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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.34 São Paulo jun. 2012

 

Desenvolvimento e aprendizagem: da perspectiva construtivista à socioconstrutivista

 

Development and learning: from the constructivist perspective to the socioconstructivist

 

Desarrollo y aprendizaje: del constructivismo a la perspectiva socio-constructivista

 

 

Maria da Conceição Rodrigues FerreiraI; Susana Maria Rodrigues FernandesII

IProfessora Auxiliar da Universidade Lusíada do Porto (Professora auxiliar até final do ano letivo 2011/12) mconceicaorferreira@gmail.com
IIProfessora Auxiliar da Universidade Lusófona

 

 


RESUMO

Este trabalho tem por objetivo apresentar uma interpretação da perspectiva construtivista e socioconstrutivista do desenvolvimento e da aprendizagem, no que se refere aos primeiros conceitos de adição e de subtração, de números inteiros. Assim, a principal hipótese da perspectiva construtivista assenta no pressuposto de que a confrontação entre os esquemas dos diferentes níveis de elaboração do sujeito desencadeia o desequilíbrio cognitivo do qual resultam conflitos e contradições. Em relação a essa problemática, essa perspectiva postula ainda que a construção do conhecimento ocorre por aproximações sucessivas, sendo a objetividade do pensamento obtida por meio de descentrações cognitivas, ao longo de todo o processo de desenvolvimento e aprendizagem, o que implica reconstruções sucessivas das estruturas mentais, através do mecanismo de equilíbrio - desequilíbrio - equilíbrio, entre o sujeito e o objeto. Por outro lado, a perspectiva socioconstrutivista do desenvolvimento e da aprendizagem postula que as coordenações cognitivas são construídas por mediação social, pela coordenação das ações individuais com as dos outros, mecanismo indispensável à construção da matriz dos sistemas de coordenação geral.

Palavras-chave: desenvolvimento; construtivismo; adição; subtração.


ABSTRACT

This paper aims to present an interpretation of the constructivism and socio constructivism perspectives of development and learning, in what concerns addition and subtraction concepts. In what refers constructivism, the main assumption is based on the principle that it is the confrontation between the schemes of different levels of development that triggers the cognitive imbalance that results in conflicts and contradictions. In what refers this problematic, the constructivism postulates that knowledge construction is obtained through successive approximations, being the objective thought acquired by cognitive decentering all over the global process of learning and development which involves a succession of mental structures reconstruction, through the mechanism of balance - imbalance - rebalancing, between subject and object. On the other hand, the socio constructivist perspective of learning and development postulates that cognitive co-ordinations are constructed through social mediation, being the coordination of individual actions, with those of others, the main mechanism through which individuals construct the matrix of the general coordination systems.

Keywords: development; constructivism; addition; subtraction.


RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo presentar una interpretación de la perspectiva constructivista y socio-constructivista del desarrollo y el aprendizaje, en relación con los primeros conceptos de suma y resta, de números enteros. Así, la hipótesis principal de la perspectiva constructivista, se bajea en la suposición de que la confrontación entre los esquemas de los diferentes niveles de elaboración, del sujeto, provocan un desequilibrio cognitivo que da lugar a conflictos y contradicciones. En relación con este problema, esta perspectiva también postula que la construcción del conocimiento se da por aproximaciones sucesivas, sendo la objetividad del pensamiento, obtenido por descentración cognitiva, durante todo el proceso de aprendizaje y desarrollo, lo que implica en reconstrucción sucesiva de las estructuras mentales, a través del mecanismo de equilibrio - desequilibrio - reequilibrio entre sujeto y objeto. Por otro lado, la perspectiva socio-constructivista del aprendizaje y desarrollo postula la hipótesis de que las coordinaciones cognitivas se construyen por mediación social a través de la coordinación de las acciones individuales con las de los demás, un mecanismo esencial para la adquisición individual de la matriz de los sistemas de coordinación general.

Palabras clave: desarrollo; constructivismo; adición; resta.


 

 

1. O conflito cognitivo no desenvolvimento e na aprendizagem

Na obra intitulada, Apprentissage et Structures de la Connaissance de Inhelder, Sinclair e Bovet (1974) partem do pressuposto que o desequilíbrio cognitivo advém dos diferentes níveis de elaboração dos esquemas operatórios. Deste modo, interessaram pelo estudo da dinâmica interativa que ocorre entre o sujeito e o objeto e de que resulta a aplicação de procedimentos específicos na resolução de problemas lógicos.

Assim, as autoras acima referidas estudaram, experimentalmente, o pensamento da criança com o objetivo de compreender o desenvolvimento das operações cognitivas, especificamente no que se refere aos processos de transição que caracterizam a passagem de um nível de desenvolvimento a outro de complexidade superior, partindo da hipótese de que "é precisamente a confrontação entre os esquemas dos diferentes níveis de elaboração que desencadeia o desequilíbrio cognitivo do qual resultam conflitos e contradições" (Inhelder et al., 1976, p. 58).

Consequentemente, a hipótese central, baseada nesses estudos, assenta no princípio de que através da aprendizagem é possível acelerar o desenvolvimento cognitivo, "favorecendo o aparecimento de novos esquemas e conduzir a uma mais rápida coordenação dos mesmos, mas que não se podem inverter os estádios de desenvolvimento psicogenético nem modificar completamente a sua evolução, pois estes dependem, em última análise, de mecanismos reguladores e auto-reguladores" (Morgado, 1988, p. 47).

Para testarem esta hipótese, Inhelder, Sinclair e Bovet (1974) utilizaram, como método, sessões sucessivas de aprendizagem, as quais foram planeadas de forma a mobilizar os diferentes esquemas do sujeito que, segundo o ponto de vista dessas autoras, estavam implicados na noção que pretendiam desenvolver. A tese subjacente é a de que os conflitos resultantes de tais confrontações podem influenciar o aparecimento de novas coordenações cognitivas, "no decorrer dos processos de invenção e de descoberta que caracterizam a atividade do sujeito - que não deverá ser nem reforçada nem corrigida - na busca de soluções para o problema" (Inhelder et al., 1976, p. 59). As autoras salientam ainda que a resposta correta dos problemas que se apresentam às crianças, no decurso do processo de aprendizagem, "não deverá ser sugerida pela situação experimental, o que iria contra o princípio construtivista de que é na ação construtiva, exercida pelo sujeito, que assenta o desenvolvimento cognitivo do mesmo" (Inhelder et al., 1974, p. 46).

Desse modo, Inhelder et al., (1974) realizaram diversos estudos experimentais, tendo em vista fomentar uma aprendizagem operatória de noções tais como a conservação de quantidades contínuas e descontínuas, quantificação e inclusão de classes, por uma metodologia baseada na constituição de dois grupos, o experimental e o de controlo, pré-teste, exercícios operatórios e dois pós-testes. Devido à criação de conflitos cognitivos, durante o processo de aprendizagem, foram observados resultados que apoiaram a hipótese construtivista, i.e., de que o real oferece resistência à criança colocando-a em situação de contradição cognitiva o que a conduz a um avanço na construção das estruturas mentais devido à necessidade de superar o problema com que foi inicialmente confrontada, concorrendo, essa situação, para novas diferenciações e coordenações de seus esquemas cognitivos. As autoras referem também que as aprendizagens, desenvolvidas na criação de conflitos cognitivos, tiveram o efeito geral de conduzir, a maioria dos sujeitos do grupo experimental, à construção operatória em causa.

