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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.37 São Paulo dez. 2013

 

ARTIGOS

 

A polinização e politização do conhecimento

 

The pollination and politicization of knowledge

 

La polinización y politización del conocimiento

 

 

Luiz Síveres

Universidade Católica de Brasília. Diretor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília. luiz@ucb.br

 

 


RESUMO

O conhecimento é um atributo essencial da condição humana e um aspecto fundamental da Universidade, considerada, nos tempos atuais, uma instituição apropriada para desenvolver os diversos campos da ciência. No conjunto das tendências contemporâneas, principalmente naquilo que se refere às ciências humanas, o conceito e a prática transdisciplinar têm se tornado uma abordagem importante. Nesse, contexto distintos aspectos poderiam ser introduzidos, mas a opção pela polinização e politização do conhecimento tornou-se um desafio para os segmentos educacionais. O ato de polinizar é compreendido por meio da palavra, e o ato de politizar, por sua vez, é entendido por meio da experiência. Na medida em que se estabelece uma energia propositiva entre essas duas dinâmicas, o conhecimento poderá ser um elemento essencial da condição humana e da dimensão social, potencializando a intencionalidade subjetiva e a potencialidade objetiva. Portanto, não são categorias opostas, mas complementares; não são princípios díspares, mas integrados; não são procedimentos opostos, mas conexões epistemológicas. São essas energias dialógicas que, ao estarem presentes no ambiente universitário, podem contribuir com um conhecimento significativo e sustentável.

Palavras-chave: conhecimento; polinização; politização; universidade; educação.


ABSTRACT

The knowledge is an essential attribute of the human condition and a fundamental aspect of the University, which is regarded nowadays as an appropriate institution for developing the many branches of science. Grouping all the contemporary trends, especially regarding human sciences, the transdisciplinary concept and practice has become an important approach. In this context, different aspects could be introduced, but the option for knowledge pollination and politicization has become a challenge for educational segments. The act of pollinating is understood by word and the act of politicizing, on the other hand, is understood by experience. Inasmuch as a purposeful energy between these two dynamics is established, knowledge may be an essential element of human condition and social dimension, enhancing the subjective intention and objective capability. Therefore, they are not opposed but complementary categories; they are not disparate principles, but integrated; procedures are not opposites, but epistemological connections. These dialogic energies, which are present in the university environment, can contribute for a significant and sustainable knowledge.

Keywords: knowledge; pollination; politicization; university; education.


RESUMEN

El conocimiento es un atributo esencial de la condición humana y un aspecto fundamental de la Universidad, considerada en los tiempos actuales, una institución pertinente para desarrollar los diversos campos de la ciencia. En el conjunto de las tendencias contemporáneas, principalmente en aquello que se refiere a las ciencias humanas, el concepto y la práctica transdisciplinar se ha hecho un abordaje importante. En este contexto distinguidos aspectos podrían ser introducidos, pero la opción por la polinización y politización del conocimiento se hizo un desafío para los segmentos educacionales. El acto de polinizar es comprendido por medio de la palabra y el acto de politizar, por su parte, es entendido por medio de la experiencia. En la medida en que se establece una proposicional energía entre estas dos dinámicas, el conocimiento puede ser un elemento esencial de la condición humana y la dimensión social, promoviendo la potencialidad subjetiva y objetiva. Por lo tanto, las categorías no son opuestos, sino complementarias; no son principios dispares, sino que están integrados; procedimientos que no son opuestos, pero son conexiones epistemológicas. Son estas energías dialógicas que están presentes en el ambiente universitario, y pueden contribuir con un conocimiento significativo y sostenible.

Palabras clave: conocimiento; polinización; politización; universidad; educación.


 

 

O objetivo deste trabalho é compreender a relação dialógica que pode se estabelecer entre o ato de polinizar e politizar, enfocando essa dinâmica no processo de criação e sistematização de conhecimentos no ambiente universitário. Essa possibilidade de fecundação e transformação está inserida, de modo particular, numa abordagem transdisciplinar, destacando-se a importância da palavra como processo de polinização e a experiência como procedimento de politização.

