SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número30Educação infantil e perspectiva construtivistaPor uma reconstrução do olhar em psicologia: a necessária mediação da cultura índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.30 São Paulo jun. 2010

 

Círculos de debate e sua contribuição para o ensino de alunos com dificuldades de aprendizagem

 

Circle-time activities and its contribution to the teaching of pupils with learning difficulties

 

Círculos de debate y su contribución para la enzeñanza de alumnos con dificultades de aprendizaje

 

 

Stella Rodrigues

Pós-doutoranda da Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista Pós-doutorado Junior da FAPEMIG. E-mail: stella.m.rodrigues@googlemail.com

 

 


RESUMO

O estudo aqui apresentado visou determinar o grau de impacto de sessões de Círculos de Debate, uma estratégia educativa alternativa ao ensino tradicional, em alunos com dificuldade de aprendizagem do 2º ano do ensino fundamental de uma escola inglesa. Os alunos acompanharam o programa curricular de Língua Inglesa durante as sessões. O estudo concluiu que os alunos preferiram aprender conteúdos programáticos através da intervenção em vez das suas aulas habituais e revelou melhorias da autoestima, habilidades sociais e habilidades de comunicação dos alunos. Ficou evidente que a criação de um ambiente de ensino seguro e afetuoso contribuiu para a melhoria do desempenho geral de alunos com necessidades educativas, o que pode servir como referência para futuras investigações.

Palavras-chave: Círculos de Debate; necessidades educativas especiais; autoestima.


ABSTRACT

This article discusses the level of impact the implementation of Circle Time sessions had on pupils with learning difficulties at an English primary school. Pupils were taught Literacy contents during these alternative teaching sessions. The study concluded that pupils preferred learning through Circle Time sessions than their regular lessons, and showed that improvements had occurred in terms of pupils' self-esteem, social and communication skills. It demonstrated that the establishment of a safe and caring learning environment is beneficial to pupils with special needs, which may be taken into account in future research projects.

Keywords: Circle Time; special educational needs; self-esteem.


RESUMEN

Este artículo discute el nivel del impacto que sesiones de Círculos de Debate tenían en alumnos con dificultades de aprendizaje en una escuela primaria inglesa. Los estudiantes siguieron el plan de estudios de inglés durante estas sesiones de enseñanza alternativas. El estudio concluyó que los estudiantes prefirieron aprender los contenidos a través de Círculos de Debate en vez de sus clases habituales, y mostró mejoras en la autoestima, habilidades sociales y habilidades de comunicación de los estudiantes. Se hizo evidente que la creación de un entorno de aprendizaje seguro y afectuoso contribuido a mejorar el rendimiento global de los alumnos con necesidades educativas, que puede ser considerado en futuros proyectos de investigación.

Palabras clave: Círculos de Debate; necesidades especiales; la auto-estima.


 

 

Este artigo apresenta um estudo1 que examinou o impacto da utilização de uma intervenção educativa alternativa para auxiliar o processo de ensino-aprendizagem de alunos com dificuldades de aprendizagem. O estudo foi conduzido numa escola de Gateshead, no nordeste da Inglaterra, num contexto educacional equivalente ao 3º ano do Ensino Fundamental brasileiro. Durante duas semanas, foi implementada uma abordagem de ensino em sessões denominadas Círculos de Debate, também conhecidas como Circle Time (MOSLEY, 1996). Pretendeu-se avaliar o impacto desta intervenção educativa não-convencional no ensino de língua inglesa a dez crianças com dificuldades de aprendizagem, inferindo seus principais benefícios. O estudo visou ainda detectar mudanças das competências sociais e autoestima das crianças participantes, por consequência da regulação da sua participação. A realização do estudo foi importante, pois permitiu coletar elementos pertinentes à melhoria do ensino de alunos com necessidades educativas específicas, bem como a reflexão sobre inclusão educativa e as condições de ensino-aprendizagem disponíveis a alunos com estas características numa escola de ensino regular. Os dados obtidos contribuíram ainda para subsidiar o conhecimento científico já existente e fomentar discussões futuras sobre o assunto.

