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Psicologia da Educação

Print version ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.36 São Paulo June 2013

 

ARTIGOS

 

Os sentidos da escola para os pais

 

The senses of the school for parents

 

El sentido de la escuela para los padres

 

 

Vera Lucia Trevisan de SouzaI; Paula Costa AndradaII; Lúcia Maria PissolattiIII; Magda Machado Ribeiro VenancioIV

IPontifícia Universidade Católica de Campinas. Professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas vera.trevisan@uol.com.br
IIPontifícia Universidade Católica de Campinas. p.andrada@uol.com.br
IIIPontifícia Universidade Católica de Campinas. luciapissolatti@uol.com.br
IVPontifícia Universidade Católica de Campinas. Doutorandas em Psicologia como Profissão e Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas magdav_9@hotmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar parte dos resultados de uma pesquisa em que se investigaram os sentidos que os pais atribuem à escola de seus filhos. Utiliza-se como referencial teórico a Psicologia Histórico-Cultural, sobremaneira os conceitos de Vigotski sobre o desenvolvimento humano. A partir da análise de observações realizadas na escola e das respostas dos pais ou responsáveis em questionários aplicados, pôde-se perceber que, na perspectiva dos pais, os aspectos motivadores para seus filhos frequentarem a escola distanciam-se das atividades ou objetivos pedagógicos e se relacionam com interesses voltados à interação com os colegas e possibilidades de participação em atividades esportivas. Esses resultados evidenciam o desafio a ser enfrentado pelo psicólogo escolar, na promoção de mediações que favoreçam interações que mobilizem os alunos à aprendizagem, o que passa, necessariamente, pela formação de professores.

Palavras-chave: Psicologia Histórico-Cultural; sentidos; pais de alunos.


ABSTRACT

The purpose of this paper is to present the results of a survey that investigated the sense that parents assign to their children's school. We take Historical-Cultural Psychology as theoretical and methodological basis particularly on the concepts of Vygotsky's human development. From the analysis of observations carried out at school and of the responses of questionnaires of parents or guardians, we could realize that, from the perspective of parents, the motivational aspects to their children attending school are not in pedagogical activities or educational objectives and they are associated with interests related to interaction with colleagues and possibilities for participation in sports activities. These results show the challenge to be faced by the school psychologist in promoting mediation to encourage interactions that mobilize students for learning, what necessarily passes through teacher education.

Keywords: Historical-cultural psychology; senses; parents of students.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo es presentar los resultados de un estudio que investigó el sentido en que los padres dan a la escuela de sus hijos. Tomamos la Psicología Histórico-Cultural como base teórica y metodológica, especialmente los conceptos de desarrollo humano de Vygotsky. Del análisis de las observaciones que se hicieron en la escuela y de las respuestas de los cuestionarios de los padres o tutores, nos damos cuenta de que, desde la perspectiva de los padres, los aspectos motivacionales para que sus hijos vayan a la escuela no están en actividades pedagógicas o objetivos educativos, pero están asociados a intereses relacionados con la interacción con sus colegas y las posibilidades de participación en actividades deportivas. Estos resultados muestran el desafío que enfrenta el psicólogo de la escuela en la promoción de la mediación para promover interacciones que movilizan a los estudiantes para el aprendizaje, qué pasa necesariamente a través de la formación de los docentes.

Palabras claves: Psicología histórico-cultural; sentidos; padres de los estudiantes.


 

 

Este trabalho é fruto de um projeto maior, desenvolvido pelo grupo de pesquisa Processos de Constituição do Sujeito em Práticas Educativas (PROSPED), do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC de Campinas, que busca investigar o papel da afetividade nas práticas escolares e sua influência na constituição e desenvolvimento dos sujeitos. Adota-se como pressuposto teórico-metodológico a Psicologia Histórico-Cultural, tendo Vigotski1 como principal interlocutor. A pesquisa que ora se apresenta teve como objetivo investigar os sentidos da escola para pais de alunos do Ensino Fundamental I e II, focalizando a importância da afetividade no processo educativo. Dentre os aspectos afetivo-volitivos, procurou-se destacar questões apontadas pelos pais e que estão por trás da motivação dos alunos para a vida escolar.

Questionou-se, também, como os sentidos atribuídos pelos pais às práticas escolares podem interferir nas relações que esses e seus filhos estabelecem com a escola. Trabalhou-se com a hipótese de que os sentidos configurados por alunos e pais sobre a escola influenciam suas ações e motivação em participar do processo educativo.

A relação entre pais e escola tem sido, já há muito tempo, objeto de questionamento, discussão e investigação em vários contextos e instâncias. Já é bastante conhecida a complexidade que envolve os encontros e desencontros entre estas duas instituições - família e escola - no que concerne ao seu papel na educação de crianças e jovens. Contudo, o que se observa pelos noticiários e sobretudo pelo que se presencia nas escolas é que muito pouco se tem avançado sobre esta problemática: sobram queixas de ambos os lados e faltam ações efetivas em direção ao que tem sido preconizado como um caminho para a melhoria da qualidade da educação: a parceria escola-famílias.

