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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.36 São Paulo jun. 2013

 

ARTIGOS

 

Qualidade na educação infantil pública: concepções de famílias usuárias1

 

Quality of public early childhood settings: conceptions of user families

 

Calidad de la educación infantil pública: concepciones de las familias usuarias

 

 

Bruna Calefi GalloI; Ana Paula Soares da SilvaII

IUniversidade de São Paulo. Psicóloga bru_ped@yahoo.com.br
IIUniversidade de São Paulo. Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia, Departamento de Psicologia, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo apsoares.silva@gmail.com

 

 


RESUMO

A qualidade da educação é um conceito construído histórica e socialmente, assim como seus instrumentos de avaliação. Algumas propostas, como as que defendem que a qualidade é dependente de um processo de negociação, preveem a participação de diferentes atores da comunidade na avaliação da instituição, incluindo as famílias. O artigo relata uma pesquisa realizada com foco na participação das famílias na avaliação da qualidade de uma instituição pública de educação infantil, com o objetivo de investigar quais as concepções de qualidade da educação infantil que as famílias constroem no processo de avaliação e quais parâmetros são utilizados nessa construção. Guiada pela perspectiva teórico-metodológica Rede de Significações, a construção dos dados foi realizada com 64 famílias por meio de um questionário e um colóquio em grupo. Os resultados revelam que as famílias apresentam referências de qualidade que vão ao encontro daqueles apontados por especialistas da área. Também chamam atenção para a complexidade da abertura à participação da família na avaliação da qualidade da instituição.

Palavras-chave: qualidade da educação infantil; avaliação da qualidade na educação; relação família-instituição de educação infantil.


ABSTRACT

The quality of education along with its evaluation instruments is a concept developed historically and socially. Some concepts understand quality of education as a process of negotiation, significantly evaluated by different members of the educational community, amongst them the families. This article presents a research focused in family's perspective of quality of a public early childhood education setting, aiming to understand what quality of education for those families is and which parameters are selected by them to develop this concept. Based on the theoric-methodologic perspective Rede de Significações, the data was built with 64 families through a questionnaire and a group discussion. Our data reveal that the families show education quality references similar to the Early Childhood experts. It also shows how complex is the family participation in the evaluation of the early childhood education setting quality.

Keywords: quality of early childhood settings; evaluation of education quality; relationship family/early childhood education settings.


RESUMEN

La calidad de la educación es un concepto históricamente y socialmente construido, así como sus herramientas de evaluación. Algunos conceptos argumentan que la calidad de educación depende de un proceso de negociación, considerando la participación de las diferentes comunidades en la evaluación de la educación, e incluyendo a las familias. Este artículo presenta un estudio enfocado en la participación de las familias en la evaluación de la calidad de la educación pública infantil, con el fin de investigar los conceptos de educación preescolar de calidad que las familias construyen en el proceso de evaluación y los parámetros que se utilizan en su construcción. Basados en los conceptos teóricos-metodológicos de Rede de Significações, la construcción de la base de datos se realizó con información de 64 familias a través de un cuestionario y un grupo de conversación. Los resultados revelan que las familias tienen referencias de calidad que cumplan con los señalados por los especialistas. También llamar la atención sobre la complejidad de la apertura de la participación de la familia en la evaluación de la calidad de la institución.

Palabras clave: calidad de educación de la primera infancia, evaluación de la calidad de la educación, relación de la familia con guardería/preescolar.


 

 

As discussões sobre a qualidade da educação têm tomado corpo e volume em diferentes áreas do conhecimento científico e impulsionado a elabsoração e a implantação de políticas públicas e reformas educacionais em vários países do mundo (Brasil, 2006; Brasil, 2006a).

Na educação infantil, o debate em torno da qualidade do atendimento ofertado à criança pequena se consolida após um histórico de lutas, conquistas, avanços e retrocessos.

No final da década de 70 e durante a década de 80, a inserção das mulheres no mercado de trabalho intensificou a demanda por vagas em instituições de educação infantil no país. De acordo com Campos, Fulgraf & Wiggers (2006), nesse momento, iniciou-se a preocupação de profissionais e especialistas da educação em propor diretrizes legais para essas instituições, centradas principalmente em aspectos urgentes relativos ao acesso à vaga e a sua ampliação.

A questão da qualidade na educação infantil no Brasil entra em pauta, no meio acadêmico e político, depois que "surgiram os primeiros estudos sobre as condições de funcionamento dessas instituições, principalmente creches vinculadas aos órgãos de bem-estar social" (Campos et al., 2006, p. 88). Tais estudos evidenciaram a precariedade das instituições, sobretudo em relação à oferta de materiais pedagógicos, formação dos educadores, projeto pedagógico e relação com as famílias.

O debate sobre qualidade da educação, contudo, não é tranquilo e ocorre sob diferentes concepções (Corrêa, 2003). Da mesma forma e na mesma medida em que as concepções de qualidade na educação se aproximam ou se distanciam, podendo guardar semelhanças ou divergências, diferentes instrumentos de avaliação de qualidade são construídos e disponibilizados. Alguns autores, na defesa de um processo marcado pela objetividade, propõem avaliações realizadas por agentes externos à instituição; outros acreditam na maior eficiência de uma avaliação realizada pela própria comunidade escolar; outros ainda propõem uma forma mista de avaliação (Silva & Souza, 2011).