 

Perspectivas teóricas relevantes ao estudo

O sistema de ensino britânico possui determinações legislativas bem definidas quanto à identificação e atuação perante necessidades educativas especiais (NEE), mas nem sempre foi assim. Durante grande parte do século XX, as concepções básicas da educação especial destacavam os aspectos médicos e particularidades de indivíduos com deficiências. Só em 1978 é que concepções
sobre NEE e inclusão escolar começaram a ganhar relevância com o Relatório Warnock, que estabeleceu objetivos educacionais iguais para todos os alunos. Warnock (1978) introduziu a noção de um continuum de necessidades, em que se posicionavam as dificuldades leves, moderadas e severas ou específicas dos alunos. Este conceito obrigou o sistema de apoio a crianças a ser mais flexível para resolver problemas de curta, média e longa duração. Educação especial passou a significar qualquer forma de ajuda adicional destinada à superação das dificuldades dos alunos (BEVERIDGE, 1999).

Desde então, outros documentos igualmente importantes contribuíram para a evolução da política de Educação Especial no país, salientando-se: o Education Act de 1981, que lançou o debate sobre a avaliação das NEE e o direito dos pais de tomar decisões sobre a educação dos filhos; o Excellence for all children: meeting special educational needs de 1997, que decretou a canalização de vastos recursos para a intervenção precoce, prevenção e formação profissional de docentes; e o Code of Practice das NEE de 2001, guia prático que determinou a nomeação de coordenadores de NEE (SENCO), elementos vitais para a implementação de políticas inclusivas (DEE, 1997).

Embora alguns autores defendam o uso limitado de categorias ou "rótulos" de deficiências, os pais, em particular, valorizam o diagnóstico da deficiência ou dificuldade do seu filho, que consideram parte fundamental do processo de avaliação, determinante para o sucesso educativo dessa criança (FARRELL, 2000). Assim, o termo dificuldades de aprendizagem é frequentemente empregado para incluir dificuldades de letramento, problemas comportamentais e dificuldades sensoriais e físicas. Estudos e legislação mais recentes vêm se focando em noções de ensino e aprendizagem eficazes para todos os alunos (AINSCOW, 2000), corrente que pode beneficiar alunos cujas necessidades não são supridas por provisão específica de NEE, como dificuldades linguísticas. O pensamento atual considera que necessidades especiais advêm não só de dentro da criança, mas resultam também de fatores externos, ambientais e familiares, o que abrange as dificuldades linguísticas de crianças estrangeiras que podem estar em desvantagem em escolas inglesas até que dominem o idioma. As dez crianças que participaram na pesquisa aqui sintetizada foram referenciadas pela escola como tendo NEE, mais especificamente dificuldades de aprendizagem. É importante observar que cinco dessas crianças eram estrangeiras (o idioma inglês não era a sua língua-mãe), o que dificultava o aproveitamento escolar e a aprendizagem dos conteúdos.

Outra questão importante para este estudo centrou-se no desenvolvimento cognitivo de alunos. Existe um campo de pesquisa crescente na área das práticas pedagógicas que promovem o desenvolvimento do pensamento e de um processo de ensino-aprendizagem mais eficaz. Práticas de ensino que utilizam metodologias tradicionais podem subestimar ou ignorar características, habilidades e interesses individuais, o que exacerba dificuldades existentes ou dá origem a novos problemas. Segundo as teorias de modificabilidade cognitiva de Reuven Feuerstein (1998), é possível melhorar habilidades cognitivas reduzidas ou deficientes já que o ser humano tem a capacidade de alterar o seu curso natural de desenvolvimento através da modificação do seu sistema cognitivo, não podendo o seu futuro ser prognosticado com base em dados biológicos, médicos ou psicométricos (KOZULIN e RAND, 2000).

