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Psicologia da Educação

Print version ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.37 São Paulo Dec. 2013

 

ARTIGOS

 

O apoio das figuras significativas na superação do bullying no contexto escolar1

 

The support of significant figures on the overcoming of bullying in a school context

 

El apoyo de las figuras significativas en la superación del bullying en el contexto escolar

 

 

Marília Justino Ramos GaldinoI; Sandra Patrícia Ataíde FerreiraII

IUniversidade Federal de Pernambuco. Coordenadora do ProJovem Urbano de Olinda; Mestre em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). mariliajr@oi.com.br
IIUniversidade Federal de Pernambuco. Professora do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais - Centro de Educação - e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Cognitiva - Centro de Filosofia e Ciências Humanas - Universidade Federal de Pernambuco

 

 


RESUMO

Este estudo, recorte de uma dissertação de mestrado, teve por objetivo compreender se o apoio da figura significativa favorece o desenvolvimento de capacidade de resiliência nos alunos vítimas de bullying, no contexto escolar. Participaram 224 alunos, de onze turmas do Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano), em duas escolas públicas estaduais de Recife e Olinda/PE. Foram abordados os resultados de extratos de relatos coletados a partir de um Questionário sobre Experiências Escolares (QEE), e a análise foi realizada segundo a técnica de análise de conteúdo, na modalidade temática. Os resultados, em geral, demonstraram que o apoio fornecido pelas figuras significativas aos alunos vítimas de bullying os ajuda a promover resiliência de modo a possibilitar o desenvolvimento de estratégias cognitivas para lidarem com esse tipo de violência no contexto escolar.

Palavras-chave: bullying; resiliência; figuras significativas.


ABSTRACT

The following studies is a snip from a master degree dissertation. It's goal is understand if the significant figures' support favors the development of the resilience's abilities in students victims of bullying in a school context. 224 students participated from the studies, came from the eleven classes of fundamental II (6th to 9th years), from two public schools in Recife and Olinda/PE. The collected report's extracted results from a Survey About School Experiences (QEE) and the analysis were made according the content analysis, on the thematic modalities. In general the results demonstrated that the support provided to the bullying victim students by the significant figures help them to develop resilience in a way that make possible the development of cognitive strategies to deal with this kind of violence in a school context.

Keywords: bullying; resilience; significant figures.


RESUMEN

Este estudio, recorte de una disertación de maestría, tiene por objetivo entender si el apoyo de la figura significativa favorece el desarrollo de la capacidad de resiliencia en los alumnos victimas del bullying en el contexto escolar. Participaron 224 alumnos de 11 clases de la Enseñanza Fundamental II (6º al 9º año), en dos escuelas públicas estaduales de Recife y Olinda/ PE . Fueron tomados los resultados de extractos de los relatos recogidos a partir de un Cuestionario sobre Experiencias Escolares (QEE) y el análisis se ha realizado mediante la técnica de análisis de contenido, en la modalidad temática. Los resultados, en general, demuestran que el apoyo suministrado por las figuras significativas a los alumnos victimas de bullying los ayuda a promover resiliencia de forma que les permita desarrollar estrategias cognitivas para lidiar con este tipo de violencia en el contexto escolar.

Palabras clave: bullying; resiliencia; figuras significativas.


 

 

Quando se fala em manifestações de violência no contexto escolar, em geral, pensa-se apenas naquelas consideradas explícitas, como, por exemplo, golpes, ferimentos, roubos, vandalismos, crimes, etc. No entanto, tão prejudicial quanto esse tipo de violência explícita, há outra forma de violência que pode se apresentar também de forma velada e sutil que incluem outros fatos nem sempre claros, que são descritos como "comportamentos próprios da infância", "coisa de crianças nas quais não devemos interferir", "é coisa normal", "sempre acontecem", "é comum" e, também, "ajudam a fortalecer" o caráter do jovem.

Esses discursos são próprios para camuflar o fenômeno bullying, que vem "recheado" de agressividade no contexto escolar e é algo preocupante por causa de sua elevada incidência, porque agrava condutas e altera o normal desenvolvimento da vida escolar. Grossi e Santos (2009) afirmam que "a grande maioria dos comportamentos agressivos que ocorrem nas escolas passa a ser admitida como natural, sendo habitualmente ignorada ou não valorizada, tanto por professores quanto pelos pais" (p. 257).

No que se refere ao termo utilizado para nomear esse tipo de violência, como substantivo a palavra bully significa "valentão", "tirano", "brigão", e por não existir uma palavra na língua portuguesa capaz de expressar todas as situações de bullying possíveis, usa-se o termo em inglês.

O bullying é um tipo de violência que não ocorre de forma esporádica; ao contrário, é contínuo, metódico, persistente e não precisa de motivações específicas ou justificáveis para acontecer. Qualquer diferença no alvo (vítima), seja ela qual for, é expressa pelos agressores desse fenômeno como uma não aceitação que pode envolver: "religião, raça, estatura física, peso, cor dos cabelos, deficiências visuais, auditivas e vocais; ou é uma diferença de ordem psicológica, social, sexual e física; ou está relacionada a aspectos como força, coragem e habilidades desportivas e intelectuais" (Fante, 2005, pp. 62-63).

