SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número35A interação família-escola diante dos problemas de comportamento da criança: estudos de casoProjetos de vida e profissional: um estudo com universitários da área da saúde índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psicologia da Educação

versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.35 São Paulo dez. 2012

 

Influência social entre professores e estudantes de ensino médio

 

 

Edson A. de Souza Filho1

Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. edsouzafilho@gmail.com

 

 


RESUMO

Descrevemos como professores e estudantes do ensino médio de escolas públicas procuram exercer influência recíproca. Eles responderam um questionário sobre ações recíprocas que praticaram consideradas prejudiciais; reações dos próprios sujeitos a ações do outro; aspirações e projetos do outro; papel da educação para suas vidas. Ademais, os estudantes relataram seus comportamentos que consideravam de modo diferente dos professores. Os resultados apontaram não reconhecimento por parte dos professores das propostas normativas/ideológicas dos estudantes, relacionadas a um tratamento individual da situação escolar e uma postura profissional do professor. Já os professores mencionaram mais a busca por disciplina do estudante. O padrão de influência adotado por professores foi mais baseado no poder institucional, enquanto o dos estudantes na retórica minoritária. Foram discutidas algumas condições para a influência minoritária no ambiente escolar, incluindo legitimidade para provocar e negociar conflito e liberdade de escolha.

Palavras-chave: influência; educação de jovens e adultos; normas sociais; ideologia.


ABSTRACT

We described how teachers and students of public secondary school attempt to have mutual influence. They answered a questionnaire about reciprocal actions which could be considered harmful; how they react to these actions; the other's expectancies and projects; the role of education in their lives. Moreover, the students reported behaviour of themselves that they interpreted differently of teachers. The results showed that teachers do not recognize the students ´normative proposals / ideological, related to individual treatment of the school situation and a professional attitude of the teacher. In turn, teachers mentioned more often t the search for the student's discipline. The pattern of teachers´ influence was more based on institutional power, whereas to the students was based on minority rhetoric. Some conditions for minority influence in the school´s environment were discussed, including the legitimacy to lead and negotiate conflicts and freedom of choice.

Keywords: influence; youth and adult education; social norms; ideology.


RESUMEN

Describimos cómo profesores y estudiantes de enseñanza secundaria de escuelas públicas buscaron ejercer influencia recíproca. Respondieron un cuestionario sobre acciones recíprocas practicadas por ellos consideradas perjudiciales; reacciones de los propios sujetos a esas acciones; aspiraciones y proyectos del otro; el rol de la educación en sus vidas. Además, los estudiantes relataron comportamientos propios que ellos consideraban de manera diferente a como lo hacían los profesores. Los resultados indicaron falta de reconocimiento de demandas los estudiantes de un tratamiento individual de la situación por parte de profesores, y de una postura que comunique profesionalismo del profesor. A su vez, los profesores mencionaron búsqueda de disciplina del estudiante. El padrón de influencia social adoptado por profesores estuvo más basado en poder institucional, y el de estudiantes en retórica minoritaria. Fueron discutidas algunas condiciones para la influencia minoritaria en el ambiente escolar, incluyendo legitimidad para provocar y negociar conflicto, y libertad de elección.

Palabras clave: influencia; educación de jóvenes y adultos; ideologías.


 

 

Introdução

As interações professor-estudante em sala de aula apresentam certa regularidade em termos de trocas, podendo ser consideradas como fenômenos e processos de influência mútua, no sentido de se tornarem oportunidades de os comportamentos de uns modificarem os comportamentos de outros. Os modelos teóricos psicossociais para tratar da influência social por um longo período deram mais importância à dimensão do poder, deixando de lado a questão das mudanças que podem ocorrer quando originadas de um sujeito sem poder (Moscovici, 1979; Tedeschi, 2007), como é o caso de estudantes ou, mesmo, de professores que frequentemente enfrentam "sozinhos" as convenções sociais do senso comum da sociedade. O objetivo deste trabalho é analisar as interações entre estudantes e professores à luz de teorias de influência social a partir de um material empírico.

A atividade acadêmica tem sido implantada no Brasil como uma busca geral de dinamização da sociedade dentro dos marcos de um processo de modernização e urbanização. Contudo, indivíduos e grupos apresentam várias reações a essa proposta que, em geral, pode ser compreendida de modos bastante diversificados, alguns sendo incompatíveis com outros, gerando conflitos entre os envolvidos. A proposta teórica de Moscovici (1979) para a influência social parte de um pressuposto diferente do funcionalismo, em que o conflito é tratado como um problema a ser eliminado ou minimizado. Tratar-se-ia de considerar o conflito, segundo o mesmo autor, como um propulsor genético de um processo de reconstrução e/ou mudança psicossocial (ou não), tanto no nível interno aos sujeitos, quanto externo entre os sujeitos.

Assim, existiriam as seguintes formas de influência social, de uma perspectiva funcionalista (French & Raven, 1959): uso de recompensa e punição; legitimidade (ou direito de prescrever condutas); referência (identificação); e competência (experiência ou conhecimento especial). Procurando esclarecer mais o fenômeno de influência, Kelman (1958) chamou a atenção para o fato de que nem todos os conteúdos serem internalizados pelo sujeito-alvo quando o agente de influência usa o poder para veicular propostas. No caso da submissão, seria uma forma de se obter recompensas e evitar punições, e, da identificação, estabelecer relacionamento com pessoa (ou grupo), assumindo papel do mesmo ou o complementando, como ser sábio-ignorante, etc.; o conteúdo podendo ser aceito, mas secundarizado, pois, tratar-se-ia de se conformar para estabelecer e manter a relação almejada. No caso da internalização, por sua vez, ocorreria influência porque o conteúdo é valorizado, intrinsecamente, pelo sujeito-alvo, sendo adotado por ser congruente com valores pré-existentes ou adequado para satisfação de necessidades, o que ocorre após validação individual. Tais proposições teóricas foram testadas e confirmadas empiricamente, como o papel da autonomia do sujeito-alvo ou a oportunidade de examinar mensagens de mais de uma posição sobre o assunto que se pretende tomar uma decisão (cf. Hamilton & Sanders, 1995; Kamins et al, 1989; Shaw, 1977, entre outros). Ou seja, a internalização supõe antes de tudo um processo interno de reelaboração das propostas por parte do sujeito-alvo, em seguida, um ambiente de liberdade de trocas recíprocas garantido para os implicados, tanto do lado do emissor quanto do receptor das propostas.