Se no âmbito da educação infantil, quando os pais parecem estar mais presentes na escola e ter relações produtivas com os professores, pode-se constatar certo avanço na parceria escola-pais; no ensino fundamental, sobretudo em seus anos finais, a questão parece ganhar corpo, pois se evidencia um afastamento dos pais da escola justamente em um momento em que é necessário o acompanhamento do aprendizado e desenvolvimento dos filhos. A presença dos pais em reuniões é mínima, eles comparecem à escola quando convocados pelos educadores e, não raro, para tratar de comportamentos inadequados do filho na escola. Esse tipo de ação da escola - chamar os pais, mandar bilhetes se queixando do filho - não só mantem os pais afastados como promove sua não participação.

Em relação a pesquisas produzidas sobre o tema, uma busca no SCIELO com os descritores: sentidos, pais, escola, focalizando a área da Psicologia da Educação, nos últimos cinco anos, permitiu acessar apenas um artigo que, embora não tenha como objeto os sentidos da escola para os pais, mas sim para os alunos do Ensino Fundamental II, contribui para essa pesquisa ao indicar que para os pais a escola significa a possibilidade de um futuro diferente dos deles: "menos cansativo, menos sujo, menos mal remunerado..." (Marques e Castanho, 2011, p. 29).

Já a pesquisa no Portal de Periódicos da CAPES possibilitou resultados mais amplos: duzentos e quarenta e nove trabalhos, localizados com os mesmos descritores. No entanto, ainda que desenvolvidos nas áreas do conhecimento de Ciências Humanas e Saúde, se vinculam a diferentes disciplinas, sendo poucos os desenvolvidos no campo da Psicologia e, ainda assim, em perspectivas diversas e distantes da abordagem histórico-cultural. Aos descritores anteriores, foi agregado Psicologia Histórico-Cultural para nova busca, com onze estudos encontrados. Mais uma vez, constatou-se que os objetivos e a categoria de análise, sentido, não estão disponíveis ou privilegiados nas pesquisas encontradas.

As pesquisas sobre a dimensão afetiva na escola, em geral, são realizadas e apresentadas, ainda, com um enfoque reducionista. Considera-se que o universo dos sentidos atribuídos à escola, seja pelos alunos, professores e demais funcionários, bem como pelos pais, assim como os afetos presentes na base dessas relações, carecem de maior investigação e discussão. A Psicologia Histórico-Cultural e o método materialista histórico-dialético em que se sustenta o presente trabalho permitem ir além da compreensão do ser individual, analisando sua condição particular no processo de mediação da cultura, para compreender a dimensão humana em sua condição universal, constituída histórica e culturalmente.

Esta pesquisa se apoia no conceito de sentido desenvolvido por Vigotski (1934/2001, 1934/2003), que aponta para a imbricação entre o objeto representado, no caso a escola, e a forma como o sujeito se relaciona com ele e o percebe. Sentidos atribuídos a algo implicam uma construção pessoal, porém embasada socialmente, historicizada e influenciada também pelas trocas afetivas direcionadas a um determinado objeto ou experiência. Aqui se toma o afeto como constituinte do sujeito em sua capacidade de afetar e ser afetado (Mahoney & Almeida, 2005; 2006).

O objetivo deste trabalho é compreender os sentidos que os pais atribuem à escola de seus filhos. A partir da análise dos dados obtidos nas observações realizadas na escola e por intermédio dos questionários respondidos pelos pais ou responsáveis pelos alunos, pôde-se perceber que, na perspectiva dos pais, os aspectos motivadores para os filhos gostarem da escola fogem ao pedagógico e envolvem interação e expressão da afetividade. Também para os pais, o que mais atrapalha seus filhos no contexto escolar são os colegas, que consideram agressivos, bagunceiros e mal-educados. Da mesma forma, chama a atenção o não apontamento das questões pedagógicas como motivadoras para os filhos gostarem da escola e de seus professores. Os resultados apontam para um desafio que se apresenta ao psicólogo escolar para que ele exerça o papel de mediador da dinâmica afetiva que envolve boas interações e constituem-se como promotoras de motivação à vida escolar, além, também, da ação na resolução de conflitos comuns às interações humanas e que possam apoiar as práticas pedagógicas de todos os atores escolares.

Fundamentação Teórica

A construção teórico-metodológica de Vigotski prevê a inseparabilidade do sujeito das trocas que empreende com o mundo em que se insere (Vigotski, 1927/2004; 1935/2007). O sujeito epistemológico de Vigotski é interativo, submerso e imerso em uma dinâmica de interações com o meio e seu desenvolvimento se dá mediante um processo de influência mútua.

Vigotski (1927/2004, 1935/2007) preconiza essa forma integrada de se estudar a constituição do sujeito, o que justifica o referencial teórico que respalda esta pesquisa na dimensão que se propõe investigar. Dentro da perspectiva vigotiskiana, o foco da análise do sujeito histórico-cultural recai sobre as relações de interdependência entre singular e coletivo, em um nível de complexidade que instiga e possibilita um olhar abrangente para os fenômenos.

André (2005) corrobora os pressupostos teórico-metodológicos da Psicologia Histórico-Cultural e sugere que, ao serem estudados aspectos da vivência escolar, deve-se amparar as investigações dos diversos atores, contextos e movimentos que permeiam o cotidiano da escola. Assim, entende-se que se são indagadas as concepções que os pais têm da educação escolar na vida de seus filhos, deve-se partir de um enfoque que abrace as diversas dimensões em que esses estão inseridos. Com isso, busca-se investigar aspectos educacionais que abarquem a escola a partir de uma visão micro enfocando as interações entre os diversos atores escolares, questões pedagógicas, afetivas, familiares chegando à dimensão macro, em que se lança o olhar sobre as políticas públicas para a educação e a visão da educação que permeia o estereótipo nacional sobre a mesma (André, 2005).