O conhecimento é um atributo importante da condição humana, um elemento necessário nas relações sociais, um aspecto essencial da construção civilizatória. No horizonte histórico da civilização humana podem ser destacadas, porém, algumas tendências que foram caracterizando o princípio e o processo epistemológico. No contexto atual, uma dessas abordagens é a transdisciplinaridade, que pode ser compreendida, segundo Mello, Barros e Sommerman, como "(...) uma teoria do conhecimento, uma compreensão de processos, um diálogo entre as diferentes áreas do saber e uma aventura do espírito" (2002, p. 9). Essa opção se justifica porque, segundo os autores, esse entendimento exige uma nova atitude pessoal, outra disposição intelectual, bem como uma diferenciada posição social e cultural, objetivando contribuir com a sustentabilidade do ser humano e da sociedade.

Essa proposição, de uma forma ou outra, está colaborando com o desenvolvimento epistemológico e pedagógico na atualidade. Porém, a contribuição fundamental, tanto para a ciência como para a educação, está sendo dada por Morin (2001; 2010; 2011; 2012). Com a finalidade de reconhecer a extraordinária contribuição à humanidade e homenagear Edgar Morin, a professora Maria Cândida Moraes (2012), em artigo sobre este "peregrino e educador planetário" tentou responder às seguintes perguntas: quem é esse sujeito mestiço, provocador, errante? Quem é esse peregrino atravessador de tantos desertos em busca do oásis da alma, do intelecto e do coração? Quem é esse artesão do conhecimento e humanista planetário?

Após percorrer a história desse peregrino, fazendo menção à ciência com consciência, complexidade e transdisciplinaridade, provisoriedade e finitude; bem como às dimensões da relação e religação, esperança e desesperança ou vida e morte, Moraes (2012, p. 48) afirma que ele é "(...) um humanista sem fronteiras, um intelectual brilhante que politiza e poliniza o conhecimento". Tendo, portanto, como referência esse argumento, construído em forma de prosa e poesia, está se propondo uma reflexão sobre a polinização e a politização do conhecimento.

A opção por esses enfoques e por tais teóricos reside no argumento de que é possível pensar num projeto educacional que reconheça o protagonismo dialogal do educador e do educando, que o processo pedagógico possa estar pautado numa dinâmica reflexiva e significativa, e que a finalidade educativa possa estar vinculada ao desenvolvimento pessoal e social.

Considerando, portanto, que a universidade constitui-se num ambiente privilegiado para exercer esta proposta, e tendo ciência de que a instituição de educação superior é depositária de uma polissemia conceitual e de uma multiplicidade de experiências, é oportuno sugerir que o conhecimento tenha como referência essa relação dialógica entre polinizar e politizar. Essas dimensões de fecundar e transformar serão compreendidas no contexto universitário, considerado um espaço específico para desenvolver o conhecimento, um lugar apropriado para o sentido e o significado dos saberes, bem como um ambiente adequado para formar para o exercício da cidadania e a transformação social.

 

UNIVERSIDADE COMO ESPAÇO DO CONHECIMENTO

A história das universidades veio acompanhando os movimentos mais significativos da sociedade, mas de modo preferencial, as dinâmicas emergentes da criação e sistematização do conhecimento. Num período de mudanças expressivas e no horizonte epistemológico das diversas ciências, é recomendável perceber como a teoria e a prática acadêmica também se sintonizam com essa transformação, porque de acordo com Morin, "(...) somos a síntese de toda a história do universo" (2012, p. 34). Nesse sentido, a universidade é uma síntese da história, mas procura construir uma relação social com parâmetros mais singulares e universais com base na socialização do conhecimento.