Buscando as raízes da influência social fora dos modelos teóricos que tratam esse fenômeno como decorrência da posse de alguma forma de recurso (poder, p. ex.), interno ou externo, simbólico ou material, alguns autores têm procurado fundamentar o papel da retórica na interação para a efetivação da influência (Moscovici, 1979; Muchhi-Faina & Pagliaro, 2008). Antes de tudo, é preciso dizer que a mudança supõe que alguém esteja propondo uma norma nova, fora do padrão pré-existente ou, mesmo, incompatível com o mesmo. Assim, uma norma majoritária é aquela que é amplamente reconhecida na sociedade, tanto em termos numéricos quanto de poder desfrutado. A minoritária, por definição, seria aquela proposta de mudança normativa/ideológica de sujeitos não dispondo de poder nem de qualquer tipo de reconhecimento, prejudicando sua influência. Uma das primeiras elaborações conceituais do mesmo autor para explicar a influência minoritária foi a do estilo de comportamento, destacando-se, especialmente, a consistência e a flexibilidade do sujeito social, como dimensões importantes para a negociação e possível reconstrução/mudança. O primeiro estilo se refere à coerência, modo de comunicar que indica algum tipo de organização capaz de trazer certa ordem ao mundo, o que tem grande prioridade social. Estudos comprovaram que, até mesmo a repetição de uma dada mensagem, ainda que fora dos padrões culturais, como dizer que a cor azul era verde, causava certo impacto e mudança social (Moscovici, 1979). A flexibilidade, por sua vez, diz respeito à mensagem apresentada indicando que o sujeito durante a interação pretende aceitar o outro até certo ponto, desde que sua própria mensagem seja reconhecida. Tais efeitos sociais observados acabaram por redefinir os modelos de influência. Num mundo marcado por diferenças, parece existir vantagem em vencer o bloqueio e rigidez a partir de reconhecimentos parciais mútuos.

Portanto, outro conjunto de estudos sobre influência social refere-se aos critérios de avaliação de propostas de influência que podem favorecer ou não à mudança, entre os quais se destacam a preferência e a originalidade. Segundo Moscovici (1979), as possibilidades num dado ambiente social de interação, tanto de manifestação de respostas variadas e novas, quanto de escolha entre as mesmas, aumentariam as chances de reconhecimento social de minorias que almejam influenciar. Contudo, têm prevalecido outros tipos de influência social, como o poder de punir e recompensar, o poder da tradição do papel de professor. Nesse caso, esse tenderia a exercer uma função social real mais como autoridade disciplinadora do que transmissora de um conhecimento acadêmico, gerando fenômenos de ameaça à liberdade individual/grupal na sala de aula, justamente num momento histórico de afirmação social de jovens e crianças em muitos ambientes (Oliveira & Vieira, 2006). Antes de tornar-se um grupo no ambiente escolar, o estudante é antes de tudo um indivíduo em potencial. Em sociedades como a brasileira, em que a valorização do indivíduo como entidade autônoma, diferenciada e considerada à parte é menos realçada, costumam prevalecer os atributos mais associados a grupos superiores e detendo poder sobre outros (DaMatta, 1984; 1986) - o que pode ter um efeito de manutenção de desigualdades educacionais e sociais. Assim, supomos que quanto menos se espera que professores e estudantes sejam capazes de se autodeterminar, de tomar iniciativas independentes do entorno social e de expressar regularmente suas diferenças psico-sócio-culturais - preferencialmente como produtos de suas próprias decisões de escolha -, maior será a probabilidade de expectativa de controle social e uso de poder em suas várias formas sobre a ação/pensamentos dos envolvidos. Enfim, nesse ambiente de não valorização relativa da entidade "indivíduo", tal como definimos acima, historicamente, parte da individualidade passa a ser investida no consumo ostentatório e na construção de distinções sociais externas, segundo padrões de conduta psico-sócio-cultural esperados (Bourdieu, 1979; Almeida & Tracy, 2003; Beauvois & Dubois, 1987) - o que, historicamente, tem sido obtido através de mobilidade via educação apenas por alguns grupos na sociedade. Nesse sentido, entidades coletivas como família, religião, Estado, nação, entre outras, teria primazia sobre o indivíduo, consideradas como condutoras na sociedade (Arendt, 1963/2004, DaMatta, 1992). Uma consequência desse tipo de norma/ideologia é a tendência de negação, tanto por parte do professor quanto do estudante, dos seus interesses/perspectivas e idealização de si mesmo, cabendo estudos e pesquisas.

Em trabalho posterior, Moscovici (1980) enfatizou a influência latente de minorias, que também existe em ambientes educacionais, onde costuma imperar grande expectativa de disciplina e obediência externa a regras sociais, institucionais ou não. Assim, mesmo não sendo explicitadas inicialmente, as condutas consideradas minoritárias são captadas e armazenadas na memória individual e coletiva, podendo tornar-se "epidêmicas" em seguida.

Em termos teóricos, temos confrontos situacionais em que uns e outros apresentam propostas normativas/ideológicas diferentes senão incompatíveis. Os estudantes reivindicam, ainda que timidamente, uma escola onde possam dispor de um tratamento individual que permita a realização de sua carreira acadêmica, no sentido de se poder levar em conta o ritmo de aprendizagem de cada um, por exemplo. Já os professores, talvez mais defensivamente e procurando minimizar o conflito, preconizam a manutenção da escola em termos de disciplina e ensino/aprendizagem, segundo os princípios do republicanismo vigente no país em que o indivíduo é considerado como subordinado à "vontade geral" coletiva (Arendt, 1963/2004). Como em outros lugares do mundo, acreditamos que boa parte dos conflitos de interação escolar no Brasil decorra de dificuldades de ensino-aprendizagem, de estranhamento em relação às atividades acadêmicas ou aos grupos socioculturais em interação na situação escolar, entre outros. Contudo, o que há de especifico atualmente são dificuldades de negociação intergrupal, sobretudo entre grupos de larga envergadura na sociedade, que não conseguem influenciar no âmbito do Estado. Nesse sentido, alguns estudos indicaram que existe grande expectativa entre muitos brasileiros de manter relações interpessoais positivas, tendendo a idealizar as relações familiares e entre amigos, em detrimento daquelas estabelecidas no espaço público, frequentemente considerado "terra de ninguém" ou de poderosos confirmados socialmente; o que prejudica a afirmação social que implique conflito (Buarque de Holanda, 1936/1984; DaMatta, 1986, 1992). Apesar de tudo, alguns grupos têm mais expectativas do que outros de conseguir interferir no espaço público, ao constatarem a dificuldade de negociação dos grupos dominantes no Brasil, cabendo pesquisas.