Além de habilidades cognitivas deficientes, alunos com dificuldades de aprendizagem revelam, normalmente, baixa autoestima, o que está intrinsecamente ligado a habilidades sociais e comunicativas igualmente pobres (TREASURE e BIDDLE, 1997), daí o seu desenvolvimento ser de suma importância. Professores que criam um ambiente de aprendizagem positivo têm consciência do impacto do encorajamento e do elogio para a melhoria da autoestima dos alunos. Mosley (1996) afirmou que crianças com baixa autoestima podem se identificar como "derrotados", o que resulta num agravamento das suas relações interpessoais devido à falta de habilidade social. Crianças com baixo aproveitamento escolar podem ainda pensar que seus pares e adultos os consideram incompetentes, gerando comportamentos defensivos para se protegerem de abusos. O medo de fracassar em situações sociais reduz a confiança, e, por consequência, as habilidades comunicativas do indivíduo, podendo levar a comportamentos hostis ou ofensivos. Todavia, a comparação social tem um papel crucial na avaliação do eu (RUBLE, 1983). O modo como a criança se relaciona com os outros e o efeito dessa interação é fundamental para o desenvolvimento da autoestima. Por este motivo, os Círculos de Debate representam uma oportunidade valiosa para os alunos desenvolverem, de forma proativa e não ameaçadora, sua capacidade de relacionamento interpessoal positivo e confiança em ambientes sociais. Defensores de atividades desenvolvidas em comunidade, como Círculos de Debate (FEUERSTEIN et al., 1985; MOSLEY, 1996) sugerem que este tipo de intervenção pode desenvolver conhecimentos e habilidades sociais na interação e aprendizagem colaborativa. Os alunos têm a oportunidade de exprimir suas opiniões, ouvir outros pontos de vistas, e, simultaneamente, melhorar sua autoestima e respeito pelo próximo. Aprender através do exemplo de outrem (modelling) é uma forma poderosa de aprendizagem e, através de discussões e troca de idéias, o progresso da criança pode ser rápido. A aprendizagem é tida como um processo socialmente construído, daí a relevância de atividades desenvolvidas em grupo. Os Círculos de Debate constituem um processo que envolve habilidades importantes requeridas num grupo social: consciência (conhecimento de si mesmo), proeza (conhecimento daquilo que se consegue fazer) e interação social (conhecimento de como se funciona no mundo dos outros) (BALLARD, 1982). Círculos de Debate são ainda concebidos como um processo inter-relacionado e interativo, através do qual os participantes estabelecem múltiplas relações e, para isso, devem ser capazes de comunicar suas idéias e compreender seus pares com confiança apurada. Nas atividades dos Círculos de Debate não existe hierarquia e trabalha-se em cooperação para desenvolver, sobretudo, autoconhecimento e autoconsciência. Em suma, têm por objetivo o desenvolvimento do "potencial único de cada individuo, visando à promoção de seu crescimento social e emocional através de um ambiente de grupo aconchegante" (CURRY e BROMFIELD, 1994, p. 7).

 

Metodologia e procedimentos

A pesquisa do tipo experimental aqui apresentada foi realizada segundo uma abordagem qualitativa de forma a explorar os assuntos em questão no seu contexto natural. Devido à natureza da investigação e o tipo de dados que se pretendia recolher, o estudo de caso foi o método escolhido por se entender que seria a forma mais adequada de observar de perto o impacto da intervenção sobre os alunos com dificuldades de aprendizagem num período de tempo limitado.

O tempo disponível à intervenção e coleta de dados foi de duas semanas, com sessões de Círculos de Debate de 45 minutos por manhã. A pesquisa foi conduzida numa escola no nordeste de Inglaterra, situada na zona limítrofe de uma região empobrecida, embora a escola em si fosse bem equipada e tivesse pessoal bem qualificado. O estudo contou com a participação de um grupo de dez alunos de 7-8 anos do 2º ano (equivalente ao 3º ano do Ensino Fundamental brasileiro), constituído exclusivamente por crianças com dificuldades de aprendizagem, colocadas nas Etapas 1, 2 e 3 do Código de Prática das NEE2 (DEE, 1997), ou seja, suas dificuldades possuíam índices de gravidade variados. O grupo, nove meninas e um menino, era constituído por cinco crianças inglesas e cinco estrangeiras. Para estas, era comum falar o idioma nativo da família em casa e usarem o inglês apenas na escola, o que significava que três necessitavam de apoio especial de letramento com pessoas que falavam seu idioma nativo (bengali e hindi) e outra em português.