No contexto das ciências humanas, considerando o conjunto de possibilidades para desenvolver o conhecimento, uma delas é seguir a metodologia da transdisciplinaridade, compreender a realidade no horizonte da complexidade e acolher a multidimensionalidade de saberes como uma oportunidade inerente ao pressuposto epistemológico e pedagógico. Em concordância com essa tendência, Morin (2011, p. 28), ao definir a missão desse pensamento, propõe que "(...) busquemos os caminhos, caminhos improváveis, é verdade, mas possíveis, que permitirão caminhar na direção da metamorfose". Nesse caso, a metamorfose não é programável, nem se encontra terminada, mas é sempre um processo, uma busca, uma construção, que se torna uma das possíveis características das crises vivenciadas pela civilização contemporânea.

Diante desse desafio, é oportuno perceber que a humanidade sempre viveu e conviveu com as crises, embora algumas mais desafiadoras do que outras. Mas o momento atual, principalmente no Ocidente, está sendo marcado por uma crise civilizacional (Boff, 2012). Em parte, esse momento acrisolador se deve ao fato de a grande maioria dos grupos sociais e segmentos institucionais estar sendo afetada pelo individualismo, pelo racionalismo e pelo materialismo, características de um projeto globalizante. Essas situações, apesar de revelarem seus aspectos positivos, como o avanço da ciência, o aperfeiçoamento da técnica e o incremento das comunicações sociais, continuam fortalecendo um paradigma fragmentado, linear e quantitativo, criando cisões na própria individualidade, na sociabilidade e na ambientalidade.

Essa tendência tem como suporte inúmeros sustentáculos, mas a predominância do conhecimento pautado unicamente na racionalidade, o desenvolvimento exponencial das instrumentalidades tecnológicas e a acumulação da riqueza e do capital são algumas dessas potencialidades. Além disso, é possível indicar, também, a descrença nos estados de bem-estar social, a perda de credibilidade das instituições sociais e a desagregação cultural e ambiental, como alguns fatores que configuram o momento atual de crise.

A crise pode significar, no entanto, um momento de desafio, mas também de desespero; pode ser uma ocasião de retomada de alguns princípios, mas também de indiferença generalizada; pode ser um projeto de utopia, mas também de apatia. Dependendo do encaminhamento das condições existenciais e dos projetos institucionais, pode-se revelar uma tendência mais otimista, mas pode, também, manifestar-se por meio de uma disposição mais pessimista. Independente desta configuração é possível compreender que a humanidade sempre viveu, de alguma forma, alguma manifestação de crise.

A universidade, como uma instituição inerente a esse projeto histórico, principalmente a partir da Idade Média, também conviveu com a crise. Ela foi, no entanto, muito mais uma geradora de crises e não, como está acontecendo na realidade contemporânea, uma refém das crises, sejam elas econômicas, políticas ou culturais. Nesse sentido, historicamente é possível perceber que elas foram instituições provocadoras e promotoras de mudança, mas atualmente, segundo Síveres (2006), são em sua maioria depositárias e provedoras do status quo. Assim, mais do que entidades que poderiam promover a transformação social, são organismos dependentes dos programas e políticas das agências reguladoras.

Com base nessa constatação, é possível perceber o grau de afetamento da crise na universidade que pode ser, conforme Batalloso, tanto interna quanto externa. Segundo o autor, "(...) externa enquanto afeta as condições materiais de nossa existência e a vida no planeta, e interna porque se relaciona estreitamente com nossa natureza humana e nossa forma de construir conhecimento e sentido" (2012, p. 149). Nesse cenário, a educação superior desempenha uma função importante, seja para aprofundar ou para ressignificar, para conservar ou transformar esse processo acrisolador da condição humana e do projeto educacional. Isso é perceptível nas instituições que assumem as características culturais da região onde estão localizadas, acolhem a diversidade de saberes locais e potencializam projetos acadêmicos que potencializam o desenvolvimento sustentável.