Esse tipo de violência não está limitado ao âmbito escolar, pode acontecer em diversos contextos em que há relações interpessoais, como, por exemplo, no âmbito familiar e no trabalho. Na escola, a manifestação desse fenômeno muitas vezes é camuflada por brincadeiras. Todavia, é importante ressaltar que, nos espaços escolares, são comuns brincadeiras sadias, em que os alunos se divertem, colocam apelidos uns nos outros, dão risadas, tiram "sarros" uns dos outros. São brincadeiras naturais e saudáveis, típicas da comunidade estudantil, que tornam o ambiente escolar mais descontraído e atrativo, em que todos os participantes se divertem. Contudo, de acordo com Fante e Pedra (2008), quando "as brincadeiras":

(...) são travestidas de crueldade, prepotência e insensatez, ultrapassando em muito os limites suportáveis, que variam de acordo com o grau de tolerância de cada indivíduo, e se convertendo em atos de violência. Quando repetitivos, intencionais e deliberados, com o intuito de intimidar e causar sofrimento a outro(s), são atos de bullying. (p. 9)

Apesar de vivenciar situações difíceis causadas pela prática desse tipo de violência, algumas vítimas podem desenvolver a resiliência que, na Psicologia, segundo Grotberg (2005), é definida como "a capacidade humana para enfrentar, vencer e ser fortalecido ou transformado por experiências de adversidade" (p. 15). Brandão (2009) corrobora com essa definição ao afirmar que resiliência é:

(...) um processo (não um traço) que compreende o enfrentamento de adversidades, o abalo e a superação, pensando que essa superação envolve um crescimento que supera o estado que a pessoa apresentava antes do encontro com a adversidade (...) podemos dizer que também a resiliência é um processo que pode ser desenvolvido por qualquer pessoa, que todo sujeito tem essa possibilidade. (p. 112)

Esse fenômeno resiliência é construído e não é tarefa do sujeito como pessoa isolada, como Walsh (2005) afirma: "a resiliência é forjada pela abertura à experiência e à interdependência com outras pessoas" (p. 4). Ou seja, não é uma qualidade individual, única e extraordinária, mas é uma capacidade universal que pode ser desenvolvida no contexto psico-sociocultural em que as pessoas estão inseridas.

As pessoas com capacidade de resiliência têm o suporte de figuras significativas ou "tutores de resiliência" (Cyrulnik, 2001). De maneira geral, aqueles que atuam como tutores de resiliência estão genuinamente interessados nas histórias de dificuldades que a vítima enfrenta e preocupados com seu bem-estar, compreendem suas dificuldades, criam empatia com seu sofrimento e encorajam seus maiores esforços. É uma grande influência positiva, fundamentada em uma relação carinhosa e íntima, que permite o desenvolvimento da autoestima e da autoconfiança da vítima (Melillo & Ojeda, 2005).

Embora a literatura não mencione uma definição específica para resiliência ao bullying, a que é adaptada para a área da Psicologia (Grotberg, 2005; Brandão, 2009) se apropria também para aqueles como vítimas desse tipo de violência e que conseguem superá-la. Uma vez que, para essa área de conhecimento, esse fenômeno significa a superação, é a construção de novos caminhos em que a pessoa desenvolve estratégias de enfrentamento para lidar com situações estressantes e/ou traumáticas.

Vale ressaltar também que na literatura não há consenso quanto aos atributos para desenvolver resiliência, por isso, é preferível aderir ao termo capacidade e não característica, uma vez que essa normalmente é concebida como disposições, já aquela transmite a ideia de que qualquer pessoa tem a possibilidade, embora em dimensões diferentes, de desenvolver a resiliência.

Nesse contexto, este trabalho buscou compreender que tipo de contribuição as figuras significativas oferecem às vítimas de bullying escolar, para que essas desenvolvam capacidade de resiliência. Tal pesquisa está fundamentada na perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, e mais particularmente, nas ideias de Henri Wallon (1941/2007), uma vez que sua concepção psicogenética do desenvolvimento engloba, em um movimento dialético, a afetividade, a cognição e os níveis biológicos e socioculturais.

Wallon defende a íntima relação existente entre o ambiente social e os processos afetivos e cognitivos, afirmando que eles se inter-relacionam e influenciam-se mutuamente. Dessa forma, a influência afetiva e, consequentemente, cognitiva centrada nas interações com o meio social em que o indivíduo está inserido, é importante no desenvolvimento de capacidade de resiliência.

Para a realização deste trabalho foi feito o levantamento da literatura (nas bases de dados do SciELO, plataforma CAPES e Google Acadêmico) e apesar de verificadas pesquisas sobre bullying (Fante, 2005; Galdino & Silva, 2009; Grossi & Santos, 2009), tanto quanto estudos que abordam a temática resiliência (Peltz, Moraes & Carlotto, 2010; Scriptori & Junior, 2010), observou-se que há carência de pesquisas a respeito da relação entre esses dois fenômenos com enfoque nas figuras significativas. Sobretudo, em se tratando, especificamente, das contribuições de figuras significativas na promoção de resiliência em alunos vítimas de bullying no contexto escolar, como é o foco desta pesquisa. Entende-se, então, que se faz necessário compreender a importância da figura significativa para a promoção da resiliência em vítimas do bullying.

Sobre essa relação entre bullying e resiliência, alguns questionamentos causam inquietação: os alunos vítimas de bullying têm influências de figura(s) significativa(s) na promoção de resiliência? Como é a relação afetiva e o processo de interação desses alunos vítimas desse tipo de violência com essa(s) figura(s) significativa(s)? Como esses alunos lidam com esse tipo de violência no ambiente escolar?