Derivam dessas diferentes abordagens sobre a qualidade na educação - e, consequentemente seus instrumentos de avaliação - os entendimentos acerca da participação dos atores da comunidade no processo avaliativo. As famílias das crianças usuárias, por exemplo, aparecem (ou não) com enfoques variados nos instrumentos de avaliação das instituições de educação infantil.

Uma concepção que vem ganhando espaço no cenário atual do debate nacional e internacional da qualidade da educação é aquela que busca respeitar a especificidade da comunidade que compõe a instituição, por meio da discussão e construção negociada de padrões de qualidade entre os diferentes atores (Bondioli, 2004; Brasil, 2009), dentre eles, a família. Na educação infantil, esse processo seria desejável e necessário, uma vez que a relação com famílias das crianças usuárias é intrínseca ao atendimento à criança pequena, fato reconhecido pela Lei de Diretrizes e Base da Educação 9394/96 quando considera o caráter complementar dessas duas instituições (Brasil, 1996, art. 29).

Moss (2009), que concebe a instituição de educação infantil como um lócus de diálogo entre cidadãos, indica quatro atividades que, segundo ele, deveriam acontecer como parte de uma prática democrática na instituição de educação infantil; uma delas é "a avaliação do trabalho pedagógico através de métodos participativos" (idem, p. 425). Para Musatti (2005), no processo de escuta da família, deve-se considerar que ela ocupa dupla posição: como usuária do serviço e, ao mesmo tempo, como porta voz das manifestações das crianças, principalmente no caso das bem pequenas. Spaggiari (2003) tem uma visão bem otimista da promoção de atividades de participação da família na avaliação do atendimento oferecido na educação infantil. Para o autor, esse fato ajudaria na consolidação social acerca da importância da infância, contribuiria para a consciência das políticas para a infância e ofereceria elementos para uma luta conjunta na resolução dos problemas dessas políticas.

Entretanto, a complementaridade das ações assim como a promoção de estratégias de participação e avaliação, embora constituam horizontes para a construção de uma relação de cooperação e de diálogo entre família e instituição de educação infantil, não ocorrem de forma harmônica. Ao contrário, são carregadas de tensões de diversas ordens, e seus conflitos, como adverte Szymanski (2011), são provenientes, por exemplo, das diferenças de classes sociais, de valores, de concepções e de formas de comportar-se e interagir da família e da instituição educacional. A conjunção desses elementos resulta em movimentos complexos de distanciamentos e aproximações entre essas duas instituições, afetando as possibilidades de comunicação entre elas e, consequentemente, as práticas cotidianas com as crianças (Lima, 2012).

Esses aspectos, que conformam as relações família e escola, compõem também a dinâmica de avaliação da instituição educacional pelas famílias. Nesse sentido, há que se considerar que, nos processos avaliativos da qualidade da educação, os poderes dos diferentes sujeitos são também desiguais. No caso das instituições públicas, os familiares de crianças que frequentam creche ou pré-escola são, geralmente, provenientes de camadas economicamente empobrecidas e dependem das vagas ofertadas para conciliar o trabalho e a educação e o cuidado da criança. A escolha restrita - na maioria das vezes, impossibilitada - da instituição educacional para os filhos e os receios de possível represália que a criança possa sofrer atuam sobre as falas, as críticas e as sugestões dos familiares. Também os poderes de encaminhamento das propostas de melhoria estão mais concentrados na equipe escolar do que na família e, muitas vezes, as famílias são desqualificadas quanto à capacidade de participação. Esses fatos dão certa fragilidade à participação da família no processo de avaliação da escola. Desse modo, é no limiar entre o necessário engajamento das famílias no contexto da escola e o enfrentamento dos desafios que dificultam sua participação que se situa o debate da avaliação da qualidade educacional pelos pais ou responsáveis pela criança. Esse é um processo que, embora tenso, necessita ser explicitado na difícil trilha de construção da democracia no país e da oferta democrática de serviços educacionais. Nesse exercício, enfrentados esses problemas, podem ser iniciadas as bases para a construção de novas relações entre a escola e a família.

Considerando a importância da participação das famílias usuárias na instituição de educação infantil, num contexto bastante complexo para sua efetivação, o objetivo do trabalho foi investigar as concepções de qualidade de famílias usuárias de uma instituição pública de educação infantil e os parâmetros que são por elas utilizados na construção dessas concepções. No senso comum, é frequente o discurso, inclusive de profissionais da educação, que imputa à família pouco interesse em participar da vida escolar das crianças; antes de se preocupar com os processos educacionais, sua atenção estaria supostamente mais voltada e restrita aos aspectos relativos à guarda e à alimentação. Outras vezes, o discurso coloca na família o desejo e a cobrança de aceleração nos processos de aquisição da linguagem escrita. Defende-se que investigar as concepções de famílias sobre qualidade pode revelar facetas que auxiliam o avanço das discussões sobre esse tema. A aproximação aos olhares e às vozes das famílias pode ajudar a construir conhecimentos sobre esse processo e, ao mesmo tempo, colaborar para que os profissionais das instituições atuem com base em concepções menos preconcebidas e mais concretas das famílias, de seus valores e de suas necessidades.