Além disso, também se verificou uma correlação positiva entre o nível de desenvolvimento inicial das crianças e o progresso verificado nos pós-testes, tendo sido demonstrada a impossibilidade de acelerar indefinidamente o desenvolvimento por procedimentos de aprendizagem. Desse modo, os resultados encontrados sugerem que as aquisições operatórias, das crianças do grupo experimental, passam pelas mesmas etapas das do grupo controlo, com o mesmo tipo de obstáculos, se bem que a um ritmo diferenciado, o que se opõe àqueles que defendem a imitação como o principal factor de desenvolvimento cognitivo e reforça a abordagem construtivista na interpretação dos processos subjacentes a esse tipo de desenvolvimento1 (Inhelder et al., 1974).

De facto, para Piaget (1977) o ato de conhecer não ocorre por imitação; pelo contrário, conhecer é essencialmente transformar, atribuir novas funções, novas interpretações, novas relações, ao que até aí era conhecido de outra forma, seguramente, menos objetiva e eficiente. Assim, para que ocorra um verdadeiro conhecimento é necessário que os limites do real sejam cada vez mais alargados o que implica a necessidade que o sujeito tem de ter acesso a informações provenientes de diversos domínios, o que constitui a interdisciplinaridade do conhecimento, que influencia a descentração do pensamento, não só em relação a perspectivas que se caracterizam pelo egocentrismo, como também no que se refere a ideias socioculturais pautadas por preconceitos ou outras de natureza subjetiva.

Piaget (1977) postula, desse modo, a interdependência entre o sujeito e o objeto e, por conseguinte, defende a hipótese de que o conhecimento, por mais elementar que seja, implica sempre a ocorrência de quadros lógico-matemáticos2 que se originam na coordenação geral das ações. A construção do conhecimento ocorre, assim, por aproximações sucessivas, não sendo a objetividade, característica imprescindível do conhecimento científico, obtida de forma direta e espontânea, mas antes por descentrações cognitivas, ao longo de todo o processo. O sujeito é, não só, confrontado com a necessidade de desenvolver formas de pensamento objetivo para explicar e formular leis sobre o funcionamento do real, bem como aceder à compreensão das estruturas subjacentes ao próprio ato de refletir. Piaget considera, ainda a este respeito, que a principal característica do conhecimento é conseguir uma certa objetividade no sentido de que, mediante o emprego de métodos, quer dedutivos quer experimentais, haja acordo entre todos os sujeitos sobre um determinado sector do mesmo.

Ainda, é importante referir que a objetividade não exclui a ação do sujeito no ato de conhecimento sendo, no entanto, necessário distinguir entre o "sujeito epistemológico" - termo utilizado para designar o que há de comum a todos os sujeitos de um mesmo nível de desenvolvimento independentemente das diferenças individuais - e o "sujeito individual" - ou seja, tudo o que é específico a um mesmo indivíduo. Sendo assim, é próprio do conhecimento científico conseguir uma objetividade cada vez mais completa mediante um duplo movimento de adequação ao objeto e de descentração do sujeito individual na direção do sujeito epistémico (Piaget, 1980/1967).

Verificamos, por conseguinte, que o projeto epistemológico de Piaget foi o de descrever e explicar o desenvolvimento e o processo de construção da crescente complexidade das formas universais do conhecimento humano. Para tal, Piaget descreveu as estruturas universais subjacentes ao desenvolvimento cognitivo do sujeito tendo focalizado as suas investigações, sobre a génese cognitiva, assim como a análise estrutural do desenvolvimento operatório.

Com o objetivo de determinar as diferenças qualitativas existentes entre os diversos graus de complexidade crescente que caracterizam os vários níveis de desenvolvimento cognitivo e que passam, obrigatoriamente, pela explicação da especificidade dos mecanismos de construção e de autorregulação, os estudos de Piaget e colaboradores deram corpo à interpretação da inteligência como um processo caracterizado pela continuidade funcional entre as estruturas lógicas do pensamento que caracterizam as diferentes etapas do desenvolvimento cognitivo3, logo desde o nascimento, e cuja característica fundamental é o equilíbrio progressivo entre essas estruturas. Assim, o autor diz-nos que: "a vida mental pode ser concebida como evoluindo em direção a uma forma de equilíbrio final, representada pelo raciocínio adulto. O desenvolvimento é, portanto, em certo sentido, uma equilibração progressiva, uma passagem perpétua de um estado de menor equilíbrio a um estado de equilíbrio superior" (Piaget, 1976/1964, p. 11).

Desse modo, através da crescente complexidade da organização interna dos esquemas, a criança passa a atribuir um novo sentido às experiências vivenciadas uma vez que aqueles são organizados em estruturas cada vez mais complexas (Piaget e Inhelder, 1993) pelo que, para Piaget, o sujeito não nasce para, passivamente, copiar a realidade, vindo antes equipado com os mecanismos indispensáveis ao desenvolvimento do conhecimento sobre o real. Em consonância, Piaget defende que a criança nasce com um sistema orgânico capaz de se desenvolver de modo a atribuir sentido aos dados externos englobando-os num todo coerente, submetido a leis próprias4.

Em relação ao desenvolvimento cognitivo do sujeito, Piaget (1995a/1977) realizou estudos, fundamentalmente de natureza epistemológica, sugerindo que é na tentativa de resolver problemas concretos que as operações formais podem ser estimuladas no seu desenvolvimento. Assim, é necessário que os alunos 1) se confrontem com situações, espontâneas ou provocadas, que não possam explicar prontamente, 2) pensem na situação-problema e em diversos modos de a solucionar, não pretendendo, necessariamente, descobrir conclusões finais e 3) tomem consciência de que as soluções obtidas deverão constituir probabilidades ou uma enumeração de possibilidades.

Em termos práticos, esses pressupostos implicam a necessidade de: 1) criar contextos de discussão sobre as possíveis causas ou razões para um determinado problema, 2) descobrir meios que permitam verificar ou refutar as razões sugeridas e 3) proceder a observações cuidadosas e registo de todos os dados.

Consequentemente, quando se fala em construção do conhecimento, fala-se da possibilidade de variar os meios, ou seja, as formas de agir, em função de determinados objetivos. A experimentação e a repetição de certos atos constituem passos iniciais, indispensáveis ao seu desenvolvimento. Desse modo, e em virtude da plasticidade e da mobilidade dos esquemas mentais é possível, para o ser humano, pelos mecanismos de assimilação e de acomodação, criar e/ou transformar situações reais ou hipotéticas.

De entre as conquistas da criança, há que realçar a construção do número como síntese operatória de classe e de relação. Para Piaget, a lógica das classes, das relações e do número, que se constrói simultaneamente, constitui a essência das operações lógicas concretas tendo por característica principal a reversibilidade e, como modelo explicativo, o agrupamento das classes e das relações.