Tendo isso em vista, tem-se como objetivo geral compreender se o apoio da figura significativa favorece o desenvolvimento da capacidade de resiliência nos alunos vítimas do bullying, no contexto escolar, e como objetivos específicos: (i) analisar as estratégias cognitivas2 que os alunos com e sem capacidades de resiliência utilizam para lidar com o bullying, no ambiente escolar; (ii) verificar se as vítimas desse tipo de violência contam ou contaram com o apoio de figuras significativas na promoção de resiliência e quem são essas figuras; (iii) identificar os tipos de relação afetiva que os alunos vítimas desse tipo de violência com e sem capacidade de resiliência mantêm com as figuras significativas.

Assim, acredita-se que o presente estudo pode contribuir, sugerindo que a escola, junto com a família e a sociedade de modo geral exerçam esse papel de apoio, no sentido de minimizar ou erradicar esse tipo de violência na escola que vem afetando toda sociedade.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram 224 alunos distribuídos em onze turmas do Ensino Fundamental dos anos finais (6º ao 9º ano), de duas escolas públicas estaduais de Recife e Olinda/PE. Da escola de Olinda, participaram duas turmas de cada ano (série), perfazendo oito turmas. Quanto à escola de Recife, participaram três turmas: 6º, 8º e 9º anos.

A escolha das séries foi tomada por base nas pesquisas de Lopes Neto (2005), que indicam que a maior incidência do bullying ocorre na faixa etária dos 11 aos 13 anos, idades que se inserem nesse nível de ensino. Já a escolha pelo quantitativo de turmas justifica-se pelo fato de se ter uma garantia maior de participantes vítimas de bullying que apresentassem capacidade de resiliência.

Descrição do instrumento de pesquisa

Para favorecer a emergência de respostas mais subjetivas a respeito dos dois fenômenos investigados na pesquisa (bullying e resiliência) com o foco nas figuras significativas e identificar, a partir do ponto de vista dos respondentes, se houve ou não superação da violência, utilizou-se o Questionário sobre Experiências Escolares (QEE).

Tal instrumento teve por objetivos identificar os alunos vítimas de bullying que desenvolveram e os que não desenvolveram capacidade de resiliência ao bullying, bem como compreender como lidam com esse tipo de violência e se têm suporte de figuras significativas.

O instrumento é constituído de questões sociodemográficas, para se possibilitar cortes possíveis no que se refere aos aspectos gerais da população investigada; e de questões que favorecem o autorrelato, para se possibilitar a opinião pessoal, de maneira que, a partir do olhar dos respondentes, seja identificado ou não a promoção de resiliência, pois é necessário considerar o ponto de vista dos alunos a respeito de como enfrentam o bullying.

Procedimento de coleta dos dados

Após autorização dos diretores das escolas pesquisadas foi enviado o projeto de pesquisa ao Comitê de Ética da UFPE (nº protocolo 520/11), e, após aprovação, a pesquisadora enviou aos pais dos alunos que concordaram em participar da pesquisa o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Depois que se recolheram os termos assinados, a pesquisadora iniciou a coleta dos dados.

Os estudantes deste estudo, que participaram de uma investigação mais abrangente acerca da relação entre bullying escolar e resiliência, responderam a um conjunto de cinco instrumentos (quatro escalas e um questionário), em duas diferentes sessões, distribuídas ao longo de duas semanas (informações mais detalhadas podem ser obtidas em Galdino, 2013)3.

Para o presente estudo, optou-se em investigar apenas os resultados apreendidos a partir dos extratos dos relatos contidos no Questionário sobre Experiências Escolares (QEE). Isso para se enfocar nas respostas mais subjetivas a respeito dos dois fenômenos investigados na pesquisa (bullying e resiliência) com o foco nas figuras significativas e, assim, identificar, a partir do ponto de vista dos respondentes, se houve ou não superação da violência.

O Questionário sobre Experiências Escolares (QEE) foi respondido coletivamente, por turma escolar, em sala de aula. Cada aluno recebeu um caderno contendo o instrumento impresso em folha A4 e respondeu individualmente, após as instruções orais da pesquisadora acerca da aplicação dele.

Procedimentos de análise dos dados

A análise dos relatos contidos no questionário foi realizada segundo a técnica de análise de conteúdo, na modalidade temática (Bardin, 1977/2008). Essa análise que pode ser definida como um instrumento de análise interpretativa é uma técnica que explica e sistematiza o conteúdo da mensagem e o significado desse conteúdo, por meio de deduções lógicas e justificadas, tendo como referência quem emitiu, o contexto ou os efeitos dessa mensagem (idem).

Para análise dos relatos dos participantes, o estudo guiou-se pelas diferentes fases da análise de conteúdo, que estão organizadas em torno de três polos cronológicos: pré-análise, exploração do material e interpretação dos resultados (Bardin, 1977/2008).

Destarte, foram selecionados alguns relatos sobre cada tema, e o critério de escolha dos extratos da fala foi tomado por base nos relatos mais ilustrativos para cada situação discutida e transcritos exatamente conforme a escrita dos alunos. Para garantir o anonimato, esses foram identificados neste estudo por nomes fictícios.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram analisados apenas os questionários daqueles que apresentavam relatos de vitimização por bullying, isso para verificar os alunos que desenvolveram e os que não desenvolveram capacidade de resiliência, como eles lidam com a violência, se buscam ajuda para isso, quem são as pessoas a quem eles recorrem, se essas pessoas dão o suporte necessário para superar a violência, que tipo de suporte é esse e como é a relação com essas pessoas.