Para compreender o que os pais pensam sobre a vivência escolar de seus filhos e a motivação que os mesmos têm para estudar, é necessário adentrar no processo de construção de sentidos desses pais. Vigotski (1934/2003) afirma que os sentidos atribuídos a algo revelam aspectos permeados de questões pessoais, afetivas e sociais de um sujeito que não está só, mas inserido em uma cultura e sua história. Assim, ao investigar os sentidos desses sujeitos, acessa-se uma realidade social e, também, seus afetos e volições construídos a partir das interações que estabelecem com o meio, portanto, de acordo com Vigotski (1935/2010), a fonte social do desenvolvimento.

Para Vigotski (1934/2003), o sujeito condensa/ elabora as percepções que tem do contexto/meio dando sentido e significado às suas vivências. Sentido entendido como recriação singular do mundo, elaboração particular da realidade, realizada por um sujeito ativo que pode influenciar, modificar e transformar essa realidade. Entende-se, portanto, por sentido, a releitura individual que o sujeito faz dessa realidade. É mediante a rede de significados compartilhados socialmente que os sentidos, nos quais estão presentes os afetos, as lembranças, enfim, as vivências, são elaborados.

No entendimento do autor, os sentidos atribuídos a algo correspondem à própria manifestação dos sentimentos e volições do sujeito. Assim, para a compreensão da fala do outro devemos analisar não só suas palavras (significado), mas também suas construções pessoais (sentidos) (Vigotski, 1934/2003).

Vigotski afirma que a afetividade é indissociável do que se pensa e se fala. "Uma compreensão plena e verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando entendemos a sua base afetivo-volitiva" (1934/2003, p. 187). Com isso, se estão sendo pesquisados os sentidos atribuídos pelos pais às vivências de seus filhos na escola, é necessário investigar e compreender seus afetos, fazendo uma leitura do que dizem de forma a abarcar a bagagem subjetiva impregnada em seus relatos.

 

MÉTODO

Os pressupostos teórico-metodológicos assumidos pelo PROSPED são abalizados pela Psicologia Histórico-Cultural, principalmente nos conceitos de Vigotski. O objeto de investigação da Psicologia para Vigotski é o sujeito histórico e o materialismo histórico e dialético o que fundamenta epistemologicamente e adequa o método ao objeto de estudo (Zanella, Reis, Titon, Urnau & Dassoler, 2007).

Vigotski (1927/2004, 1935/2007) propõe que se estude o ser humano de forma integrada e dialética a partir da complexidade de suas interações sociais. Isso significa olhar o desenvolvimento dos fenômenos humanos desde sua gênese até seus movimentos atuais. Movimento esse que evolui por meio das interações com o meio, em um processo dinâmico, no qual sujeito e meio se modificam o tempo todo e, imbricados, constroem novas interações e vivências.

Vigotski (1927/2004) também aponta que se deve desviar o olhar investigativo do explícito e buscar perscrutar o não revelado, as irregularidades, as contradições e os paradoxos. Da perspectiva metodológica proposta pelo autor tem-se que focalizar o dito e o não dito e os indicadores de sentidos contidos nesse processo (Vigotski, 1934/2003), pois é neste movimento dialético que o pesquisador consegue alargar e aprofundar a investigação do fenômeno que se busca estudar.

Os dados desta investigação são frutos de um projeto de pesquisa maior, intitulado "O Papel dos Afetos no Desenvolvimento Humano: um estudo dos processos de ensino e aprendizagem em práticas educativas", envolvendo todos os integrantes do PROSPED. Nesse projeto-mãe, desenvolveram-se projetos paralelos abrangendo os vários contextos de uma escola da rede municipal de ensino de uma cidade do interior de São Paulo, que atende ao Ensino Fundamental (do primeiro ao nono ano do Ciclo) e à Educação de Jovens e Adultos. Esses estudos ofereceram informações que completam as análises que são apresentadas nesta pesquisa.

Para coletar os dados específicos da pesquisa que ora se apresenta, foram encaminhados questionários semiestruturados para todos os pais de alunos de 1º e 9º anos. De um total de 130 questionários, 33 foram devolvidos preenchidos, sendo 16 do 9º ano e 17 do 1º ano. A escolha desses dois grupos objetivou identificar os sentidos da escola para pais de alunos que acabaram de ingressar no Ensino Fundamental e daqueles cujos filhos estão saindo desse nível de ensino para avaliar diferenças significativas que pudessem ser analisadas à luz do processo que se desenvolve ao longo dos nove anos do Ensino Fundamental. Para a análise, partiu-se das leituras e releituras dos questionários, colocando em relevo os aspectos que pudessem evidenciar sentidos relevantes do que pensam os pais sobre os afetos envolvidos na vivência escolar de seus filhos. Além dessa fonte de dados, foram utilizados os registros de observações feitas nas salas de aulas das turmas referidas, e de outros espaços escolares, como reuniões, atividades extraclasses e encontros com a gestão e professores.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na análise das respostas dadas pelos pais às questões propostas no questionário, atentou-se para uma série de aspectos circulantes na escola, não necessariamente relativos ao objeto de investigação, mas que participam da configuração de sentidos sobre a escola. São eles: aprendizagem e desempenho dos filhos; motivação para o estudo; razões para gostar ou não da escola; responsáveis pela motivação em frequentar a escola; o papel da escola na vida dos filhos; e a importância das interações sociais no processo de escolarização. A consideração desses aspectos deu origem a seis categorias que organizam e norteiam a análise apresentada a seguir.