Nesse sentido, alguns trabalhos sobre o Ensino Médio poderiam indicar certas tendências detectadas tanto em relação aos professores quanto aos estudantes. Assim, Franco e Novaes (2001) realizaram pesquisa com 418 estudantes do período diurno e noturno do Ensino Médio de escolas estaduais da Grande São Paulo. As autoras relataram, entre outros resultados, que 23% destes alunos pesquisados estavam descontentes devido à "enfadonha dinâmica de algumas aulas" e 22% não gostavam da escola. No mesmo estudo, para 23% dos estudantes, o objetivo principal de ir à escola era interpessoal: "fazer amigos, conviver com pessoas". Ou seja, havia menos ênfase psicossocial em relação ao ensino-aprendizagem.

Ao lado disso, um estudo importante foi feito por Insfrán (2010), ao comparar três ambientes educacionais diferenciados por condições curriculares e sociais. Esses estabelecimentos de Ensino Médio foram comparados em várias dimensões e papéis escolares, incluindo uma escola da rede pública do Município de Nova Iguaçu, outra particular do Município de Araruama e, enfim, uma de ensino técnico-profissional na cidade do Rio de Janeiro (CEFET), entre estudantes, professores, pais e funcionários. Dos resultados encontrados, ressaltaríamos relatos de experiências e avaliações educacionais por parte de estudantes (n=216) e professores (n=26). Assim, ao descreverem os conteúdos de aprendizagem os estudantes do CEFET se destacaram ao considerá-los como utilizáveis em lugar/situação fora da escola (ensino público Nova Iguaçu= Epu, 7,3%; ensino particular Araruama= Epri, 7,3%; ensino público profissionalizante CEFET Rio de Janeiro= EpuP, 30,0%). Já os professores do CEFET quando perguntados sobre problemas de comportamento por parte dos estudantes responderam não ter/não ver em sua experiência (Epu, 4,0%; Epar, 7,7%; EpuP, 0%). Os mesmos grupos de professores mencionaram adotar métodos e soluções tradicionais para os problemas de comportamento dos estudantes ("Os professores propõem (...) intimidação dos alunos - chamando os pais no colégio ou ameaçando com suspensão - e criação de comissão de pais" (Insfrán, 2010, p. 114), sendo em menor medida entre os do CEFET (Epu, 27,3%; Epar, 22,2%; EpuP, 12,5%). Enfim, sobre expectativas dos professores em relação ao que os alunos esperavam deles, houve destaque dos professores do CEFET sobre condições funcionais gerais (neutras/favoráveis) ("Nesta categoria foram incluídas respostas que relataram expectativas de uma execução normal/ padrão das atividades de cada um dos grupos participantes. Ou seja, buscou-se criar uma categoria que agrupasse respostas de expectativas naturais quanto ao êxito das atividades a serem executadas pelos grupos, tal como obter boas notas, no caso dos alunos, dar aulas com dedicação, no caso dos professores, e executar tarefas com competência, no caso dos funcionários" (Insfrán, 2010, p. 104) (Epu, 24,0%; Epar, 23,1%; EpuP, 39,3%); condições funcionais pós-acadêmicas positivas relacionadas ao uso bem-sucedido do conhecimento após a formação ("A categoria agrupa respostas referentes às expectativas dos participantes quanto ao êxito dos alunos depois que terminarem os estudos escolares. Tais expectativas não se referem apenas aos alunos, pois evidenciaram-se também expectativas quanto à contribuição dos funcionários/direção e professores em tal êxito" (Insfrán, 2010, p. 112) (Epu, 0,0%; Epar, 0,0%; EpuP, 21,4%). Já as expectativas dos alunos sobre o que os professores esperavam deles praticamente não houve diferenças significativas entre os grupos comparados a respeito de condições funcionais neutras/positivas em termos de uma média aritmética obtida de 56,0%. Poderíamos afirmar que o curriculum escolar, assim como a expectativa de sucesso pós-acadêmico podem ter impactado na experiência e avaliação no modo de inserção de professores e estudantes nas atividades e interações escolares, entre as quais as que mantinham com os respectivos professores.

Sabemos que nem todos os estabelecimentos de Ensino Médio oferecem condições psicossociais adequadas para a vida escolar, de modo que tem crescido a queixa de estudantes quanto às maneiras de exercer a liderança educacional praticada por pais e professores; assim como de professores que não conseguem manter a atenção e disciplina de estudantes durante as atividades escolares - o que resulta em desafio para a formação de educadores e o aperfeiçoamento da Escola (Silva & Aranha, 2005; Eccheli, 2008). Para compreender tais processos e fenômenos de interação educacional, seria necessário considerá-los como forma de ação e influência social e o papel da retórica da interação e negociação de conflito na escola.

Tendo em vista que a cultura escolar dos estudantes produz seus próprios símbolos, práticas e realidades partilhadas, frequentemente discrepantes daqueles existentes no âmbito institucional e do corpo docente, sendo necessário um mínimo de reconhecimento mútuo de ambas as partes para a constituição de uma cultura comum. Nesse sentido, na situação histórica atual tem aumentado a existência de reivindicações de liberdade expressão e ação, não aquela que é apenas regulada por um professor ou profissional de alguma especialidade particular que porventura apareça como "mediador" na situação escolar. Mas é preciso dizer que, independente do mérito dessas iniciativas, elas constituem propostas normativas/ideológicas como outras que circulam na sociedade e que são levadas para o ambiente acadêmico para debate, nem sempre com boa receptividade por parte dos estudantes.