Em relação à intervenção, os alunos foram retirados de sua sala de aula e levados para outra sala, onde se sentaram em cadeiras iguais num círculo junto com a pesquisadora. No início da primeira sessão, foram estabelecidas as regras de conduta (Regras de Ouro) das sessões, entre elas, "Não fale quando alguém estiver falando", "Seja simpático e educado com todos", "Não há respostas certas nem erradas, o seu contributo é que vale", relembradas no início das sessões subsequentes. Também foram fornecidas instruções acerca do funcionamento das sessões e sobre o comportamento esperado; comportamento inadequado significava que o aluno tinha escolhido não fazer parte da discussão e era convidado a sair da sala. Foi ainda produzido um cartaz com a inscrição "Silêncio" ("Obrigada" no verso), apresentado aos alunos sempre que necessário de forma a se restabelecer um ambiente de trabalho calmo, produtivo, focalizado na discussão do tema do dia.

Em cada sessão foi apresentado um conteúdo programático de Língua Inglesa diferente, sob a forma de textos e exercícios. Todos os conteúdos estudados nos Círculos de Debate foram abordados, simultaneamente, pelo restante dos alunos da turma com sua professora habitual. Pretendia-se que o grupo selecionado continuasse a acompanhar o andamento do programa seguido pela turma, mesmo ausente da sala de aula. Pelas particularidades dos participantes, também se revelou vantajoso apresentar os conteúdos através da comunidade de investigação gerada nas sessões, pois foram criadas oportunidades de desenvolvimento do pensamento, melhoria da autoestima e crescimento social. Esta combinação estratégica é conhecida como abordagem de infusão: aplicação do tempo para simultaneamente apresentar o programa curricular e melhorar a capacidade individual do aluno.

Com o objetivo de manter a regra-base das sessões, os alunos passaram entre si o "Microfone Mágico", sinal que identificava quem estava falando num dado momento, para assim o resto do grupo permanecer em silêncio e ouvir atentamente enquanto aguardava a vez de se pronunciar.

No final da sessão, os alunos preencheram o diário da sessão (student logs), no qual registraram suas opiniões sobre a sessão desse dia. Também votaram na "Pessoa Especial" do dia, e a criança selecionada recebeu um crachá com essa inscrição. Todos os dias uma nova criança era selecionada, que passava o dia com o crachá ao peito e o passava ao aluno selecionado no dia seguinte.

O estudo de caso permitiu o uso de uma variedade de fontes, dados e métodos de pesquisa como parte da investigação. No presente estudo, os dados foram recolhidos por meio de vários métodos para fortalecer a triangulação da informação, aumentar a validade dos dados, reduzir a parcialidade dos fatos e fortalecer a confiabilidade e a consistência da pesquisa. Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram: questionário, entrevista, observação participante, diário da sessão dos alunos e documentação escolar dos alunos. A fim de recolher dados sobre a percepção da autoestima dos alunos, foi-lhes pedido antes do início da intervenção que preenchessem um questionário, lido em voz alta para facilitar sua compreensão. Nesse mesmo momento, a professora da turma foi entrevistada para dar seu parecer sobre as dificuldades de aprendizagem dos dez alunos participantes. Também foi feita a observação dos alunos durante a intervenção de forma a detectar mudanças de comportamento e da autoestima. Foram ainda analisados os diários das sessões dos alunos onde ficaram anotadas suas reações a cada sessão. Por fim, a professora e o diretor da escola tiveram acesso à documentação confidencial relativa às especificidades das dificuldades dos alunos e providenciaram informações cruciais para o entendimento das características do grupo.

