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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.30 São Paulo jun. 2010

 

Cultura escolar e indisciplina: em busca de soluções coletivas

 

School culture and indiscipline: the search for collective solutions

 

Cultura escolar y indisciplina: en busqueda de soluciones colectivas

 

 

Lincoln Coimbra MartinsI; Iza Rodrigues da LuzII

IOPES - Observatório Psicologia, Educação e Sociedade, Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: marlin@fafich.ufmg.br
IILAPED - Laboratório de Psicologia e Educação "Helena Antipoff", GPJEC - Grupo de Pesquisa sobre Juventude e Educação na Cidade, Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: izaluz@bol.com.br

 

 


RESUMO

A pesquisa objetivou analisar a cultura organizacional de uma escola da região metropolitana de Belo Horizonte e sua relação com os episódios de indisciplina discente. A pesquisa foi realizada em dois momentos: 1º - Escuta em grupo de professores, funcionários, direção e alunos da escola; e 2º - Aplicação de um questionário sobre a cultura organizacional. Os resultados evidenciaram que a indisciplina dos alunos estava relacionada a vários outros aspectos do próprio funcionamento da escola. A partir da reflexão realizada junto aos professores e direção, os pesquisadores solicitaram que fossem apontadas possíveis soluções. Foram sugeridas mudanças nos aspectos observáveis da escola que pudessem aprimorar o processo de comunicação, as formas de gestão e o processo decisório.

Palavras-chave: indisciplina; escola; cultura escolar.


ABSTRACT

The present research sought to analyze the culture of a school from the metropolitan region of Belo Horizonte and its relationship with episodes of student indiscipline. The study was carried out in two different moments: 1st - group listening to teachers, staff, board, and students of the school; and 2nd - Application of questionnaire on organizational culture. The results evinced that the students' indiscipline was related to several other aspects from the very functioning of the school. From the reflection made along teachers and board, the researches asked them to point out possible solutions. There were suggested changes on the observable aspects that could enhance the communication process, the management form and the decision making process.

Keywords: indiscipline; school; school culture.


RESUMEN

La investigación tuvo como objetivo analizar la cultura organizacional de una escuela de la región metropolitana de Belo Horizonte y su relación con los episodios de indisciplina estudiantil. La investigación se llevó a cabo en dos fases: 1º - Escuchar a los grupos de profesores, empleados, directorio and alumnos de la escuela; y 2º - aplicación de cuestionario acerca de la cultura organizacional. Los resultados demostraran que la indisciplina de los alumnos se relacionaba con otros aspectos de lo proprio funcionamiento de la escuela. De la reflexión realizada junto a los profesores y el dirección de la escuela, los investigadores le pidieron que fueran señaló posibles soluciones. Se surgieron cambios en los aspectos observables de la escuela que pudiesen mejorar el proceso de comunicación, las formas de gestión y el proceso decisorio.

Palabras clave: indisciplina; escuela; cultura escolar.


 

 

O presente trabalho tem como característica principal a ação ou intervenção institucional. Não representa, portanto, uma escolha deliberada de um objeto de estudo, mas atende a uma solicitação por parte dos gestores da instituição na busca de solução de problemas por ela identificados. O caráter investigativo que se desenvolveu neste caso se deve à necessidade de ultrapassar o plano da queixa apresentada inicialmente, na intenção de revelar níveis de causalidade subjacentes.