Poderíamos supor que o estudante, diante do poder acadêmico desfrutado pelo professor em escolas "tradicionais", tenderá a considerar as condutas do professor, sobretudo em termos de autoritarismo, agressividade pessoal e ameaça à cidadania. Seria importante saber até que ponto o estudante internalizou as metas convencionais de ensino-aprendizagem. Em realidade, acreditamos que as orientações de professores e estudantes se desenvolvam reciprocamente num processo dialético-complementar, embora correspondam a ações e formas de influência diferenciadas decorrentes de posições majoritárias e minoritárias no âmbito escolar. Tais posições emergem no sentido de contarem com o poder social ou não, primordialmente, da interação direta e, possivelmente, muito marcadas pelo pouco espaço disponível para a criatividade social, para outros temas fora da pauta institucional. Consideramos que a retórica frequentemente desenvolvida por estudantes para lidar com o domínio do professor costuma se basear em "não-condutas", como falta de atenção, distração, devaneios, estresse corporal, saídas da sala de aula voluntárias regulares, nem sempre bem justificadas, entre outras, antes de se tornarem indisciplina propriamente dita. Contudo, poder-se-ia esperar que a democratização recente das relações sociais em várias esferas da vida, sobretudo no nível microssocial, esteja dando lugar a formas de dinâmica de grupo em que a ação se utiliza de novas formas de pressão coletiva, como o desenvolvimento de espírito de grupo, etc. Mesmo assim, é possível que aquelas formas de intervenção individuais ainda tenham um papel maior seja no sentido de simplesmente se submeter à autoridade escolar, seja de procurar adaptar-se e dialogar no nível interpessoal com o professor, para manter certa autoestima, mas, se conformando "ativamente" às normas institucionais.

Os chamados "contra-poderes" nesses ambientes costumam empregar outras formas de influência, como a sedução, o apelo sentimental ou a violência da força (Baudrillard, 1979). Podemos dizer que, em países onde não instauraram ambientes em que prevalece a validação individual do conhecimento, que decorre da atividade de informação, a influência de indivíduos e grupos minoritários será bastante prejudicada. Nesse caso, vai ocorrer tanto a tendência de engrandecer o poder social estabelecido, quanto de limitar as trocas da vivência de sentimentos e emoções, com menor implicação racional dos participantes, assim como aumentar a oportunidade para situações de anomia social, prejudicando mesmo a atividade de ensino e aprendizagem.

Nossa hipótese principal é que os professores e estudantes têm consciência a respeito de dificuldades de negociação dos conflitos do dia a dia da vida escolar. Eles divergem quanto aos conteúdos normativos/ideológicos de funcionamento de estabelecimentos escolares públicos. Entre os estudantes, supomos existir um anseio de aprofundar o processo de transformação da escola republicana não apenas oferecendo um serviço público de qualidade, mas incluindo relações escolares não hierarquizadas e um tratamento individual para as atividades de ensino/aprendizagem. Entre os professores, mesmo sendo apenas parcialmente reconhecidos pelos estudantes como legítimo, seria preciso adotar a retórica majoritária, mais voltada para a questão da disciplina e outros comportamentos considerados mais adequados. Ademais, boa parte dos conteúdos normativos/ideológicos contrapostos por estudantes seriam os majoritários na sociedade, como projetos mais pragmáticos imediatos, como conseguir um emprego, divertir-se, relacionados à dimensão individual do estudante. Enfim, estudantes e professores apresentariam retóricas simultaneamente majoritárias e minoritárias, cabendo estudar as formas de os mesmos grupos exercerem influência mútua e a criação de acordos entre eles.

 

Método

Participantes

Participaram da investigação 44 professores e 94 estudantes de cinco estabelecimentos de ensino diurno e noturno de nível médio da rede estadual, localizados na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, onde costumam residir grupos sociais desfavorecidos em termos de renda e escolaridade. A média de idade dos estudantes foi de 20,37 anos e a dos professores de 33,34 anos. É preciso dizer que à época da pesquisa a maior parte dos professores do nosso contingente tinha formação em Escola Normal, assim como boa parte dos alunos trabalhava em atividades formais e informais. Os participantes foram informados dos objetivos da pesquisa e liberdade para aceitar a proposta de participação sem nenhum prejuízo para os mesmos.

Instrumentos e procedimentos

Para tal pesquisa, foi elaborado e aplicado um questionário (anexo) que procurou rastrear comportamentos considerados prejudiciais para o funcionamento das atividades escolares de estudantes e professores, segundo a avaliação recíproca de cada grupo social. Além disso, foram perguntadas as formas de enfrentamento adotadas diante de comportamentos prejudiciais de ambos os grupos; expectativas de reações; aspirações e projetos recíprocos; papel da educação para si mesmo; e comportamentos dos estudantes considerados prejudiciais por professores, mas por eles mesmos considerados de outro modo.

Análise de dados

As respostas às questões foram analisadas simbolicamente (Bardin, 1991; Bauer, 2002), gerando listas de categorias temáticas para verificar frequências e percentagens, resultados testados estatisticamente por meio do qui-quadrado. Assim, foram considerados na análise de dados os temas em que obtivemos proporções de frequência mais altas e significativas estatisticamente, segundo cada grupo comparado, de professor ou estudante.

 

Resultados

Os dados foram organizados em temas, não levando em conta a conotação favorável/desfavorável do mesmo, para professores e estudantes.

Para os estudantes foram considerados comportamentos prejudiciais de professores, relação intergrupal/interindividual: "falam que nossos pais são uns coitados"; "querem esculachar a gente"; "privilegiar aluno"; "quando o professor se "prevale (sic)" de seu curso superior, que é a única coisa que o diferencia dos alunos e não os trata de igual para igual. Não considerando seus alunos seres humanos como ele"; "alguns gostam de dar fora nos alunos, querem que todos fiquem que nem estátua, agora não ligo quando os professores pedem silêncio na sala"; cumprimento de obrigação/engajamento: "ignorar dificuldades e não se esforçar"; ensino/aprendizagem: " não saber explicar, excesso de conteúdo"; estudante como indivíduo: "não consultar alunos sobre dificuldades"; "o professor prejudica o aluno quando ele não se interessa pelos interesses e pelo cotidiano de cada um"; "acho um absurdo aqueles professores que não respeitam os alunos, as suas individualidades". Para os professores foram considerados comportamentos de estudantes prejudiciais os seguintes temas: relação intergrupal e interindividual: "agressividade com os colegas e professores"; cumprimento de obrigação/engajamento: "não faz atividades, apatia"; disciplina: "conversas paralelas, guerrinha de papel e giz, gazeta, entrar e sair".