 

MÉTODO

Contextualização da pesquisa

A perspectiva teórico-metodológica que guiou a pesquisa foi a Rede de Significações, desenvolvida a partir de investigações em contextos de instituições de educação infantil (Rossetti-Ferreira, Amorim, Silva & Carvalho, 2004; Rossetti-Ferreira, Amorim, Soares-Silva & Oliveira, 2008). Seus pressupostos inspiraram a compreensão dos instrumentos de avaliação escolhidos para a investigação como construídos por pessoas situadas histórica, cultural e teoricamente, portanto carregando implicitamente valores e concepções de qualidade. Os resultados aqui apresentados levam em conta que seus "dados" foram construídos na relação instrumento-pesquisador-sujeito da pesquisa.2

A pesquisa foi realizada em uma cidade de pequeno porte no interior do Estado de São Paulo. A instituição foco era denominada Escola Municipal de Ensino Básico (EMEB) e atendia crianças de 4 meses a 14 anos de idade matriculadas na educação infantil e no ensino fundamental. A escola contava com uma diretora, uma vice-diretora, uma coordenadora para a educação infantil (0 a 5 anos) e uma para o ensino fundamental (6 a 14 anos). O atendimento às crianças de educação infantil acontecia em período integral, em jornada das 7h30 às 16h30.

Foram realizadas cinco visitas à instituição ao longo de um mês, com duração média de quatro horas cada uma. As visitas iniciais ao campo de pesquisa visaram conhecer a comunidade educacional e sua realidade. Foram feitas observações dos espaços, das rotinas, de momentos de interação professoras-crianças, crianças-crianças e professoras-famílias. Também foram consultados documentos de registro da coordenação (atas de reuniões de pais, registro de adaptação de educadoras, fotos de eventos).

A pesquisa diretamente com as famílias foi realizada em dois momentos: aplicação de um questionário; realização de um colóquio em grupo. Ambos foram traduzidos e adaptados dos instrumentos utilizados pelo grupo Sviluppo Umano e Societá, coordenado por Tulia Musatti do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália. Esses instrumentos, desenvolvidos especificamente para a avaliação de instituições de educação infantil, foram adotados nessa pesquisa por considerarem a participação direta das famílias usuárias na avaliação da qualidade das instituições de educação infantil.

O questionário é dividido em quatro partes (a criança e sua família; a vida cotidiana da criança; A inscrição e a frequência à instituição; a avaliação da experiência feita na instituição), totalizando 34 questões, sendo 33 de múltipla escolha e uma dissertativa. Cada uma das questões de múltipla escolha que compunham uma determinada parte do instrumento constitui-se assim em um parâmetro já dado pelo instrumento e avaliado pelos participantes. Para as questões de múltipla escolha, as possibilidades de resposta variavam numa escala de 1 a 5, sendo 1 nada e 5 muitíssimo. A aplicação do questionário foi feita na própria instituição de educação infantil, e a adesão foi de 53% do total de famílias usuárias.

O colóquio, realizado com oito famílias, foi iniciado com a questão: "O que é qualidade na creche3?", e posteriormente foi guiado por um roteiro com 13 temas coincidentes e/ou complementares aos temas abordados no questionário. Esse foi gravado em áudio e imagem.

Para o tratamento dos dados, os questionários foram organizados em tabelas e posteriormente transformados em gráficos. Para organização e análise do material do colóquio, a gravação em áudio foi transcrita na íntegra, e a gravação das imagens foi assistida várias vezes para a compreensão de trechos inaudíveis e para a apreensão de gestos, sinais, silêncios e expressões faciais que pudessem contribuir para melhor compreensão das falas. Foram feitas várias leituras da transcrição do colóquio. Esse material foi tratado, inicialmente, de modo a identificar e a discriminar, ao longo do desenvolvimento do colóquio, os temas ou aspectos institucionais avaliados pelos participantes. Os mais recorrentes e constituídos como base para a construção das concepções de qualidade das famílias foram: espaço físico, aprendizagem, atividades de cuidado e relação com a equipe educacional. Em cada um deles, buscou-se compreender quais seriam os parâmetros que os familiares utilizavam para a avaliação. Os parâmetros foram entendidos conforme definição do documento Parâmetros Nacionais de Qualidade de Educação Infantil, do Ministério da Educação (Brasil, 2006). Na avaliação de qualidade, essa terminologia é utilizada para diferir-se dos chamados indicadores de qualidade, uma vez que esses últimos são mais precisos. Tomamos os parâmetros exatamente por serem eles mais amplos e permitirem a consideração de aspectos não totalmente técnicos, por exemplo, o número mínimo de metros quadrados necessários por criança, em cada espaço da instituição. Os parâmetros, tidos portanto como uma lente adequada para tratar das avaliações das famílias, foram considerados como uma referência dos familiares na consideração daquele aspecto discutido no colóquio.

No colóquio, os familiares participaram avaliando aspectos concretos da instituição, considerados a partir da experiência própria com a educação de suas crianças. Por algumas vezes, verificou-se que faziam as avaliações com base em referências de qualidade gerais, não específicas à instituição que atendia seus filhos; traziam assim, na conversa, referências de qualidade para qualquer creche ou pré-escola.

Os resultados e a discussão, portanto, são apresentados levando em consideração os Parâmetros de Qualidade que emergiram no material e a Relação Família-Instituição de Educação Infantil.

Caracterização das famílias participantes

O bairro onde a instituição é localizada é periférico e fica à margem de uma das rodovias de acesso à cidade. A maioria das famílias participantes era residente nesse ou em bairros vizinhos. Esses bairros são compostos por moradias de famílias de baixa renda, e alguns são conjuntos habitacionais.

