história que é muito triste, que foi num hospital (...) de oncologia. O paciente tava ótimo, um idoso. (...) foram ligar pra família pra buscar ele (...) a família não buscava há semanas (...) E ficou lá jogado no hospital. (E-6)
(...) nos hospitais. A gente vê maus tratos, às vezes, entendeu? A gente viu uma paciente (...) nunca esqueci. Ela chamou a gente (...) ela contou que quando o enfermeiro ia trocar fralda dela, abusava dela! (E-4)
(...) velho, vamos tratar. Se ele não tiver isso, vamos tratar, se não der certo, a gente trata de outro jeito. Já tá ferrado mesmo! (E-14).

Só fazendo uma busca em reminiscências: estes estudantes entram em contato com o hospital no terceiro ano da Faculdade de Medicina, quando são introduzidos à Semiologia, e têm os seus primeiros pacientes, fazendo acompanhamento diário, no quarto ano, na Clínica Médica.

Passando para o assunto relacionamento com pacientes idosos, nós observamos que alguns pontos são fundamentais para eles.

O fato de que os pacientes idosos são vinculados a "doença", a "perdas", a "sofrimento" e à "morte": por que e para que fazerem vínculos?

Como a imagem de relacionamentos que eles têm mais viva em suas memórias é a de avós, que são as pessoas mais velhas com quem convivem ou conviveram (65,62%), e também as que mais influenciaram em suas vidas (84,37%), e de maneira positiva (92,70%), eles relacionam que criar vínculo com pacientes é estar na iminência de sofrimento, porque eles estão doentes, estão num hospital, e podem estar perto do "fim".

(...) eu não lido bem com a morte. Eu acho que pela lei natural das coisas. Eu acho que você acaba ligando velhice à doença, à morte. (E-4)

 

 

Ao mesmo tempo, percebemos que conseguem ter ótimo relacionamento com pacientes idosos, porque sentem que eles são mais reconhecidos, respeitamnos como futuros médicos, imprimindo a sensação do seu crescimento profissional, do respeito pelo seu "saber", porque alguns esperam contar com a troca.

Eu acho que, em geral, é um dos melhores pacientes pra gente lidar. Principalmente pra gente que está começando em relação médico-paciente. Eles dão uma abertura grande pra gente se aproximar. Eles escutam o que a gente fala. Por mais que a gente não saiba muito que falar. (E-11)
O idoso (...) todos que eu peguei falavam assim "eu vou te ajudar". Torciam por mim, que eu ia aprender, que tudo que eles pudessem me ajudar fariam um esforço. (E-7)

Outras dificuldades são relacionadas a sentimentos com os quais eles não sabem lidar - angústia, medo, tristeza: eles sentem empatia e não querem sofrer.

(...) O que é que eu faço? O que é que eu faço? Isso é muito triste!
(...) quando eu vejo um idoso doente me entristece muito (...)!
(E-5)

Sentem-se impacientes com carência afetiva de alguns idosos, com a perda de memória daqueles mais velhos.

(...) gente, mas como é que eu posso ajudar uma pessoa que não quer ser ajudada, uma pessoa que quer que eu fique vinte e quatro horas, ali, pra ela, pra dar água, dar comida na boca. Pessoal, como? (E-15)
(...) tá boa fisicamente, mas a cabeça tá péssima, tá limitada. E a gente tenta ter paciência, mas ver que chega uma hora... (E-11)
(...) o problema dela é carência, ela não tem nada! (E-7)

Sentem-se impotentes ante pacientes idosos com doenças incuráveis. Sentem-se limitados. Relataram literalmente que não sabem o que fazer!

(...) eu não sei como agir. Eu não sei como tratar. É porque ao mesmo tempo que eu estou prolongando a vida dele, com certeza ele vai ter mais chances de apresentar outras doenças, porque antes, morreria de uma vez. (E-14)
É a impotência. Porque você fazendo, estudando medicina. O cara tá (...) caindo no desfiladeiro e você não tem o que fazer! (E-1)

Um ponto-chave para tentarmos entender, decifrando enigmas, é que eles sabem pouco ou, quando sabem, referem-se ao processo de envelhecimento como biológico, fisiológico e natural, contrapondo-se à representação que têm do velho e da velhice. É só retórica e não se evidencia essa concepção na prática, dandonos a impressão de que existem informações "soltas", que não são associadas a eventos diários, isto é, teoria e prática dissociadas.

Uma estudante fez referência à falta de "professores modelos" para seguilos. Todo o grupo concordou com gestos, falas paralelas, balançar de cabeças.

Eu acho que também não é um problema só nosso, mas também dos nossos professores. A gente percebe que eles também... Eu tive poucos exemplos (...). (E-4)

Referenciam a escola e a sociedade como participantes da falta de conhecimento e preparo na área do envelhecimento.