 

Resultados

Os questionários sobre autoestima revelaram que, apesar das suas dificuldades de aprendizagem, os alunos indicaram ter um bom conceito de suas habilidades intelectuais. Isto pode ter ocorrido devido à falta de maturidade para entender a verdadeira extensão de seus problemas de aprendizagem. Por exemplo, todos afirmaram que a qualidade de seu trabalho escolar era boa, apesar de cinco alunos não saberem ler ou escrever bem em inglês. O nível de autoconfiança não foi tão baixo quanto esperado, cinco alunos apresentaram níveis médios enquanto os restantes cinco estavam acima da média. Todos afirmaram que se sentiam bem consigo mesmos, embora cinco tenham indicado que gostavam de ser outra pessoa. Cinco alunos ainda indicaram ser independentes da ajuda dos pais, três ainda necessitavam de ajuda e dois eram totalmente dependentes dos pais.

As informações fornecidas pela professora na entrevista contradisseram alguns destes dados. Em sua opinião, apenas três alunos eram muito confiantes, outros três eram razoavelmente confiantes, enquanto quatro demonstravam ter baixa autoestima. Informou que apenas cinco alunos eram suficientemente independentes para trabalhar sozinhos, enquanto os alunos restantes requisitavam mais sua ajuda, em particular a aluna cuja língua-mãe era o português. Na ótica da professora, oito alunos tinham consciência de suas dificuldades e entendiam quais eram seus pontos fortes e pontos fracos e, por essa razão, poderiam sentir-se mais competentes em algumas áreas do currículo e mostrar autoestima mais elevada. Para ela, quatro alunos sentiam-se confiantes o suficiente para participar na aula, enquanto os restantes eram mais reservados. No que diz respeito à motivação, a professora revelou que a criança de língua-mãe portuguesa demonstrava os níveis de interesse e motivação mais elevados da turma. O fato de ela ter chegado à Inglaterra como refugiada política de um país pobre, e, pela primeira vez, estudar num ambiente seguro e afetuoso, pode ter contribuído para esse interesse acentuado. Sete crianças necessitavam de muito apoio individual para completar exercícios; as crianças inglesas necessitavam de tanto apoio linguístico quanto os alunos estrangeiros.

Os dados recolhidos pela observação feita durante as sessões de Círculos de Debate, em relação a seu impacto sobre a confiança e autoestima das crianças, revelaram que, no início da intervenção, nenhuma das crianças se sentia confiante para expressar suas idéias e todas tinham receio em partilhar seus pensamentos abertamente. Mas, gradualmente, todas começaram a apreciar as atividades e a pronunciar-se com mais confiança. Quanto às habilidades de comunicação do grupo, sete alunos possuíam habilidades de compreensão auditiva e discursiva bem desenvolvidas, embora a maioria fosse estrangeira. Já três alunos ingleses que não participavam ativamente no trabalho de grupo apresentavam estas habilidades pouco desenvolvidas. Os alunos estrangeiros também tinham sido apontados pela professora como os mais rápidos a absorver ideia e conceitos novos, demonstrando boa capacidade de operar em nível abstrato e imaginativo. Isto pode explicar como a criança que falava português conseguiu aprender a falar inglês básico em seis meses, apesar de necessitar de apoio. Também ficou evidente que todos os alunos possuíam altos níveis de motivação. Apenas quatro alunos eram inicialmente tímidos devido à falta de confiança e autoestima baixa, situação que se alterou durante a intervenção. Todos possuíam um bom índice de atenção, com exceção de uma aluna que era facilmente distraída, não por falta de motivação, mas por necessidade de atenção. Também ficou evidente uma mudança de comportamento gradual, pois todos os alunos seguiram as Regras de Ouro impostas nas sessões e, quando não o faziam, eram os próprios alunos a intervir, explicando que só o colega com o Microfone Mágico podia se pronunciar no círculo.

Os diários da sessão preenchidos pelos alunos também revelaram um interesse crescente durante a intervenção, com todos os alunos a conseguir registrar, ou pedir ajuda para registrar, sua opinião.

