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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  n.24 São Paulo jun. 2007

 

A bronca na sala de aula, uma visão do professor

 

The quarrel in the classroom, a vision of professor

 

La pelea en el aula, una vision del profesor

 

 

Nilda de Oliveira Bentes

Professora de Psicologia Educacional do Curso de Pedagogia e do Mestrado em Educação da Universidade Estadual do Pará, Brasil E-mail: nildaobentes@uol.com.br

 

 


RESUMO

A pesquisa estuda a bronca na intervenção docente. Para tal, analisamos as significações que os sujeitos de duas escolas públicas de ensino fundamental e médio de Belém, PA, atribuem à bronca nas relações de sala de aula. Privilegiamos, como instrumentos de coleta dados, a observação participante, entrevista semi-estruturada e os conceitos de dialogia em Bakhtin, mediação social em Vygotsky e autoridade partilhada em Santos, como aportes teóricos desta investigação. O professor ensina além dos conteúdos escolares e propicia outras lições que têm impacto na formação do aluno como pessoa. Os resultados mostram que os rituais desmobilizantes, as aulas repetitivas e as estratégias punitivas caracterizam a ação docente. Concluímos que uma prática pedagógica com uma dinâmica de interação mais propícia às aprendizagens e à formação da pessoa, baseada na autoridade partilhada e no diálogo com o outro, é uma forma de lidar com as situações educativas na relação professor/aluno e no processo ensino/aprendizagem, apontados pelos professores da pesquisa.

Palavras-chave: bronca; diálogo; autoridade partilhada.


ABSTRACT

The research studies the quarrel in the teaching intervention. For such we analyze the significações that the citizens of two public schools of basic and average education, of Belém, Pará attribute to the quarrel in the relations of classroom. We privilege as instruments of collection given to the participant comment, half-structuralized interview and the concepts of dialogia in Bakhtin, social mediation in Vygotsky, and shared authority in Saints as you arrive in port theoretical of this inquiry. The professor teaches beyond the pertaining to school contents and propitiates other lições that have impact in the formation of the pupil as person. The results show that, the desmobilizantes rituals, the repetitive lessons and the punitive strategies characterize the teaching action. We conclude that pedagogical practical one with a dynamics of more propitious interaction to the learnings and the formation of the person, based on the partilhada authority and in the dialogue with the other, they are form to deal with the educative situations, in the relation professor/aluno and the process ensino/aprendizagem, pointed for the professors of the research.

Keywords: quarrel; dialogue; shared authority.


RESUMEN

La investigación estudia la pelea en la intervención de enseñanza. Para tales analizamos el significações que los ciudadanos de dos escuelas públicas de educación básica y media, de Belém, cualidad de Pará a la pelea en las relaciones de la sala de clase. Privilegiamos como comentan los instrumentos de la colección dados al participante, entrevista de la mitad-structuralized y los conceptos del dialogia en Bakhtin, mediación social en Vygotsky, y partilhada de la autoridad en santos mientras que usted llega en teórico portuario de esta investigación. El profesor enseña más allá de pertenecer al contenido y a los propitiates de la escuela otros lições que tengan impacto en la formación de la pupila como persona. Los resultados demuestran que, los rituales de los desmobilizantes, las lecciones repetidoras y las estrategias punitivas caracterizan la acción de enseñanza. Concluimos que práctico el pedagógico con una dinámica de una interacción más propicia a los learnings y la formación de la persona, basada en la autoridad del partilhada y en el diálogo con el otro, ellos es forma a ocuparse de las situaciones educativas, en la relación professor/aluno y el proceso ensino/aprendizagem, señalado para los profesores de la investigación

Palabras clave: pelea; diálogo; autoridad compartida.


 

 

O presente trabalho apresenta o resultado de uma pesquisa cujo foco de análise foi a presença da bronca na dinâmica das interações docentes.

