SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número33Autoeficácia e características de dotação e talento: análise cientométricaEstudantes com grau extremo de ansiedade à matemática: identificação de casos e implicações educacionais índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.33 São Paulo dez. 2011

 

Formação de conceitos em sexualidade na adolescência e suas influências

 

Formation of concept in adolescence sexualityand their influence

 

Formación de concepto en sexualidad en adolescencia y su influencia

 

 

Caroline Andreia Garrido MarolaI; Carolina Silva Munhoz SanchesII; Lucila Moraes CardosoIII

IArte-educadora de escola estadual da região metropolitana de Campinas. Graduanda da Faculdade de Americana
IIGraduanda da Faculdade de Americana
IIIProfessora da Faculdade de Americana

 

 


RESUMO

A produção e a divulgação de informações sobre sexualidade para adolescentes são precárias e contribuem para disseminar a desinformação. É necessário verificar como adolescentes lidam com a formação de conceitos sobre sexualidade, comparar o grau de informação entre grupos de adolescentes de educação formal, não formal e informal e conhecer algumas influências na formação desses conceitos. Para tal, 27 adolescentes, entre 13 e 19 anos, responderam um questionário sobre sexualidade. Observou-se que mais da metade dos jovens não demonstraram adequado conhecimento sobre o tema, havendo diferença significativa de informação entre os grupos. Embora a maioria dos adolescentes afirmou ter contato com o tema na escola e na família, eles reconhecem os amigos como principal fonte de influencia. Esses resultados evidenciam a necessidade de melhorar os espaços destinados para formação.

Palavras-chaves: educação sexual; sexualidade; adolescente.


ABSTRACT

The production and dissemination of information on sexuality for adolescents are poor and contribute to spread disinformation. It is necessary to ascertain how adolescents deal with the formation of concepts about sexuality, comparing the degree of information between groups of teenagers from formal education, non formal and informal learning and know some influences on the formation of these concepts. To this end, 27 adolescents, between 13 and 19 years, answered a questionnaire about sexuality. It was observed that more than half of young people did not demonstrate adequate knowledge of the topic, there is a significant difference of information between groups. While most teenagers said they had contact with the subject in the school and family, they recognize their friends as their main source of influence. These results highlight the need to improve the spaces intended for training.

Keywords: sexual education; sexuality; adolescent.


RESUMEN

La producción y difusión de información sobre sexualidad para los adolescentes son pobres y contribuye a la desinformación. Es necesario determinar cómo los adolescentes tratan frente a la formación de conceptos acerca de la sexualidad, comparar el grado de información entre grupos de la educación formal, no formal e informal y conocer algunos factores que influyen en la formación de estos conceptos. Con este fin, 27 adolescentes, entre 13 y 19 años, respondieron un cuestionario acerca de la sexualidad. Se observó que más de la mitad de los jóvenes no demuestran un conocimiento adecuado del tema, ha diferencia significativa de información entre los grupos. La mayoría de los adolescentes reconocen a sus amigos como su principal fuente de influencia. Estos resultados destacan la necesidad de mejorar los espacios destinados a la formación.

Palabras clave: educación sexual; sexualidad; adolescente.


 

 

Introdução

A vivência da sexualidade e o termo sexualidade foram expostos a diferentes sentidos ao longo da história. A história da sexualidade no Ocidente aponta que na antiguidade grega e romana vivenciava-se uma liberdade sexual sem referência à noção de pecado ou da moral, pois vivia-se o completo prazer tendo o sexo tanto para a reprodução como também para busca de sentimentos profundos do amor, assim como o prazer sexual e a sensualidade (Pereira, 2008). Na ascensão do Cristianismo, "construiu-se uma moralidade permanente" mantendo a castidade ou o casamento reforçando a recusa do prazer sexual, reduzindo assim as práticas sexuais para "limites estreitos dos interesses procriadores" (Lima, 1996, p. 38).

Segundo Foucalt citado por Pereira (2008), o Cristianismo contribuiu para a construção de novas técnicas para impor essa moral. Essa postura coercitiva e silenciosa sobre a sexualidade perdurou até que Freud, no século XX, abriu "novas perspectivas para o estudo das pulsões sexuais" e a partir da medicina, conseguiu se livrar das limitações impostas pelo moralismo cristão (Lima, 1996, p. 48).

Atualmente, a sexualidade humana é definida como uma dimensão biológica produzida no contexto social, cultural e histórico, no qual o sujeito se encontra inserido (Carvalho, Rodrigues & Medrado, 2005). Recebendo, deste modo, forte influência do convívio social na construção da significação para o sujeito. Kahhale (2007) reforça o sentido da sexualidade como um processo simbólico e histórico ao afirmar que a constituição da identidade de um sujeito se manifesta na forma como ele vive as questões de trato íntimo, considerando as questões morais e éticas do grupo social em que está inserido.

Assim como a sexualidade, a saúde sexual e a saúde reprodutiva tiveram ao longo da história uma série de significações, sendo influenciadas pelas necessidades do contexto histórico. Segundo Diaz (1999), a saúde sexual esteve ligada à saúde reprodutiva da mulher, sendo discutida a fecundação como única necessidade sexual, sem pensar na existência do prazer feminino. No âmbito da reprodução, atribuía-se somente à mulher a responsabilidade de prevenir ou cuidar de uma gravidez, assim como de cuidar da prole.

Em meados da década de 70, o movimento feminista ganhou espaço nas intervenções políticas (Marques & Ferreira, 2008) provocando inúmeras modificações em diversas áreas da sociedade (Diaz, 1999). A conquista do exercício dos direitos sexuais e reprodutivos forçou o direcionamento da atenção dos serviços de saúde à desmistificação das práticas sexuais e reprodutiva, reforçando a importância de práticas que apresentavam uma aproximação do corpo e promoção à saúde.

Segundo a definição adotada pela OMS, os direitos sexuais seguem os direitos humanos que já são reconhecidos pelas leis e documentos internacionais consensuais. Eles incluem o direito de todas as pessoas e repudiam qualquer forma de coerção, discriminação ou violência, devendo ser protegidos e respeitados.

O processo de consolidação do conceito de direitos reprodutivos teve como principal agente a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio de grandes conferências realizadas na década de 90, nas quais as reivindicações dos movimentos das mulheres tiveram o alcance institucional necessário para expandir suas ideias aos campos de intervenção na área da saúde reprodutiva (Tonelli, 2004).