A informação confidencial sobre os alunos, providenciada pela professora e diretor da escola (sem identificar alunos), esclareceu que as dificuldades de aprendizagem do grupo eram moderadas e estavam ligadas a dislexia, problemas emocionais e de natureza linguística.

 

Discussão dos resultados

Devido à curta duração da intervenção, foi difícil determinar a extensão do impacto da intervenção sobre a aprendizagem. Todavia, ficou evidente que os alunos preferiram aprender os conteúdos programáticos através dos Círculos de Debate em vez das aulas regulares. Os alunos justificaram esta preferência por terem mais tempo para pensar, por terem a possibilidade de passar a vez enquanto pensavam nas respostas, por considerarem as atividades mais fáceis e divertidas e por apreciarem jogos que envolviam movimento. Todos participaram entusiasticamente das sessões, embora alguns alunos fossem mais reservados. As atividades das sessões motivaram os alunos a aprender os conteúdos, a participar mais para partilhar seus pensamentos, opiniões e sentimentos abertamente. Inegavelmente, atividades que possuam originalidade e que sejam criativas e divertidas tornam-se mais interessantes e apelativas do que atividades triviais. Então, parece lícito afirmar que isto é valido tanto para a educação de adultos como para a educação de crianças, para quem a brincadeira é uma forma natural de aprendizagem e um modo seguro de experimentar ou testar aspectos como novas atitudes sociais. Os Círculos de Debate forneceram um sentido de responsabilidade coletiva, promoveram a autoestima e comportamentos positivos através da cooperação e apoio mútuo. Os alunos tiveram a oportunidade de comparar comportamentos e desenvolver autodisciplina através do cumprimento das regras estabelecidas para controlar seu próprio comportamento. Como já ficou claro, um dos aspectos positivos dos Círculos de Debate relaciona-se com o ambiente seguro e convidativo gerado pelas sessões. Mosley (1996) sugere que estas fornecem um sistema de escuta em grupo perfeito para melhorar a autoestima das crianças e promover valores morais através da construção de um espírito de equipe e desenvolvimento de aptidões sociais. Conclui-se, assim, que a aprendizagem por meio desta intervenção vai além do desenvolvimento da linguagem e pensamento das crianças, promove também seu desenvolvimento pessoal e social. As crianças sentem que fazem parte de um grupo e são influenciadas pelo comportamento e atitudes de seus pares, o que serve de base para a criação de suas próprias idéias.

Ballard (1982) descreveu os Círculos de Debate como a fusão de três aspectos: autoconsciência, habilidades pessoais e habilidades sociais e de grupo. Estes elementos estão presentes quando indivíduos se envolvem com um grupo social. O estudo revelou que a intervenção provocou a melhoria da autoconsciência dos alunos. Isto parece ser crucial uma vez que devemos aprender e entender mais sobre nós mesmo para poder aprender e entender melhor os outros. As sessões ofereceram inúmeras oportunidades para os alunos refletirem sobre diferentes assuntos e pontos de vistas próprios e de outrem. Consequentemente, suas respostas tornaram-se mais elaboradas e coerentes, levando a um forte sentimento de valor pessoal e sucesso. Autoconsciência é entendida como a chave da autoestima e, por isso, educadores deveriam se concentrar no estímulo do autoconceito das crianças e no desenvolvimento das habilidades de comunicação que levarão a um sentido de confiança mais forte. De acordo com a teoria de Rogers (1980), as crianças possuem a capacidade de reorganizar suas autopercepções e de adquirir uma autoestima mais positiva. À medida que a intervenção progrediu, os alunos aceitaram atividades mais difíceis, refletindo uma melhor autoconsciência de suas capacidades e ausência de receio de fracassar, pois compreenderam que não havia vencedores nem vencidos nas sessões. Os estudos de Burns (1982) demonstraram que, quando se oferece às crianças um relacionamento respeitoso e uma conduta calorosa e assistida, seus desempenhos sociais e acadêmicos florescem. Mosley (1996) acrescentou que, quando uma criança se sente segura num grupo de Círculos de Debate em que confia e valoriza, e o grupo a valoriza e aceita suas idéias, a convida para participar em atividades divertidas e aplaude seus êxitos, essa criança passará a ver-se como um indivíduo mais valioso, forte, capaz e digno de confiança.