A Tabela 1, em negrito, acima mostra que os estudantes se destacaram ao mencionar mais ensino/aprendizagem e estudante como indivíduo, enquanto os professores em cumprimento de obrigação/envolvimento e disciplina.

 

 

As formas de enfrentamento usadas por estudantes e professores diante dos comportamentos dos professores considerados prejudiciais estão expostas como segue. Para os estudantes, individual sem ação: "observar, esperar que os outros façam"; prefiro ficar calada, falar com a diretora não adianta nada"; individual com ação: "pedir que expliquem melhor, tentar fazer com rapidez"; solidariedade grupal: "conscientizar colegas"; apoio de outro poderoso: "alertar direção, outros professores"; sem problemas: "está tudo O.K.". Para os professores foram relatadas as seguintes formas de enfrentamento: individual com ação: "pedindo silêncio, chamo atenção para retomar o assunto"; "tento um relacionamento cordial e amistoso. Depois, quando já existe algum laço de "amizade" e respeito, começo a ensinar regras de comportamento em sociedade"; ensino-aprendizagem: "aplicar diferentes técnicas de mobilização"; "trabalhos de grupo com textos de assuntos do interesse deles"; poder institucional: "retirar da sala de aula"; apoio de outro poderoso: "chamar o responsável, conforme o caso".

A Tabela 2 indica que os estudantes apresentaram mais frequência em individual sem ação e solidariedade grupal, enquanto os professores foi em individual com ação, ensino/aprendizagem e poder institucional.

 

 

Para os estudantes, suas expectativas sobre reações dos professores diante de suas tentativas de ação foram sem intenção de mudança;querem mudar; nenhuma/não dá resultado: "sem motivação"; mudança do estudante: "aluno deveria ter aprendido antes"; mudança institucional currículo: "não podem voltar matéria". Já as expectativas dos professores quanto às reações dos estudantes às suas tentativas de mudança foram: não dá resultado; mudança do estudante: "pedem desculpas e procuram se interessar pela aula"; às vezes dá resultado: "50% melhoram e outros desistem de estudar"; difícil: "é lento".

A Tabela 3 mostra que os estudantes manifestaram que os professores estavam sem intenção de mudar e, em menor proporção, esperavam mudança do estudante e mudança institucional. Já os professores em relação à mesma pergunta manifestaram que não dá resultado e às vezes dá resultado e difícil.

 

 

Para os estudantes, as aspirações e projetos dos professores foram os seguintes: nunca pensou /sem resposta: "não responde/não sabe"; professor/estudante como indivíduo: "estão frustrados com o salário, só se importam com a autoimagem"; cumprimento de obrigação/envolvimento de professor: "faltam propósitos, esses professores normalmente dão a desculpa do baixo salário para justificar o trabalho mal feito"; vocação/idealismo: "força de vontade de tentar mudar o Brasil"; "devem ser bons, mas só serão bem assimilados pela turma se eles se puserem no mesmo plano pessoal dos alunos"; "sim, eu acho que eles fazem o possível e o impossível para nos ajudar a crescer"; "um professor assim não trabalha com projetos de melhoria, com amor a sua profissão"; "ele pensa que está ganhando alguma coisa com esse tipo de ação"; "eles escolheram tal profissão porque, creio eu, estavam tentando ganhar a vida, mas, depois que se tornaram professores, viram que não era uma maravilha, tanto em salário como em ensino". Para os professores, as aspirações e projetos de estudantes foram estudante como indivíduo: "integração à sociedade"; contexto/mobilização: "não têm ideal, pela insistência dos pais"; "tento sempre dar-lhes novas visões"; ensino-aprendizagem: "turmas pequenas e computadores, querem formar-se para serem bons profissionais".

Em relação à Tabela 4, os estudantes manifestaram mais ênfase em professor/aluno como individuo, vocação/idealismo e cumprimento obrigação/envolvimento, mas foi muita alta a frequência de não respostas/não sabe. Já os professores mencionaram mais contexto/mobilização e ensino/aprendizagem.

 

 

Para os estudantes, o papel da educação foi tratado a partir dos seguintes temas: professor/estudante como indivíduo: "muito boa"; "importante"; "agradável e divertido"; "ser alguém na vida"; "útil para o futuro"; ensinar/aprender: "tarefa acadêmica difícil"; "as pessoas precisam ter educação"; "tornar-me uma pessoa culta"; contexto/mobilização: "me ajuda a entender o meu lugar na sociedade"; "compreender meus direitos e deveres". Para os professores, o papel da educação foi considerado da seguinte maneira: professor como indivíduo: "gosto muito do meu trabalho"; contexto/mobilização: "formar cidadãos críticos, conscientes, capazes de interagir na realidade em que vivem"; "aprendo com os alunos"; "orientar o aluno para que sua vida cotidiana não seja tão assustadora quanto parece"; ensinar/aprender: "passar seus conhecimentos para os alunos".

A Tabela 5 indica que os etudantes apresentaram mais temas sobre professor/estudante como indivíduo, enquanto os professores ensinar/aprender e contexto/mobilização.

 

 

Exemplos de comportamentos de alunos que eles mesmos consideravam diferentemente dos professores: estudante como indivíduo: "divertimento"; "passatempo"; "conversar"; cumprimento de obrigação/envolvimento: "ficar quieto"; "desinteresse"; relações intergrupais/interindividuais: "ser grosseiro com o professor"; disciplina (sem intenção de mudar): "deboche"; "o falatório na sala. É irresistível para eles e os professores jamais conseguirão impedir, creio"; disciplina (para mudar): "uns ajudando os outros".

Os temas mais mencionados em relação à pergunta sobre quais condutas deles os professores interpretavam de outro modo foram os seguintes: estudante como indivíduo, cumprimento de obrigação/cumprimento, relação intergrupal/interindividual e disciplina sem intenção de mudar.

 

Discussão

Uma primeira constatação entre os estudantes revelou uma preocupação a respeito das áreas de atuação do professor, sendo considerados os aspectos intergrupais e interindividuais de poder e seu uso, em detrimento dos aspectos mais relacionados ao métier docente propriamente dito, como conteúdo pedagógico e envolvimento com o trabalho. Ao lado disso, apesar de sensível aos aspectos de relacionamento social, houve entre os estudantes certa tendência de passividade pública, o que apareceu combinado à busca de apoio de personagens poderosos da instituição. Ou seja, houve uma bipolarização de postura ou modo de enfrentar os professores: uma parte ativa, procurando agir individual e grupalmente através de busca de apoio e solidariedade dos colegas, e, outra parte, apenas como espectadora ou esperando a ação de outros.