O convite para a realização do trabalho partiu de uma das professoras do turno da manhã de uma escola municipal pública da região metropolitana de Belo Horizonte que relatou aos psicólogos as dificuldades que enfrentava em seu trabalho devido ao desinteresse e indisciplina dos alunos. Depois do convite, os psicólogos fizeram reuniões iniciais com a direção da escola para saber se o trabalho era mesmo desejado e para alertar sobre a impossibilidade de se trabalhar isoladamente o desinteresse e a indisciplina dos alunos sem conhecer e intervir na escola. Além disso, pretendiam confirmar o apoio ao trabalho que se iniciaria e explicitar a necessidade de solicitar a autorização da Secretaria Municipal de Educação, para que não houvesse empecilhos no curso das atividades. Para assegurar o conhecimento de aspectos relevantes da escola, foram propostas atividades de escuta dos professores e da direção da escola. Nessas reuniões, a direção foi alertada para o fato de que durante o curso do processo de atuação poderiam ser detectadas situações de entraves ao bom andamento da escola, que fossem consequências da forma de gerenciamento da instituição, e de que os servidores criariam maiores expectativas de mudança, tendo em vista a existência de profissionais de psicologia atuando na Escola. Ressaltou-se que as propostas de intervenção seriam fruto das atividades de diagnóstico, em que a queixa primeira seria mais bem compreendida no contexto da instituição. Por fim, foi explicitado que o próprio momento do diagnóstico também poderia ser compreendido como um tipo de intervenção já que os sujeitos seriam convocados a refletir sobre o ambiente da escola. Sendo assim, o objetivo principal deste trabalho foi identificar os fatores que contribuíam para a indisciplina discente, bem como sugerir mudanças que pudessem minimizar o problema.

O trabalho foi desenvolvido considerando os referenciais teóricos da Psicologia escolar que compreendem a Psicologia como uma das áreas que pode contribuir para que o ambiente escolar se organize de modo a oferecer as condições básicas que propiciem a aprendizagem dos alunos, garantindo também a satisfação e a saúde dos professores/educadores (MARTINEZ, 2005; MARTINS, 2002). Deste modo, os conhecimentos de suas várias áreas: Psicologia clínica, Psicologia organizacional, Psicologia do desenvolvimento/aprendizagem etc., são utilizados para se pensar as questões específicas trazidas pela educação formal ofertada pelas escolas. Seu foco de ação abrange os diversos segmentos: alunos, professores, funcionários e direção, e para cada um deles, conforme suas demandas e necessidades, a Psicologia pode oferecer contribuições que otimizem suas funções e relações no ambiente escolar, desde que sua ação não seja isolada e se considere o contexto sociocultural do qual esses sujeitos e a instituição fazem parte.

A identificação dessa perspectiva é necessária para que o profissional de Psicologia não seja tido como um milagreiro que pode ofertar uma solução pré-fabricada que resolverá os problemas das escolas. A visão do ser humano como sujeito ativamente participante da construção de sua própria história aponta para a importância de as pessoas tomarem consciência de que a possibilidade de mudança está atrelada ao engajamento e compromisso do grupo de pessoas. Os envolvidos devem, tanto quanto possível, ser instigados a refletir sobre os problemas cotidianos de seu trabalho e a partir daí pensar em soluções viáveis que possam ser implementadas a partir do esforço conjunto. O psicólogo funciona então como mediador que pode organizar situações facilitadoras da tomada de consciência, tanto com esclarecimentos teóricos quanto com atividades práticas que propiciem esse processo. Pode funcionar como um elo entre os vários segmentos ajudando o grupo a perceber a realidade de cada membro e do coletivo.

Dentro dessa visão, foram pensadas as atividades de escuta dos professores e da direção da escola. Ressalta-se também que esse tipo de atividade em que se aliam ações de pesquisa e intervenção pode ser identificado como um tipo de pesquisa-ação. Esse tipo de pesquisa conforme Thiollent (2002) é indicado para a formulação de um projeto de ação social ou da resolução de problemas coletivos. Desse modo as informações construídas durante a pesquisa devem ser partilhadas e apropriadas pelos sujeitos, o que faz com que as atividades de investigação do problema ou da queixa funcionem também como momentos de intervenção.

 

Metodologia

A escola

No ano de realização da pesquisa-ação, a Escola municipal pública, localizada na região metropolitana de Belo Horizonte, ofertava a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e a Educação de Jovens e Adultos - EJA. No turno da manhã, concentravam-se as turmas do Ensino Fundamental a partir do 5º ano. No turno da tarde, havia a Educação Infantil, para crianças a partir dos 4 anos e os anos iniciais do Ensino Fundamental, e, no turno da noite, a EJA. O quadro de professores era composto de 36 funcionários, sendo alguns de contrato temporário. A direção era compartilhada por quatro servidoras: diretora, vice-diretora, coordenadora pedagógica do turno da manhã e coordenadora pedagógica do turno da tarde. Outros dez funcionários eram responsáveis pelas atividades de limpeza, segurança e preparação da merenda.