Partimos do pressuposto de que, quando o fluxo verbal das interações de sala de aula é entrelaçado por uma bronca - aqui entendida como uma intervenção docente que pode envolver enunciações verbais com palavras sutis e ríspidas que parecem sem importância, formas de punições "leves" ou "duras" acompanhadas de pequenas frases sem nenhum efeito negativo na formação do aluno como pessoa, mas que, na verdade, censuram e até humilham o outro - se efetiva uma multiplicidade de aprendizagens, que se juntam às trocas verbais na passagem do conteúdo ensinado, "o conhecimento sistematizado não vem sozinho", afirma Saviani (1983, p. 23).

Está articulado a manejos de classe, rituais pedagógicos e a estratégias que vinculam o instrucional e o disciplinar num jogo dialógico em várias direções. Ou seja, o professor ensina os "conceitos escolares", mas também dá uma bronca no aluno "desatento", que não faz "as tarefas" ou que é "bagunceiro", etc. No espaço escolar, vive-se uma variedade de atmosferas deflagradas pelo fluxo verbal das relações sociais da aula. A bronca é, portanto, uma instância dessa dinâmica complexa de múltiplas aprendizagens que a escola oferece.

O professor não ensina só o que ele pensa ensinar, e o aluno não vivencia apenas a aula com o conteúdo da matéria e os modos de operar o conhecimento sistematizado, mas incorpora sentimentos, normas e valores que se ligam às palavras que emergem dos ditos e não ditos que permeiam o fluxo verbal das interações docentes. O discurso verbal, diz Bakhtin (1992), é insuficiente para exprimir tudo que na verdade a interlocução quer dizer. Muita coisa não é dita verbalmente, mas fica presentificada na rede de relações e é interpretada pelo outro. Segundo Vygostsky (1987, p. 108) "o sentido da palavra é a soma de todos os eventos psicológicos de nossa consciência".

O professor ensina mais do que declara e menos do que pensa, como nos lembra Bakthin (1992, p. 124): "a comunicação verbal entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce [...] é sempre acompanhada por atos sociais de caráter não verbal (gestos do trabalho, atos simbólicos de um ritual, cerimônias, etc)".

A partir da pesquisa de campo, foi possível analisamos as vozes dos professores, colocando em foco as relações sociais da aula, indagando: que significações tem a bronca nas relações docentes? O que as palavras revelam quando a fala verbalizada implica uma bronca a um aluno ou a uma classe toda?

 

Objetivo

Estudar a bronca na sala de aula como uma das instâncias da dinâmica complexa das relações docentes e os tipos de lições que promove ao se entrelaçar ao conteúdo ensinado, tendo impacto na formação do aluno como pessoa e na docência do professor.

 

Metodologia

Os sujeitos deste estudo foram dez professores que, no ano de 2004, atuavam em duas escolas públicas de Ensino Fundamental e Médio da cidade de Belém, PA. Os campos de pesquisa foram instituições escolares situadas no entorno da Universidade do Estado do Pará, UEPA.

O desenvolvimento da pesquisa privilegia o enfoque qualitativo. A ênfase é nas experiências dos participantes ao longo de sua trajetória de sala de aula e nas projeções com relação aos planos de docência em escola pública.

Usamos a observação participante e entrevista semi-estruturada nas escolas em questão, junto a dez professores das escolas selecionadas, visando analisar os dados à luz de teóricos como Bakhtin (1992, 1997) e Vygotsky (1987, 1998) e autores sócio-históricos contemporâneos brasileiros. As proposições de Santos (2001) foram consideradas quanto ao conceito de autoridade partilhada nesta pesquisa.

Segundo Freitas (2003, p. 33), "a observação, numa pesquisa de abordagem sócio-histórica, se constitui pois em um encontro de muitas vozes: ao se observar um evento depara-se com diferentes discursos verbais, gestuais e expressivos". Nesse sentido, a nossa participação ultrapassou os limites da presença física do observador no campo da pesquisa, pela relação que estabelecemos no processo de convivência com os sujeitos professores das turmas. Essa posição do observador nos permitiu conhecer certos aspectos da rotina da sala de aula que ajudam a pensar o contexto investigado, fornecendo elementos adicionais para analisar o problema focado.