Destaca-se, como marco principal, a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento na qual houve a superação da perspectiva de saúde reprodutiva que enfatiza o controle da natalidade, além do reconhecimento da sexualidade como uma esfera positiva da atuação humana que inclui sexo, identidades e papéis de gênero, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução (Tonelli, 2004).

Nesse contexto, a educação sexual tem um papel importante na evolução da construção histórica, que, segundo Vitiello (1994), é o processo educativo especificamente voltado para a formação de atitudes referentes à maneira de viver a sexualidade. Sendo assim, a educação sexual visa levantar argumentos sobre a sexualidade, não no sentido de problematizá-la, mas sim de demonstrar evidências para que seja compreendida como algo existente e predominante no aspecto histórico-cultural, apresentando conhecimentos para o entendimento das crenças e preconceitos que foram criados ao longo da história (Dinis & Assinelli-Luz, 2006).

Em vista da diminuição de uma formação equivocada, busca-se o desenvolvimento de ações de educação sexual em que sejam abordados temas mais recorrentes e de interesse dos envolvidos no processo de educação (Altmann, 2003, 2007, 2009). Desta forma, há a importância de se conhecer o público a ser trabalhado. No caso do presente artigo, o foco é o adolescente.

O conceito de adolescência construída, termo cunhado por Ozella (2003) e Aguiar e Ozella (2008), traz a dimensão social da construção da subjetividade de cada sujeito. De acordo com este pensamento, as vivências dos jovens de 12 a 18 anos - idade dos adolescentes, segundo o Estatuto da Criança e Adolescente (Brasil, 2005) - deve ser visto como singular e único dentro das possibilidades de construção de sentido de cada adolescente.

A vivência da sexualidade também inclui temas como anticoncepção ou contracepção, doenças sexualmente transmissíveis e HIV/Aids, homossexualidade e masturbação, como temas muito presente em nossas vidas, principalmente na adolescência como um período de transformações físico-psicossociais (Rodrigues Jr., 1993).

Os adolescentes estão expostos a uma série de influências sociais e culturais e, muitas vezes, acabam apreendendo informações generalizadas sobre sexualidade. Existe uma grande quantidade de material midiático produzido sobre o assunto voltado para os adolescentes, mas não ocorre o mesmo para publicação de material informativo (Miguel & Tonelli, 2007). Esse tipo de informação midiática promove uma visão superficial e preconceituosa sobre opção sexual, prática sexual, prazer, prevenção de DST e gravidez, entre outras questões, quando compartilhadas restritamente entre os próprios adolescentes (Sousa, Fernandes & Barroso, 2006).

É importante ressaltar que os(as) adolescentes e os(as) jovens têm direito de ter acesso a informações e educação em saúde sexual e saúde reprodutiva e de ter acesso a meios e métodos que os auxiliem a evitar uma gravidez não planejada e prevenir-se contra as doenças sexualmente transmissíveis/HIV-AIDS, respeitando-se a sua liberdade de escolha (Tonelli, 2004). Apesar disso, conteúdos como direitos sexuais e reprodutivos são pouco conhecidos dos adolescentes e são de fundamental importância para se pensar na saúde sexual da população jovem (Diaz, 1999).

A pouca informação nesse aspecto da saúde sexual leva muitos adolescentes a emitirem conceitos distorcidos. Em pesquisa com adolescentes do Rio de Janeiro, Merchan-Hamann (1995) encontrou adolescentes que creem na transmissão do vírus HIV-Aids por insetos, pelo uso de vaso sanitário, uso de copos e talheres, cumprimento, entre outros.

O trabalho sobre sexualidade com adolescentes deve perpassar temáticas que envolvem desde o descobrir do próprio corpo até o ato sexual em si. Para Monesi (1993), a masturbação é uma prática muito comum e importante para o autoconhecimento do corpo, mas nem sempre é aceita com naturalidade pelos familiares. A repressão da masturbação durante o desenvolvimento contribui para o início de uma possível restrição da sexualidade na vida adulta.

Segundo Rodrigues Jr. (1993), a masturbação e o tocar-se mutuamente são comportamentos esperados durante o desenvolvimento sexual na adolescência, pois é o período de formação de sua identidade sexual, que se desenvolve naturalmente. Ainda assim, numa cultura heteronormativa, que marginaliza a homossexualidade, os adolescentes sofrem emocionalmente por praticarem esses comportamentos, que muitas vezes são considerados atos homossexuais (Louro, 2000). A rejeição à homossexualidade elicia alguns jovens a desempenharem suas atividades sexuais longe da comunidade (Louro, 2000), ficando vulneráveis às experimentações sexuais sem nenhum tipo de proteção (Rodrigues Jr., 1993), ampliando o leque de possibilidades de adquirir doenças sexualmente transmissíveis.

Os adolescentes dão início à vida sexual entre os 15 e 16 anos (Vitiello, 1994). Uma idade em que os adolescentes deveriam estar na escola. Apesar disso, observa-se que os professores não recebem apoio ou orientação para falar sobre o assunto. Na maioria das vezes, o adulto tende a falar da biologia da reprodução e não se aprofunda nos demais aspectos já citados.

Ações de educação sexual podem ser oferecidas em âmbito formal, não formal e informal. O modelo de educação formal ocorre quando a instituição está devidamente organizada e estruturada em relação ao seu material pedagógico, formação de seus educadores e currículo (grade curricular ou disciplinar) com o intuito de que sejam contemplados todos os conteúdos significativos (do ponto de vista de quem formula a proposta) na área (Brandão, 1998).

Neste caso, há instituições, como Organizações Não Governamentais (ONGs), vinculadas à Secretaria de Saúde de determinados municípios, que se ocupam em formar adolescentes a partir de material específico e qualificado com abrangência de todos os conteúdos sobre sexualidade e saúde sexual. Essas instituições assumem a responsabilidade sobre a educação sexual dos adolescentes, encaixando-se na categoria de educação formal, pois há o formalismo pedagógico em suas ações e conteúdos (Garcia, 2009). Com profissionais especializados, essa formação tende a ser completa, preparando, em muitos casos, adolescentes multiplicadores, que se tornam responsáveis em difundir o conhecimento adquirido na instituição em outros ambientes e para outros adolescentes.

Em se tratando de educação não formal, a flexibilidade de tempo e conteúdos são características fundamentais, ocorre em uma área não-escolar tendo maior envolvimento com a comunidade e ligação com as práticas do cotidiano, possibilita uma participação voluntária e atemporal e favorece a transformação pessoal e social (Garcia, 2009). A educação sexual que segue o modelo não formal pode ocorrer em dispositivos de organizações locais com associações de bairro, vincular-se a ações mais amplas vinculadas ao governo local (prefeitura) ou a ONG. Portanto, na educação não formal, os conteúdos a serem trabalhados são direcionados pelo próprio educando que dá indícios de quanto aprofundar e/ou prosseguir com os temas determinados.