O professor, por sua vez, tendeu a ressaltar mais a hostilidade social do estudante, tendo sido mais mencionadas indisciplina grupal e interindividual, junto de aspectos mais normativos de ensino-aprendizagem (cumprimento de obrigações/envolvimento). Poderíamos nos perguntar até que ponto a agressão do estudante dirigida ao professor não seria fruto da própria dificuldade de se conseguir chegar a uma convergência de reconhecimentos de metas e, mesmo, de formas de ação para os problemas educacionais enfrentados pelos estudantes.

Tendo em vista o que dissemos anteriormente, podemos supor que o professor faça uso de várias formas de poder, sejam os que a instituição lhe confere, sejam aqueles mobilizáveis fora da escola, como os supostamente encontrados entre pais e autoridades familiares. Contudo, é possível que exista algum tipo de crença de que o comportamento considerado inadequado para funcionamento acadêmico deve ser enfrentado por meio de persuasão/dissuasão baseada em argumentos racionais, sobretudo no nível microssocial na interação em sala de aula.

Consideramos que o progresso das interações em sala de aula e instituições de ensino depende da possibilidade de se estabelecer um clima mais democrático, de tranquilidade serena. As expectativas de mudanças observadas a partir de intervenção mútua seriam um bom indicador de desbloqueio nesse processo de interação. Mas é bom dizer que os professores já foram bastante afetados pela dessacralização do saber, o que, ao lado do descrédito da educação oferecida e da instabilidade política, têm levado ao aumento de fragilização social dos mesmos. Diante disso, os professores passaram a se sentir ameaçados, não somente pelas instituições, mas pelos próprios estudantes, cada vez mais dispostos a um enfrentamento direto e problematizador diante das regras educacionais estabelecidas (Penna, 2008).

Em termos de ação, a via grupal como tal foi menos comentada do que se poderia esperar, prejudicando seu impacto social. Sabemos que uma das formas de influência com maior potencial para sujeitos minoritários é a consistência, que pode se manifestar em termos de uso de lógica argumentativa ou de comportamento interindividual coerente (Moscovici, 1979). Trabalhando com um setting de laboratório a partir de tarefas de julgamento mais artificiais, Moscovici conseguiu obter um efeito de influência minoritária consistente, significativo estatisticamente. No caso, alguns dos nossos participantes estudantes manifestaram mais a proposta normativa/ideológica de tratamento individual para educação e de ensino/aprendizagem estrito senso (Cf. Tabela 1, 10,7% e 14,9%, respectivamente), se comparadas às propostas disciplinadoras dos professores, possivelmente consideradas por estudantes como um "moralismo" (cumprimento de obrigação/envolvimento e disciplina), que encobriria a relação social desigual e potencialmente conflitual. Mas a proposta minoritária dos estudantes ficou mais evidente nas perguntas em que lhes foi oferecido um contexto mais livre para se expressar sobre aspirações e projetos recíprocos e papel da educação para si (Tabelas 4 e 5), em relação às quais eles reafirmaram proposta de estudante como indivíduo (36,2%, 64,34%, respectivamente). Enfim, a pergunta sobre comportamentos deles mesmos que consideravam de modo diferente dos professores (Tabela 5), os estudantes reafirmaram a reivindicação de tratamento individual (27,4%), assim como certa busca de desvio a respeito da indisciplina assumida (11,5%). Os professores, por sua vez, apresentaram evidente dificuldade de negociar ou de sintonizar seu discurso ao que os estudantes esperavam deles. A ênfase na linguagem normativa/ideológica majoritária em praticamente todas as perguntas prejudicou até mesmo os possíveis efeitos de poder informativo que poderiam obter em termos de ensino-aprendizagem junto aos estudantes. É o que se pode inferir das respostas dos professores ao tratarem de enfrentar dificuldades com estudantes (Tabela 2: 30,1% sobre ensino-aprendizagem, enquanto foi zero a proporção mencionada do mesmo tema entre estudantes) ao tratarem das aspirações e projetos dos estudantes e professores, em que os professores manifestaram a possibilidade de o estudante pretender ensino/aprendizagem (Tabela 4: enquanto 30,6% dos professores se referiram ao tema, nenhum dos estudantes mencionou ser aspiração/projeto dos professores) e trabalhar em termos de contexto/mobilização (Tabela 4: 49,4% dos professores mencionaram o tema e nenhum estudante o mencionou), como se ignorassem mutuamente. Porém, ao responderem a pergunta sobre papel da Educação em si mesma os professores, no conjunto, apresentaram um perfil de atuação algo diferente a respeito do processo educacional, incluindo um peso maior para ensino-aprendizagem (49,34%), seguido por contextualização/mobilização (28,57%) e, enfim, aspectos individuais do estudante e do professor (20,0%). Poderíamos pensar que a proposta de "contextualizar" a Educação seria um conjunto de instrumentos do professor mais para enfrentar "problemas" do que manter o funcionamento regular da escola. Mas essa proposta, tal como preconizada e praticada pelos professores dos estabelecimentos pesquisados foi sistematicamente ironizada senão criticada pelos estudantes na pergunta sobre aspirações e projetos recíprocos, considerada como uma "farsa" (vocação/idealismo, 20,4%), apesar de alguns terem reconhecido seu valor ao considerar o papel da Educação (9,56%). Pesquisas ulteriores poderão aprofundar esses resultados.