Dentre os participantes da pesquisa (n=64), 75% eram mães (n=48). Em relação ao local de nascimento, 70% das mães das crianças nasceram na própria cidade onde foi realizado o estudo, sendo uma minoria (13%) proveniente de outros Estados.

De modo geral, as famílias participantes possuíam o nível médio como escolaridade máxima. 32% das mães possuíam Ensino Fundamental Incompleto, 16% possuíam Ensino Médio Incompleto e 27% Ensino Médio Completo. Apenas 3% delas possuíam nível Superior Completo. O trabalho predominante dos familiares era realizado na prestação de serviços. Das mães, 22% eram donas de casa, e as restantes trabalhavam fora do espaço doméstico como vendedoras, garçonetes e operárias, e 43% possuíam carteira assinada. A maioria das famílias (71%) era constituída por pai (ou padrasto), mãe e filhos. Um segundo arranjo familiar compunha-se pela genitora, tios e/ou avós (21%).

A maioria das famílias participantes era responsável por crianças com até 3 anos de idade e ingressantes na instituição no ano de realização da pesquisa.

 

RESULTADOS

Espaço físico/estrutura

O espaço físico é um aspecto da instituição de educação infantil bastante visível e acessível às famílias. A partir daquilo que veem cotidianamente e em diálogo com concepções próprias de limpeza, higiene e com o conhecimento sobre os comportamentos e vontades de suas crianças, as famílias construíram concepções de como seria uma instituição de educação infantil com um espaço físico de qualidade.

Segundo a Figura 1, as famílias não demonstraram insatisfação em relação aos ambientes da instituição de que são usuárias, visto que a quantidade de respostas em "pouco" ou "nada" variou em faixas bem inferiores às demais. Os aspectos mais bem avaliados foram 'limpeza', 'decoração', 'adequação e acolhimento para a idade das crianças' e 'segurança'. Os espaços externos, por sua vez, não foram tão bem avaliados; para 26,98% dos respondentes, esses espaços são "mais ou menos" grandes e adequados. Em resposta à questão dissertativa, que solicitava se "gostariam de fazer propostas para melhorar algum aspecto da instituição?", os participantes tanto questionaram quanto sugeriram aspectos para a melhoria do espaço.

Eu gostaria de melhorar o tamanho. (Mãe; 18 meses4) Acho que o parque dentro da instituição, onde as crianças brincam, não promove segurança alguma aos pequenos, existem brinquedos inadequados onde eles podem subir e sofrer graves acidentes. (Pai e mãe; 32 meses)

O espaço físico da creche acredito que seja insuficiente. Falta, por exemplo, área verde! (Mãe; 36 meses)

Gostaria de mais espaço para as crianças poder brincar, ter eventos para eles. (Mãe; 60 meses)

Tinha que aumentar o espaço, o terreno é muito pequeno. (Mãe; 60 meses)

As famílias, ao atribuírem valor e importância aos espaços externos para o bem- estar e desenvolvimento das crianças na instituição, tiveram as necessidades de movimento da criança como referências para a formulação dessa avaliação. O mesmo aparece no trecho abaixo retirado do colóquio.

Pesq.: E essa creche, assim, em relação ao espaço dela, o que vocês acham?

A1:5 É, é uma coisa que eu queria dar sugestão. Eu acho que é pequeno.

M1: Falta espaço.

M5: É pequeno.

Pesq.: Quais espaços você acha...?

A1: Acho que o lazer das crianças.

M1: O lazer deles é bem pequeno, né. Parquinho...

A2: Tinha que ter um lugar pra poder ficar fora da sala, né?

M2: Brincar...

A1: Na sala não ficaria tanto! Acho que eles tinham que ter uma área de lazer pra eles. Entendeu? Uma quadra de areia grande, ou outra quadra pra eles estarem brincando. Um parque, um parquinho realmente de verdade, não aquele que é na terra, que deveria ser na areia.

As famílias participantes da pesquisa concebem como um espaço físico de qualidade na instituição de educação infantil um lugar que permita o cuidado com a saúde e segurança da criança, que seja grande e bonito, que possibilite a realização de brincadeiras e de momentos amplos e agradáveis. Sobressai no material a forma como as famílias apontam o excesso de atividade interna à sala e reivindicam mais tempo para atividades lúdicas.

Aprendizagem

Três participantes do colóquio falaram explicitamente da necessidade do desenvolvimento de aprendizagens6 das crianças na instituição de educação infantil para que essa seja considerada de qualidade. Outros participantes trouxeram ideias referentes às aprendizagens sem usarem necessariamente um repertório pedagógico.

Para uma das avós (A1), o acompanhamento da aprendizagem caracteriza-se por atividades compostas por três elementos: sistematização do que será feito com as crianças; registro feito pelas professoras; devolutiva, no final de cada semestre, da produção realizada na instituição.

O avô (AO), com base em sua própria experiência com o neto, por meio dos termos "instrução" e "condução", traz expectativas de aprendizagens referenciadas no desenvolvimento de comportamentos sociais adequados.

Em sentido semelhante, a mãe M1 aborda o desenvolvimento de "bons modos e bons hábitos", tarefa necessária da instituição de educação infantil visto que, segundo a participante, é onde as crianças passam a maior parte do tempo.