Assim, na análise das transformações estruturais, Piaget não enfatiza a hipótese da interação entre o sujeito e o meio - se bem que esteja presente em toda a problemática explicativa - direcionando seu raciocínio para um novo campo de análise, ou seja, o das operações mentais. Desse modo, a causa explicativa, da organização das atividades do sujeito, é atribuída às operações mentais que, por sua vez, são consideradas responsáveis pelo pensamento lógico deste.

Contudo, tal não impediu Piaget (1995a/1977) de dar relevo ao factor social e de considerar que, entre os dois e os sete anos de idade, as crianças apresentam condutas egocêntricas uma vez que não coordenam seus pontos de vista, com os dos outros. Por outro lado, também referiu que a criança do período pré-operatório não apresenta argumentação coerente e lógica de modo a não só defender seu ponto de vista, como também a poder criticar posições divergentes, sendo sua representação mental dos fenómenos bastante pessoal.

Com a construção das operações lógicas, que se traduz pela presença da estrutura de agrupamentos5, no período das operações concretas, e do grupo INRC6, no período das operações formais, o sujeito ascende, progressivamente, a uma forma de socialização considerada ideal se a cooperação, através da coordenação de pontos de vista divergentes, constituir o aspecto fulcral nas relações interpessoais7. O sujeito é, então, capaz de não só se envolver em discussões pertinentes e direcionadas no sentido da objetividade e do equilíbrio de posições divergentes, como também de refletir sobre o sentido das discussões tidas ou a realizar, ultrapassando a subjetividade do egocentrismo8. As intervenções tornam-se claras, sequenciais e, portanto, compreensíveis para o outro9 se bem que o objeto seja considerado um elemento a descobrir e que nunca chegará a ser inteiramente conhecido.

Em suma, a formação do conhecimento pressupõe, do ponto de vista construtivista, reconstruções sucessivas das estruturas mentais, processo esse que passa por momentos de equilíbrio - desequilíbrio - reequilibro, entre as ações do sujeito e o objeto sobre o qual esse atua, o que caracteriza a génese do conflito cognitivo10.

 

2. O conflito sociocognitivo no desenvolvimento e na aprendizagem

De acordo com os estudos de Inhelder, Sinclair & Bovet (1974), o conceito de aprendizagem é interpretado como o resultado de sucessivas reequilibrações internas cuja origem está nos múltiplos conflitos cognitivos provocados por confrontação simultânea dos diversos esquemas operatórios. Assim, pela aplicação das noções de desequilíbrio e de reequilibração, somos postos perante a ideia da existência de dinâmicas internas que fazem parte, intrinsecamente, do processo de desenvolvimento cognitivo do sujeito.

A partir de 1983 e, por influência da teoria da aprendizagem social de Bandura, diversos autores (Perret-Clermont, 1979; Doise e Mugny, 1981; Doise, 1983; Mugny e Carugati, 1985; Doise, Deschamps e Mugny, 1991/1978; Marti, 1994; Schubauer-Leoni e Perret-Clermont, 1997, entre outros), contrariando a posição de Inhelder et al., (1974), postularam que a interação social é a causa do progresso cognitivo que deixa de ser interpretada como interna ao sujeito - desequilíbrio dos esquemas - e passa a ser considerada como externa a este.

A aprendizagem por conflito sociocognitivo pressupõe então, como determinante, a interação social que se estabelece entre os diferentes sujeitos envolvidos na resolução de um mesmo problema. Passa-se, deste modo, da perspectiva construtivista, que interpreta o desenvolvimento da inteligência como resultante basicamente da coordenação das estruturas e esquemas operatórios, para a perspectiva psicossocial do desenvolvimento cognitivo, que considera a inteligência como resultante de coordenações de natureza social.

Assim, de entre os estudos sobre o conflito sociocognitivo, salientamos os de Doise, Mugny e Perret-Clermont (1975), Mugny, Doise e Perret-Clermont (1976), Doise e Mugny (1981) e Doise (1983), que pretenderam analisar a influência da interação social no desenvolvimento da inteligência, tendo realizado estudos com crianças que, em grupo, resolviam problemas através do conflito sociocognitivo. Os resultados obtidos por esses autores levaram-nos a concluir que a interação social produzia efeitos positivos no desenvolvimento cognitivo, uma vez que as díades obtinham resultados superiores, do que quando o sujeito trabalhava sozinho. Esses dados foram interpretados como o reflexo da coordenação efetuada pelos sujeitos em relação às ações antagónicas desenvolvidas com o companhairo(a) que, pelo facto de serem geradoras de conflitos, de natureza sociocognitiva, os obrigou a descobrir e a integrar novos aspectos do conhecimento.

Assim, no que se refere à obtenção de múltiplas perspectivas sobre a resolução de problemas bem como sobre a respectiva síntese, Doise, Mugny e Perret-Clermont (1975, p. 382), dizem o seguinte:

A interação que ocorre entre duas crianças, na resolução de uma determinada tarefa, representa uma oportunidade para que os sistemas de ação e de representação, centrados inicialmente em diferentes aspectos da mesma, sejam postos em confronto e, desse modo, se coordenem. Quando a criança trabalha sozinha, pode correr o risco de ficar enclausurada numa abordagem egocêntrica, o que ocorrerá com maior dificuldade entre duas crianças que tenham, sobre o problema, diferentes pontos de vista, especialmente, quando esses pontos de vista são mutuamente exclusivos.

Ainda, e de modo a ampliarem seus estudos sobre o efeito da interação social no progresso cognitivo do sujeito, Mugny, Doise e Perret-Clermont (1976) consideraram a necessidade de demonstrar que esse progresso não se explica pela imitação de um modelo reconhecido como superior e levantaram a hipótese de que o conflito sociocognitivo, que resulta da interação social, é o principal dinamizador do desenvolvimento cognitivo, se a mesma não se reduzir a uma mera imitação de um modelo externo considerado superior.

Consequentemente, a interação social privilegia o progresso cognitivo graças ao conflito sociocognitivo que ocorre na confrontação entre as várias respostas antagónicas que são observadas não só durante o processo de interação social entre crianças pertencentes a diferentes níveis de desenvolvimento, como também no processo de resolução de problemas, quando surgem pontos de vista opostos (Mugny, Giroud e Doise, 1978).

Desse modo, a definição psicossocial da inteligência tem por referência não só o desenvolvimento do sujeito e o meio cultural a que pertence, como também as relações interindividuais que ocorrem em situações sociais específicas, as quais são interpretadas como a capacidade de adaptação a um ambiente físico e social, chegando mesmo a ser relatado que é através da adequação à sociedade que os seres humanos se adaptam ao meio físico, conforme citado por Doise e Mugny (1981, p. 35):

... agindo sobre o meio envolvente, o indivíduo elabora sistemas de organização da ação sobre o real. Na maior parte dos casos, ele não age sozinho sobre o real; coordenando suas próprias ações com as de outros, elabora o sistema de coordenação dessas ações e chega seguidamente a reproduzi-las sozinho. A causalidade que atribuímos à interação social não é unidireccional; ela é circular e progride em espiral; através da interação, o indivíduo domina certas coordenações que lhe permitem participar em interações sociais mais elaboradas que, por sua vez, se tornam fonte de desenvolvimento cognitivo.