Existe, também, um 'modelo' de educação que permeia todas as demais formas de aprendizagem, que é a educação informal, podemos chamá-la de informação do senso comum. Como em qualquer outro tema, mas certamente sobre sexualidade, esse tipo de informação é amplamente conhecido já que independe de espaço, tempo ou conteúdo - está em todos os ambientes, o todo tempo e voltado para todos os interesses comuns. Fundamental para o próprio processo de socialização, a educação informal nos torna parte de uma cultura social (Garcia, 2009), ensinando os valores morais básicos do grupo, as regras e normas, os núcleos de interesse por faixa etária ou classe social, os conceitos e preconceitos acerca do outro e de si mesmo, enfim, a educação informal ocorre 'naturalmente' ao longo do processo de enculturação.

A educação informal se caracteriza pela ausência de qualquer planejamento, formalidade e institucionalização, na qual os sujeitos não têm percepção de seu envolvimento em uma relação educativa permanente e ininterrupta e não têm a intencionalidade de educar (Garcia, 2009). Em relação à sexualidade, esse processo de socialização implica inúmeras distorções e preconceitos tendo como pano de fundo as relações de poder, a busca pela manutenção da ordem social, os valores de determinado grupo, as crenças e valores religiosos.

O acesso à educação informal, quando o assunto é sexualidade, é feito nas rodas de amigos, nas buscas por curiosidades na internet, nas transmissões televisivas de conteúdos sensual ou sexual, nas revistas para o público jovem e adulto e, também, na ocultação (negação) por parte de pais e adultos da realidade da vida sexual e da saúde sexual e reprodutiva. O conceito e a prática da masturbação, muito influenciados pela família, seus tabus e preconceitos (Camargo & Ferrari, 2009), exemplificam a forma de transmissão de conhecimento de uma educação sexual informal.

Em resumo, a educação formal necessita de um currículo específico, que se justifique e que respeite a ordem hierárquica, já a educação não formal é menos burocrática (Gadotti, 2005), enquanto a educação informal perpassa todas as relações de aprendizagem do nosso cotidiano, seja em uma roda de amigos ou no ambiente familiar. Porém, historicamente a educação sexual esteve ligada prioritariamente à área da saúde, mesmo na escola esse trabalho se destina ao professor de ciências que propicia um conhecimento restrito às questões do corpo, das doenças e da reprodução (Altmann, 2003, 2007).

Atualmente pesquisas mostram que a formação de educadores é uma questão de fundamental importância para que a prática da educação sexual seja bem-sucedida (Silva & Neto, 2006). Muitos dos responsáveis pela formação de adolescentes apresentam dificuldade em trabalhar com o tema da sexualidade e possuem muitas dúvidas em relação a diversos aspectos vinculados (Merchan-Hamann, 1995), encontrando segurança nos livros de Ciências, reforçando a ideia da sexualidade como assunto de saúde pública. Resta aos adolescentes a busca por um maior conhecimento do tema nos materiais midiático já que é exigue o material informativo sobre o tema voltado para este público (Miguel & Tonelli, 2007).

Essa realidade pode ser encontrada no meio científico contemporâneo (Romero, Medeiros, Vitalle, & Wehba, 2007), em que se busca desvendar a sexualidade adolescente priorizando-se o ponto de vista biológico. Foi feita uma busca na base de dados Scielo, pelas palavras-chave "sexualidade e adolescência". Dentre os artigos encontrados, aproximadamente 28% têm como tema central a gravidez na adolescência, 19% tratam da prevenção e conhecimento de doenças sexualmente transmissíveis, em especial a Aids, e 15% sobre a vivência da sexualidade para adolescentes com deficiência. Portanto, não são proporcionalmente significativas as publicações que buscam traçar um perfil do entendimento que esses adolescentes têm da sua sexualidade (cerca de 6%), muito menos das influências de espaços culturais e sociais nessa formação (cerca de 2%).

A questão da sexualidade ainda é encarada como tabu (tema de pequena projeção e aprofundamento no cotidiano das pessoas) e faz com que o jovem carregue e dissemine uma série de desinformações. Portanto, é necessário verificar como adolescentes lidam com a formação de conceitos na área da sexualidade, comparando o grau de informação de adolescentes com diferentes tipos de formação sobre o tema (educação formal, não formal e informal) e conhecer as influências fundamentais para a formação de conceitos em sexualidade.

 

Método

Participantes e local

Participaram da pesquisa 27 adolescentes com diferentes formações em sexualidade. Nove adolescentes pertenciam a um grupo multiplicador (representantes de uma educação formal), nove adolescentes participantes de encontros periódicos como rodas de conversa, nas quais as vezes se fala sobre sexualidade (educação não formal) e os demais que não participavam de nenhuma atividade ligada à formação na área (educação informal). Todos os grupos foram pareados em relação à idade e sexo dos participantes.

Foram convidados 22 adolescentes que atuam em um grupo de adolescentes agentes multiplicadores voluntários de saúde. Esse grupo foi capacitado por uma Organização Não Governamental (ONG), ligada à Secretaria Municipal de Saúde na mesma cidade do interior de São Paulo. A ONG tem suas ações voltadas para a educação sexual e para a conscientização e luta pelos direitos sexuais e reprodutivos. Dos 22 adolescentes, nove se interessaram por participar da pesquisa.

O grupo de educação não formal foi composto por jovens que frequentavam uma ONG voltada para a promoção social em uma cidade do interior do estado de São Paulo. Nessa instituição, os conteúdos sobre sexualidade eram abordados em rodas de conversa, nas quais eram fornecidas informações e orientações por parte dos profissionais responsáveis pelo grupo de adolescentes. O grupo de adolescentes é composto por 16 jovens, e todos se dispuseram a participar da pesquisa. Dos questionários respondidos por esse grupo, foram selecionados nove, seguindo a proposta de parear os grupos em relação à idade e sexo.

Os nove adolescentes que representaram a amostra de educação informal foram convidados a participar da pesquisa por estudar numa escola estadual do interior do estado de São Paulo e não participar de grupos que abordam uma formação em sexualidade. Esse grupo obtinha as informações sobre sexualidade nas aulas de Ciências e Biologia e não participava de outros espaços em que se discutia sobre sexualidade.