Na minha opinião, o processo de envelhecimento deveria ser é melhor estudado, pra gente ver o que é fisiológico (...) e a partir de que ponto é patológico. Porque existe muito essa idéia de que a velhice, etc. e tal e geralmente a gente associa velhice à doença e à morte. (E-3)
Só que a gente não tem o preparo, assim, de dizer a gente sabe cuidar. (E-14)
Nas emergências, se você chega com uma pessoa de trinta anos, com as doenças A, B ou C, você dá preferência ao mais novo. (...) primeiro é grau de gravidade, depois é a idade. (E-1)
(...) a sociedade em que a gente vive, hoje em dia, é uma sociedade extremamente competitiva, que você precisa tá sempre produzindo mais e melhor. (E-15)

Para Moscovici (2001, p. 49), "o indivíduo sofre a pressão das representações dominantes na sociedade e é nesse meio que pensa ou exprime seus sentimentos. Essas representações diferem de acordo com a sociedade em que nascem e são moldados".

A permanente interligação de "saberes" entre a importância da prevenção de doenças, da promoção da saúde, de oportunidade de lazer, do trabalho, do respeito, da atenção e consideração, do exercício da cidadania dos idosos, para que promovamos uma velhice feliz, é fundamental na formação curricular do estudante de Medicina, o que vai ao encontro das exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Medicina (Brasil, 2001).

Após essa visita numa situação do cotidiano, pudemos perceber, com mais clareza, de uma forma bem transparente, que esses estudantes, em geral, têm dificuldades no manejo com pacientes idosos, por diversos motivos, sendo todos de fundamental importância: eles não estão sendo preparados para enfrentar a mudança demográfica, convivem com idoso com múltiplas comorbidades, já em ambiente hospitalar, não criam vínculos ou os comparam a parentes, o que os faz sofrer, sentem medo e fogem da realidade do tratamento com os idosos no dia-a-dia. O conhecimento científico sobre o processo de envelhecimento é precário, e completamente dissociado, sendo prática e teoria não correlacionadas.

Acreditamos que a falta de segurança no tratamento com o idoso é um retrato da falta de conhecimento, da falta de estímulo para o estudo nessa área do saber, além da falta do imprescindível vínculo com o idoso.

As relações são tão negativas quanto a dificuldade de superar os problemas psicológicos relacionados a eles, estudantes, ou dos próprios idosos; e quanto às relações que tiveram ou têm com seus avós, se viram sofrimentos, se agüentam as situações de perda, de separação.

Corroborando nossos achados, alguns estudos, inclusive o de Green; Keith e Paulson (1983), mostraram que existem variáveis que são significativas e interativas no processo da relação estudantes de medicina/idosos e que interferem em suas atitudes ante eles. Essas variáveis estão relacionadas ao contato prévio com idosos, seja profissional ou pessoal, e que estão vinculadas à afetividade.

Este estudo mostrou que nossos estudantes associam velhice à doença e à morte, o que se traduz em medo, sofrimento e tristeza.

É preciso fazer com que esses estudantes entrem em contato com os idosos sadios na comunidade, em seus lares, para que se criem vínculo, afeto e respeito, e senso de responsabilidade social.

Como disse Beauvoir (1990, p. 48): "Para compreender a realidade e a significação da velhice, é, portanto, indispensável examinar o lugar que é destinado aos velhos, que representação se faz deles em diferentes tempos, em diferentes lugares" (grifo nosso).

Este estudo reconheceu que as atitudes dos estudantes ante os pacientes idosos estão diretamente relacionadas a experiências anteriores, em especial com parentes idosos (avós) e necessitam investimento, estudo e discussão.

Os estudantes temem a morte, sofrem, dizem não saber lidar com esse evento. Na profissão médica, esse é um assunto da maior importância, que deve ser discutido e trabalhado de maneira longitudinal durante o curso de Medicina, no intuito de fazer com que os estudantes aprendam, com o tempo, mas com supervisão, como enfrentar o episódio mais certo e tão variável dos seres vivos.

 

Considerações finais

Através do estudo das representações sociais, descobrimos que os estudantes têm dificuldades em lidar com os idosos, têm medo de criar vínculos e sofrer perdas, temem a velhice porque os aproxima da morte e eles não são preparados para enfrentá-la. Ancoram a velhice na doença, no sofrimento, na perda e na morte. Estudam muito pouco sobre o processo de envelhecimento na escola, e isso os deixa inseguros, com medo; têm necessidade de saber mais e buscam modelos, que não encontram. Acreditando que as RS estão em constante construção e são elaboradas, transformadas, acrescidas, enriquecidas e modificadas de acordo com novos interesses, fatos, relações, trocas e acontecimentos no cotidiano dos seres sociais, relevamos a necessidade imperiosa de introduzir estudantes de Medicina nas comunidades nos primeiros anos de graduação, visando que se crie vínculo e se implante neles o senso de responsabilidade social.

 

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Recebido em abril de 2006.
Aprovado em setembro de 2006.

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