Em decorrência da concepção social da inteligência e conforme estudado experimentalmente, Mugny e Doise (1983) referem cinco proposições específicas que resumem os resultados encontrados de meados dos anos 70 até meados dos anos 80, e que passamos a referir: 1) é através da coordenação das ações da própria criança, com as de outra, que essa é levada a construir coordenações cognitivas de que não seria capaz, individualmente; 2) as crianças que participam em certas coordenações de natureza social deverão, numa ocasião futura, ser capazes de efetuar, sozinhas, essas mesmas coordenações; 3) as operações cognitivas resultantes de ações sobre um certo tipo de material e numa situação social específica revestem-se de um carácter de estabilidade e de generalidade e são, numa certa medida, transpostas a outras situações e a outros materiais; 4) a interação social torna-se fonte de progresso cognitivo através dos conflitos sociocognitivos que provoca e 5) para que um conflito sociocognitivo possa ter lugar, os participantes devem, de antemão, possuir certos pré-requisitos cognitivos.

Além disso, Doise e Mugny (1981) consideram que esses pré-requisitos são as condições necessárias para que certas crianças possam beneficiar da situação de interação social, ao passo que aqueles que não tenham alcançado essas competências não beneficiarão do facto de se poderem encontrar, com outro companheiro, diante de um determinado problema e a esse propósito, dizem-nos o seguinte: "O ato cognitivo individual não é senão um momento d'um processo complexo que é também de natureza social... as coordenações cognitivas do indivíduo tornam-se possíveis através das coordenações sociais. Será então pela coordenação das ações individuais, com as dos outros, que o indivíduo adquire a matriz individualizada dos sistemas de coordenação" (idem, ibidem, p. 94).

Assim, os autores da denominada Psicologia Social Genética (Mugny, 1985; Mugny e Carugati, 1985), referem que as relações sociais são preponderantes no que diz respeito ao desenvolvimento cognitivo dos seres humanos, passando a psicologia a lidar com problemas em que não só a clássica dualidade entre o sujeito e o objeto mas também o outro elemento do par passa a ser considerado na dinâmica interativa. Consequentemente, esses autores postulam que o modelo do desenvolvimento psicossocial da inteligência não assenta somente na influência do conflito sociocognitivo, mas também na importância das representações mentais elaboradas não só em relação a aspectos lógicos como afetivos, uma vez que o processo decorre em situação de interação social.

3. A construção da estrutura aditiva através do conflito sociocognitivo

Ao analisar as estratégias utilizadas na resolução de problemas de adição vs. subtração, por crianças que ainda não tinham sido expostas ao ensino formal dos mesmos, Ferreira (2010, pp. 401-402) pretendeu determinar qual a influência do conflito sociocognitivo na generalização das primeiras estruturas aritméticas. Para isso, foi levantada a seguinte hipótese que se relaciona com o nível de desenvolvimento psicogenético das crianças e postula que:

A criança, pelo facto de ser um dos elementos activos do processo de resolução de problemas e de se gerar, quando em dissonância com o companheiro(a) de trabalho, uma rede complexa de argumentações e de contra-argumentações em relação aos métodos utilizados e resultados obtidos, por cada um dos elementos da díade (interação criança-criança), constrói estruturas de pensamento mais elaboradas de que resulta um maior progresso cognitivo permitindo-lhe atingir, mais rapidamente, o período das operações concretas. Em relação às crianças que seguem o modelo do adulto (interação criança-adulto), esse progresso também será obtido, mas num ritmo de progressão, mais lento.

Em relação a essa hipótese, a previsão foi de que o nível de desenvolvimento cognitivo das díades criança/criança seria mais avançado do que o das crianças que seguissem o modelo do adulto (díade criança/adulto) e que as primeiras avançariam no desenvolvimento, independentemente do nível do respectivo par, o que se repercutiria na maior facilidade com que estabeleceriam a relação de inversão entre as operações elementares de adição e de subtracção.

A amostra foi constituida por noventa e seis crianças do 1º ano de escolaridade do 1º. C.E.B., sem problemas de desenvolvimento e de aprendizagem, de duas escolas da rede oficial de ensino, da cidade de Coimbra. Quarenta e seis eram do sexo feminino e cinquenta do sexo masculino, com idades compreendidas entre os cinco anos e nove meses e seis anos e sete meses.

Os instrumentos utilizados, no pré-teste e nos dois pós-testes, foram os seguintes: 1) A prova operatória da conservação das quantidades numéricas (Piaget & Szeminska, 1975) com que se avaliou o nível inicial de desenvolvimento psicogenético. Todas as crianças foram submetidas, individualmente, à prova operatória da conservação das quantidades numéricas, cuja aplicação obedeceu aos critérios estabelecidos pelos autores; 2) Os problemas verbais de combinação e de mudança numérica (Riley, Greeno e Heller, 1983) foram utilizados com o objectivo de determinarmos as competências de cada criança, no que se refere à generalização de estratégias e à capacidade de explicitar a relação de inversão entre as operações de adição e de subtracção11.

Para avaliar nossa hipótese, a fase de intervenção foi baseada em brincadeiras infantis, que implicavam a interação social entre os parceiros. Para isso, nossa amostra foi subdividida em grupo experimental I (interacção criança/criança) e grupo experimental II (interacção criança/adulto), de modo a poderermos verificar, ou não, se ocorreriam diferenças no desenvolvimento cognitivo.

Assim, o primeiro jogo intitulado "A loja dos bolos" foi apresentado, às crianças, que iniciavam a frequência do 1º. ano do 1º. Ciclo do Ensino Básico, como um jogo de compra e venda de bolos. Uma das crianças era a dona da loja e a outra, a cliente. A troca de papéis foi sempre alternada após a resolução, consensual, de cada situação-problema, ou seja, responder à questão sobre a quantidade de bolos que restava, após a compra ter sido efectuada12.

O material disponível, utilizado no jogo "A loja dos bolos", foi o seguinte: 1) Vinte "bolos" (queques de plástico), nas cores branca e laranja com as seguintes dimensões: 6 cm de diâmetro e 4 cm de altura; 2) Um cesto de vime de cor castanha, com as seguintes dimensões: 10 cm de comprimento e 8 cm de largura; 3) Um saco de algodão branco e opaco, com as seguintes dimensões: 40 cm de comprimento e 30 cm de largura, e 4) Uma cartolina opaca.

No segundo jogo, intitulado "O jogo das escondidas", foram utilizados peões de xadrez (pretos e brancos) que representavam, respectivamente, "meninos" e "meninas" que brincavam no pátio da escola, sendo a caixinha de madeira o lugar onde se podiam esconder.

Da mesma forma que no jogo anterior, os papéis também eram alternados, ou seja, uma das crianças escolhia o número de elementos que desejava esconder e, na vez seguinte, ocorria o inverso. Durante essa operação, o parceiro ficava com os olhos vendados.

O objetivo do jogo era descobrir quantos elementos de ambas as cores (meninos e meninas), ou de uma só cor (meninos ou meninas), estavam dentro da caixa, tarefa essa que era dada por terminada quando ambas as crianças concordavam em relação à resposta a apresentar, quer fosse correta ou não e, independentemente das estratégias utilizadas, por cada uma das crianças. Após a resposta consensual, a resolução era dada por finalizada após as crianças terem aberto a caixa e conferido a resposta dada através da contagem dos elementos que se encontravam no seu interior13.