Mas tendo por base a proposta de Morin (2012), a educação deveria ter por objetivo, também, um novo projeto civilizatório, principalmente na civilização ocidental que pautou seu processo epistemológico, de modo especial, na fragmentação, na disjunção e na disciplinarização, fatores que contribuíram com a imersão na crise civilizacional. Porém, se o desejo é constituir um novo projeto civilizatório é necessária uma metamorfose na maneira de atuar, de pensar e sentir, tendo como pressuposto a metodologia da transdisciplinaridade na qual, segundo Nicolescu (2000), estão contemplados os níveis de realidade, a complexidade e a lógica do terceiro incluído.

Tais categorias podem ser consideradas energias qualificadoras para potencializar uma nova proposta cultural, que esteja marcada pela dinâmica constante da mudança, da mutação e da metamorfose. Essa proposição está vinculada à sugestão de Morin (2012, p. 45), que afirma que "(...) a vida é um processo de regeneração permanente e acho que o pensamento, a política, enfim, tudo, precisa de reconstrução permanente. O que não se regenera se degenera". Tal disposição torna-se, portanto, muito mais compatível com um perfil universitário que, embora vivenciando uma crise civilizacional, possa contribuir com um novo projeto civilizatório.

Nesse contexto civilizatório, diversas categorias poderiam ser analisadas, mas no conjunto da temática abordada, é recomendável priorizar um novo projeto paradigmático. Com o objetivo de dar um novo significado a essa proposta, Morin (2001) adverte que os problemas epistemológicos não estão mais na ordem da quantidade e da dinâmica programática, mas são de natureza qualitativa e de processos paradigmáticos. Esse enfoque coloca no horizonte dos projetos pedagógicos, portanto, o significado e o sentido que se deseja dar ao conhecimento.

Esses direcionamentos são importantes e imprescindíveis, e como bem afirmou Miranda, no sentido de que a "prosa" é necessária para uma vivência e sobrevivência digna. Mas segundo o autor, "(...) para viver é preciso mais. É preciso poiesis. É preciso amor, poesia e sabedoria, que são complementares e faces do mesmo humanismo" (Miranda, 2011, p. 216). Conforme essa proposta, torna-se legítimo afirmar a importância do aspecto pragmático da vida pessoal e social, mas essa não pode se esgotar nessa disposição, necessitando energizar um outro paradigma civilizacional.

Com a possibilidade de passar de um modelo mais pragmático para um projeto paradigmático, é oportuno entender que a humanidade sempre se norteou com base em indicadores paradigmáticos, mas com Kuhn (1975) e Capra (1982/1999) o paradigma assumiu uma condição científica para compreender as profundas transformações que aconteciam no próprio campo do conhecimento. Percebeu-se, de forma imediata, a necessidade de passar, segundo Boff (2012), de um paradigma de dominação para um de transformação. Segundo esse autor, o paradigma transformador precisa, necessariamente, contemplar a complexidade, a interiorização e a interdependência, fatores que permitem o desenvolvimento de uma inteligência intelectual, espiritual e emocional.

Além de indicar para a possibilidade de uma nova proposta civilizacional e para outro projeto paradigmático, é necessário, ainda, ter consciência de que o pensamento é um elemento importante da ambiência universitária. Nesse contexto, é recomendado um pensamento que seja, segundo Moraes, "(...) complexo, transdisciplinar e ecologizante, capaz de religar o que precisa ser religado, de valorizar outros modos de conhecer a realidade, de integrar diferentes saberes, de reconhecer e trabalhar a muldimensionalidade humana" (2011, p. 224). O conjunto dessas premissas indica uma proposta complexa do pensamento, um programa multidimensional de saberes e um projeto transdisciplinar de conhecimentos. Tais aspectos podem, portanto, contribuir com outra forma de viver e conviver, pautados na lógica e dialógica da prosa e poesia, da racionalidade e espiritualidade, da técnica e ética.