Todos os adolescentes tinham idade entre 14 a 19 anos (M=15,93 e DP= 1,107), 74% eram do sexo feminino e 96% estudavam em Escola Estadual. Com relação ao nível de escolaridade, 26% cursavam 1º ano do Ensino Médio (E.M.), 41% segundo ano do E.M., 22% no 3º ano do E.M., 7% no nono ano do Ensino fundamental e um participante não respondeu essa pergunta.

Instrumentos

Foi elaborado um questionário com o objetivo de verificar o conhecimento de conceitos relacionados à sexualidade humana e quais as fontes identificadas pelos participantes de influências sociais para formação desses conceitos. O questionário foi composto por 66 questões, sendo cinco perguntas iniciais para identificação do sujeito e oito questões que buscavam informações sobre o contexto em que os adolescentes viviam, entre outras.

No decorrer do questionário, havia cinco questões abertas, nas quais o participante deveria escrever o que entendia sobre determinado tema, a saber, Sexualidade, Masturbação, Homossexualidade, DST/HIV-Aids e Contracepção e Anticoncepção. Após cada um desses conceitos, havia uma escala Likert de cinco pontos, variando desde nenhuma influência até influência total, para que o adolescente marcasse o grau dos fatores de influência social (escola, família, grupo de amigos, internet, religião, televisão e outros). Também compuseram o questionário, uma questão aberta sobre direitos sexuais e reprodutivos e quatro questões dicotômicas que tratavam de aspectos relacionados a esse conceito.

Para análise das questões abertas, foi elaborado um crivo de correção. Cada um dos conceitos possuía pelo menos cinco ideias fundamentais que eram esperadas nas respostas. Assim, cada critério encontrado na resposta recebeu um ponto, isto é, cinco pontos possíveis para cada questão, num total de 25 pontos potenciais para soma de todos os conceitos.

Para a questão sobre Sexualidade, esperavam-se ideias relacionadas aos termos corpo, prazer, autoestima, diversidade e gênero; para Masturbação, associações com prazer, autonomia, corpo, estimulação e órgãos genitais; para Homossexualidade, deveria aparecer ideias em torno de opção/orientação sexual, autoimagem (identidade de gênero), diversidade, prazer e relacionamento afetivo; para DST/HIV-Aids, as palavras vulnerabilidade, prevenção, saúde sexual, modo de transmissão e tipo de DST (ao menos uma além do HIV/Aids) eram esperadas; no conceito de Contracepção, aguardava-se que fossem tratados ao menos um tipo de método, prevenção à gravidez indesejada, direitos sexual e reprodutivo, orientação médica e saúde sexual.

A elaboração desse crivo teve participação do conhecimento formal de uma das pesquisadoras sobre o assunto sexualidade e da experiência com adolescentes em diferentes contextos de formação por parte de sua parceira de pesquisa.

Procedimentos

Foram cumpridos todos os requisitos éticos da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Após o consentimento das instituições, foi feito o contato com os responsáveis pelos grupos. Por se tratar de adolescentes, os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram assinados tanto pelos pais como pelos próprios adolescentes. A entrega aos pais foi realizada ora pelas próprias pesquisadoras, ora pelos educadores dos grupos, sempre fornecendo breve informação sobre a pesquisa.

Após a devolução dos TCLE assinados, foi agendado um dia específico para aplicação coletiva do questionário. Em todos os encontros para administração do questionário, estiveram presentes dois examinadores com o intuito de garantir a padronização do processo, sendo assegurados os mesmos critérios de aplicação em todos os grupos. O tempo dispensado para o preenchimento do questionário variou entre 15 minutos e 1 hora.

Primeiramente considerou-se o aspecto qualitativo das questões abertas do questionário e, posteriormente, a definição atribuída aos conceitos. Para a correção dos conceitos sobre sexualidade, foi usado o crivo de correção. Em seguida, os dados dos questionários foram digitalizados no pacote estatístico SPSS.

 

Resultados

Foi realizada estatística descritiva para caracterização dos participantes e, em seguida, foi realizado X2 para verificar possíveis diferenças entre os grupos de educação formal, informal e não formal. Do total de participantes, 63% relataram ter recebido educação sexual na escola, a idade em que a maioria recebeu orientação sexual na escola foi 13 anos (M=14,45, DP=3,5), e 51,9% afirmaram conversar com os pais sobre sexualidade. Além disso, 92,6% contaram que conversam com os colegas da escola sobre sexo e 40,7% informaram que buscam conteúdos sobre sexo na internet. Ademais, 33,3% dos participantes disseram receber informações sobre sexo por meio de seus vínculos religiosos e 40,7% consideraram receber informações sobre sexo por meio da televisão. Os programas de TV que foram citados são "Pânico na TV" (mencionado 1 vez), "Filmes" (1), "Programa de vendas eróticas" (1), "Propagandas" (2), "Novela das 20h" (1), "Legendários" (1), "Vários educacionais" (1), "Amor e sexo" (1), "Mulheres" (1), "Programa da Eliana" (1), "Na maioria dos programas sempre fala sobre sexo" (EI-04), "Fala sério" (1), "Altas horas" (1), "TV UOL" (1), "MTV" (1).

Não houve diferenças entre os grupos em relação ao sexo, à idade, ao nível de escolaridade, à idade que receberam orientação sexual ou às fontes gerais de informações sobre sexo (conversa com pais, amigos, centros religiosos e busca de informações pela internet). Houve diferença em relação a receber ou não informações por programas de TV (X2 [2] =9,159; p = 0,010). O grupo não formal apresentou maior frequência de adolescentes afirmando não receber informação sobre sexo por meio da TV, enquanto os adolescentes do grupo de educação formal afirmaram com maior frequência receber informações pela TV.

Em seguida, foram lidas as respostas das questões em que os jovens escreviam o que entendiam, ou gostariam de falar, sobre determinados temas. Ao analisar as falas, primeiramente, elas foram classificadas como "Não Respondeu (NR)" às questões deixadas em branco; "Curiosidade (C)" quando expressavam interesse por conhecer mais sobre aquele tema; "Julgamento (J)" às respostas que expressavam julgamento moral ou serem influenciadas pelos tabus sociais; e "Conceituou (Co)" quando o adolescente tentava passar informações técnicas e/ou teóricas sobre o tema questionado, conforme tabela 1.