Dessa forma, foi verificado um total de 57 questionários. A partir destes, pôde-se construir três temas que se sobressaíram do conteúdo das respostas dos participantes e que serão discutidos a seguir: (i) estratégias cognitivas utilizadas para lidar com o bullying; (ii) quem as vítimas de bullying constituem como figuras significativas; (iii) tipos de relações afetivas estabelecidas entre vítima e figura significativa que favorecem ou não a superação do bullying.

Tema 1. Estratégias cognitivas utilizadas para lidar com o bullying

A partir da análise dos relatos, foram observadas quatro diferentes estratégias cognitivas para lidar com o bullying: silenciar, revidar, dissimular gostar das falsas brincadeiras e buscar ajuda.

Em se tratando da estratégia de "silenciar" para lidar com o bullying, foi percebido que 15 adolescentes utilizaram essa postura que é condicionada por três motivos que não se apresentam necessariamente puros, mas, ao contrário, podem se mostrar híbridos nos relatos: (i) constrangimento ou vergonha de expor a alguém a situação de agressão; (ii) medo de represália da parte do agressor; (iii) crença de que o silêncio é uma maneira de não demonstrar que está sendo afetado pelas agressões. Nesse caso, especificamente, o silêncio é uma forma de cansar os agressores, ou seja, a vítima compreende que não esboçar reação pode fazer com que o agressor não tenha motivação para maltratá-la, já que ela não demonstra estar sendo afetada. Vale destacar que, neste caso, a vítima não finge estar gostando das falsas brincadeiras; em vez disso, apresenta uma postura de indiferença para com seus algozes.

Sobre o motivo "constrangimento de expor a alguém a violência sofrida", envolvido na estratégia de silenciar, tem-se o relato de Frederico, 12 anos de idade, aluno do 6º ano: "uns garotos não gostavam de mim eles ficavam me abusando (...) às vezes eu me sinto constrangido de dizer aos meus pais ou a outra pessoa".

Constrangimento é um dos exemplos de causas que impedem o alvo de bullying solicitar ajuda (Lopes Neto, 2005) e, ao contrário do que as vítimas acreditam, como pode ser o caso de Frederico, tal postura facilita os bullies a encobrirem seus atos violentos, a terem um maior sentimento de poder para com as vítimas e a transmitirem uma falsa ideia de um ambiente escolar harmonioso. Isso também pode ser observado nas situações em que as vítimas não expõem a violência sofrida por "temerem represálias", outro motivo que causa o silêncio. Veja-se o que diz Simone, 13 anos, 8º ano:

Algumas vezes as minhas próprias amigas me humilham muito e só em pensar dar uma dor muito grande no meu peito. Eu passei quase dois meses para vir para escola. (...) até hoje eu tenho medo de vir para a escola. (...) não recorri a ninguém, minha família não sabe.

Assim como Simone, muitas vítimas são reféns de emoções traumáticas destrutivas como o medo de represálias. Esse temor se agiganta de tal maneira que elas se sentem mais seguras guardando essa dor para si do que a expondo para alguém (Lopes Neto, 2005). Vale observar que o medo é um tipo de emoção que se revela como uma função social, pois, embora não haja necessariamente uma verbalização, o agressor percebe esse temor estampado nas transformações corporais que a vítima externaliza (aumento dos batimentos cardíacos, tensão muscular, rubor ou palidez, etc.). Desse modo, há uma forma de comunicação, ou seja, o medo é algo transmitido para o outro (Wallon, 1941/2007). Tal temor facilita ao bullie continuar seus ataques, pois detecta a vulnerabilidade da vítima.

Nesse sentido, é possível compreender que vítimas desse tipo de violência sofrem caladas por não acreditarem que, ao revelar a alguém a situação sofrida, poderá ter ajuda e orientação para lidar com o problema; pelo contrário, acham que as agressões se intensificarão, pois seus algozes acertarão contas pela inculpação. Na situação de Simone, são suas próprias amigas as autoras das humilhações, e a consequência dessa violência motivou o absentismo, isto é, a falta de assiduidade dela às aulas.

Há também vítimas que "não demonstram que estão sendo atingidas pela violência", outro motivo que causa o silêncio, como se pode verificar no relato a seguir de João, 13 anos, 9º ano:

Me xingam, me batem, mais sempre sorrindo. Eu apanho sempre. Quase todo dia eu tomo uns tapas mais eu supero assim que chego em casa. Ligo meu computador e esqueço tudo que aconteceu. Agorinha acabei de tomar um tapa nos peitos. É sofrido, às vezes eu num quero vir a escola porque já sei que vou apanhar o dia todo de 4:30 de escola 3:20 eu apanho, eu acho que eles param porque cansam. Eu ligo só na hora, mais depois eu esqueço. Eu não demonstro ser atingido por eles. (...) às vezes eu pergunto pra minha mãe só que usando o nome de um amigo, não consigo dizer o que eu sofro na escola.