Escuta dos professores e direção

A escuta dos grupos de professores da manhã e da tarde ocorreu em reuniões realizadas nas duas horas finais de cada turno. A reunião do turno da manhã contou com a participação de 14 professores. A reunião do turno da tarde contou com a participação de 14 professoras. A escuta da direção ocorreu em dois momentos - no primeiro estavam presentes a diretora, a vice-diretora e a coordenadora do turno da manhã; e no turno com a diretora e a coordenadora da tarde.

Em cada uma das situações, os psicólogos fizeram uma apresentação pessoal e explicaram porque haviam sido chamados a trabalhar na escola, explicitando o fato de não estarem a serviço da direção, tendo autonomia para desenvolver suas atividades cujo foco era a instituição como um todo e não determinados segmentos ou pessoas. Depois esclareceram o modo como pretendiam trabalhar, alertando para o fato de que não ofereceriam respostas prontas e que os resultados do trabalho dependiam do engajamento e compromisso do grupo. Ressaltaram os aspectos éticos do profissional de Psicologia, em especial a garantia do sigilo. Depois as pessoas foram convidadas a se apresentar, explicitando sua função e tempo em que estavam na instituição; e a falarem sobre a escola, instigadas pela pergunta: "Quais são os aspectos positivos e negativos do meu ambiente de trabalho?".

As escutas tiveram duração variada e transcorreram de forma tranquila; as pessoas se mostraram abertas e participativas e trouxeram muitas informações sobre a Escola. Durante o encontro com o grupo de professores da manhã, os psicólogos tiveram a idéia de utilizar um questionário sobre cultura organizacional anteriormente utilizado em outro trabalho de consultoria para enriquecer a atividade de diagnóstico e aproveitaram então para solicitar aos presentes a colaboração também nessa atividade. O mesmo foi feito com o grupo de professores do turno da tarde e da direção.

As informações construídas durante os momentos de escuta foram integradas na análise dos resultados do questionário já que sua organização permite tocar em vários aspectos do funcionamento da Escola.

Passaremos então a descrever este instrumento e o modo como foi utilizado.

O questionário

Pensando em enriquecer os momentos de escuta os psicólogos resolveram adaptar um instrumento criado por pesquisadores de Minas Gerais para estudar a cultura de instituições públicas do Estado. Considerando que um questionário possibilita conhecer de modo objetivo e rápido a opinião das pessoas sobre determinados assuntos, os profissionais consideraram que poderiam ampliar as informações já obtidas nos momentos de escuta com a utilização do instrumento. O estudo da cultura das instituições já é uma prática corrente na Psicologia Social e tem ajudado a condução de mudanças que aperfeiçoem o funcionamento dessas instituições. Segundo Robbins (1987), a cultura organizacional designa um sistema de significado comum entre os membros de uma organização, sistema esse que a diferencia de outras organizações. As sete características, que, quando combinadas e reunidas, podem informar sobre a essência da cultura de uma organização, são as seguintes:

1. Autonomia individual - o grau de responsabilidade, independência e oportunidade que as pessoas têm na organização para tomar iniciativas.

2. Estrutura - o grau de normas e regras, assim como a quantidade de supervisão direta que se utiliza para vigiar e controlar o comportamento do empregado.

3. Apoio - o grau de ajuda e afabilidade que os gerentes demonstram aos subordinados.

4. Identidade - o grau em que os membros se identificam com a organização em seu conjunto e não com seu grupo ou campo de trabalho.

5. Desempenho-prêmio - o grau em que a distribuição de prêmios (aumentos salariais, promoções) dentro de uma organização se baseia em critérios relativos ao desempenho.

6. Tolerância ao conflito - grau de conflito presente nas relações de companheiros ou grupos de trabalho, assim como o desejo de ser honesto e franco diante das diferenças.

7. Tolerância ao risco - o grau em que se estimula o servidor para que seja agressivo, inovador e corra riscos.

Este panorama nos possibilita, então, identificar a base dos sentimentos de significado compartilhado que os membros têm em relação à organização, ao modo como se age naquele ambiente e à maneira segundo a qual devem trabalhar.