Ao levar em consideração a teoria enunciativa da linguagem de Bakhtin, Freitas afirma (ibid., 2003, p. 34):

[...] a entrevista [...] da pesquisa qualitativa de cunho sócio-histórico tem a particularidade de ser compreendida como uma produção da linguagem. A entrevista acontece entre duas ou mais pessoas: entrevistador e entrevistado(s) numa situação de interação verbal e tem como objetivo a mútua compreensão.

Os registros das entrevistas expressam as significações que os entrevistados dão às relações dialógicas do professor em sala de aula, no que concerne aos acontecimentos referentes à bronca como intervenção disciplinar.

 

A pesquisa

O período de ambientação

O estudo iniciou com a seleção do campo da pesquisa e da população-amostra. Para procedermos a essa primeira fase de trabalho, realizamos visitas às escolas-campo desta investigação para coleta dados da problemática estudada.

Com esse propósito, após a seleção das escolas, começamos o período de ambientação, que se caracterizou por ser o momento em que preparamos o ambiente para darmos início ao nosso trabalho de coleta de dados.

As atividades dessa fase constituíram-se em visitas às instituições, participação em eventos da escola, como "festa do dia das mães", "posse do Conselho de Pais e Mestres", conversas informais com as professoras, corpo técnico e administrativo da escola e outros.

Começamos um longo processo de inclusão/acolhimento. Essa espera nos levou a elaborar hipóteses acerca de que o olhar do outro nos causa, de certa forma, instabilidade, especialmente quando esse olhar foca uma observação em sala de aula. É uma situação que movimenta em nós um processo de intimidação e nos deixa um estranhamento, que implicam atitudes e comportamento monitorado por esse olhar. O observador parece ser visto como suspeito. E em função disso começam alguns entraves como limitações impostas aos procedimentos da pesquisa. Entretanto, ao final de certo tempo, o grupo professores das escolas se formou, ou seja, cinco professores de cada uma delas aceitaram ser sujeitos deste estudo.

Na observação participante, focamos os padrões discursivos que estruturam a interlocução entre professores e alunos nos momentos em que, ao jogo do ensinar/aprender, são entrelaçados o conteúdo ensinado, uma bronca a um aluno ou a classe toda.

Nesse contato direto do pesquisador com a realidade de sala de aula, a hipótese dialética de que não existe nada eterno, fixo, absoluto nos ajudou na coleta de dados. Tudo que existe na vida humana e social está em constante mudança, tudo é perecível. Nossa metodologia de pesquisa incide sobre os processos, nunca compreendidos como objetos fixos e estáveis. Nesse sentido, a história social, econômica, a memória coletiva, a ideologia, a própria historicidade da instituição escola tornam-se fundamentais e constituem aspectos importantes para compreendermos processos e construções dos professores aqui pesquisadas acerca da idéia que têm sobre a bronca e as relações docentes.

 

À guiza de conclusão

Os resultados desta investigação mostraram que, em meio a eventuais rituais desmobilizantes, como as aulas repetitivas em algumas situações e aplicação da bronca como estratégia punitiva, entrelaçada ao fluxo verbal na passagem do conteúdo ensinado, ocorrem gritos, olhar ameaçador, tons ríspidos e palavras repressivas. Logicamente, quando o professor diz "se não estudarem, vai ser pior pra vocês porque não passam no vestibular", está sugerindo outras coisas, subjacentes à enunciação, que serão significadas pelo sujeito ameaçado. Se ao fluxo verbal das interações subjaz uma ameaça, o vínculo efetivo eu-outro se transforma e fica esmaecido. Geralmente, o medo aparece e a pessoa experimenta intranqüilidade e passa a agir sob pressão.