Observa-se que esse aluno não naturaliza a situação, pois tem consciência de não se tratar de brincadeiras sadias que poderiam fazer parte do cotidiano escolar, mas de um tipo de violência que ultrapassa os limites suportáveis com o intuito de intimidá-lo, machucá-lo, humilhá-lo e desrespeitá-lo (Fante & Pedra, 2008). No entanto, essa consciência não parece ser suficiente para ele sair dessa situação de violência, uma vez que João transmite para seus algozes uma falsa invulnerabilidade, pois acaba utilizando a estratégia do silêncio como forma de não demonstrar que está sendo atingido pelos agressores. Compreende que necessita de ajuda para lidar com a violência, mas não tem coragem de expor nem a sua mãe e se refugia no computador como forma de canalizar sua dor.

De qualquer forma, verifica-se que o superar que ele menciona é no sentido de não ruminar o sofrimento causado pelos seus colegas agressores, ou seja, a superação não é algo definitivo, mas ele busca frequentemente evitar vivenciar a dor. Embora sofra na escola sem saber lidar com a situação, em casa procura uma maneira de "esquecer" esse sofrimento.

No relato desse aluno, especificamente no extrato em que menciona buscar ajuda da mãe, mas omitindo ser ele o alvo das agressões, percebe-se o quanto a vítima de bullying necessita de apoio de uma figura significativa ou tutor de resiliência para orientá-la e ajudá-la a lidar com esse tipo de violência, bem como para favorecer o desenvolvimento de sua autoestima e autoconfiança (Melillo & Ojeda, 2005), no sentido de demonstrar confiança no próprio modo de ser e de agir, o que lhe permitirá ter uma postura mais assertiva diante da violência.

Contudo, também se observou neste estudo que muitas vítimas não escolheram a estratégia de silenciar, mas se enveredaram para outro extremo, optando, assim, pela estratégia de "revidar" as agressões sofridas, como se observa no extrato de fala do aluno Diego, 15 anos do 9º ano: "eu tenho jeito de gay". "Eu peguei uma faca e corri atrás dele. (...) eu fico um pouco magoado".

A partir da reação de Diego como vítima de bullying, é possível compreender que, embora esse tipo de violência tenha como essência a sutileza, o que dificulta sua identificação por parte da comunidade escolar (diretores, coordenadores, professores, pais, etc.), gera e alimenta a violência explícita (Fante, 2005). Isso pode acontecer quando as vítimas, como é o caso desse aluno, por não saberem conduzir a situação, revidam as agressões e inflamam mais ainda a situação de violência, sendo elas identificadas como vítimas provocadoras (Silva, 2010).

Constatou-se também que algumas vítimas utilizam a estratégia de "dissimular gostar das falsas brincadeiras", como é o caso do extrato de relato do aluno Eduardo, 14 anos, 9º ano: "eu odeio este lugar [a escola] (...) as pessoas chegam e fazem o que querem, batem, xingam e até jogaram uma lata de lixo na minha cabeça (...) eu lido com bom humor (...) recomeço tudo de novo".

Embora Eduardo não goste da escola, ambiente onde sofre as agressões, a comunidade escolar não tem como perceber que ele está sendo maltratado nesse lugar, pois mesmo sofrendo, finge gostar das falsas brincadeiras. Além de omitir sua dor através do seu bom humor, gratuitamente cede "combustível" para que seus agressores o maltratem, pois ao dissimular estar gostando das falsas brincadeiras, seus algozes acabam tendo sua permissão para agredi-lo. Se sua estratégia surtisse efeito positivo, ou seja, se seu bom humor fosse razão para "frear" os agressores por acharem que não estariam incomodando a vítima, Eduardo não expressaria em seu relato tal insatisfação pelo ambiente escolar.

Por outro lado, verificou-se que a maioria das vítimas (28 adolescentes) utiliza a estratégia de "buscar ajuda" para lidar com o bullying, a qual parece gerar resultados positivos na tentativa de superação desse tipo de violência, como se verifica no relato de Eliane, de 13 anos de idade, aluna do 7º ano:

Já fui agredida fisicamente, verbalmente... tem muita gente que não gosta de mim que é despeitada comigo. (...) Não sou capaz de resolver esses tipos de problema sozinha preciso da orientação dos meus pais. (...) eles me ajudaram a superar. Ela [mãe] veio resolver com a diretora da escola. (...) minha mãe me ajuda em tudo que preciso.

Essa participante reconhece que precisa de ajuda para lidar com as agressões que sofre na escola e a busca na figura dos pais, que a levaram a superar a situação de violência. Esses compreendem a dor de Eliane e se empenham em resolver a situação enfrentada por ela, levando a questão para a gestão da escola em busca de solução. Nesse sentido, a intervenção dos pais apresenta-se como uma medida preventiva contra consequências negativas (Walsh, 2005).

A atitude de buscar ajuda demonstra desejo de sair da situação de agressão, necessidade de ser ouvida (Fante, 2005) e de obter apoio do outro, isso pautado numa relação de respeito e sensibilidade à situação enfrentada.

Tema 2. Quem as vítimas de bullying constituem como figuras significativas

Ao falar de suas experiências de bullying no contexto escolar, os participantes referiram-se às figuras significativas como aquelas que, em geral, são do âmbito familiar: mãe, pai e irmão(a) mais velho(a); mas também houve participantes que afirmaram recorrer aos amigos da escola. No entanto, a figura da mãe predomina nos relatos dos respondentes como aquela a quem as vítimas do bullying recorrem em busca de ajuda para lidar com esse fenômeno. Ou seja, a mãe é considera por 25 alunos desta pesquisa como a figura significativa.