 

 

Ao analisar o discurso dos respondentes por grupo, observou-se que o grupo de Educação Formal foi o que mais se dedicou para conceituar as informações, expressando uma opinião baseada em aspectos teóricos relacionados à temática solicitada, principalmente ao discutir as temáticas Masturbação e Homossexualidade (100% dos jovens conceituaram esses termos). O grupo de Educação Não Formal foi o segundo que mais conceituou, tendo explicado teoricamente principalmente sobre a temática DST/HIV-Aids (100%), seguida pelos temas Sexualidade e Contracepção/Anticoncepção (66,7%). No grupo de Educação Informal, a maioria dos jovens expressou ideias marcadas pelo julgamento moral; foi o grupo que menos conceituou as informações, de modo que o tema mais conceituado foi DST (66,7%); e nas demais temáticas, nem mesmo metade dos adolescentes chegou a conceituar. No que se refere à compreensão dos conceitos abordados no questionário, a tabela 2 expressou a média do número de acertos e as porcentagens de acerto para cada grupo.

 

 

A maior pontuação encontrada foi em DST/HIV-Aids (40,7%), seguido pelo tema Homossexualidade (37%), Masturbação (32,6%), Sexualidade (28,8%) e Contracepção/Anticoncepção (23,7%). Deste modo, a maioria dos adolescentes que participou da pesquisa apresentou maior conhecimento sobre o tema DST/HIV-Aids do que referencialmente à sexualidade e métodos de Contracepção/Anticoncepção.

Ao observar os conceitos com pontuação diferenciando por grupo, observou-se que a maior pontuação obtida foi relacionada ao conceito de Homossexualidade na Educação Formal (46,7%), e a menor pontuação abrangeu o Conceito de Sexualidade na Educação Não Formal (13,3%).

Observou-se ainda que a Educação Formal teve maior média geral de pontuação, 42,7%, seguida pela Educação Não Formal com 31,1% e, por último, ficou a Educação Informal com 24% da pontuação média geral. Esses resultados indicam que nenhum dos grupos alcançou 50% da pontuação esperada sobre os conceitos levantados.

Posteriormente, foi feita uma análise dos fatores de influência para formação de conceitos em sexualidade. Os adolescentes podiam marcar o grau de influência de diferentes fatores na formação dos conceitos de acordo com uma escala Likert, a saber, "Nenhuma Influência" - 0%, "Pouca Influência" - 25%, "Influência Razoável" - 50%, "Muita influência" - 75% e "Influência Total" - 100%. Foi calculada a porcentagem de média de influência por grupo, conforme tabela 3.

 

 

Na tabela 3, observou-se que o fator de influência que se aproximou de ser considerado forte são os amigos na Educação Não Formal (66,1%), Educação Informal (45,6%) e Formal (42,8%). Já o fator de menor influência se refere à religião na Educação Não Formal (17,2%), Educação Informal (18,9%) e Formal (27,7%). Nota-se que o grupo de Educação Informal referendou 31,7% de influência pela escola, mesmo sendo este o único espaço que possibilita contato mais formal com o tema, por meio das aulas de Ciências e Biologia.

Foi realizado o teste qui-quadrado para verificar os itens que apresentaram diferença significativa (p=0,05), ao comparar os fatores de influência (escola, família, amigos, internet, religião, TV e outros) na formação dos conceitos (sexualidade, masturbação, homossexualidade, DST-HIV-Aids, contracepção/anticoncepção e direitos sexuais e reprodutivos) entre os grupos. Observou-se diferença significativa entre os grupos em relação à influência da internet na construção do conceito de sexualidade (X2 [2] =6,707 ; p = 0,035), sendo a frequência maior de uso dessa ferramenta por jovens do grupo de Educação Não Formal. A família revelou-se como fator de influência em relação à formação do conceito masturbação (X2 [2] =6,062; p = 0,048), sendo mais frequente no grupo de Educação Informal e menos frequente no grupo de Educação Não Formal.

Além disso, o conceito de contracepção/anticoncepção sofreu influência dos amigos para a sua formação (X2 [2] =5,689; p = 0,058), sendo este fator de maior influência no grupo de Educação Formal e menos na Educação Não Formal. Já para a formação do conceito de homossexualidade destacou-se outros fatores de influência (X2 [2] =7,408; p = 0,025), que não foram citados quais eram. Esse aspecto foi mais presente no grupo da Educação Não Formal e menos para o da Educação Formal.

Ao falar das questões relacionadas ao Direito Sexual e Direito Reprodutivo (DSDR), observou-se que 77,8% dos adolescentes da Educação Não Formal e 66,7% de Educação Informal disseram não conhecer esses direitos. 100% dos jovens que receberam formação na área de sexualidade afirmaram conhecer os DSDR e conceituaram sobre eles em suas respostas, enquanto da Educação Não Formal e Educação Informal, apenas 22,2% souberam conceituar e um dos participantes da Educação Informal expressou julgamento sobre esses direitos. Um número acentuado de jovens afirmou desconhecer sobre os DSDR, no entanto, nas questões objetivas sobre seus direitos, alguns desses jovens se mostraram conscientes dos mesmos, conforme tabela 4.

 

 

Analisando a tabela 4, notou-se que todos os adolescentes da Educação Formal possuem conhecimentos sobre as questões de DSDR. Os adolescentes de Educação Não Formal foram os segundos que melhor conheciam seus direitos e os de Educação Informal foram os que menos demonstraram ter informações sobre os direitos. Ao fazer uma análise das perguntas, observou-se que o direito menos conhecido se refere à possibilidade de ir ao médico sem o acompanhamento dos pais.

 

Discussão

A importância da sexualidade para o homem (Pereira, 2008; Carvalho et al., 2005), valorizando sua construção histórica (Kahhale, 2007; Walendorf, 2007; Vitiello, 1994), a relevância da sexualidade à ideia de saúde sexual (Diaz, 1999) e a conquista dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (Tonelli, 2004; Marques & Ferreira, 2008) evidenciam a necessidade de ampliação da consciência da sexualidade para vida humana. Associado a isso, a concepção de adolescência do ECA e de Ozella (2003) e Aguiar e Ozella (2008) reforçam a importância de adolescentes participarem de sua própria formação em diferentes espaços disponíveis. Brandão (1998), Gadotti (2005) e Garcia (2009) distinguem a educação formal, não formal e informal como três espaços de formação. Doravante, a necessidade de verificar se existem diferenças, e caso existam, como se dão as diferenças de formação em sexualidade nos três espaços.