1. Os sentidos conferidos pelos pais à aprendizagem dos seus filhos

Nesta categoria, são apresentados indicadores de como os pais avaliam o desempenho escolar de seus filhos. As respostas dadas pela maioria dos pais, 90%, revelam que eles classificam o desempenho de seus filhos na escola como razoável ou bom e indicam que não percebem ou identificam problemas de ordem pedagógica na escola. No entanto, quando questionados sobre o que a escola não faz e que deveria fazer, 33% dos pais respondem que a escola deveria investir mais na aprendizagem, o que indica uma contradição em relação à resposta anterior, em que consideram não haver problemas de ordem pedagógica na escola. Outros 33% esperam da escola um investimento em passeios, atividades artísticas, noções de valores e orientação para a vida, e aulas sobre sexualidade. O restante não respondeu ou disse não saber.

Parece que há um paradoxo nos sentidos atribuídos por estes pais ao aprendizado de seus filhos. Sabendo das questões que envolvem a educação no Brasil, depara-se com as seguintes incógnitas: será que esta escola não apresenta mesmo problemas relativos ao processo de ensino e aprendizagem? Estaria a avaliação dos pais sobre aprendizagem escolar correta e seus filhos estão realmente aprendendo? Estão eles acreditando que a educação oferecida é de qualidade? Será que conhecem a realidade brasileira e suas estatísticas sobre o baixo desempenho de alunos das escolas públicas? Ou consideram que seus filhos aprendem pouco, mas já é suficiente? Ainda, estariam eles equivocados em seu entendimento do que é aprendizagem? Ou haveria um novo sentido e atribuição para a instituição Escola?

Infere-se que os sentidos revelados são bastante ambíguos, e os pais parecem não saber o que é melhor para seus filhos e qual o real papel da escola. Pedem que a escola ofereça noções de moral e formação para a vida, bagagem artística e cultural, além do aprendizado formal. Ocorre que, possivelmente, o referencial avaliativo dos pais não seja suficiente para que possam de fato avaliar a aprendizagem de conteúdos socialmente elaborados e sua qualidade, e que atribuem maior relevância a apropriações relativas ao desenvolvimento de atitudes e comportamentos sociais.

Em Vigotski (1934/2001, p. 465), compreende-se como sentidos "... a soma de todos os fatos psicológicos que uma palavra desperta em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada". O sentido pessoal, ou subjetivo, é resultante da interação real existente entre o homem e o mundo, ou seja, o sentido é produzido nas práticas sociais, na articulação dialética da história da constituição do mundo psicológico com a experiência atualizada do sujeito e, nessa produção, imbricam-se as dimensões cognitivas e afetivas, bem como os processos individuais e coletivos. A configuração de sentidos decorre das experiências das interações, levando-se em conta o contexto, de forma que a palavra o incorpora e o absorve, em uma amálgama de conteúdos afetivos e intelectuais.

Assim, observando as falas dos pais parece que a configuração de sentidos atribuídos à escola não corresponde ao nexo esperado em relação à palavra aprendizagem ou aquisição de conhecimento no seu sentido formal, o que impele a questionar o que os pais compreendem por desempenho escolar de seus filhos.

Observa-se nas falas dos pais uma preocupação de que a escola possa ou deva se ocupar de outros conteúdos, como, por exemplo, "formar cidadãos". Eles se referem à educação no sentido de "boas maneiras", relacionada à disciplina e comportamento relacional, de preparar para vida, como "aprender a conviver com o diferente" e não apenas o ensino formal.

Seriam essas atribuições somente da escola? Se sim, estaria a escola preparada para desempenhar esse papel atendendo, assim, às expectativas dos pais? O que o não atendimento a essas expectativas provoca na relação escola-família? Pensamos que pode residir, nessa questão, uma das causas dos conflitos que persistem na relação escola-família, pois há uma desconexão entre o que é esperado pelos pais e o que a escola realmente oferece.

Pais e escola não falam a mesma linguagem, tampouco objetivam as mesmas buscas ou desejos. E por que isso se dá, e por que se dá dessa forma? Parece que a escola não abre caminho para o diálogo necessário com os pais a fim de compreender os seus motivos e necessidades. Esses poderiam ser acessados pela e na atividade (trabalho) da escola com os pais, se essa incorporasse e compreendesse que os pais são atores indispensáveis ao efetivo processo educativo.

Entende-se que, se as ações da direção, coordenação e professores, considerassem as contribuições que a teoria histórico-cultural poderia dar para a compreensão dos fenômenos presentes na escola, os resultados seriam bem diferentes.

Ao apropriar-se da potencialidade que linguagem e pensamento apresentam como funções psicológicas superiores no processo de desenvolvimento humano, e da dialética que caracteriza a natureza social do pensamento, os profissionais da educação nos encontros com os pais poderiam caminhar na direção da apropriação do significado social. Com o recurso da "palavra", em sua dinâmica evolutiva como movimento de apropriação da natureza pelo homem, poderiam ir além das elaborações individuais, assumindo uma condição supraindividual presente no significado social, histórico e cultural da realidade (Bernardes, 2006). Esse movimento favoreceria o desenvolvimento de sentidos mais aproximados, possibilitando que pais e escola partilhassem ao menos os significados relativos aos seus papéis na educação de crianças e jovens.