A importância atribuída à instituição de educação infantil como espaço de aprendizagens de diversas ordens, tanto de conhecimentos sistematizados como de condutas, apareceu também nas respostas das famílias ao questionário. Também aparece nele referências ao relacionamento entre as crianças e ao oferecimento de novas experiências de brincadeiras, brinquedos e jogos.

Considerando a faixa de respostas "muitíssimo" importante na figura 2, a oferta de 'contato e aprendizagem de leitura e escrita' é a mais valorizada pelas famílias após a 'alimentação', com 56,25% das respostas. 'Desenvolvimento de comportamentos autônomos' e 'novas experiências de brincadeiras' ficaram em quarto lugar com 45,31% das respostas; desenvolvimento de 'bom relacionamento com outras crianças' ficou em quinto com 42,18% das respostas e 'regras para conviver com os outros' em sexto com 40,62% das respostas.

Nas falas durante o colóquio, as famílias trouxeram outros aspectos do desenvolvimento da criança como conquistas adquiridas a partir da frequência à instituição de educação infantil.

M1: O meu não conversava de jeito nenhum...

M4: O meu também!

M1: ... ele desenvolveu bastante a fala, ...

M4: A fala!

M1: ... a maneira dele ser, porque ele não gostava que ninguém relava a mão em nada do que era dele, então aqui ele aprendeu a dividir brinquedo, alimento, ele aprendeu. (...) Coisa que em casa ele não fazia de jeito nenhum, se chegasse e pedisse alguma coisa pra ele, ele virava as costas e saia andando. Ou se relasse a mão em alguma coisa dele ele já chorava, ele era bastante birrento ele diminuiu bem, ainda continua um pouquinho, mas já diminuiu bastante.

A1: A minha neta não brincava sozinha antes de vir pra creche (...). É uma coisa que eu notei que ela mudou. Hoje ela brinca, pega a bonequinha, vai passa a roupinha dela...

A2: Conversa sozinha.

A1: É conversa... mas antes não, tinha que parar tudo pra fica com ela. Ela não sabia brincar sozinha, e hoje ela já aprendeu.

M2: Aprende também a vestir sapato, roupa sozinho, vai no banheiro sozinho, toma banho.

É interessante notar que os participantes do colóquio fazem referência ao desenvolvimento de habilidades interacionais, sociais, de autocuidado e linguísticas a partir do ingresso das crianças na instituição. Essa avaliação os aproxima das proposições de pesquisas da área, documentos e publicações oficiais (Oliveira & Rosseti-Ferreira, 1993; Oliveira, 1994; Campos & Rosemberg, 1995; Craidy, 2001; Rosemberg, 2002; Souza & Campos-de-Carvalho, 2005; Brasil, 2006; Brasil, 2006a; Rossetti-Ferreira, Amorim, Soares-Silva & Oliveira, 2008). O material coletado nos revela que a instituição de educação infantil como uma instituição educacional, e não apenas de cuidado, é desejo das famílias participantes. Ao lado de outros aspectos da instituição, as famílias referem-se às aprendizagens que acontecem ou deveriam acontecer.

Cuidado

O tema cuidado, em sentido amplo, é mobilizador e grande foco de conflitos e confusões de papéis na relação família-instituição de educação infantil. Os principais aspectos explorados pelas famílias, tanto nos questionários como no colóquio foram: alimentação, higiene e segurança.

Segundo a Figura 3, 60% dos participantes responderam que é muitíssimo importante que a instituição ofereça alimentação às crianças. Durante o colóquio, os participantes fazem referência à importância da comunicação entre a instituição e as famílias sobre a alimentação das crianças nesse espaço: o que comem, quanto comem e como comem.

AO: Oh! Uma outra coisa, eu não sei, eu não sei o que elas acham, por exemplo, as crianças são alimentadas aqui e eu não sei como elas são alimentadas, o que elas ingerem, não sei! Quer dizer, eu sei o que eu dou... em casa eu sei o que eu dou pra ele, agora aqui eu não sei. Eu acho que deveria ter um contato maior, pra pessoa falar no, no café da manhã é isso, na janta é isso. [Enquanto AO fala, M2 concorda gesticulando com a cabeça] (...) Eu não estou dizendo que não come, mas o quê ele come.

As respostas e falas das famílias instigam-nos a rever o lugar da alimentação no elo família e instituição de educação infantil. Como a ponta mais visível dessa relação, ela expõe a necessidade de conversa, de troca de informação entre esses atores a fim de que a complementaridade seja plenamente efetuada. A criança muito pequena, ao mesmo tempo em que requer o balanceamento nutricional da alimentação, ainda não possui condições plenas de expressar e mediar a informação para a família. O não saber da família resulta em uma angústia na impossibilidade de complementar a alimentação da instituição e revela uma forte demanda.

A higiene e a segurança são aspectos do cuidado que as famílias também trouxeram como importantes para que uma instituição de educação infantil tenha qualidade. Observando o Gráfico 3, vemos que 49,23% das famílias participantes acreditam ser muitíssimo importante que a instituição ofereça um ambiente limpo e seguro para as crianças.

M1: Da minha parte, eu acho que a higiene deles aqui é muito boa. Porque meu filho nunca foi sujo daqui pra casa, assim, né... sempre que ele está sujo eles dão banho, às vezes na hora que está saindo eles se sujam, elas já vão, pegam, trocam (...) Quanto à higiene, à alimentação, essas coisas assim... é muito boa. [M2 faz movimentos com a cabeça durante a fala indicando concordância.]