Ao analisar as definições dos conceitos sobre sexualidade abordados no questionário, verificou-se que nenhum grupo obteve porcentagem da média de acertos igual ou superior a 50% e que não houve diferença significativa na formação dos conceitos entre os três grupos analisados. Ou seja, os participantes da Educação Formal, Não Formal e Informal obtiveram resultados semelhantes. Esse dado pode ser considerado alarmante ao observar dois aspectos centrais. O primeiro se refere ao fato de 63% dos participantes relatarem ter vivenciado experiências de educação sexual na escola e não atingirem nem mesmo 50% de acertos, e o segundo aspecto relaciona-se à ausência de diferença significativa mesmo com alguns adolescentes tendo participado de programas específicos de formação.

O primeiro aspecto, que denota formação precária dos conceitos, flagra um contexto preocupante no que se refere à educação sexual e a forma como os conteúdos são trabalhados. Seria importante que as informações passadas fossem contextualizadas de acordo com a realidade dos adolescentes (Sousa et al., 2006) e que se buscassem constantemente conteúdos que despertem o interesse dos jovens (Altmann, 2009). No entanto, conforme menciona Merchan-Hamann (1995), muitas vezes a abordagem das questões relacionadas à sexualidade fica restrita aos aspectos biológicos, seja nas aulas de ciências (Altmann, 2007) ou no enfoque dado à área da saúde (Altmann, 2003).

Esse aspecto parece ser reforçado ao verificar que a maior porcentagem da média de acertos se refere ao conceito de DST/HIV-Aids (40,7%), já que, mesmo na escola, o tema da sexualidade é trabalhado nas aulas de Ciências, tendo como foco as doenças e a reprodução humana (Altmann, 2003). Ademais, nota-se que aproximadamente 61,4% dos jovens não identificaram a escola como fonte de influência na formação dos conceitos.

Nas Organizações Não Governamentais (ONGs), existe a vinculação a projetos sobre sexualidade da Secretaria da Saúde, o que reforça essa perspectiva do trabalho em Sexualidade voltado para questões de saúde pública, como DST/Aids, gravidez na adolescência e os métodos de prevenção (Altmann, 2003). Assim também ocorre com os estudos científicos na área de sexualidade adolescente que focam os mesmos temas (Romero et.al., 2007). Há, então, nos espaços direcionados para educação sexual, uma formação descontextualizada, o que não atrai os jovens (Altmann, 2003, 2007, 2009).

Uma educação sexual adequada esbarra em dois fatores extremamente importantes, qual seja a formação dos profissionais que orientaram o grupo e dos pais/responsáveis que iniciam e prosseguem a informação sobre sexualidade dentro de casa. Tanto relevante é esse fator que 51% dos participantes revelaram conversar com os pais sobre sexualidade, mas não identificaram a família como fator de influência dos conceitos sobre sexualidade, tal fator apresentou índice de apenas 35,2% de influência.

A reconhecida dificuldade em se trabalhar o tema aparece em diversos artigos científicos e deve ser considerada. Em estudo realizado por Merchan-Hamann (1995), no qual o foco era conhecer o grau de informação de adolescentes cariocas sobre HIV e AIDS, os professores manifestaram dúvidas sobre sexualidade e insegurança para trabalhar as questões trazidas pelos alunos, e tanto professores quanto alunos apresentaram similar teor de dúvidas sobre infecção por HIV e sobre AIDS.

Em alguns casos, como encontrado pelo estudo de Silva e Neto (2006), os professores/educadores optam por trabalhar apenas o aspecto biológico da sexualidade delegando essa tarefa aos professores da área de Ciências. Dessa forma os demais educadores não se sentem responsáveis em tratar do tema, tranquilizando-se em relação às suas próprias dificuldades.

Além da falta de preparo, não há plena divulgação e publicação de material compatível com a necessidade de informação dos jovens. Isso foi comprovado no estudo de Miguel e Tonelli (2007), em que numa revisão de literatura sobre o tema constataram a exiguidade do material produzido salientando o contrassenso em relação ao grande material midiático produzido para adolescentes. Apesar do pouco material produzido para informação dos adolescentes sobre sexualidade, é dada grande importância aos meios de comunicação, incluindo a televisão e a internet na atualidade, para sua formação. No presente estudo, 40,7% informaram acessar conteúdos relacionados ao sexo por meio da TV e/ou internet. Nos três grupos de educação (Formal, Não Formal e Informal), foram indicados diversos programas da televisão aberta que os jovens se utilizam para receber informações sobre sexualidade, porém tais programas não são em sua maioria estruturados para promover informação.

A internet foi indicada pelo grupo de educação Não Formal como forte influência na construção do conceito de sexualidade. Ao analisar a pontuação dos participantes desse grupo em relação a esse conceito é possível constatar que somente 13,3% tiveram bom desempenho. Este dado sugere que a consulta virtual não tem produzido resultados interessantes na medida em que não contribui para formação dos conceitos. Esse resultado corrobora com a defesa de que falta campanhas educativas abrangentes, claras e contextualizadas com as quais os adolescentes possam se identificar (Merchan-Hamann, 1995), tais campanhas devem ter divulgação ampla, por meio das ferramentas midiáticas e de comunicação usadas pelos jovens.

No conteúdo produzido pelos sujeitos dessa pesquisa, é possível verificar uma distorção ou desconhecimento do termo sexualidade, ignorando questões fundamentais vinculadas a corpo, a gênero e a mudanças psicossociais. O fato pode estar associado à concepção historicamente construída do mesmo, vinculado restritamente ao ato sexual (Rodrigues Jr., 1993). Há, portanto, a reprodução de um conceito aprendido com base em crenças e tabus (Sousa et al., 2006), fazendo com que o sujeito experimente uma vida sexual na qual a sexualidade é vivenciada de forma acrítica.

Ao analisar a porcentagem de respostas que evidenciaram julgamento, notou-se que a maioria dos jovens da Educação Informal expressou mais ideias relacionadas a julgamento do que a compreensão dos conceitos. Já o grupo de Educação Formal foi o que menos expressou tendência de julgamento. Esse dado indica que talvez a principal contribuição dos programas de Educação Formal para sexualidade seja favorecer que os jovens repensem alguns tabus. Sousa et al. (2006) afirmam que os tabus sobre sexualidade são mais evidentes no ambiente familiar de adolescentes do sexo feminino, já que culturalmente há maior cobrança da conduta comportamental das garotas.

A masturbação foi um dos tabus mais fortemente reproduzidos. Pode-se verificar que a influência da família neste conceito foi muito forte, principalmente para os jovens da Educação Informal (30,5%), sendo a resposta que mais apresentou a classificação "Julgamento" na educação Não Formal (44,4%) e Informal (56,6%). Camargo e Ferrari (2009) constataram que, mesmo após realização de oficinas de prevenção em que o tema era trabalhado, 16,8% dos adolescentes ainda enxergavam-na como ato pecaminoso.