2. Fontes de motivação dos alunos: o que os leva à escola?

Observa-se nas respostas dadas pelos pais, tanto de alunos do 1º como do 9º ano, uma predominância de fatores afetivos como motivação para os alunos irem à escola. A grande maioria dos pais do 1º ano, 70%, declara que o filho gosta da escola por motivos que envolvem as interações com colegas e professores e/ou atividades de caráter mais lúdico, como educação física e artes, historinhas e brincadeiras. Os pais apontam a atenção e o carinho da professora e a possibilidade de convivência com os amigos como o principal motivo para os filhos gostarem ou não da escola. Fato sugestivo do valor dado pelos pais às interações afetivas em ambiente escolar como aspecto prevalente na atratividade da escola para seu filho.

Os pais dos alunos do 9º ano revelam que os filhos gostam da escola também pelas atividades que não são realizadas dentro da sala de aula, como esportes, artes, e destacam, ainda, a interação com colegas e professores como motivos para frequentarem as aulas. Atribuem às experiências extracurriculares, como viagens, brincadeiras e amizades grande importância na motivação de seus filhos para a vida escolar. Os pais apontam que as interações afetivas também são relevantes no fato de o filho gostar ou não da escola e, novamente, a possibilidade de convivência com pessoas da mesma idade prevalece.

Já em outra pergunta sobre do que o filho não gostava na escola predominou, no relato dos pais de alunos de 1º ano, aspectos que envolvem agressividade e desrespeito entre os próprios colegas. Já para os pais dos alunos de 9º ano, esse aspecto não aparece como relevante para o não gostar da escola, mas, sim, questões da rotina escolar como, uso de uniforme, as lições, os trabalhos, as aulas, os professores, o acordar cedo, revelando ser a desmotivação com a rotina e não o desrespeito entre colegas o que os leva a não gostar da escola.

Interessante notar a predominância de fatores que envolvem interação e espaço físico e emocional para expressão da afetividade. Impera a motivação por questões que não são privativas da escola. O que se pode depreender desses dados?

Há de se considerar que as necessidades humanas configuram os motivos, e esses se integram através de inumeráveis sentidos presentes nos diferentes espaços da vida do sujeito (González-Rey, 2000, p. 145). Como já descrito em Vigotski (1934/2003;1935/2007), a relação que cada um empreende com o meio é embasadora da constituição do sujeito. Cada um vivencia o meio de forma pessoal, conferindo um sentido próprio carregado de construções que o sujeito faz dos objetos, das relações e das experiências, por meio de um processo dinâmico e dialético. Nesse movimento, o que o sujeito pensa, sente e faz sempre se modifica na medida em que ele constrói novas interações, novas formas de ver o mundo, novos afetos. Essa relação nos permite dizer que, em toda ação humana, encontra-se o afetivo e o volitivo, ou seja, a motivação humana. Importante pensar que o meio se constitui fonte de desenvolvimento de acordo com as interações, afetos e volições lá instauradas e circulantes.

Na percepção dos pais, se o conteúdo for divertido, diferente e permeado pelo afetivo, apresenta-se como altamente motivador, seja para as crianças de seis anos ou para os adolescentes de quatorze e quinze anos. O que se nota nos dados é que a escola não é atraente, a menos que tenha espaço para atividades extracurriculares e para interações entre os alunos. Considerando que o afetivo - volitivo está na base de toda ação, se os professores e a escola se valessem dessas dimensões e deixassem circular os afetos para configurar novos sentidos para a aprendizagem dos conteúdos formais, provavelmente se constituiria como espaço humanizado e humanizante. O que é possível concluir a partir do que se apresentou nesta categoria é que a escola tem que mudar, e como uma das dimensões dessa mudança, incluir os pais como parceiros fundamentais na promoção da aprendizagem e desenvolvimento dos alunos.

3. Afinal, de quem é a culpa? Sentidos configurados pelos pais sobre a responsabilidade pelo filho gostar ou não da escola

As pesquisas que investigam as relações escolares focalizando a perspectiva dos sujeitos em relação ao outro indicam que há uma dinâmica de culpabilização na escola (Souza, 2004, 2005, 2008). Vê-se, por exemplo, um jogo de empurra em que os alunos culpam a escola e os professores pelas dificuldades que têm na aprendizagem, e os educadores culpam os alunos e os pais pelos parcos resultados nas avaliações. Os envolvidos nessa dinâmica não se percebem como agentes desse processo em que a culpa é sempre do outro. Não compreendem, inclusive, que a cada um deles é atribuída e legitimada socialmente uma responsabilidade diante da educação de crianças e jovens, alunos ou filhos.

Contudo, quando os pais são perguntados sobre a quem atribuíam a responsabilidade pelo filho gostar ou não da escola, aparece o professor, em primeiro lugar, e o próprio aluno, em segundo. A responsabilidade da família também é citada, porém poucas citações implicam a gestão ou o sistema de ensino. O que se vê é que há uma atribuição de responsabilidade que recai sobre o indivíduo. Observa-se que não há uma única resposta dada pelos pais que passe próximo de questões políticas ou aborde a estrutura da educação brasileira como influência do gostar ou não da escola pelos alunos. Da mesma forma, chama a atenção o não apontamento das questões pedagógicas como motivadoras para os filhos gostarem da escola e de seus professores.