É possível que a frustração dos estudantes fosse decorrente, principalmente, da expressão de poder por parte dos professores, independente de outras fontes de problemas, tal qual não partilhar os mesmos valores socioeducacionais. Entretanto, tal fato deveria ser complementado pela expectativa encontrada entre os estudantes de que, caso tentassem mudar os professores, somente 24,56 % conseguiriam. Daí podermos concluir que os estudantes estavam muito afetados por sentimentos de impotência, iniquidade, implicando perda de legitimidade do professor e, simultaneamente, acumulando uma dose considerável de frustração, a ser canalizada socialmente dentro ou fora do ambiente escolar. Podemos dizer que boa parte do material de ambos os segmentos de professores e estudantes que analisamos poderia ser considerada como formas catárticas de expressão emocional. Em suas investigações sobre o psicodrama, Moreno (1997) chegou a criticar o modelo ocidental de dramatização em que os conflitos normativos/ideológicos - que são necessariamente intergrupais, porém mais considerados pelo senso comum como interpessoais ou pessoais - são evitados em prol de uma sentimentalização da vida quotidiana ou de vivências emocionais quase como descargas de tensão acumuladas, que tendem a se repetir indefinidamente como as novelas da TV em função do não enfrentamento dos referidos conflitos no âmbito da esfera pública, inclusive fora do ambiente escolar. Nesse sentido, alguns professores da pesquisa ao serem consultados sobre como costumam fazer para enfrentar comportamentos dos alunos considerados prejudiciais mencionaram o uso de "técnicas de mobilização" como as "dinâmicas de grupo", sem mencionar a garantia do direito à palavra, sobretudo a respeito da intervenção espontânea dos estudantes (Reig e Ng, 2000).

Aqui cabe mencionar que existe certa tendência acadêmica de realçar mais, nas análises de interações, aspectos como emoções partilhadas, vivências concretas. Tal tendência não procura confrontar as possíveis elaborações discursivas encontradas entre individuos e grupos sem poder em relação ao que se debate na sociedade, porém ressaltar possíveis convergências sociais. Nesse sentido, neste trabalho utilizamos a noção de indivíduo mais como um recorte da realidade psicológica e psicossocial, sem supor que os materiais que analisamos fossem os de indivíduos plenamente autônomos, e diferenciados socialmente; o que exigiria outros tipos de análise. Contudo, uma reivindicação que emergiu claramente dos resultados dos estudantes foi um tratamento individual por parte dos professores, sobretudo nas duas últimas questões. Em geral, os professores contrapuseram argumentos de contextualização/mobilização, que são tratamentos pedagógicos socioculturais coletivos. Entre esses últimos estariam muitos dos participantes que "não respondem/não sabem", cujo volume foi suficientemente alto para indicar que existiria um ambiente de bloqueio de negociação no ambiente escolar, cabendo mais investigação. Mas é bom mencionar que alguns indivíduos e grupos resistem à escolarização, não necessariamente porque as condições pedagógicas sejam insatisfatórias ou insuficientes, mas porque eles não valorizam intrinsecamente a vida intelectual e acadêmica, convencionalmente consideradas, cabendo reflexões e ações específicas.

Ou seja, os estudantes que consideravam professores como sem intenção de mudar, assim como os professores que supunham resultados lentos, esporádicos ou nenhum por parte de estudantes, mostraram certa dificuldade para a negociação de ambos os segmentos, constituindo-se em consenso presumido de uns e/ou rigidez de outros. Ademais, os estudantes e professores tenderam a desconhecer projetos e aspirações recíprocos, como se não houvesse comunicação entre os grupos, uma barreira impedindo o conhecimento mútuo e mesmo dificultando a emergência de identificações sociais. Aliás, apesar de viver situação social difícil, os professores mostraram mais inclinação para adotar uma estratégia de influência majoritária, o que prejudicaria um acordo com os estudantes (Raposo & Maciel, 2005). Tratar-se-ia de buscar metas supragrupais para reunir ambos os sujeitos, o que pode ocorrer de modo mais imediato com a complementação entre os grupos para a realização de tarefas comuns. De modo mais permanente, é preciso que existam projetos pelo menos parcialmente convergentes em esferas socialmente relevantes, como profissionalização, local de moradia, lazer, esportes, entre outras que poderiam gerar conteúdos simbólicos e sociais a serem considerados como parte normativa/ideológica das escolas, apesar das dificuldades de negociação intergrupal. Nessa direção, alguns estudos recentes mostraram que pode haver um progresso acadêmico ao se valorizar algumas dimensões de grupos implicados em processos de marginalização escolar (Derks, Van Laar & Ellemers, 2007).

Enfim, parece que a concepção do professor sobre sua atividade de ensino/aprendizagem não incorpora aspectos lúdicos e outros existentes e emergentes. Portanto, seria interessante adotar algumas formas de debate intergrupal informal, no sentido de grupos de larga escala, para o aperfeiçoamento do ambiente escolar. Contudo, a questão do poder social deve ser elaborada e, eventualmente, substituída por outras formas de se negociar e interagir socialmente a fim de alcançar as metas almejadas por cada grupo, no formato de normas/ideologias.

 

Considerações finais

Podemos dizer que os professores entrevistados se centravam demasiadamente em busca de minimização ou eliminação de conflitos, em detrimento de possíveis aperfeiçoamentos da sua atividade de ensino-aprendizagem e adoção de uma atitude de valorização do estudante como indivíduo. É possível que o uso de poder pessoal e institucional tenha piorado tal estado de coisas, pois os professores, aos olhos dos estudantes, pouco demonstravam em termos de intenção de mudar seu modo de atuar. Sabemos que existe a expectativa entre muitos professores de ensino médio de que a "contextualização" - no sentido de incluir no cotidiano escolar conteúdos e vivências de fora da escola e vice-versa - é um projeto político pedagógico adequado para enfrentar as dificuldades de ensino-aprendizagem existentes. Na prática, o projeto mencionado poderia ser considerado como parte de uma negociação social ampla com o intuito de incluir grupos marginalizados do ambiente escolar. Contudo, tal projeto foi claramente veiculado, aos olhos dos estudantes das escolas que investigamos, usando métodos "tradicionais", que não admitem o conflito provocado por minorias, prejudicando sua inserção e possibilidade de mudar. Os estudos sobre influência social minoritária focalizaram os aspectos subjetivos de como negociar o conflito, considerado como um aspecto positivo e fundamental das relações sociais. Ademais, os processos de validação social do conhecimento, incluindo critérios de escolha, passaram a ser mais valorizados a partir dessa perspectiva teórica. Ou seja, professores e estudantes poderiam ter um ganho na negociação social se passassem a considerar parte do que ocorre no ambiente escolar com cada indivíduo e grupo envolvido como resultado de escolhas normativas/ideológicas a serem examinadas e modificadas por todos com cuidado, sob pena de bloqueio, rejeição e ruptura de muitos envolvidos. Sabemos que a influência minoritária mesmo não sendo explicitada a partir da fala, costuma ter um caminho mais subjetivo, latente, podendo implicar mais cedo ou mais tarde transformação social. Acreditamos que os fenômenos aqui analisados e discutidos permanecem ocorrendo, cabendo levar isso em conta nos estudos psicossociais do ambiente educacional.