Nesta pesquisa, obtiveram-se resultados semelhantes aos encontrados por Camargo e Ferrari (2009), na medida em que, nas respostas dos adolescentes da Educação Informal e Não Formal, em sua maioria do sexo feminino, têm o ato da masturbação como algo "nojento", "que os meninos praticam para se aliviar", que "apenas meninos fazem", uma "coisa suja". Tal fato também aparece em outros estudos e parece reforçar a manutenção do sentimento de culpa pela prática da masturbação, o que pode levar a uma vivência restritiva da sexualidade adulta (Monesi, 1993).

Em relação à formação do conceito de homossexualidade, foi significativa a influência de outros espaços de formação (não citados) para o grupo da educação Não Formal e menos para o da educação Formal. Há necessidade de investigação mais aprofundada desses outros espaços, como funcionam e qual a formação promovida, já que existem instituições que geram a formação de conceitos distorcidos e de intolerância à homossexualidade, provocando a marginalização dos sujeitos com essa orientação sexual (Louro, 2000). Não foram encontrados estudos que discutam tal conceituação para adolescentes.

Uma questão muito interessante que apareceu em todos os conceitos da pesquisa é a pequena influência da religião, embora 33,3% mencionem ter acesso a conteúdos sexuais por meio da religião; tal informação aparece também em pesquisa semelhante realizada com adolescentes do Rio de Janeiro realizada por Merchan-Hamann (1995), na qual não é apontada como fator determinante na conduta sexual. Essa realidade elicia uma reflexão sobre a dicotomia entre corpo e espírito, ou seja, apesar da crença e atitude diante do mundo, o sujeito se permite ter um comportamento 'mal visto' por sua religião. Esse fato remete, novamente, à ideia da vivência da sexualidade acrítica.

Da mesma forma, o conceito de anticoncepção/contracepção aparece obscurecido pela desinformação, pois é o conceito que teve menor pontuação em todos os tipos de formação; a média geral de porcentagem de acertos foi de 23,7%. Nesse conceito, a influência dos amigos foi forte em todos os tipos de formação, tendo significativa importância na educação formal o que mostra que os jovens sentem necessidade de buscar informações no próprio grupo de amigos.

De acordo com os Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, os adolescentes têm direito ao acesso médico desacompanhado, e 66% dos jovens de educação Não Formal e 55% dos jovens de Educação Informal afirmaram saber que podem usar esse recurso; no entanto, não o fazem, pois "não sabem ou não se sentem à vontade" para procurar um médico para obter informação e cuidados.

Associado a isso, ao serem questionados sobre os métodos anticoncepcionais 22,2% da educação Não Formal e 55,5% da educação Informal não responderam a pergunta sobre o conceito. Os jovens que responderam na maioria das vezes mencionaram informações equivocadas sobre o conceito. Esse dado corrobora a pesquisa de Miguel e Tonelli (2007), que mencionam a escassez de bons materiais midiáticos sobre sexualidade voltada ao público adolescente. Existe uma preocupação social em relação à gravidez na adolescência, porém não há adequação de programas de informação. Camargo e Ferrari (2009) apontam que essa realidade torna o adolescente vulnerável e desprotegido quanto à necessidade dos métodos contraceptivos na relação sexual.

Em relação aos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (DSDR), pode-se observar que apenas o grupo de Educação Formal tem informações suficientes para exercê-los com autonomia. Nos demais grupos de formação, apesar de 23,2% dos adolescentes da Educação Não Formal e 33,3% da Educação Informal afirmarem conhecer os DSDR, grande parte não preencheu o espaço destinado a sua definição, e quando o fez sua resposta foi de baixíssima qualidade evidenciando a falta de formação adequada de conceitos básicos para exercer esses direitos. A partir dos resultados, pode-se compreender que não houve consolidação de conceitos elementares como sexualidade, masturbação, DST/HIV-Aids, para que os DSDR sejam vivenciados conscientemente.

Foi possível observar ao longo de toda pesquisa fatores comportamentais relevantes, assim como a pequena adesão de adolescentes do sexo masculino e a preocupação dos participantes em relação ao conteúdo a ser exigido no questionário e ao uso das informações. Em relação à adesão masculina, a dificuldade é encontrada por outros pesquisadores da área, como ocorre com Altmann (2003) que, mesmo após conversa individualizada e incentivadora, encontrou pouca adesão masculina, o que atribui à maneira que são tratadas as questões de sexualidade dentro do ambiente escolar.

A construção histórico-cultural dos conceitos de sexualidade ocorre através de diferentes formações, mas é permeada e regida constantemente pela 'ordem social', ou seja, toda sociedade contribui, por meio da educação informal, para a formação de conceitos e condutas vinculados à sexualidade (Dinis & Assinelli-Luz, 2006). Mais da metade dos jovens em todos os conceitos mencionaram a influência dos amigos como a mais importante para formação dos conceitos sobre sexualidade. Trata-se dos companheiros mais próximos dos adolescentes, aqueles que compartilham informações a partir de uma mesma linguagem e mesmo interesse. É necessário atentar-se a essa relação como exemplo de contextualização da formação.

 

Conclusão

A partir dos resultados apresentados e da discussão proposta, fica clara a urgência de mudança de foco na educação sexual, ou seja, é necessário que o tema seja abordado de outra maneira, partindo de questões pertinentes aos adolescentes e investindo no conhecimento de conceitos fundamentais. Para tanto, a formação de profissionais que atuam com adolescentes deve, além do conteúdo próprio que o habilite ao trabalho de educação sexual, ser voltada ao esclarecimento dos tabus, crenças, mitos. É necessária uma investigação mais aprofundada das representações sociais da sexualidade para direcionar as ações de educação, vislumbrando a quebra de tabus e contribuindo melhorar a conscientização do público adolescente.

As políticas públicas que visam à informação dos adolescentes devem estar vinculadas aos meios de comunicação, ampliando assim seu alcance; porém, campanhas e material didático devem ser revistos e reformulados. O objetivo deve ser de promoção de uma informação concreta e objetiva, tomando por base os interesses do público-alvo sem aliená-los da real responsabilidade em relação a sua própria sexualidade. Principalmente no que se refere ao tema da anticoncepção e das Doenças Sexualmente Transmissíveis.

Vinculado aos meios de comunicação, faz-se necessária uma maior divulgação dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, juntamente com uma capacitação dos profissionais de saúde para o atendimento dirigido aos adolescentes. Sendo necessário preparar o espaço para que os adolescentes se sintam acolhidos nos serviços de atendimento e se apropriem deste como ferramenta para sua própria orientação, facilitando sua conscientização e cuidado do corpo.