O material disponível para a concretização desse jogo, foi o seguinte: 1) Vinte peões de xadrez nas cores branca (dez) e preta (dez), com 3 cm de altura; 2) Uma caixa de madeira de cor bege, com as seguintes dimensões: 20 cm de comprimento, 15 cm de largura e 5 cm de altura e 3) Uma venda, para os olhos, de cor preta, com as seguintes dimensões: 20 cm de comprimento e 6 cm de largura.

No terceiro e último jogo aplicado, "O jogo do empate", pretendia-se desenvolver a capacidade de comparação entre diferentes conjuntos numéricos e obter a igualdade. Assim, cada criança recebia um conjunto de cartas de ouros e retirava, sem ver a pontuação, uma ou duas cartas. A pontuação só era conhecida após virarem as cartas e terem acesso, através do processo de contagem ou de subitizing, ao número de elementos desenhados nas mesmas. Cada criança, depois de ter verificado quantos pontos obtivera, comparava as duas quantidades e utilizava as restantes cartas para igualar o número obtido ao do seu colega.

Também, como anteriormente, o acordo obtido sobre a resposta ao problema não dependia das estratégias aritméticas utilizadas por cada uma das crianças, mas do consenso a que chegassem entre elas14.

O material foi constituído por dois conjuntos de cartas de ouros com uma quantidade de losângulos desenhados, que variava de 1 a 10, prefazendo um total de vinte cartas. Os cantos das cartas foram tapados de modo a que os numerais impressos, em cada uma delas, não fossem visíveis a olho nu. As dimensões, de cada carta, eram as seguintes: 9 cm de comprimento e 6 cm de largura.

No final da intervenção (dois pós-testes), os resultados obtidos pelas díades de criança (criança/criança - grupo experimental I) quando comparados com as que interagiram sempre com um adulto (criança/adulto - grupo experimental II), demonstraram que o progresso no desenvolvimento psicogenético é mais rápido se as crianças participarem, durante a resolução de problemas, em situações de interação social com outras crianças do que se os resolverem com a ajuda de um adulto que, por as orientarem no sentido da aplicação correta das estratégias, dificulta a ocorrência do conflito sociocognitivo que, por ser gerador de reflexão em ação, conduz à reestruturação dos processos cognitivos dos sujeitos envolvidos.

Assim, de acordo com Ferreira (2003; 2010), a criança que segue as indicações do adulto mantém-se, durante mais tempo, em níveis de desenvolvimento psicogenético mais baixos do que a criança que, numa atmosfera de cooperação e de argumentação e contra-argumentação, participa, ativamente, na resolução de problemas com o parceiro(a), o que indica que o conhecimento não ocorre através da simples adição de informação, mas que assenta, basicamente, na existência de um processo dinâmico que resulta de diversas reestruturações cognitivas com vista a uma melhor reequilibração entre os vários esquemas do sujeito, aplicados à situação em causa, em que os processos de argumentação e de contra-argumentação, obtidos através do conflito das centrações cognitivas, parecem ser um meio facilitador que visa conduzir à emergência de novas e adequadas soluções para os problemas, conduzindo à reestruturação dos processos cognitivos dos sujeitos mesmo que, inicialmente, as díades sejam constituídas por crianças de diferentes níveis operatórios.

Esses resultados sugerem que no que se refere à generalização de estratégias, o processo de pensamento é tanto mais flexível quanto mais oportunidades as crianças tiverem de debater seu ponto de vista com o colega ou, dito de outra forma, a interação social entre parceiros é um factor determinante na construção do pensamento aritmético, logo desde o início da instrução formal do mesmo.

Do nosso ponto de vista, podemos sugerir que as mudanças observadas, nos estudos apresentados, foram fundamentalmente devidas à presença do conflito sociocognitivo que obrigava as crianças a adequarem suas estratégias às dos parceiros, de maneira a obterem maior sucesso na resolução dos problemas.

Com isso, não pretendemos sugerir que o professor não é um elemento fundamental no processo ensino/aprendizagem, das primeiras estruturas aditivas. Pelo contrário, é através da ação do professor, essencialmente no que se refere à criação de condições que favoreçam a emergência dos conflitos cognitivo e sociocognitivo, que as crianças poderão transformar seu pensamento em estruturas operatórias cada vez mais adaptadas e, por conseguinte, mais complexas.

Desse modo, partimos do pressuposto de que as estruturas operatórias não são inatas, mas construídas a partir de estruturas menos complexas que, por processos de abstração reflexiva, estão sujeitas a reorganizações e reconstruções múltiplas que as projetam para um nível cognitivo superior. Consequentemente, demonstramos que o desenvolvimento do conhecimento aritmético deverá incluir, por parte do sujeito, a capacidade de construir procedimentos novos adequados à resolução de problemas, o que será facilitado pela emergência dos alunos em situações contextuais que facilitem a emergência do conflito sociocognitivo.

De facto, a influência positiva do conflito sociocognitivo também foi verificada por Dekker e Elshout-Mohr (2004) que estudaram seu efeito em estudantes de 16 e 17 anos de idade, em tarefas de aprendizagem da matemática, chegando à conclusão de que o método de aprendizagem colaborativa, baseado no conflito sociocognitivo, é mais eficaz do que o método tradicional que, por ter a transmissão dos conteúdos curriculares como a sua principal componente, não facilita a construção da matriz dos sistemas de coordenação geral.

Por outro lado, também Elbers (2003) defende que o método de ensino da matemática que privilegie a interação grupal traz benefícios no que se refere ao desenvolvimento e à aprendizagem de conceitos matemáticos, em crianças de 11 a 13 anos de idade, especialmente no que se refere à descoberta de novas e sofisticadas soluções para problemas dessa natureza, em cuja formulação entrem elementos contextuais do quotidiano, o que contribui para o aumento qualitativo da reflexão individual e coletiva.

Dentro da mesma problemática, Morrone, Harkness, D'Ambrosio e Caufield (2004) perguntam como é que o discurso instrucional, num clima de aprendizagem socioconstruvista, influencia a percepção do aluno sobre os conceitos matemáticos aprendidos? Através do uso de filmes e transcrições das interações verbais, realizadas em cada sessão do curso, com especial ênfase nas orientações instrucionais que se desenrolavam nos grupos de discussão, assim como com uma avaliação no final do semestre, realizada anonimamente pelos alunos, os autores concluíram que o professor que se pauta por uma abordagem didática de natureza socioconstrutivista contribui de uma forma eficaz para o desenvolvimento de formas de pensamento matemático, de ordem superior.

Também Worthington (2007) refere que, desde os anos pré-escolares, as crianças envolvem-se em atividades matemáticas e manifestam grande entusiasmo pelas mesmas; no entanto, é necessário prestar-se atenção quando se pede à criança que resolva algo - ênfase no produto - ao invés de lhes serem apresentados novos problemas - ênfase nos processos.