 

Referências

Almeida, M. I. M.de & Tracy, K. de A. (2003). Noites nômades. Espaço e subjetividade nas culturas. Rio de Janeiro: Rocco.         [ Links ]

Arendt, H. (1963/2004). Sobre la revolución. Madri: Alianza. (Trabalho original publicado em 1963).         [ Links ]

Bardin, L. (1991). L'analyse de contenu. Paris: P.U.F.         [ Links ]

Baudrillard, J. (1979). De la séduction. Paris: Denoel-Gonthier.         [ Links ]

Bauer, M.W. (2002). Análise de conteúdo clássica: uma revisão. In M.W. Bauer e G. Gaskell (Orgs.) Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Petrópolis: Editora Vozes.         [ Links ]

Beauvois, J.-L. e Dubois, N. (1988). The norm of internality in the explanation of psychological events. European Journal of Social Psychology, 18,299-316.         [ Links ]

Buarque de Holanda, S. (1984). Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio (Trabalho original publicado em 1936).         [ Links ]

Derks, B.; Van Laar, C. e Ellemers, N. (2007). Social creativity Stripes back: improving motivated performance of low status group members by valuing ingroup dimensions. European Journal of Social Psychology, 37,470-493.         [ Links ]

DaMatta, R. (1984). A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco.         [ Links ]

DaMatta, R. (1986). O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco.         [ Links ]

DaMatta, R. (1992). A família como valor: considerações não-familiares sobre a família à brasileira. In. A. M. Almeida, M.J. Carneiro e S. G. de Paula (Eds.). Pensando a família no Brasil: Da colônia à modernidade (pp. 115-136). Rio de Janeiro: Espaço e Tempo.         [ Links ]

Eccheli, S. D. (2008). A motivação como prevenção da indisciplina. Educ. Revista, 32,199-213.         [ Links ]

Franco, M. L. P. B. e Novaes, G.T.F. (2001) Os jovens do ensino médio e suas representações sociais. Cadernos de Pesquisa, 112,167-183.         [ Links ]

French, J. R. P. e Raven, B. H. (1959). The bases of social power. In D.Cartwright (Org.). Studies in social power (pp.118-149). Ann Arbor: University of Michigan Press.         [ Links ]

Hamilton, V. L. e Sanders, J. (1995). Crimes of obedience and conformity in the workplace: surveys of Americans, Russians, and Japanese. Journal of Social Issues, 51,67-88.         [ Links ]

Insfrán, F. F. N. (2010). Representações sociais e relações no ambiente educacional: construindo espaços de negociação. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro.         [ Links ]

Kamins, M. A.; Brand, M. J.; Hoeke, S. A. e Moe, J.C. (1989). Two-sided versus one-sided celebrity endorsements: the impact on advertising effectiveness and credibility. Journal of Advertising, 18,4-10.         [ Links ]

Kelman, H. C. (1958). Compliance, identification and internalization: three processes of attitude change. Journal of Conflict Resolution, 2,51-60.         [ Links ]

Moreno, J.L. (1997). Psicodrama. São Paulo: Editora Cultrix.         [ Links ]

Moscovici, S. (1979). Psychologie des minorités actives. Paris: P.U.F.         [ Links ]

Moscovici, S. (1980). Toward a theory of conversion behavior. In L. Berkowitz (Org.) Advances in experimental social psychology, vol. 13. Nova York: Academic Press.         [ Links ]

Mucchi-Faina, e Pagliaro, S. (2008). Minority influence: the role of ambivalence toward the source. European Journal of Social Psychology, 38,612-623.         [ Links ]

Penna, M. G. de O. (2008). Exercício docente na escola: relações sociais, hierarquias e espaço escolar. Educ. Pesquisa, 3,557-569.         [ Links ]

Oliveira, M. C. S. L. e Vieira, A. O. M. (2006). Narrativas sobre privação de liberdade e o desenvolvimento do self adolescente. Educação e Pesquisa, 32,67-83.         [ Links ]

Raposo, M. e Maciel, D. A. (2005). As interações professor-professor na co-construção dos projetos pedagógicos na escola. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 21,309-317.         [ Links ]

Reid, S. e Ng, S. H. (2000). Conversation as a source for influence: evidence for prototypical arguments and social identification process. European Journal of Social Psychology, 30, 83-100.         [ Links ]

Shaw, J. (1977). Some real-life accounts of influential relationships. Human Relations, 30, 363-372.         [ Links ]

Silva, S. C. da e Aranha, M. S. F. (2005). Interação entre professores e alunos em salas de aula com proposta pedagógica de educação inclusiva. Revista Brasileira de Educação Especial, 11,373-394.         [ Links ]

Tedeschi, J.T. (Ed.) (2007). The social influence process. New Jersey: Transaction Publishers.         [ Links ]

 

 

1 Agradeço aos estudantes e professores que aceitaram participar da pesquisa aqui relatada; assim como ao CNPq, que me apoiou com uma bolsa de produtividade.

 

 

ANEXO

QUESTIONÁRIO DA PESQUISA

1) Quais os comportamentos dos professores (alunos, quando aplicado entre professores) em sala de aula que você considera mais prejudiciais? Classifique os comportamentos citados dos mais importantes para os menos importantes.

2) Como estudante (professor) o que você costuma fazer para evitar ou resolver cada um dos comportamentos indicados?

3) Como costumam ser as respostas dos professores (dos alunos, no caso de participantes professores) que apresentam tais comportamentos considerados por você como prejudiciais diante de sua tentativa de solução ou mudança?

4) Você alguma vez parou para pensar quais são as aspirações e projetos dos professores (dos alunos, no caso de participantes professores) em termos profissionais (em relação à educação, quando aplicado entre professores)?

5) Qual o papel da educação em sua vida em geral?

6) Quais os comportamentos dos alunos tratados como prejudiciais por parte de professores e que você considera de outro jeito? Indique os comportamentos e justifique. Classifique os comportamentos citados do mais importante para o menos importante.