As condições materiais que caracterizam a vida desses pais e a significação que atribuem à escola e ao trabalho desempenhado pelos professores, nos leva a considerar que a consciência deles sobre a responsabilidade de os filhos gostarem ou não da escola se relaciona ao sentido atribuído às palavras "gostar da escola".

Sabemos que o sentido depende do motivo. Também é sabido que os sentidos podem ser variados, mas inexoravelmente estão relacionados à sua condição de produção, ao contexto. Essa produção se dá nas articulações das múltiplas sensibilidades, sensações, emoções e sentimentos constituídos pelos sujeitos em suas interações. Entram em jogo as experiências, as posições, as posturas e decisões desses sujeitos, o que levará a uma lógica de produção, coletivamente orientada, a partir de múltiplos sentidos já estabilizados, e de outros que também vão se tornando possíveis (Smolka, 2004).

4. De que forma se dão as interações entre a escola e os pais, e quais os afetos circulantes nesse processo?

Os pais em sua maioria, tanto dos alunos do primeiro ano como os do nono ano, relatam que comparecem à escola apenas para reuniões de pais e em outros casos quando são chamados por questões que envolvam indisciplina.

Não há uma fala heterogênea em relação ao papel dessas reuniões, e os pais a descrevem como boas, ruins, mais ou menos indiferentes, de uma maneira que não há um predomínio de caracterização desses espaços.

Porém, os pais de primeiro ano pedem maior ampliação da relação entre eles e escola e sugerem encontros informais como festas e chás além de uma maior comunicação das questões dos filhos. Interessante notar que os pais de nono ano também pedem mais participação na vida escolar do filho e, assim com os pais das crianças, pedem festas e outras formas de encontro informais para ampliar a relação entre eles, a escola e consequente acompanhamento da vida escolar dos adolescentes; parece que há uma falta de comunicação percebida pelos pais, e a mesma é desejada por eles. Ambos os pais pedem mais informações sobre seus filhos e maior atenção por parte da escola. Um número muito pequeno de pais revelou não poder frequentar a escola de seus filhos por desinteresse ou falta de tempo.

No final do questionário, ao serem perguntados sobre como deveria ser a relação entre escola e pais, a grande maioria das respostas corroboram com as questões levantadas até aqui. Falam da necessidade de maior comunicação, abertura e envolvimento por parte da escola revelando que não sabem muito o que acontece com a vida escolar de seus filhos. Ficam algumas questões, será que a escola percebe a existência dessa demanda por parte dos pais de comunicação e de desejo de maior participação na vida escolar dos filhos? Será que esses pais realmente participariam da vida escolar caso convidados? Estariam eles esperando da escola um movimento que poderia partir deles próprios?

Ao mesmo tempo, ao responderem sobre a relação que eles, pais, mantinham com a escola só houve respostas 'muito boa', 'boa' ou 'mais ou menos'. Nenhuma resposta mostrou uma relação conflituosa. Novamente indagamos por que isso aparece assim? Será realmente que não há razão para conflitos?

Verifica-se que os pais apresentam críticas sobre a escola, como pode ser visto nos relatos em todo o questionário, sobre os problemas que os filhos apresentam na relação com colegas, professores, na desmotivação para a vida escolar. Os dados mostram que eles criticam a escola, mas não se expõem a ela. Os pais não querem se indispor com a escola? Por que será que a crítica é silenciosa e não se revela para os gestores e professores, que estão diretamente ligados à formação de seus filhos?

Nessa pesquisa, verifica-se que o sentido das interações atribuídas pelos pais à escola é dado a partir da elaboração mental das conexões objetivamente existentes entre esses atores. Buscar a configuração de novos nexos tanto para os pais como para os professores é tarefa que compete à escola, visando ao desenvolvimento da consciência de quem são e o que querem, mediante as interações geradas nesses espaços sociais (Souza & Andrada, 2013). Tem-se aí a relevância para o maior envolvimento da escola, seus professores e gestores na formação de contextos, favorecedores das condições ideais e necessárias para a exploração de todo o potencial de desenvolvimento do ser humano, o que permitiria a criação de reflexos luminescentes que poderiam se expandir para toda a sociedade.

E nisso a teoria histórico-cultural tem muito a contribuir.

5. Sentidos atribuídos à escola

Nesta categoria, encontra-se o elo central da discussão do ponto de vista ontológico sobre o papel da escola. No processo de hominização, a escola, de modo particularmente intenso com o advento do que se denomina modernidade, histórica e culturalmente está presente em nossa sociedade e em seu processo civilizatório. Na contemporaneidade, desvelar quais sentidos os pais atribuem à escola, parece fundamental para desdobramentos questionadores sobre a produção humana nesse contexto.

No caso desta escola, observa-se que os pais dos alunos de 1º ano se mostram mais questionadores sobre o cotidiano escolar do que os pais de 9º ano. E esse fato conduz a vários questionamentos: será que esses pais se apropriaram, ao longo da escolaridade dos filhos, do poder que a escola exerce sobre eles, incorporando um modo de participação ínfimo? Ou, ainda, teriam desistido de questionar, criticar por achar que não adianta ou até por medo de que seus filhos sofram represálias? Ou, tal comportamento estaria de acordo com uma apropriação de que se o filho não aprende é por culpa dele próprio, ou dos colegas e das outras famílias que não educam seus filhos, mas não da escola? Essa última questão parece em consonância com o que aparece na última categoria analisada, como razão para o filho gostar ou não da escola.