Observou-se, ainda, que os participantes fizeram pouca menção às figuras da escola (gestor, coordenador e professor) como aquelas às quais recorriam em busca de ajuda para lidar com a violência sofrida. Sobre isso, infere-se que as figuras da escola ou não conseguem identificar a manifestação do fenômeno ou não estão preparadas para dar o suporte necessário e direto aos discentes que são alvos dessa violência. Possivelmente, pelo fato de, no Brasil, o bullying ser ainda pouco estudado, além de o tema ter chegado recentemente no país, no fim dos anos de 1990 e início de 2000.

Os dados apontam que os alunos que recorreram diretamente às figuras da escola, em geral, não receberam a devida atenção e não houve intervenção em relação ao problema. Embora possam conhecer o termo bullying, a partir dos relatos dos participantes deste estudo pode-se inferir que essas figuras não distinguem as brincadeiras sadias das falsas brincadeiras e, por isso, fazem intervenções apenas quando os responsáveis vão à escola cobrar providências. Nesse sentido, nota-se que a vítima sente-se mais acolhida e segura em comunicar as agressões que vem sofrendo aos seus familiares do que às figuras da escola que estão mais próximas do problema e que, por sua vez, teriam mais probabilidade de fazer as devidas intervenções.

Deste modo, ressalta-se que a escola tem um importante papel na transmissão de valores e no desenvolvimento de comportamentos úteis para o enfrentamento e resolução de dificuldades, o que é crucial para os alunos que vivenciam o bullying, uma vez que precisam desse suporte da escola, pois não conseguem resolver o problema sozinhos, mas com a ajuda de outros que os orientem e ajudem a lidar de maneira positiva com esse fenômeno (Peltz, Moraes & Carlotto, 2010).

Destarte, a partir dos relatos dos participantes, constata-se que, embora não se descarte a importância do papel da figura significativa que não faz parte do seio familiar, as figuras familiares têm-se mostrado mais sensíveis e acolhedoras para ajudar a vítima de bullying. Isso é o que se pode observar no relato da aluna Caroline, 12 anos de idade, do 7º ano, que escolheu a mãe para ajudá-la a lidar com esse tipo de violência:

Eu disse a minha mãe e ela veio na escola resolver. Escolhi minha mãe por que quem melhor que ela pra me defender. (...) é a única que confio. Minha mãe me ensinou a me dar com esse tipo de gente. Ela manda eu ficar calada e não descontar que ela resolve.

No relato da estudante, é possível verificar que a escolha da mãe como figura significativa deveu-se pela confiança que Caroline deposita nela e porque aquela se prontifica a resolver a situação de agressão que a filha sofre. Nesse sentido, é possível pensar que aqueles que representam a figura significativa têm interesse em ajudar a vítima, sentem-se sensibilizados com as dificuldades que ela sofre, preocupando-se com o bem-estar dela e ajudam-na a superar a situação.

A orientação que a mãe oferece à Caroline é de não revidar as agressões, possivelmente prevendo que tal atitude gerará conflitos piores, o que acarretará maiores sofrimentos para a filha. Desse modo, infere-se que a maneira pela qual o outro orienta a vítima do bullying a lidar com esse tipo de violência, pode levá-la a se enveredar por diferentes caminhos, como a de vítima provocadora ou vítima agressora, por exemplo.

No caso, especificamente, de Caroline, se ela segue a orientação da mãe, certamente está evitando revidar as agressões que sofre. Assim sendo, não tem atitudes de vítima provocadora, protagonista envolvida nesse fenômeno, que não busca ajuda, não consegue lidar com a violência sofrida e acaba resolvendo de maneira também agressiva, o que piora a situação. Tampouco, a aluna tem atitude de vítima agressora, caracterizada como a protagonista que canaliza sua dor, gerada pelo bullying, maltratando outro que considere mais fraco (Fante, 2005; Fante & Pedra, 2008; Silva, 2010). Portanto, Caroline não tem atitudes comuns a nenhum desses dois protagonistas, pois ela não revida as agressões sofridas, nem agride outro colega, tornando-o também vítima de bullying. Muito menos é uma vítima típica, pois não silencia o que sofre na escola.

Sendo assim, nota-se que os protagonistas desse tipo de violência que a literatura apresenta, especificamente, em se tratando das vítimas - vítima agressora, vítima provocadora e vítima típica (Fante, 2005; Fante & Pedra, 2008; Silva, 2010) -, não contemplam todas as formas de lidar com o fenômeno, pois há outras estratégias que as vítimas utilizam e que não se enquadram em nenhum perfil desses personagens vítimas, a de buscar ajuda para lidar com o bullying, por exemplo, como é o caso da aluna Caroline.

Tema 3. Tipos de relações afetivas estabelecidas entre vítima e figura significativa que favorecem ou não a superação do bullying

Ao relatarem sobre os tipos de relações afetivas estabelecidas com as figuras significativas, 27 vítimas de bullying afirmaram que, quando pautada em uma relação de empatia, fundamentada no respeito, carinho, compreensão, solidariedade, apoio, confiança bem como, quando essas figuras ajudam na melhoria da autoestima das vítimas, demonstrando sensibilidade e preocupação genuína com a situação que elas enfrentam, essas conseguem superar a situação de agressão.

Diante do exposto, é importante refletir que, se uma pessoa que está sendo vítima de bullying apresentar capacidade de resiliência não significa que ela não sentirá a dor e a aflição geradas por esse tipo de violência, ou que se tornará insensível, "pois o caminho da resiliência é feito de considerável aflição emocional" (Scriptori & Junior, 2010, pp. 433-434).