Considerando o conceito de cultura organizacional proposto e a pluralidade de informações que a cultura organizacional pode fornecer, procurou-se, no questionário elaborar categorias/temas que buscassem identificar tanto as características objetivas e observáveis da Escola que podem ser visualizadas ao se analisar o processo de comunicação, as formas de gestão e o processo decisório, quanto às relacionadas a aspectos psicológicos subjetivos conscientes e inconscientes, que podem ser visualizados ao se estudar o comprometimento com a instituição, a interação e integração entre os servidores no ambiente de trabalho, as crenças e valores e relações de poder presentes na organização.

Sendo assim, o questionário foi elaborado a partir do foco principal dessas categorias/temas de análise. As categorias, redefinidas a partir das levantadas por Sampaio, Henriques e cols. (1996), que procuraram abarcar as características identificadas por Robbins (op. cit.) como características da cultura de uma organização, foram definidas do seguinte modo:

Comunicação - modos, meios, disponibilização e circulação das informações entre os servidores e entre direção e professores.

Comprometimento - nível de dedicação, responsabilidade e seriedade dos servidores em relação às suas atribuições dentro e fora da Escola. Relacionada principalmente à característica de Identidade.

Crenças e valores - crenças e valores existentes na Escola.

Formas de gestão - Procedimentos, normas e regras, através dos quais a direção administra as atividades de trabalho. Relacionada principalmente às características de Estrutura e Autonomia individual.

Interação e integração entre os professores e entre direção e professores - as características que prevalecem no relacionamento entre os servidores e entre direção e professores: grau de ajuda, apoio, imposição, liberdade etc. Relacionada principalmente às características de Apoio e tolerância ao conflito.

Processo decisório - modo pelo qual se encaminha a solução de um problema. Relacionada principalmente às características de Tolerância ao risco e Autonomia individual.

Relações de Poder - modos e maneiras pelos quais se estabelecem as relações de poder entre direção e professores. Relacionada principalmente às características de Estrutura e Desempenho-prêmio.

É importante ressaltar que as categorias aqui adotadas, de modo geral, procuraram avaliar outras características da cultura organizacional além das que foram elencadas por Robbins (1987), e que essa divisão é somente um recurso didático que se faz necessário para facilitar a compreensão do que acontece no ambiente de uma instituição. Acreditamos que a cultura organizacional é composta por um sistema de crenças, valores, comportamentos e procedimentos estreitamente interdependentes adotados pelo grupo de trabalhadores, sendo inclusive a relação entre esses aspectos foco de análise quando se tenta compreender uma organização. Por essa razão, no momento de propor a analogia, precedemos à característica da expressão "relacionada principalmente", pois as categorias pretendem avaliar comportamentos, procedimentos e relações que tratem do tema, não se definindo, portanto, somente pelo significado da(s) característica(s).

Para cada categoria foram formuladas oito afirmações. As afirmações apesar de formuladas de modo afirmativo abordavam itens favoráveis e desfavoráveis em relação ao tema/categoria. O instrumento possuía, portanto, 56 afirmações que deviam ser julgadas a partir de uma Escala Likert de 5 pontos: 1=nunca, 2=poucas vezes, 3=às vezes, 4=frequentemente, 5=sempre. Para dispor as afirmações, utilizamos o seguinte critério: primeira afirmação de cada categoria, segunda afirmação de cada categoria, terceira afirmação de cada categoria e assim por diante. Além das 56 afirmações, havia um espaço em branco no final do formulário para que os servidores pudessem fazer comentários sobre situações que dificultavam o trabalho e a convivência na escola.

O questionário foi disponibilizado para todos os professores e para a direção da Escola. Ressalta-se, entretanto, que a participação dos servidores era voluntária e que não foi solicitada qualquer identificação. As coordenadoras dos turnos da manhã e da tarde ficaram responsáveis pela disponibilização e recolhimento dos formulários. 28 servidores responderam o questionário. Considerando que participaram das atividades de escuta 28 professores e quatro membros da direção, o percentual de participação foi de 87,5%.

 

Cultura organizacional da Escola

Após a aplicação do questionário procedeu-se a uma análise estatística dos percentuais de respostas em cada ponto da escola para cada afirmação. Após essas análises, foram feitos cruzamentos entre as oito afirmações de cada categoria para sintetizar o modo como o grupo de servidores a avaliava. As informações construídas nos momentos de escuta foram então integradas a essas sínteses, e pôde-se então traçar uma fotografia da cultura organizacional da Escola que será descrita abaixo.