Em Souza (2005, p. 42), a autora compreende escola como "um espaço constituído por pessoas, por subjetividades em relações, gerando, dessa forma, um emaranhado complexo de relações e conflitos, resultantes das interações em que concorrem valores, crenças, experiências e motivações, sempre permeados por afetos". Pelas respostas dadas pelos pais, arriscamos inferir que a escola não consegue trazer à tona os conflitos presentes e inerentes à relação, muito provavelmente pela forma como se dá a mediação com as famílias. A maioria dos pais disse que só vai à escola atendendo à convocação para reunião de pais ou quando chamados em razão de algum problema com o filho. Em dois anos, a presença dos pais na escola se resumiu às reuniões ou às situações problema com os filhos, e a maioria dos pais disse que esteve três vezes na escola nesse período, em razão de convocações para reunião, e um pai de aluno do nono ano disse ter estado cinco vezes por briga ou bagunça do filho.

A escola quer falar de seus problemas com os alunos, questões pedagógicas, comportamentais, mas o que a escola quer saber desses "sujeitos em relação"? Para os pais, tanto de alunos iniciantes como daqueles que se encontram no nono ano, há uma convergência de opinião quanto à responsabilidade da escola na formação do aluno para além dos aspectos pedagógicos. Apontam para questões como valores, cidadania e afetividade. Referem à educação no sentido de "boas maneiras" relacionada à disciplina e comportamento relacional, de preparar para vida, como "aprender a conviver com o diferente" e não apenas o ensino formal. Seriam essas questões tarefa apenas da escola? A escola está preparada para este papel em relação ao seu aluno?

Respondeu-se negativamente a essas perguntas; amparadas em Vigotski (1934/2003, 1927/2004, 1935/2007), considera-se que o sujeito constrói a cultura e essa afeta seu desenvolvimento, influenciando diretamente sua constituição. Sem o social, o processo de hominização não se daria. O sujeito só é capaz de configurar seus próprios sentidos e significados a respeito do que já existe socialmente, na medida em que ocorre a mediação pela intervenção do outro. A falta de conhecimento teórico e da articulação teoria/prática do desenvolvimento humano na perspectiva históricocultural, por parte dos educadores, recai diretamente nas consequências observadas na educação. Isso pode ser observado nas respostas dos pais nesta como nas demais pesquisas realizadas pelo PROSPED (Andrada & Souza, 2012; Barbosa & Souza, 2011; Petroni & Souza, 2010; Pissolatti & Souza, 2011; Venancio & Souza, 2011; Souza, Andrada & Petroni, 2013) em que nas atividades de ensino se deixa de contemplar elementos essenciais para a compreensão das dificuldades e das possibilidades no aprendizado e, consequentemente, no desenvolvimento do psiquismo humano.

Outro sentido atribuído pelos pais, diz respeito, mais uma vez, ao aspecto afetivo. Eles descrevem que a escola deveria dar mais atenção e carinho aos filhos, ter menos alunos por professor para um atendimento mais individual, ter 'mais cumplicidade' e maior capacidade de mediar relações problemáticas entre colegas. Também apontam para a necessidade de haver mais diálogo, respeito entre professores e aluno e vice-versa. Em Vigotski (1934/2003), os sentidos conferidos a algo se baseiam em configurações singulares do sujeito, que envolvem os significados das palavras compartilhados pelo público e carregam em sua base, como aspecto principal, o afetivo-volitivo do sujeito, ou seja, constitui-se, fundamentalmente, das experiências individuais atreladas a ele, que traz em sua base as emoções. Temos aí apontada a importância da afetividade na constituição do humano (Vigotski, 1935/2007).

Somos seres biopsicossociais: corpo, afeto, cognição e meio social agindo de forma entrelaçada. Um é causa e efeito do outro, impossível de fragmentação pela forma dialética de se estudar o desenvolvimento humano.

6. O social na escola

Entende-se que a interação é de fundamental importância para o desenvolvimento da criança, visto ser na e pela interação que ela se apropria da cultura, ao mesmo tempo em que a constitui. Esse processo de constituição é mediado pela linguagem, especificamente humana (Vigotski, 1934/2001, p. 101). A escola, como já dito, é o espaço favorecedor para que as interações ocorram, e a mediação pelo social se faça presente. Social aqui entendido não como coletivo, ou uma sociedade, mas como tudo aquilo que diz respeito ao humano, à sua produção, à sociabilidade do homem.

A cultura, por exemplo, é um produto desse social. Verifica-se na pesquisa que em ambas as classes (1º e 9º anos) os pais qualificam os colegas dos filhos com características negativas, em que a palavra 'bagunceiros' foi a mais citada e 'agressivos' a que fica em segundo lugar em citações. As palavras 'legais' e 'companheiros' também aparecem, mas em menor número. Os pais também descrevem a amizade de seus filhos na escola e as citações ficam divididas entre ter muitos amigos e mais ou menos. Poucos pais relatam que o filho não tem amigos na escola.

O aprendizado, como nos aponta Vigotski (1934/2001), desperta vários "processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar apenas quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança" (p. 101). O que comprova que na escola, assim como na vida, o aprendizado não se dá apenas de forma vertical - professor-aluno.