Verificaram-se também, em contrapartida, relatos em que seis participantes afirmaram haver recorrido, em geral, a algum membro da família, em busca de ajuda e não foram compreendidos. Embora tenham tomado atitude de desabafar as agressões que sofrem, essas foram interpretadas como brincadeiras entre colegas de escola. Nessa situação, os participantes afirmaram não terem superado a violência. Nesse caso, verificou-se que nesse tipo de relação há uma falta de empatia, e as vítimas não tiveram das pessoas as quais recorreram a atenção necessária, compreensão, apoio e muito menos intervenção em relação ao problema enfrentado.

Percebeu-se que a figura significativa ou tutor de resiliência, que estabelece uma relação de empatia para com as vítimas de bullying, em geral, oferece ajuda à vítima orientando-a em como lidar com a violência e também solicitando providências da gestão escolar. Isso pode ser observado no extrato de relato do aluno Eduardo, de 12 anos, do 7º ano:

(...) eu fico com tanta raiva que às vezes eu penso em sair da escola ou até morrer, mas depois eu fico melhor. Já superei porque senão eu ia ficar com raiva para sempre e até matar a pessoa só quem vai se prejudicar sou eu. (...) escolhi a minha mãe por que ela é a que mais tenho confiança e sempre posso contar com ela. Minha mãe foi na diretoria para fazer estes meninos pararem de me provocar. (...) [mantenho com ela] relação de amor, confiança, carinho, respeito, etc.

Embora Eduardo tenha um sentimento negativo, que é seu desejo de retaliação, resultado de sua dor vivenciada na escola, ele não se deixou abater pelo sofrimento e superou com o apoio e a ação efetiva da mãe que interveio na situação indo à escola comunicar e solicitar providências da gestão para resolver a situação de violência. Nesse sentido, constata-se que compreender a dor da vítima é crucial para ajudá-la a superar a situação de agressão que sofre na escola e evitar a armadilha de uma postura de vida vitimizada (Walsh, 2005).

No entanto, verificou-se que tanto os docentes quanto a gestão escolar ou não conseguem perceber a manifestação do bullying ou não prestam providência para intervir na ocorrência desse tipo de violência. Em geral, é necessária a comunicação direta da família com a gestão e do próprio aluno vítima, orientado por aquela, para que haja um olhar acolhedor e a intervenção através do diálogo entre a gestão, agressor e, em alguns casos, também com a família desse e com a da vítima.

Mesmo a família fazendo a mediação com a escola sobre a situação enfrentada pela vítima, houve participantes que relataram não ser suficiente para acabar com o problema, pois os agressores continuaram com seus ataques de maneira mais camuflada. No entanto, essas vítimas informaram que as orientações que receberam das figuras significativas foram: mantê-las informadas quanto a esse tipo de incidência na escola, não revidarem os maus-tratos, não se deixarem abater, não silenciarem e sempre comunicarem à gestão as agressões sofridas.

Embora a intervenção da família e da escola não tenha eximido alunos vítimas continuarem a sofrer a violência, em geral as orientações das figuras significativas ajudaram-nos a superá-la. Sobre isso, ressalta-se que nesta pesquisa a estratégia cognitiva mais utilizada por aqueles que têm capacidade de resiliência para lidar com o bullying foi a de buscar ajuda.

Nesse sentido, percebe-se que essa necessidade de apoio da vítima para lidar com esse tipo de violência deveu-se ao fato de as orientações por parte das figuras significativas denotarem que ela compreende que o bullying não se trata de brincadeiras, mas de ataques contínuos que ferem a vítima e que podem gerar sérios resultados negativos. Dessa forma, constata-se que a incidência desse fenômeno é compreendida pela figura significativa como algo que não pode ser naturalizado no ambiente escolar, e sua postura em envolver-se na escuta do problema da vítima e orientá-la mostrou-se eficaz para ajudá-la a lidar e superar esse tipo de violência.

Embora haja relatos em que a vítima tem o tutor de resiliência para depositar sua confiança e que pode ter a ajuda dele quando necessita e falar sobre as situações que o assustam e o inquietam, também houve relatos de experiência opostos, como é o caso de Marta com 14 anos de idade, aluna do 8º ano. Apesar de ter recorrido ao pai, esse apresentou falta de empatia em relação à situação de violência que a filha sofre no ambiente escolar. Essa, por sua vez, não recebeu ajuda e não superou o bullying, como é possível verificar em seu relato:

Sofro apelidos e fico muito triste com isso, eu era uma menina muito estudiosa e certinha, aí os alunos ficavam me abusando e ainda abusam (...) eu fico muito triste e até choro (...) eu pedi ajuda ao meu pai, mas meu pai não ligou e disse que isso era só brincadeirinhas. Eu confiava muito em meu pai (...) a convivência com ele é normal. Não recebi ajuda (...) Não superei.

O pai dessa aluna compreende esse tipo de violência como muitos observadores externos a compreendem, ou seja, como brincadeiras próprias da idade escolar. Dessa forma, as manifestações são assumidas como situações naturais e habitualmente ignoradas. Eles não identificam que se a vítima sofre e solicita ajuda, significa que ultrapassou os limites suportáveis e já não se podem considerar brincadeiras típicas desse tipo de comunidade, mas falsas brincadeiras que disfarçam o propósito de maltratar, intimidar, humilhar e amedrontar (Fante, 2005; Fante & Pedra, 2008; Galdino & Silva, 2009; Grossi & Santos, 2009).