Tem surgido alguma preocupação em relação à atenção insuficiente que habitualmente se dá às habilidades discursivas e de compreensão auditiva na sala de aula comum. Ainda se considera que estas habilidades são negligenciadas pelos métodos de ensino tradicionais. Curry e Bromfield (1994) sugeriram que um dos aspectos mais salientes das atividades dos Círculos de Debate é a habilidade de compreensão auditiva ativa, vital para que seja criado um ambiente de cooperação e respeito mútuo. Num debate, é importante que os indivíduos saibam se comunicar entre si e para isso, é vital que saibam se expressar, mas também tenham a capacidade de ouvir, aptidão que é necessário desenvolver nas crianças. E foi isso que aconteceu com a passagem do Microfone Mágico durante as sessões desta pesquisa. Todos os alunos tiveram a oportunidade de se expressar e de serem ouvidos, o que, sem dúvida, contribuiu para a melhoria da capacidade de concentração e respeito por outras opiniões.

A intervenção aqui sintetizada possibilitou a observação de algumas melhorias imediatas, em particular em relação às habilidades sociais, com comportamento melhorado e sentimentos de amizade, respeito e tolerância reforçados, melhoria das habilidades de comunicação e confiança. No entanto, devido à curta duração da pesquisa, não se pode afirmar que a intervenção tenha provocado mudanças nas habilidades cognitivas dos alunos. A eficácia de intervenções de Círculos de Debate com crianças com dificuldades de aprendizagem já foi demonstrada por outros estudos, mas é necessário realizar mais pesquisa com grupos semelhantes por períodos de tempo mais prolongados para comprovar eventuais mudanças cognitivas. Alguns estudos afirmam que melhorias cognitivas só ocorrem com intervenções com duração de um a dois anos (FEUERSTEIN et al., 1985).

No início da intervenção, os alunos demonstravam ter autoestima baixa e falta de confiança em si mesmos, acentuadas por habilidades de comunicação pobres, embora tenham afirmado o contrário nos questionários. Porém, as sessões de Círculos de Debate criaram um ambiente imune a críticas negativas e à troça, mostrando que era seguro partilhar as opiniões. O círculo ouvinte encorajou a participação ativa dos alunos, aumentando sua confiança e autonomia. A atmosfera criada pelas Regras de Ouro e o formato das sessões também constituíram um elemento de ligação entre os participantes, já que seus receios e desejos eram basicamente os mesmos: se expressar e ser ouvido com confiança e sem medos de nenhuma espécie.

 

Considerações finais

Uma das preocupações centrais da pesquisa foi a criação de um ambiente seguro e afetuoso, onde todos se sentissem seguros e motivados a participar. Os Círculos de Debate promoveram a autoestima das crianças através do reconhecimento público e aceitação de cada uma delas e ao prestigiar publicamente suas habilidades e feitos educacionais. Era necessário que sentissem que faziam parte de um grupo em quem podiam confiar, com problemas, mas também objetivos semelhantes. As sessões também promoveram sentimentos de aceitação e apoio dentro da comunidade criada pelo círculo, no qual o aluno usou inúmeras habilidades interpessoais, desenvolveu a habilidade de ouvir os demais e respeitar diferentes pontos de vistas, amadurecendo suas habilidades sociais e comunicativas.

Parece ser oportuno sugerir que é vantajoso utilizar formas alternativas de educação para alunos com dificuldades de aprendizagem. Estes alunos enfrentam problemas adicionais, pois além de sua capacidade cognitiva deficiente, apresentam ainda baixa autoestima e falta de confiança cognitiva para ultrapassar o medo do fracasso, o que, em conjunto, prolonga o ciclo de experiências infrutíferas. Os Círculos de Debate aqui apresentados revelaram ser uma estratégia eficaz e divertida de apresentar conteúdos programáticos de Língua Inglesa a alunos com NEE, pois permitiram ainda o desenvolvimento de aspectos igualmente importantes para indivíduos com essas características: autoestima, autoconceito, motivação e participação em sala de aula. Com a promoção do aproveitamento escolar destes alunos, promove-se ainda sua inserção escolar e social, como indivíduos mais aptos, autônomos e confiantes na sua capacidade participativa na sociedade.