De modo geral podemos dizer que a cultura organizacional da Escola, segundo a avaliação dos servidores que nela trabalham, era bastante marcada pela organização aparente das tarefas educativas. A categoria de crenças e valores apontava o cumprimento do horário de aula como um valor mais importante que a qualidade das atividades realizadas com os alunos; esse enfoque na organização aparente do trabalho, poderia estar relacionado à baixa valorização das atividades de qualificação e formação, assim como dificultava o relacionamento entre as pessoas por não estimular a cooperação e troca de experiências.

O comprometimento com as metas e objetivos organizacionais parecia marcar o comportamento dos professores da instituição, entretanto, ressalta-se que esse comprometimento não se refletia diretamente em comportamentos de solidariedade e cooperação entre eles, visto que não existiam espaços e atividades regulares que facilitassem essas atitudes.

As formas de gestão, o processo decisório e as relações de poder refletiam a existência de uma hierarquia rígida, na qual as decisões eram centralizadas na direção, com fraca participação dos professores. Os membros da direção não eram considerados devidamente preparados para os cargos de liderança, e percebia-se também a existência de diferenças no tratamento que dispensavam aos demais funcionários, privilegiando alguns e prejudicando outros.

Esse quadro se refletia nas dificuldades de interação e integração entre os professores e entre direção e professores, devido à inconstância nos comportamentos de abertura e disponibilidade para discutir os procedimentos de trabalho, bem como ao relacionamento interpessoal que não se mantinha harmonioso e respeitoso. As atividades de confraternização eram pouco desenvolvidas na instituição, assim como não se valorizavam o trabalho em equipe e a solidariedade e a cooperação entre os servidores.

O processo de comunicação mostrava-se pouco eficiente, visto que informações importantes não chegavam aos professores e que havia alta incidência de boatos rumores e intrigas.

Nessa análise, é importante ressaltar que a Escola estava subordinada à Secretaria Municipal de Educação e que sua organização era controlada e limitada em vários aspectos pelas decisões e orientações deste órgão. Um fator importante, por exemplo, se referia à jornada de trabalho de professores e a exigência de que fosse cumprida quase que exclusivamente com as atividades de sala de aula. O contrato de trabalho dos professores era feito pela Secretaria; portanto, a Escola tinha limitações no modo de organizar o tempo de trabalho de seus profissionais. Sendo assim, era importante que o próprio grupo de servidores compreendesse melhor o grau de autonomia da Escola em relação à Secretaria para que pudesse pensar em mudanças que fossem viáveis.

 

Sugestões de atividades de intervenção

Reforçamos a idéia de que o profissional de psicologia não é mágico e nem possui receitas que possam resolver de forma rápida e simples os problemas que surgem nas escolas e que essas, como sistemas complexos, precisam ter reconhecida a multiplicidade de fatores que influenciam sua forma de funcionamento. Portanto, os resultados a serem obtidos com as atividades de intervenção somente se converterão em mudanças efetivas e duradouras se estiverem integrados a mudanças em aspectos culturais da organização que estavam relacionados à situação problema. Dessa forma, é necessária uma ação conjunta dos servidores e da direção que devem estar abertos às críticas e dispostos a programarem mudanças.

Como destacado na interpretação dos resultados, o funcionamento da instituição é interdependente de vários aspectos; desse modo, não adianta promover mudanças em um determinado procedimento sem que se alterem os demais elementos que originaram sua forma atual de funcionamento. Portanto, antes de iniciar qualquer atividade de intervenção é fundamental que a direção da Escola tenha claro qual é a organização que deseja ver funcionando. Para tanto, deve definir quais atitudes e comportamentos devem ser valorizados nos servidores, definindo claramente o grau de participação de cada um desses grupos no processo decisório e nas formas de gestão da Escola. Somente, a partir dessas definições é que o processo de mudança deve ser iniciado.