Esse tipo de disciplinamento leva, freqüentemente, a estados subjetivos indesejáveis para a formação da pessoa. Uma decorrência provável está no constrangimento que faz com que o outro se torne uma pessoa reservada e limitada em suas atitudes. Conseqüentemente, o sujeito punido aprende outras lições que o marcam como pessoa.

A fala do professor, ao punir com uma bronca seu aluno, cruza-se com muitas outras falas; inclui as que antecedem aos enunciados punitivos que faz. Ele fala o seu próprio tempo, mas também a sua cultura, o seu meio social, as leituras que fez, as normas sociais pelas quais se formou, etc. Conseqüentemente, quando fala, o seu agir ou o seu pensar não retratam apenas o que faz por ele mesmo, mas, parafraseando Bakhtin (1997), faz a partir das marcas sociais, dentro do fluxo de comunicação verbal coletivo.

Para os sujeitos da pesquisa, a intenção de quem dá uma bronca em um aluno, por vezes, não é ridicularizar o outro. É, quando muito, um recurso para acalmar a turma, trazer de volta a atenção do aluno distraído e, com o silêncio que se instala, criar um clima de aprendizagem. Outras vezes, o propósito é de uma "intervenção de choque" para fazer o sujeito funcionar, uma vez que o professor não sabe mais como lidar com esse tipo de aluno. Tudo isso pode ser conseguido, mas de uma maneira muito dolorosa para o aluno, porque ensinar com gritos e coação não é uma maneira promissora de coordenar as relações sociais de sala de aula. Apenas ensina sobre a instituição escolar como instância de poder autoritário.

Outras práticas pedagógicas, baseadas na "autoridade partilhada" e na dinâmica de interação e interlocução mais propícias às aprendizagens e à formação da pessoa, emergem nas falas dos sujeitos. O diálogo com o aluno que falta às aulas ou que apresenta um desempenho irrelevante nos trabalhos é apontado, nas entrevistas, como intervenção que relativiza a autoridade do professor, por partilhar com o aluno trocas em que acordos são firmados, e melhoram a aprendizagem do aluno, por se sentir compreendido nas suas necessidades; ou como formas de lidar com as situações na relação professor/aluno e no processo ensino/aprendizagem.

A atuação docente com autoridade que se flexibiliza e se constitui na prática da autoridade partilhada, é, segundo os depoimentos dos entrevistados, um professor que aconselha, conversa, explica e que realmente ensina. Na perspectiva bakhtiniana, a entoação ajuda a completar o enunciado do discurso, que visa à compreensão do assunto da aula, possibilitando assim o gosto e o interesse pela escola, pelo professor e pelo estudo. A "autoridade partilhada" é, na complexidade do trabalho pedagógico, uma intervenção positiva do professor. É que essa prática social concebida na relação dialógica, vai atribuindo sentido no mundo escolar do aluno e, ao fazê-lo, cria no sujeito novas formas de lidar com as lições de aula, que antes pareciam "chatas", mas que agora são aceitas e realizadas com satisfação e gosto.

 

Referências

Bakhtin, M. (1992). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo, Hucitec.         [ Links ]

______ (1997). Estética da criação verbal. São Paulo, Martins Fontes.         [ Links ]

Freitas, M. T. S.; Jobim, S. e Kramer, S. (2003). Ciências Humanas e Pesquisa. Leituras de Mikhail Bakhtin. São Paulo, Cortez.         [ Links ]

Santos, B. de S. (2001). A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência. São Paulo, Cortez.        [ Links ]

Saviani, D. (1983). "Tendências e correntes da educação brasileira". In. Mendes. D. T. (org.). Filosofia da Educação brasileira. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.         [ Links ]

Vygotsky, L. S. (1987). Pensamento e Linguagem. São Paulo, Martins Fontes.         [ Links ]

______ (1998). A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes.         [ Links ]

 

 

Recebido em outubro de 2006.
Aprovado em março de 2007.

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