No aspecto segurança, tanto situações de acidentes como de conflitos entre as crianças foram trazidas e questionadas pelas famílias. Como todos os participantes do colóquio são famílias responsáveis por crianças menores de três anos, atuar nos conflitos das crianças para evitar as "mordidas" aparece como uma referência importante de qualidade.

Relação família-instituição de educação infantil

A relação que se tem

Um aspecto da relação família-instituição de educação infantil que se tem e foi apontado pelos participantes do colóquio é a comunicação: sobre acontecimentos normais da rotina; sobre eventualidades; em reuniões e eventos diversos promovidos pela instituição; para resolução de questões estruturais da instituição.

As famílias apontaram problemas relacionados aos horários de entrada e saída das crianças. Para o momento de saída, cujo horário estipulado pela instituição era 16h30, os participantes fizeram uma ressalva em relação à adequação à necessidade das famílias.

As famílias participantes fizeram críticas também em relação à comunicação de situações de rotina ou sobre o desenvolvimento das crianças, afirmando que essas informações não são oferecidas com frequência.

Os fatos são comunicados, segundo as famílias, apenas em situações atípicas como doenças, acidentes e conflitos entre as crianças. Uma mãe fez um relato que demonstra insegurança e desconfiança em relação à comunicação correta dos eventos.

M5: A minha filha quase arrancou um pedaço do dedo, assim, no portão, no pé. Quando ela tinha seis meses ela caiu de uma cadeira de papinha, quebrou um pedaço por dentro do nariz, chegou a arrancar um pedaço do nariz por dentro. Sabe assim, eu cheguei e perguntei para as funcionárias o que aconteceu com ela, né, e elas me falaram assim que era de tanto limpar o nariz dela. Aí teve uma hora que eu cheguei e falei assim: "então vocês devem estar limpando o nariz dela com Bombril, porque é impossível o nariz da menina estar machucado desse jeito". Aí, quando deu febre à noite, eu peguei e levei no [nome do hospital mais próximo], no hospital, aí eu cheguei lá e falei pro médico, "a funcionária da creche falou que é de limpar o nariz", ele falou: "imagina, essa criança aqui, ela caiu de uma altura muita alta". Então chegou faltando um pedaço do nariz, outro dia um dedo cortado no portão. (...) Mas não é uma coisa assim que a gente não deve chegar, porque a gente tem que ver que são muitas crianças pra elas olharem, elas são três só. Às vezes são duas, na sala da minha filha, é a mesma da neta dela, é duas!

A participante demonstra em sua fala a desconfiança de que as funcionárias não cuidaram suficientemente de sua filha e de que informações importantes foram omitidas. Quando a participante traz a fala do médico, utiliza a autoridade para validar sua visão e divide o peso da autoria da crítica com o profissional de saúde.

A partir dessa e de outras falas no colóquio, podemos perceber o conflito que as famílias vivem. Ao mesmo tempo em que percebem que nem tudo vai bem e querem questionar, colocam-se numa posição de quem já recebeu o bastante e procuram uma forma de se conformar com a situação. Essa postura pode ser compreendida quando se considera a necessidade da família e da criança de uma vaga na instituição de educação infantil e a dificuldade das camadas de baixa renda em consegui-la. Ainda que tenham revelado algumas insatisfações e criticado algumas posturas e aspectos da instituição, a postura da maioria das famílias participantes, sobretudo do colóquio, é de agradecimento e satisfação com a instituição.

M5: Agora tem gente que fala, não vou pôr meu filho na creche porque elas são obrigadas, a obrigação é nossa, a gente põe porque a gente precisa. (...) Graças a Deus que tem essa creche!

A1: É! Eu agradeço a Deus todo dia!

A relação entre as famílias e a instituição é descrita predominantemente como tranquila. Afirmam que foram sempre muito bem recebidos e tratados pelos profissionais da instituição quando os procuraram para fazer críticas ou pedir explicações. Apontam inclusive a postura de cortesia dos profissionais da instituição como um diferencial dessa instituição para outras que conheceram ou já ouviram falar.

M4: A melhor creche que tem é aqui. Pelo o que fico sabendo, que eu escuto é aqui. [Todos concordam fazendo movimentos com a cabeça.]

Pesq.: O que você escutou?

M4: Todo mundo, não sei, deve ser por causa do atendimento, do jeito que as pessoas são.

F: São educados, né?

Pesq.: As professoras?

AO: É. As professoras, a responsável, a (nome da coordenadora), é... são muito atenciosas.

M2: Tem uns que é mais... a gente vai conversar e nem ligam, mas aqui é bem educado.

Em relação à vida da instituição de educação infantil, os participantes trazem um discurso de valorização da participação da família nesse espaço.

Os participantes apontaram as reuniões de pais como uma das formas prioritárias de participação das famílias na instituição, de demonstrar as responsabilidades com a criança e de saber sobre seu desenvolvimento na instituição. Os registros das pautas das reuniões de pais, analisadas no período de coleta dos dados, mostram que a maioria das reuniões tratou de dicas de higiene e cuidado com a saúde da criança; pedido de materiais e contribuições; apresentação de normas da instituição e cobrança de cumprimento dessas. Ou seja, uma relação pouco dialógica e mais instrucional com os familiares.

A relação que se quer

Neste item, ao mesmo tempo em que as famílias falam da relação que se quer, mais até do que no item anterior, dizem-nos sobre a relação que se tem, pois é dela que partem para apresentar reivindicações de maior participação.