Sobre o tema da homossexualidade, não existem estudos que verifiquem a representação social e o conhecimento sobre a homossexualidade por adolescentes. Nesse estudo, teve-se uma base dessa formação, porém não há informação adequada em relação aos espaços de influência na formação deste conceito e da qualidade dessa formação, sendo necessária uma pesquisa que aprofunde esses quesitos.

Contudo, a importância da educação sexual se faz cada vez mais presente na sociedade atual que expõe os adolescentes a uma série de estímulos eróticos, mas que não fornece espaço para que ele conheça seu próprio corpo e sua sexualidade. A principal atitude, e mais urgente, a ser tomada deve ser a de apresentar o tema da sexualidade em sua real amplitude, tanto para os adolescentes como para os pais/responsáveis e professores/educadores, para que se permita o desenvolvimento de uma vida sexual mais saudável e consciente.

A necessidade de formação e informação desse grupo de formadores alerta para a ideia de que todos os participantes da sociedade, de certa forma, são responsáveis pela formação de conceitos, já que independente dos espaços destinados à educação, todos vivenciamos a educação informal o tempo todo.

 

Referências

Aguiar, W. M. J., & Ozella, S. (2008). Desmistificando a concepção de adolescência. Cadernos de Pesquisa, 38(133),97-125.         [ Links ]

Altmann, H. (2009). Educação sexual em uma escola: da reprodução à prevenção. Cadernos de Pesquisa, 39(136),175-200.         [ Links ]

______. (2007). A sexualidade adolescente como foco de investimento político-social. Educação em Revista, 46,287-310.         [ Links ]

______. (2003). Orientação sexual em uma escola: recortes de corpos e de gênero. Cadernos Pagu, 21,281-315.         [ Links ]

Brandão, C. R. (1998). O que é Educação? São Paulo: Editora Brasiliense.         [ Links ]

Brasil (2005). Secretaria especial dos direitos humanos. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília/DF: Ministério da Educação.         [ Links ]

Camargo, E. Á. I. & Ferrari, R. A. P. (2009). Adolescentes: conhecimentos sobre sexualidade antes e após a participação em oficinas de prevenção. Ciência & Saúde Coletiva, 14(3),937-946.         [ Links ]

Carvalho, A. M., Rodrigues, C. S., & Medrado, K. S. (2005). Oficinas em sexualidade humana com adolescentes. Estudos de Psicologia, 10(3),377-384.         [ Links ]

Diaz, M. (1999). Educação Sexual e Planejamento Familiar. In M. Ribeiro (Org.), O prazer e o pensar, (Vol. 2, pp. 229-240). São Paulo: Editora Gente.         [ Links ]

Dinis, N., & Assinelli-Luz, A. (2006). Educação Sexual na perspectiva histórico-cultural. Educar, 30, 77-87.         [ Links ]

Gadotti, M. (2005). A questão da educação Formal/Não Formal. Institut International des Droits de l'enfant (IDE). Droit à l'éducation: solution à tous les problèmes ou problème sans solution? Sion (Suisse). Recuperado de http://www.paulofreire.org/pub/Institu/SubInstitucional1203023491It003Ps002/Educacao_formal_nao_formal_2005.pdf, em 15 de julho de 2011.         [ Links ]

Garcia, V. A. (2009). A educação não formal como acontecimento. Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.         [ Links ]

Kahhale, E. M. P. (2007). Subsídios para reflexão sobre sexualidade na adolescência. In A. M. B. Bock, M. G. Gonçalves, & O. Furtado (Orgs.), Psicologia Sócio-Histórica: Uma perspectiva crítica em psicologia (3a ed.). São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Lima, L. L. da G. (1996). Confissão e sexualidade. In R. Parker, R. M. Barbosa (Orgs.), Sexualidades brasileiras (pp. 38-50). Rio de Janeiro: Relume Dumará/ABIA:IMS/UERJ.         [ Links ]

Marques, P. F., & Ferreira, S. L (2008). Saúde Sexual e Reprodutiva - Práticas de ONG Feministas. Fazendo Gênero 8 - Corpo e Violência e Poder. Florianópolis. Recuperado em http://www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ST32/Marques-Ferreira_32.pdf, de 6 de janeiro de 2012.         [ Links ]

Merchan-Hamann, E. (1995). Grau de informação, atitudes e representações sobre o risco e a prevenção de AIDS em adolescentes pobres do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 11(3),463-478.         [ Links ]

Miguel, R. B. P.; Toneli, M. J. F. (2007) Adolescência, sexualidade e Mídia: uma breve revisão da Literatura nacional e internacional. Psicologia em Estudo,12(2),285-293.         [ Links ]

Monesi, A. A. (1993). Adolescência e vivência da sexualidade. In M. Ribeiro (Org.), Educação Sexual: Novas idéias, novas conquistas (pp. 91-100). Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos.         [ Links ]

Ozella, S. (2003). Adolescências Construídas: a visão da psicologia sócio-histórica. São Paulo: Cortez Editora.         [ Links ]

Pereira, E. D. (2008). Desejos polissêmicos: discursos de jovens mulheres negras sobre sexualidade. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.         [ Links ]

Rodrigues Jr, O. M. (1993). Os conflitos sexuais na adolescência. In M. Ribeiro, Educação sexual: novas idéias, novas conquistas (pp. 101-111). Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos.         [ Links ]

Romero, K. T., Medeiros, É. H. G. R.; Vitalle, M. S. S., & Wehba, J. (2007). O conhecimento das adolescentes sobre questões relacionadas ao sexo. Revista da Associação Medica Brasileira, 53(1),14-19.         [ Links ]

Silva, R. C. P.; & Neto, J. M. (2006). Formação de professores e educadores para abordagem da educação sexual na escola: o que mostram as pesquisas. Ciência & Educação, 12(2),185-197.         [ Links ]

Sousa, L. B.; Fernandes, J. F. P., & Barroso, M. G. T. (2006). Sexualidade na adolescência: análise da influência de fatores culturais presentes no contexto familiar. Acta Paul Enferm, 19(4),408-413.         [ Links ]

Tonelli, M. J. F. (2004). Direitos sexuais e reprodutivos: algumas considerações para auxiliar a pensar o lugar da psicologia e sua produção teórica sobre a adolescência. Psicologia & Sociedade,16(1).         [ Links ]

Vitiello, N. (1994). Reprodução e Sexualidade. São Paulo: Ceich.         [ Links ]