Desse modo, não podemos deixar de defender que a escola, de índole construtivista, é o local que poderá proporcionar a todas as crianças e jovens seu desenvolvimento global com implicações, entre outras, na construção de competências bastante complexas e cujo resultado final se inscreve, de forma ímpar, no desenvolvimento do pensamento hipotético-dedutivo.

De facto, desde 1993 que, no Irish Centre for Talented Youth (ICTY), promovido pela Dublin City University (Ireland) em colaboração com a John Hopkins University (USA), são oferecidas, a jovens desses países, oportunidades no sentido de desenvolverem, a nível superior, suas competências matemáticas cuja didática se fundamenta, essencialmente, na construção de premissas básicas através do levantamento de questões e solução de problemas novos (Cosgrave, 1999).

Perante essas evidências, inferimos que as crianças sujeitas às metodologias construtivistas tendem a ser mais independentes e autoconfiantes, diante da resolução de novos problemas, por participarem de um contexto que possibilita a invenção de novas relações de natureza lógico-matemática. De facto, se a interação entre a criança e o companheiro(a) de trabalho se pautar simplesmente por uma atitude de submissão/aceitação da primeira, estaremos perante metodologias que se caracterizam, basicamente, por uma concepção autoritária na transmissão do conhecimento que não contribuem, de forma significativa, para o desenvolvimento das estruturas lógicas e a consequente aprendizagem significativa.

 

4. Considerações finais

Com efeito, a posição construtivista de Jean Piaget (1981/1967) defende a interdependência entre o desenvolvimento cognitivo e a capacidade dos sujeitos de coordenarem diferentes pontos de vista o que, consequentemente, conduz a progressos na utilização de procedimentos, cada vez mais adaptados.

Vygotsky (1978/1935) também referiu a importância da interação social, tendo defendido que o desenvolvimento do ser humano assenta, essencialmente, na interação dialética estabelecida entre cada sujeito e o contexto social a que pertence, especialmente durante a realização de qualquer atividade significativa, tendo apontado, como factores determinantes para o desenvolvimento humano, o contacto físico, emocional e social, que se estabelece entre diferentes indivíduos de uma determinada cultura, pelo que não só o indivíduo é influenciado e, consequentemente, transformado pelo meio sociocultural de que faz intrinsecamente parte, como também, e por reciprocidade dialética, o influencia e transforma.

De facto, já em 1966, Bruner (1999/1966) referiu que a verdadeira compreensão, de qualquer aspecto do conhecimento, implica um certo domínio das estruturas subjacentes ao mesmo, que influencia a generalização na aplicação e transformação de estratégias, o que deverá ser encorajado, especialmente no domínio da matemática, uma vez que essa abordagem aumenta a probabilidade de reelaboração dos conceitos prévios que o aluno adquiriu. A motivação e o envolvimento do sujeito com o conhecimento matemático, uma vez que se estabelecem conexões múltiplas entre as várias partes desse saber, aumenta o interesse do aluno por essa área do conhecimento.

Na verdade, se a criança estiver inserida num ambiente de cooperação e de comunicação interpessoal e recíproca entre iguais tenderá a desenvolver, entre outros, a compreensão conceptual numérica, como a relação de inversão da operação de adição que, por não se tratar de um dado inato, é construída, progressivamente, através das múltiplas interações de natureza inter e intrapessoal desenvolvidas, pela criança, em tarefas significativas.

Em relação à nossa realidade escolar, sabemos que as condições de promoção dos conflitos cognitivo e sociocognitivo não são as melhores uma vez que problemas tais como a indisciplina e a violência escolar poderão tornar invisíveis a necessidade de promoção do pensamento autónomo pautado por critérios de excelência cognitiva, afectiva e moral. Assim, a indiferença manifestada por certos alunos, às regras estabelecidas, a apatia e a desmotivação, entre outros, poderão resultar em medidas disciplinares que se repercutem na inibição das intervenções de natureza lógica e afectiva que os conflitos cognitivo e sociocognitivo podem facilitar em contexto de ensino/aprendizagem, de índole construtivista.

Perante tais desafios, propomos o acompanhamento do processo ensino/aprendizagem, não só na escola, mas também na família, de modo a podermos identificar as diversas transições por que passa a construção dos primeiros conceitos lógicos e socioafectivos, em contextos tanto informais quanto formais, o que concorre, do nosso ponto de vista, para o desenvolvimento da capacidade de formular e refutar questões ou, dito de outra forma, de fomentar o desenvolvimento da autonomia intelectual, social e moral, logo desde os primeiros anos de escolaridade.

De facto, a temática do conhecimento emocional e sua repercussão na aceitação entre pares são um tema que tem suscitado interesse entre os que estudam a integração efetiva de crianças e jovens na escola, com consequente sucesso académico. Assim, Mostow, Izard, Fine e Trentacosta (2002) estudaram 201 crianças, que frequentavam o ensino elementar, com a idade média de 7 anos e 5 meses, com o objetivo de desenvolver um modelo que integrasse os factores emocionais e cognitivos como preditores da aceitação entre pares, em contexto escolar. Os resultados mostraram que as competências sociais e verbais medeiam o conhecimento emocional em ambos os géneros, o que sugeriu aos autores que as competências sociais de adaptação constituem um mecanismo pelo qual as crianças expressam suas emoções e alcançam a aceitação entre os respetivos pares. Além disso, também verificaram que o conhecimento emocional medeia o efeito da competência verbal na adaptação social.

Desse modo, como nos dizia Vygotsky (1978/1935), o indivíduo, ao colaborar no desenvolvimento do processo social, não só adquire uma compreensão global do seu significado - aspecto interpsicológico do desenvolvimento - como, pelo facto de disponibilizar as suas capacidades na resolução de problemas significativos, transforma-se e reorganiza-se do ponto de vista das suas funções psicológicas - aspecto intrapsicológico do desenvolvimento

Assim, a influência de factores como a interação social e a interdisciplinaridade, que por sua vez desencadeiam conflitos cognitivos e sociocognitivos na reestruturação de problemas, foi referida por Piaget da seguinte forma:

Quando você está trabalhando com alguma coisa, não leia nada sobre o assunto antes, leia somente depois. O segundo método diz que se deve ler bastante sobre assuntos relacionados; para o estudo da inteligência, o que seria, a biologia de um lado, e de outro lado seria a Matemática e Lógica, e por aí em diante - incluindo a Sociologia - tudo, na verdade, relacionado com aquele tema. O terceiro método é como um garoto que dá chicotadas. Este garoto pode ser entendido dentro de uma lógica positivista, entendida como sendo um empirismo radical ao afirmar que todo o conhecimento vem da percepção e mais ainda, do domínio da Lógica e da Matemática. (Bringuier, 1989/1977, p. 126-7)

Para finalizar, defendemos que o desenvolvimento da generalização dos primeiros conceitos aritméticos ocorre em contextos socioculturais opostos àqueles em que predominam exclusivamente as explicações e as correções, sendo a interação e a consequente aceitação entre pares condições essenciais ao progresso cognitivo dos indivíduos, por permitir a reestruturação do pensamento da criança. Assim, aceitamos que o processo de desenvolvimento/aprendizagem é função da variedade e complexidade estrutural das actividades realizada e, por consequência, tornam-se parte do campo psicológico do sujeito quando esse se envolve na resolução conjunta de problemáticas ou quando sua atenção é atraída para aspectos específicos, dessas mesmas atividades, num ambiente de aceitação recíproca.