Essa dificuldade de encarar o bullying como violência pode causar uma barreira entre a vítima e o outro a quem ela recorre, porque a incompreensão da gravidade do problema pode levar à ausência de ajuda necessária para lidar com esse tipo de violência, consequentemente, de superá-la. Isso é o que se observa no caso da aluna Marta, que teve a coragem de expor a situação de agressão que sofre na escola, mas não teve a atenção necessária, compreensão, apoio e, muito menos, intervenção sobre o problema vivenciado por ela.

A postura do outro é importante para que a vítima se sinta segura em revelar a situação de agressão que vivencia na escola, caso contrário, ela poderá apresentar dificuldade em expor seu sofrimento como fez a aluna Marta, que revela não ter superado os maus-tratos.

Sobre isso, verificou-se nesta pesquisa que a estratégia cognitiva mais utilizada por aqueles que não desenvolveram capacidade de resiliência para lidar com o bullying foi silenciar a violência sofrida; nesse caso, esses alunos relataram não superar esse mal silencioso manifestado no ambiente escolar. Dessa forma, percebe-se que a postura do outro significativo pode mostrar-se eficaz ou não para ajudar a vítima a lidar com esse tipo de violência.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ressalta-se que a relevância deste estudo se efetiva pela complexidade do bullying, fenômeno ainda pouco esclarecido na comunidade acadêmica e social, motivo pelo qual muitos sofrem com a prática desse tipo de violência, mas que sua manifestação pode ser amenizada ou até mesmo erradicada, a partir de posturas mais assertivas da própria vítima em relação à agressão, isso com o suporte de pessoas que podem exercer o papel de figuras significativas para ajudá-las a promover resiliência e, dessa forma, superar a violência.

Os resultados mostraram que dos 224 alunos participantes, 57 relataram sofrer bullying na escola. Verificou-se que, em geral, os participantes recorrem à mãe em busca de ajuda para orientá-los a lidar com as agressões que sofrem na escola. Ou seja, a mãe é considera por 27 alunos desta pesquisa como a figura significativa.

No que se refere aos tipos de relações afetivas, os adolescentes relataram que quando a figura significativa expressa empatia, ou seja, de modo geral, compreensão e suporte em relação à situação de vitimização proveniente do bullying, o aluno consegue superar a violência.

Ainda sobre o outro significativo, a partir dos resultados desta pesquisa, evidencia-se que o ambiente escolar e a família são fundamentais para a promoção de resiliência em vítimas de bullying. O apoio afetivo é crucial para que elas consigam lidar de maneira positiva com as intimidações que sofrem.

Percebe-se que embora o bullying aconteça em qualquer espaço da escola, a sala de aula é o local onde ocorre o maior índice desse tipo de violência, através de conflitos e tensões, interações agressivas, ásperas e violentas, interpretadas, em geral, como diversão (Fante, 2005; Lopes Neto, 2005; Galdino & Silva, 2009). Destarte, considerando que há várias facetas para o bullie incomodar as vítimas, passando a falsa ideia para a comunidade escolar de que se trata apenas de brincadeiras, percebe-se a importância do olhar sensível também do professor para detectar a manifestação dessa violência, muitas vezes oculta. Afinal, o docente é quem passa mais tempo com o aluno em sala de aula e tem a probabilidade de conhecer melhor o perfil dele.

Em se tratando das estratégias cognitivas utilizadas pelos participantes para lidar com a violência, verificaram-se quatro formas: silenciar, revidar, dissimular gostar das falsas brincadeiras e buscar ajuda. Dentre essas formas, percebeu-se que a atitude de buscar ajuda mostrou-se a estratégia mais positiva utilizada por 28 adolescentes para lidar com o bullying, ou seja, a maioria das vítimas desse estudo.

Dentre essas estratégias, Fante (2005), Lopes Neto (2005), Fante & Pedra (2008) e Silva (2010) descrevem o silenciar e revidar as agressões. No entanto, para a população investigada, verificaram-se as estratégias de dissimular gostar das falsas brincadeiras e buscar ajuda, que não constam na literatura da área. Além disso, percebeu-se neste estudo que a estratégia de silenciar apresenta diferentes motivações, dentre elas, a crença de que o silêncio é uma maneira de não demonstrar que está sendo afetado pelas agressões. Sobre isso, vale ressaltar que também não foram encontrados estudos empíricos que façam menção sobre essa forma de silêncio. Destarte, pode-se afirmar que o presente trabalho traz essas contribuições para a literatura.

Enfatiza-se que a temática merece ser ainda bastante refletida e analisada. Não obstante, para que haja a realização de intervenções apropriadas no ambiente escolar, é essencial que se compreenda mais a finco esses fenômenos tratados nesta pesquisa (bullying e resiliência) e haja um olhar mais sensível do papel do outro como figura significativa.

 

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1 Este trabalho teve o apoio do CNPq e REUNI, sob forma de bolsas de estudo.
2 No presente trabalho, o termo estratégia cognitiva refere-se ao tipo de ação tomada pelo indivíduo para lidar com episódio de bullying.
3 Esta investigação diz respeito à dissertação de Mestrado intitulada Promoção de resiliência em alunos vítimas de bullying no contexto escolar: qual o papel das figuras significativas? Tal investigação teve o apoio das instituições de fomento CNPq e REUNI, sob forma de bolsas de estudo.