Nas respostas ao questionário sobre a importância de algumas ações da instituição para com as famílias, 87% dos participantes atribuíram como muito ou muitíssimo importante conhecer a vida da criança na educação infantil e ter um relacionamento tranquilo com a direção e com os professores.

Apresentamos também em outra questão alguns aspectos da instituição e pedimos que as famílias indicassem aqueles que gostariam de modificar (Figura 4).

Aspectos que ajudam a dinâmica e a organização diária das famílias foram bastante referenciados. A sugestão de 'mudança de horários de entrada e saída' e a maior 'tolerância dos horários' foram marcadas por 10,93% e 18,75% respectivamente; a 'modificação do calendário de funcionamento' foi indicada por 26,56%; o 'aumento dos dias de funcionamento' por 31,25%; e formas diferenciadas de participação na vida da instituição também foram marcadas pelos participantes nessa mesma questão. A sugestão do 'aumento das possibilidades de participação' das famílias nas atividades e decisões da instituição de educação infantil foi apontada por 35,93% dos respondentes; o 'aumento das possibilidades de encontro entre os pais' por 15,62%; a 'oferta de oficinas aos pais' por 21,87%; e o 'aumento dos encontros entre pais e filhos' na própria instituição por 23,43%. Os resultados revelam, portanto, um forte desejo, de grande parcela dos familiares, de maior participação no cotidiano e nas decisões da instituição.

Tanto ao longo do colóquio como em resposta à questão aberta do questionário, as famílias apontaram algumas possíveis formas de participação na vida da instituição. Uma avó e um avô apontaram a realização do colóquio como uma delas, sendo uma maneira de ajudar os profissionais da instituição a enxergarem por meio de outros olhares.

AO: É o que eu falei pra você, isso aí você pode tratar pessoalmente, porque não é criticando, cada um enxerga de um jeito e às vezes tem coisa que está em cima de você e você não vê, aí alguém tem que abrir seu olho. É uma boa!

A maior reivindicação na questão dissertativa do questionário foi a abertura da instituição para a entrada e a participação das famílias.

Mais reuniões sobre as informações das crianças. Que as professoras falem como está a criança. (Mãe; 36 meses)

Deixar os pais entrarem na creche para os pais poder ver como funciona o tratamento com as crianças. Poder ver o que eles fazem, como é o dia a dia delas enquanto estão na creche. (Mãe; 36 meses)

 

DISCUSSÃO

A presente pesquisa se propôs a investigar as concepções de qualidade da educação infantil das famílias usuárias de uma instituição pública e os parâmetros indicados por essas para a construção de tais concepções. As famílias participantes apontaram alguns parâmetros de qualidade com maior ou menor importância a partir de suas perspectivas e expectativas em relação à educação e cuidado de suas crianças.

Para além da avaliação da instituição investigada, o estudo revela que as famílias usuárias, pertencentes às camadas economicamente empobrecidas, detiveram um conhecimento específico sobre as crianças e demonstraram um olhar acurado e particular sobre a instituição. Elas puderam dar visibilidade a um conjunto de elementos que, se observados e incorporados pela instituição, poderiam contribuir para a melhoria da qualidade do atendimento. As famílias, apesar de não especialistas em educação infantil, mostraram que não se contentam apenas com a guarda e a alimentação de suas crianças, embora esses sejam aspectos importantes. Tendo as crianças como referência, indicaram outras necessidades de modo integral e as apontaram na avaliação de modo exigente e crítico. Esse resultado informa sobre a competência da família na avaliação da instituição, fortalecendo as proposições de Moss (2009), sobre a forma como elas precisam ser concebidas no processo de avaliação da qualidade na educação infantil.

Sobre o espaço físico e a estrutura da instituição, as famílias fazem referência à necessidade de revisão do tamanho e do uso do espaço externo, além de apontarem a importância da segurança, da oferta de brinquedos e de maior contato com a natureza. Esses aspectos aparecem justificados principalmente pelo conhecimento que possuem sobre os desejos das crianças. As avaliações das famílias acerca da importância de um espaço externo grande e adequando para desenvolvimento infantil vão ao encontro do que defendem diversos pesquisadores na área (Forneiro, 1998; Campos-de-Carvalho & Souza, 2008; Fernandes & Elali, 2008; Campos et al., 2011), que destacam sua função de mobilidade física, de suporte emocional e psicológico, de estimulação à socialização e ao desenvolvimento de diversas habilidades motoras e cognitivas.

Outro parâmetro que se destacou no material como indicativo de uma instituição de qualidade foi a necessidade de favorecer e estimular o desenvolvimento de diversas aprendizagens nas crianças. As famílias formularam suas concepções de aprendizagem a partir da relação que têm com a instituição, das experiências pessoais com as crianças, das expectativas de aprendizagens e do desenvolvimento que notaram na criança após a frequência à instituição. Essas expectativas vão ao encontro daquelas encontradas por Szymanski (2011), em estudos com famílias de baixa renda, moradoras na periferia da cidade de São Paulo, que valorizam as instituições escolares e as aprendizagens que ela propicia, ou deveria propiciar. No caso da educação infantil, essa importância está associada às mudanças culturais nas formas de pensar a educação da criança pequena em contexto coletivo diferente do familiar. Essas novas formas associam o estímulo ao desenvolvimento e à aprendizagem - segundo principal motivo pelo qual as famílias decidiram colocar as crianças na instituição - à possibilidade de convivência com coetâneos - aspecto bastante valorizado ao longo do colóquio. Nessa direção, as famílias apontam parâmetros de qualidade das instituições de educação infantil referidos na promoção da socialização das crianças, do desenvolvimento de diversas ordens e do incentivo à convivência e troca entre pares. Desde a década de 1980, pesquisas na área do desenvolvimento infantil já apontavam a importância das interações criança-criança no desenvolvimento, visto que acontecem de modo mais simétrico do que na relação adulto-criança. O contexto da instituição de educação infantil é tido como muito favorável para essa interação (Rossetti-Ferreira, Amorim & Oliveira, 2009).