 

Referências

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1 Este estudo foi criticado por Morgado (1988, p. 52) que, não negando sua importância, refere o seguinte: "... ficou muito aquém da apresentação de uma epistemologia das aprendizagens, uma vez que neste campo se limitou a pôr em relevo ideias, já anteriormente apresentadas por Piaget, e a defender o seu modelo". Além disso, e pelo fato de as autoras terem mencionado que as crianças de nível pré-operatório não podem atingir, através de uma aprendizagem o período das operações concretas, Morgado (1988, p. 52 e 53) refere que "... é uma afirmação arriscada e, como veremos, muitas vezes desmentida, inclusivamente neste trabalho; o que se poderá dizer é que o método utilizado não conseguiu esse intento, o que não significa que outros métodos ou outros tipos de experiência não atinjam tal objectivo".

2 Em relação ao conhecimento físico e lógico-matemático, Piaget diz-nos o seguinte: "Thus the operations of thought derive from action on objects, and every action on the object starts with an indissociable interaction between a subject (S) which acts and an object (O) which reacts. Two types of knowledge need to be distinguished: On the one hand, physical knowledge in the broadest sense, i.e., knowledge which concerns the properties of particular objects; and, on the other hand, logical or mathematical knowledge, which is always applied to object-in-general. Beggining at a certain level, this knowledge proceeds alone in a deductive manner without further need for experimental verification...As I have unceasingly repeated, logical and mathematical operations derive from action, and, like physical knowledge, they presuppose experience in the true sense of the word, at least in their initial phases" (1977, p. 35 e 36).

3 «En reconstruisant la macrogenèse des catégories fondamentales de la connaissance scientifique et des normes logico-mathématiques, Piaget a dégagé la constitution progressive d'une architecture de la connaissance organisée autour de grandes structures qui apparaissent séquentiellement dans le développement. A titre d'explication, il a fait appel, dans un modèle d'équilibration des structures cognitives, à un mécanisme d'auto-régulation et d'auto-construction majorante dont les origines remontent aux mécanismes régulateurs biologiques. C'est en ce sens que l'on peut comprendre le caractère constructiviste de l'epistémologie de Piaget.» (Inhelder & Caprona, 1985, p. 14).

4 Ao defender que o sujeito concorre ativamente para a formação do conhecimento, Piaget refere que: "les idées existent ainsi en elles-mêmes, sous forme d'universaux subsistant de façon transcendante ou immanente aux choses (platonisme ou réalisme aristotélicien). L'accent peut au contraire être mis sur le sujet, qui projette alors ses cadres a priori sur la réalité: celle-ci ne serait donc jamais entièrement extérieure à l'activité subjective, d'oú les formes diverses d'idéalisme en fonction des multiples dosages possibles de cette intériorité et de cette extériorité. En troisième lieu, sujet et objet peuvent être conçus comme indissociables, le vrai étant appréhendé directement par une intuition (rationnelle ou non, à des degrés divers) portant sur ces structures immédiates et indifférenciées: tel est le principe de la phénoménologie. Quant aux conceptions selon lesquelles la connaissance se construit effectivement, on retrouve également le primat de l'objet s'imprimant sur un sujet passif (empirisme), le primat du sujet modelant le réel en fonction de son activité (pragmatisme ou conventionnalisme selon que cette activité englobe des besoins variés ou se borne à la pure construction intellectuelle) et la relation indissociable entre les deux (relativisme)" (Piaget, 1973, p. 31).

5 Em relação à noção de agrupamento Piaget (1995b/1965, p. 154) considera o seguinte: "... the groupement is only a system of possible substitutions either within a single individual's thought (operations of intelligence) or within thought exchanges from one individual to another (cooperation). These two sorts of substitutions constitute, therefore, a general logic, at once collective and individual, that characterizes the form of equilibrium common to cooperative as well as to individualized actions".

6 O grupo INRC é para Piaget um componente do que ele designa por "sistema formal" e que define da seguinte forma: "The group of four transformations characterizing the propositional logic of adolescents (inversion, reciprocity, inversion of the reciprocity or reciprocation of the inverse and identical transformation) shows how two forms of operatory reversibility are finally coordinated in a single system, while the combinatory (operations) characteristic of propositional networks are formed thanks to the generalization of classification" (The Growth of Logical Thinking from Childhood to Adolescence, (1955/1972, omitted from English translation, p. xxiii (Montangero & Maurice-Naville, 1997).

7 É dentro deste contexto que o autor defende, no que refere ao processo de desenvolvimento cognitivo, a importância da confrontação e da coordenação das ideias, uma vez que sua concepção sobre conhecimento e consequente desenvolvimento da inteligência assentam na noção de intersubjetividade, ou seja, no pressuposto de que o real pode ser sempre interpretado de diversas formas sendo o sujeito em ação determinante na aquisição e elaboração de conhecimentos novos (Inhelder & Caprona, 1985) que se tornam cada vez mais elaborados e complexos, a partir do confronto de ideias (Piaget, 1995b/1965).

8 "So cooperation alone is creative. But this is not to say, as bears repeating, that it confers upon individuals a rational power that emerges ex nihilo. The true creation of cooperation is the rule of reciprocity that permits individuals to correct what remains disequilibrated in themselves and to show the equilibrium immanent in all conscious activity. Indeed, it is this reciprocity that illuminates the personality which is precisely the ideal lacking in constraint and which is unknown to the individual self." (Piaget, 1995b/1965, p. 240)

9 "... the socialization of thought occurs in steps. It is achieved at the level at which individual intellectual operations are constituted as a function of inter-individual cooperation and, reciprocity, at which cooperation appears as a simple correspondence between the operations effected by individuals: at this level of socialization it becomes impossible to dissociate the individual and the social in the heart of thinking, not because these are confounded by the individual himself but because these constitute the two indissociable aspects of the same individual and inter-individual instrument of coordination." (Piaget, 1995b/1965, p. 280)

10 "At the representational level, in both preoperational and operational structures, we can distinguish three kinds of equilibrium. The first one is the relationship between assimilation and accommodation. There is an equilibrium between the structures of the subject and the objects; (the subject's) structures accommodate to the new object being presented and the object is assimilated into the structures...The second kind of equilibrium is an equilibrium among the subsystems of the subject's schemes. In reality, the schemes of assimilation are coordinated into partial systems, referred to as subsystems in relation to the totality of the subject's knowledge. These subsystems can present conflicts themselves. For example, it is possible to have conflicts between a subsystem dealing with logico-mathematical operations (classifications, seriation, number construction, etc.) and another subsystem dealing with spatial operations (length, area, etc.). For example, when a child is judging the quantity of a number of sticks, there may be in one collection a small number of long sticks laid out. In another collection, a larger number of shorter sticks may be laid out. If he is basing his judgment on number, he would make one judgement of quantity. If he is basing his judgment on length, he would make a different judgement of quantity. These two systems can evolve at different speeds. Of course as they evolve there is a constant need for coordination of the two - an equilibration of subsystems. The third kind of equilibrium in cognitive development appears to be fundamental. Little by little there has to be a constant equilibrium established between the parts of the subject's knowledge and the totality of his knowledge at any given moment. There is a constant differentiation of the totality of knowledge into the parts and an integration of the parts back into the whole. This equilibrium between differentiation and integration plays a fundamental biological role." (Piaget, 1995c/1977, p. 839)

11 Os autores apresentaram alguns exemplos de situações problema: a) Mudança numérica (Change) - "Joe had 3 marbles. Then Tom gave him 5 more marbles. How many marbles does Joe have now?" e b) Combinação numérica (Combine) - "Joe has 3 marbles. Tom has 5 marbles. How many marbles do they have altogether?" (Riley, Greeno e Heller, 1983, p. 160).