As sugestões aqui apresentadas foram formuladas pelo próprio grupo de professores e direção que esteve presente em duas reuniões, uma realizada no turno da manhã e outra no turno da tarde. No início de cada reunião, os psicólogos sintetizaram as informações referentes à cultura organizacional da Escola. Evidenciaram que organizaram e analisaram as informações construídas durante a pesquisa-ação e trazidas pelo próprio grupo nos momentos de escuta e preenchimento do questionário. Caberia a eles agora pensar em soluções viáveis para os problemas identificados na Escola. Diante desses resultados, o grupo de professores e a direção puderam perceber que a indisciplina dos alunos estava relacionada a vários outros aspectos do próprio funcionamento da Escola que propiciavam esse tipo de atitude. Depois dessa explanação, os servidores presentes foram divididos em quatro grupos para sugerir mudanças que melhorassem o funcionamento da Escola em relação a quatro categorias: Comunicação; Comprometimento; Crenças e Valores; e Formas de Gestão.

Cada grupo recebeu uma síntese dos resultados encontrados em uma das categorias para que pudesse analisar a situação e a partir daí sugerir mudanças. A utilização de somente quatro das sete categorias do questionário se justificou porque os resultados construídos em torno desses fatores sintetizaram os aspectos mais gerais da Escola, e os temas de interação e integração entre professores e entre professores e direção, processo decisório e relações de poder apresentaram características que já apontadas nessas categorias escolhidas. Além disso, era preciso construir uma dinâmica de trabalho que pudesse ser desenvolvida em duas horas, o que dificultaria o trabalho com as sete categorias do questionário. Ressalta-se que os grupos foram estimulados a pensar em soluções para a instituição independente do cargo que ocupassem, ou seja, que em tese estivessem compartilhando as tarefas administrativas e participando efetivamente do processo decisório.

Sintetizamos abaixo as sugestões dos grupos para cada categoria.

Comunicação

A comunicação que diz respeito ao grupo deverá se diferenciar daquela que diz respeito a um funcionário em específico e que deve ser realizada num ambiente reservado. As decisões que afetam o grupo de professores deverão ser comunicadas oralmente, em momentos coletivos, tendo como apoio um documento escrito. Planejar reuniões mais frequentes dentro das possibilidades dos horários dos professores. Criar uma rede de comunicação, em que os próprios servidores se encarreguem de repassar as informações para os ausentes. Desenvolver uma atitude ética e profissional nos momentos de reunião coletiva, procurando tratar de modo objetivo os assuntos e verificando a confiabilidade das informações a serem transmitidas.

Comprometimento

Estabelecer metas por disciplinas/séries. Criar formas de incentivo, de estímulo para o corpo docente através do acompanhamento com o especialista. Organizar um projeto interno para que haja interação entre os professores e entre professores e especialistas. Diante de atividades que envolvam o coletivo dos professores e direção, fazer uma reunião plenária (democrática) para decidir o quê e como fazer sem sobrecarregar nenhum setor.

Crenças e valores

Criação de momentos coletivos para incentivo à troca de idéias e busca de alternativas. Criar um ambiente que possibilite aos profissionais maior abertura para expressar suas idéias e opiniões. Valorizar e registrar as atividades culturais e pedagógicas realizadas na Escola. Criar estratégias para padronizar a ação docente diante dos episódios de indisciplina dos alunos: discussão e revisão coletiva do regimento interno da Escola. Criação e manutenção de reuniões coletivas de trabalho que estimulem a cooperação e a solidariedade entre os servidores.

Formas de gestão

Ouvir o coletivo distinguindo o pessoal do profissional. Diferenciar privilégio, de situações específicas de cada turno. Melhorar a comunicação. Envolver os turnos nas tomadas de decisão, mesmo que seja através de um representante. Dar continuidade às atividades planejadas que tiveram bons resultados. Inteirar-se mais das situações de cada turno. Regras claras e para todos. Confecção dessas regras junto com o corpo docente e a direção. Definição de situações em que o aluno deve receber uma ocorrência, ser enviado à direção ou ser suspenso para evitar uma banalização das punições. Discutir a utilização de brincos, assim como outras regras "aparentemente" sem sentido. Estreitar de laços entre as instâncias jurídicas (promotoria da infância e juventude, conselho tutelar) e a Escola, bem como com a Secretaria Municipal de Educação. Criar um documento para que todos - pais ou responsáveis, direção, professores e alunos - tenham ciência dos seus direitos e deveres.