Se de modo geral as famílias exerceram com tranquilidade a crítica a determinados aspectos e propuseram sugestões para a melhoria da instituição, dois pontos revelam uma maior dificuldade em assumir essa postura: quando abordaram as atividades de cuidado e quando mencionaram a relação que se tem com a instituição.

O tema do cuidado que a instituição dedica às crianças, embora seja aquele sobre o qual as famílias mostram-se mais aptas e encorajadas para fazer reclamações e questionamentos, é também disparador de discursos ancorados no agradecimento e no "favor prestado pela instituição". A vontade de questionar acaba sufocada pelo conformismo ou agradecimento pela vaga.

Sobre a relação que a família tem com a instituição, os participantes da pesquisa também realizam um movimento de questionamento e, ao mesmo tempo, conformação/aceitação. Em alguns momentos, apontam para a necessidade de melhorias, como a ampliação e adequação do espaço físico e a flexibilidade dos horários de entrada e saída. Em outros momentos, buscam justificativas para os acontecimentos e adotam discursos próprios da instituição.

Essa postura oscilante das famílias reafirma os argumentos sobre os diferentes poderes na avaliação institucional. Resulta mais do tipo de relação com a família, estabelecido pela instituição, do que de uma capacidade ou não da família em questionar o atendimento à criança. O tipo de relação mantido com a família revelou-se no forte interesse dos familiares por uma maior participação. Esse desejo indica vazios no espaço e na abertura destinados à família. Isso alerta para a necessidade de autocrítica institucional, de investimento nas estratégias de comunicação, de aceitação da família e de abertura para a construção de relações verdadeiramente dialógicas, o que, evidentemente, não é tarefa fácil.

As formas de participação criadas para as famílias no contexto escolar são hegemonicamente restritas às reuniões de pais e participação em festas de datas comemorativas. Os desejos dos familiares, entretanto, falam a favor de uma expansão dos sentidos de participação, o que inclui desde o conhecimento dos tipos de alimento oferecido às crianças a processos mais amplos e decisórios.

Nossos resultados assim nos dizem que a inserção ou não dos familiares em processos de avaliação de qualidade só pode ser concebida em consideração a uma discussão mais ampla sobre os tipos de relação que a instituição mantém com a família e sobre o lugar da participação dos familiares nos projetos institucionais. Participar da avaliação de qualidade da instituição deve ser apenas um dos momentos de uma relação democrática, cuja confiança foi e é construída diariamente. Sem problematizar o projeto institucional de participação da família, em todas as suas ações, a avaliação cumprirá meramente um papel burocrático. Mais do que isso, poderá servir à reafirmação da qualidade supostamente construída e à submissão das famílias, em especial de camadas economicamente empobrecidas, a papéis fragilizados.

No caso investigado, evidencia-se uma tensão nas famílias que, ora mais críticas ora mais submissas, tentam se mover nos limites disponibilizados para suas presenças e participação no interior da instituição. Essa tensão é aumentada na consideração de que as crianças na educação infantil são ainda bem pequenas.

Nesse debate, o caráter público das instituições educacionais não é pouco relevante. Num contexto que reconhece, na instituição de educação infantil, como toda instituição pública, a função formadora de novas formas de sociabilidade e subjetividade, pautada em marcos democráticos e de promoção da cidadania (Brasil, 2009a), torna-se imprescindível a criação de canais adequados que garantam o direito de participação e escuta das famílias a fim de promover a qualidade do atendimento às crianças. Esses canais e instrumentos podem ser criados a partir da consideração das opiniões das próprias famílias. A pesquisa revela que as famílias, ao contrário do que circula no senso comum, querem conhecer mais sobre o desenvolvimento e a vida da criança na instituição e, além disso, indicam diferentes formas dessa participação.

 

REFERÊNCIAS

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1 As autoras agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento da pesquisa.
2 A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da USP/Ribeirão Preto.
3 Embora a pesquisa tenha sido realizada em uma instituição de educação infantil com atendimento de crianças de 0 a 5 anos e 11meses de idade, durante o colóquio foi utilizado o termo 'creche' pelo fato de as famílias participantes do colóquio serem todas famílias de crianças menores de 3 anos de idade e pelas próprias famílias assim denominarem o segmento da escola que atende as crianças da educação infantil.
4 Idade (em meses) da criança por quem a/o participante é responsável.
5 Para garantir o anonimato dos participantes do colóquio os nomes foram substituídos por letras que representam o parentesco familiar com a criança atendida na instituição (M = mãe, A=avó, AO=Avô).
6 As famílias utilizaram os termos "aprendizado", "instrução" e "educação". Adota-se aqui o termo aprendizagem para reunir as diversas concepções sobre este tema, ainda que com termos diversos.