 

Referências

Ainscow, M. (2000). The next step for special educational needs - supporting the development of inclusive practices. British Journal of Special Education. Cambridge, vol.27,n.2,pp.76-80.         [ Links ]

Ballard, J. (1982). Circlebook: A leader handbook for conducting Circle Time. Nova York, Rivington.         [ Links ]

Beveridge, S. (1999). Special educational needs in schools. Londres, Routledge.         [ Links ]

Burns, R. (1982). Self concept development and education. Londres, Holt, Rinehart & Winston.         [ Links ]

Curry, M. & Bromfield, C. (1994). Personal and social education for primary schools through Circle-time. NASEN.         [ Links ]

Department of Education and Employment. (1997). The SENCO Guide. Londres, The Stationery Office.         [ Links ]

Farrell, M. (2000). Educational inclusion and raising standards. British Journal of Special Education, vol.27,n.1,pp.35-38.         [ Links ]

Feuerstein, R. (1998). The theory of mediated learning experience: about human as a modifiable being. Jerusalém, Ministry of Defense Publications.         [ Links ]

______; Rand, Y.; Hoffman, M.B. & Jensen, M.R. (1985). "Instrumental Enrichment, An Intervention Program for Structural Cognitive Modifiability: Theory and practice". In: Segal, J.W.; Chipman, S.F. & Glaser, R. Thinking and learning skills, vol. 1: Relating Instruction to Research. Londres, Lawrence Erlbaum Associates.         [ Links ]

Kozulin, A. & Rand, Y. (2000). Experience of mediated learning: An impact of Feuerstein's theory in Education and Psychology. Oxford, Elsevier Science Ltd., Pergamon.         [ Links ]

Mosley, J. (1996). Quality Circle Time in the primary classroom. Cams, LDA.         [ Links ]

Rogers, C.R. (1980). A way of being. Boston, Houghton Mifflin.         [ Links ]

Ruble, D. (1983). "The development of social comparison processes and their role in achievement-related self-socialization". In: Higgins, T.; Ruble, D. & Hartup, W. (orgs.). Social cognitive development: A social-cultural perspective. Cambridge, MA, Cambridge University Press.         [ Links ]

Treasure, D. C. & Biddle, S. (1997). Antecedents of physical self-worth and global self-esteem: Influences of achievement goal orientations and perceived ability. Paper presented at the annual conference of the North American Society of the Psychology of Sport and Physical Activity, Denver, Colorado.         [ Links ]

Warnock, M. (1978). Special Educational Needs: Report of the Commission of Enquiry into the Education of Handicapped Children and Young People. London: HMSO.         [ Links ]

 

 

1 Este artigo apresenta a síntese de uma pesquisa de Mestrado em Educação Especial realizada por Stela Rodrigues na Universidade de Newcastle, na Inglaterra, em 2001.
2 Etapa 1: Professor registra suas preocupações sobre a aprendizagem do aluno e toma as medidas necessárias com o auxílio dos pais. Etapa 2: Caso as medidas implementadas na Etapa 1 não surtam efeito, é envolvido o coordenador das NEE da escola, que traça um Plano Educativo adequado às necessidades do aluno e monitora seu progresso. Etapa 3: Aluno passa para esta etapa caso seu problema persista. É requerido o aconselhamento de especialistas externos à escola (e.g. psicólogos educacionais) e emendado o Plano Educativo. Após consultas posteriores, pais e profissionais envolvidos podem solicitar à escola uma avaliação estatutária (Etapa 4, já sob a tutela da direção regional de educação).combinação estratégica é conhecida como abordagem de infusão: aplicação do tempo para simultaneamente apresentar o programa curricular e melhorar a capacidade individual do aluno.

Creative Commons License