12 Contexto de aplicação - Duas crianças, do mesmo nível de desenvolvimento cognitivo, D. e F., estão sentadas, frente a frente. A experimentadora (E) encontra-se junto às duas crianças num dos lados da mesma mesa. Diante da criança-vendedora (D) está um cesto castanho, de palhinha, dentro do qual estão 10 bolos de plástico, e que são contados inicialmente pelas duas crianças, após o que ficam tapados com uma cartolina, opaca. A criança-vendedora retira os bolos pedidos pela criança-compradora (F), sem abrir o cesto. A criança-compradora recebe-os e conta-os. Por último, as duas crianças deverão chegar a acordo sobre a quantidade de bolos que ficaram dentro da cesta e só após o consenso é que poderão confirmar a resposta dada. A interação verbal criança-criança, foi a seguinte:

D - Quantos bolos queres comprar?

F - Seis.

D - Contou os bolos em voz alta, de um até seis, à medida que os retirava da cesta.

F - Contou os bolos em voz alta, de um até seis.

E - Então...quantos bolos é que ficaram na cesta?

F - Sete

D - Sete? Não ficaram nada sete.

E - Então... o que é que vocês acham?

F - Eu acho ... se comprei seis, ficaram sete.

E - Tu achas que se compraste seis ficaram sete, e tu D. concordas com ele?

Achas que ele tem razão?

D - Não sei.

F - Eu acho que ficaram cinco.

E - E por quê?

F - Porque eu comprei seis só podem ficar cinco.

E - Mas tinhas dito que eram sete.

F - Não eram, se eu comprei seis só podia ficar cinco. E tu D. o que é que achas?

D - Ficaram 5.

F - Então já podemos ver lá dentro. Eu acho que ficaram cinco e a D. também acha.

E - E por quê?

D - Ele comprou seis... tem que ficar cinco.

E - Têm a certeza?

F - Hum...Levanta os dedos e conta de um até seis ...Hum...eu acho que ficaram um bocado de quatro.

D - Eu também acho, se calhar...

F - Então vamos lá ver.

E - E expliquem lá porquê, porque é que ficaram quatro?

F - Porque eu comprei ...

D - Seis

F - ... quase muitos... comprei quase muitos...

D -- Então têm que ficar quatro.

F - Pois... só comprei um bocado muitos, só podia ficar poucos aí dentro.

E - E tu D. porque é que achas que ficaram quatro?

D - Porque comprei quase meia dúzia e depois têm que ficar lá quatro. Se ele comprasse sete é que tinha que ficar pou... oito, ele comprou seis tem que ficar quatro.

E - Então vejam lá se acertaram.

D e F - [Abrem o cesto e contam em voz alta alto os bolos, que ficaram por vender, de um até quatro.]

Acertamos!

13 Contexto de aplicação - Em frente à criança que esconde as "meninas" está uma caixa de madeira, opaca e, sobre a mesa estão 20 peões de xadrez, de cor branca, que são contados inicialmente pelas duas crianças. Após o acordo sobre a quantidade inicial de "meninas" que estavam a brincar no recreio, R. tapa os olhos com uma venda até que o seu par I.B. diga "Já está". A partir desse momento, R. retira a venda dos olhos e estabelece-se um diálogo, sobre a resolução do problema em causa, gravado, integralmente, pelo experimentador que também tomou notas escritas sobre as estratégias aritméticas que as crianças utilizaram na resolução do problema. O diálogo entre as duas crianças foi o seguinte:

I B - Escondeu dezasseis "meninas" dentro da caixa.

R - Ah... eram vinte... estão aqui... uma, duas, três, quatro, estão aqui quatro... ora - contou nos seus dedos de um até vinte - vinte - fez uma pausa - quatro...quatro - levantou os dedos, um a um, e contou-os de cinco até catorze, recomeçou a contar, nos mesmos dedos - contagem dupla - de quinze até vinte, fez uma pausa, em seguida, recontou - contagem tripla - nos últimos seis dedos utilizados de onze até dezasseis. Estão aí dezasseis.

I B - Não, não...estão lá dezassete.

R - Não concordo, estão lá dezasseis.

I B - Ah..pois...dez mais dez são vinte....tens razão estão lá dezasseis.

Exp - Por quê?

R - Eu enganei-me, eu pensava que era dez mais dez era vinte e um, mas é vinte, eu contei até vinte e um e é vinte.

Exp - E como é que fizeste?

R - Eu fiz vinte e um.

Exp - Mas agora, o que é que estás a fazer ?

R - É um truque que a minha mãe me ensinou, dez mais dez é vinte, só que eu pus um dedo a mais e depois deu-me vinte e um, depois tirei quatro e deu-me dezassete, agora deu dezasseis, eu contei assim ... vinte, dezanove, dezoito, dezassete, estão lá dezasseis.

I B - Concordo. Podemos conferir.

14 Contexto de aplicação - As duas crianças estão sentadas, frente a frente. A experimentadora encontra-se sentada, num dos lados da mesma mesa. A situação decorreu na sala de reunião de professores. Cada criança baralha o seu conjunto de dez cartas e tira duas. As cartas são postas sobre a mesa, de modo a que ambas as crianças consigam saber qual a pontuação obtida por cada uma delas. A sessão é gravada, integralmente, pelo experimentador que, também, tomou notas escritas sobre as estratégias aritméticas que as crianças utilizaram. O diálogo que se estabeleceu entre as crianças J A e I (Par n.º 25), foi o seguinte:

J A - Eu tenho dezassete pontos - contou, de um em um, os dez e os sete losângulos, de ambas as cartas.

I - Eu tenho treze pontos - contou, de um em um, os seis e os sete losângulos de ambas as cartas.

J A - É a I. que precisa de pintinhas.

I - Eu preciso de...

JA - Eu sei quanto é que tu precisas.

I - Ah?

J A - Queres que eu diga?

I - Sim.

J A - Quanto é três mais três? A criança selecionou dois grupos de três losângulos na sua carta de sete pontos.

I - Seis.

J A - E seis mais um?

I - Sete.

J A - E mais dez?

I -Ah?

J A - Olha para aqui - indicou a sua carta de sete e a carta de sete de I.

I - Essas são iguais, esta - a carta de seis - tem seis - contou, de um em um, seis pontos - e nessa aí - carta de dez de J. A. - estão - contou de um até seis - falta-me quatro para ficar igual.

J A - Falta quatro, eu já sabia, eu contei rápido, sete, oito, nove, dez, vi logo que eram quatro.