Além dessas sugestões, os psicólogos, ao fazerem um relatório documentando todo o processo de pesquisa-ação na Escola, que foi entregue à diretora, acrescentaram outras que foram formuladas pensando numa escola que valorize a participação dos professores, que tenha um estilo de liderança aberto e democrático e que esteja preocupada com a qualidade de vida dos trabalhadores.

Inicialmente foram listadas mudanças nos aspectos observáveis da escola que possam aprimorar o processo de comunicação, as formas de gestão e o processo decisório.

É fundamental que na instituição escolar se criem rotinas e espaços destinados à comunicação dos servidores entre si e destes com a direção. Para tanto, todos os servidores devem ser sensibilizados para a importância de minimizar as barreiras que dificultam o processo de comunicação. Os servidores podem partilhar com a direção a responsabilidade de informar os colegas quanto aos procedimentos, fluxos e rotinas de trabalho. Essa participação maior dos servidores deve ser o resultado do engajamento no processo decisório e na definição dos procedimentos de trabalho, fruto de uma descentralização. É muito importante também que haja uma maior padronização das regras e procedimentos a serem adotados pelos professores, já que o grupo percebe que há tratamento diferenciado. É importante também que haja uma sensibilização para a valorização da qualidade dos trabalhos realizados e das atividades de qualificação e treinamento. Devem ser buscadas alternativas de trabalho que possam oferecer aos professores tempo e condições de aprimorar seus conhecimentos. Por outro lado, a direção deve ser adequadamente capacitada para monitorar os trabalhos dos servidores ajudando-os a obter uma melhor qualidade.

Acreditamos que essas mudanças podem ser um primeiro passo para alterar as crenças e valores presentes na instituição e para se aprimorar o comprometimento, as relações de poder e a integração entre o grupo.

Para que essas mudanças sejam implementadas, é muito importante a participação da direção, lembrando que o grupo de servidores considera que nem sempre os ocupantes dos cargos de direção estejam aptos ao seu exercício. Para complementar essa percepção, é necessário que haja uma avaliação de cada um dos membros da direção para identificar a capacidade técnica e gerencial deles, que deverá evidenciar quais pessoas são aptas ao exercício da função e as falhas a ser sanadas por meio de atividades de qualificação, e/ou a necessidade de substituição de determinadas pessoas que não se encontrem tecnicamente preparadas para o exercício da função. De posse dessa informação, acreditamos ser pertinente desenvolver um trabalho com os ocupantes de cargos de direção, em que sejam tratados assuntos específicos como liderança e comunicação, e realizar um trabalho de sensibilização ao modo de abordar e se relacionar com os subordinados. Esse trabalho pode ser feito em grupo, por meio de aulas, exercícios práticos e atividades de dramatização, etc.

Para o trabalho direto com os demais servidores, de participação espontânea, consideramos que seja necessário propor atividades que os façam refletir sobre sua forma de trabalhar na organização e sobre a postura que adotam no relacionamento com os pares, direção, outros servidores e alunos. Considerando que a participação atual dos professores é fraca, é importante lembrar que, de um modo ou de outro, os próprios professores contribuíram para essa situação; então, uma mudança no modo de se comportar deve ser antecipada por reflexões sobre o modo atual de participação na Escola. Consideramos relevante, então, propor momentos de escuta em que sejam convidados a discutir a relação homem-trabalho, especialmente a relação entre os pares, a relação com os chefes, o lugar do trabalho na vida pessoal e a responsabilidade profissional. Além disso, devem ser mais estimuladas atividades de confraternização e trabalhos em equipes, que exijam a cooperação e a solidariedade entre os professores.

Tendo em mente que os professores já se percebem como comprometidos com a Escola, acreditamos que as mudanças aqui sugeridas possam, além de melhorar as relações interpessoais, propiciar um incremento na qualidade da aprendizagem dos alunos. Finalmente, destacamos a importância de haver um sistema de avaliação das atividades de intervenção para assegurar a consecução de seus objetivos e corrigir possíveis falhas que ocorram durante o processo.

 

Referências

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