A vida deve circular e pulsar livre na escola, mas organizadamente, de forma a garantir que as emoções, os sentimentos, os afetos, de fato estejam permeando o processo cognitivo, favorecendo e garantindo o aprendizado, como aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas. Os pais na pesquisa, em geral, rotulam os colegas de seus filhos negativamente, o que se opõe àquilo que os pais consideram como o principal motivo para os filhos gostarem da escola, ou seja, justamente os colegas. Por que isso se dá desse modo?

Paradoxalmente, o que afasta também aproxima e vice-versa. Vigotski (1927/2004) instiga a pensar que a dialética compõe as interações humanas e, exatamente por isso, deve-se fundamentar as investigações neste movimento de convergências e divergências. O social na escola é categoria que embasa a motivação dos alunos em frequentar este espaço, muitas vezes pouco atrativo. Mas ao mesmo tempo, o próprio social é fonte de conflitos para os mesmos alunos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados apresentados pela pesquisa revelam que os sentidos configurados pelos pais sobre o que é a escola na vida de seus filhos são bastante ambíguos. Eles veem o papel da escola com um enfoque muito mais amplo do que aquele que a mesma pode cumprir e acreditam que a escola deva exercer uma função que, muitas vezes, é dos pais, pois, no entendimento dos mesmos, a educação escolar deve abarcar questões de formação ético-moral, esportiva, cultural e artística, além de espaços de interação físico-afetiva. Esses aspectos devem ser explorados na e pela Educação, porém, os pais parecem delegar esse compromisso de formação dos filhos para a escola, função essa que seria importante ser vivenciada dentro da família. Os pais têm um papel na educação de seus filhos e parece que eles esperam que a escola o faça, mas não se pode esperar que todo o processo formativo de seus filhos se empreenda na instituição de ensino. À educação escolar cabem alguns aspectos específicos da Educação, à família, outros; é, inclusive, o respeito a essas especificidades por ambas as instâncias educativas o facilitador, o promotor do desenvolvimento como um todo.

A ambiguidade de sentidos configurados também se apresenta quando se nota nos questionários que pouco se fala da escola como um local de aprendizagem ou aquisição de conhecimento no seu sentido formal; esse fato aponta e justifica que o sentido da escola construído pelas famílias ultrapassa seu papel na vida dos alunos.

Paralelamente se faz notar que, na visão dos pais, a escola não é motivadora para os filhos, a menos que tenha espaço mais humanizado que englobe o socioafetivo, mas os pais esperam que esse movimento parta da escola e não se incluem e nem a seus filhos nesse processo de mudança e construção de um ambiente educacional realmente interessante. Pontua-se a necessidade de a escola ser um local de construção de saberes em que as inter-relações possam se expressar por meio da promoção de práticas que propiciem a expressão de afetos. Porém, pais, alunos, professores, gestores devem se incluir na construção deste espaço de encontro físico e subjetivo que propicie a interação dos sujeitos.

Vê-se que os resultados da pesquisa indicam que a relação escola-família está longe de superar as barreiras criadas pelo lugar polarizado que ocupam na educação de crianças e jovens, e os sentidos atribuídos pelos pais à escola emergem como um dos alicerces que sustentam essa difícil relação.

Fica claro que o afetivo é valorizado como motivo para a vivência escolar, mas predominam nas interações afetos com tonalidades negativas, que se constituem fontes de frequentes conflitos, e a escola não sabe lidar com eles ou encaminhar ações para sua superação.

Eis uma lacuna significativa para o trabalho do psicólogo nas escolas: um mediador e orientador da dinâmica afetiva que envolve desde o fortalecimento de boas interações motivadoras para a vivência escolar até a resolução de conflitos comuns nas interações humanas, porém tido no âmbito escolar como indisciplina, desrespeito e desmotivação à aprendizagem.

O psicólogo pode atuar na compreensão e promoção dos afetos na escola, sejam eles negativos ou positivos. Por meio do apoio do profissional de psicologia, cria-se a possibilidade de estabelecer instrumentos de intervenção que ajudem gestores, professores, alunos e familiares a trabalhar por uma escola motivadora, que instigue o processo de ensino-aprendizagem em todos envolvidos nessa dinâmica.

Considera-se que o psicólogo escolar, sustentado pelo princípio do materialismo histórico dialético, seja um profissional que possa atuar de forma a contribuir com os atores da cena escolar. Contribuição tida como um trabalho de parceria no qual seu saber sobre o desenvolvimento humano possibilite proposições, para a implantação de ações, no âmbito da escola, que promovam o "desenvolvimento da consciência de toda comunidade escolar como sujeito histórico, em que cada um possa resgatar o seu papel profissional, compreendendo os efeitos do seu trabalho no outro refletindo sobre as condições em que o trabalho ocorre" (Pissolatti & Souza, 2011).

Tal contribuição abarcaria também pais e alunos que seriam impelidos a refletir sobre o lugar que cada um ocupa nesta ordem social que é a escola. Ordem, muitas vezes, equivocada em suas posições de poder (no sentido de mando e obediência) que não favorecem a transformação dos sujeitos, da coletividade e da própria escola. Transformação, que, de certo modo, é essência do processo educativo.

 

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1 Neste trabalho, adotamos a grafia Vigotski, mas nas referências optamos por manter a grafia original das traduções realizadas.