Apesar de o pensamento pautado no conhecimento científico ser, segundo Santos (2004, p. 17), "(...) a forma oficialmente privilegiada de conhecimento", fato evidenciado numa dinâmica instrumental para potencializar a produção e o consumo, é oportuno compreendê-lo em uma ecologia política, econômica e cultural. A problemática maior, porém, pode ser percebida na medida em que essa racionalidade se transformou na instrumentalidade única para lidar com o pensamento. Por isso, é necessário ampliar, novamente a dimensão racional, contemplando, de acordo com Morin (2011), a racionalidade crítica, autocrítica, quente, degenerada, e poder-se-ia acrescentar, ainda, a racionalidade atitudinal, cordial e espiritual.

Tais atributos podem ser percebidos, ao menos em parte, em instituições que contemplam, nos seus projetos institucionais e pedagógicos, o protagonismo dos sujeitos acadêmicos, a implementação de projetos de pesquisa e extensão, e estão comprometidas com as finalidades da educação, que compreendem o pleno desenvolvimento do educando, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho.

Após formatar esse cenário, é possível sugerir que a universidade, como espaço para criar e sistematizar o conhecimento, mais do que uma entidade mecânica, deve ser considerada um sistema vivo (Capra, 2002/2005). Esse organismo, na medida em que tiver consciência de que pode contribuir com um novo processo civilizatório, que seu projeto pedagógico possa estar pautado num paradigma transformador e que sua atuação educativa possa desenvolver um pensamento complexo, pode transformar-se numa instituição comprometida com o desenvolvimento pessoal e social sustentável. Com o objetivo de projetar uma consciência para essas possibilidades é adequado apostar na polinização e na politização do conhecimento.

 

A POLINIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

O processo de polinização, com base nos conhecimentos biológicos, é um procedimento de fecundação que pode ser feito consigo mesmo (autobiótico), ser realizado por outros seres vivos, como as abelhas ou insetos (biótico), ou pode ser executado por fatores ambientais, como o vento ou a água (abiótico). A polinização compreende, portanto, um movimento de saída e chegada, de penetração e de acolhida, de encontro e fecundação.

Toda essa energia está direcionada para um projeto que gera e consolida a vida. Em conformidade com Arendt, a vita activa configura-se por meio do labor, do trabalho e da ação. Segundo a autora, "As três atividades e suas respectivas condições têm íntima relação com as condições mais gerais da existência humana: o nascimento e a morte, a natalidade e a mortalidade" (Arendt, 1958/1999, p. 16). Apesar das três atividades terem sua origem na natalidade, a ação tem uma relação intrínseca com ela porque é a atividade política por excelência, caracterizando, dessa forma, a natalidade como a categoria central do pensamento político.

Nesse direcionamento, uma das possibilidades para criar novos processos políticos ou novos projetos de vida são, de acordo com Almeida (2011), as crisálidas do pensamento complexo, compreendidas como uma rede de incubadoras de ideias nutridoras, inovadoras, criativas de um pensamento que estaria sempre em metamorfose, mas polinizando uma diversidade de sujeitos, ambientes e instituições. Conforme a autora as crisálidas seriam "(...) lugares de respiração das instituições, reservatórios de criatividade, incubadora de ideias, maquetes de uma sociedade-mundo mais diversa, mestiça, múltipla, plural" (2011, p. 57). Tendo como pressuposto essa sugestão, é possível afirmar que um desses espaços apropriados para constituir-se numa incubadora de ideias, pela sua razão de ser, deveria ser a universidade, seja pelo seu processo inovador, criativo e transformador da realidade.

De forma semelhante, a historicidade dos homens e seu caráter histórico devem ser compreendidos como uma contínua construção ou uma contínua polinização. Por causa dessa dinâmica, os homens são reconhecidos, segundo Freire, "(...) como seres que estão sendo, como seres inacabados, inconclusos, em e com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente inacabada" (1987, p. 72). Considerando, portanto, que tanto o homem como sua historicidade são inacabados, é aceitável reconhecer a importância da educação no sentido de fazer dos humanos e de sua história um projeto que entre nos desafios da realidade, mas que apontam sempre para um ser-mais e melhor, numa realidade sempre mais tópica e utópica.

Segundo Rosa (2001), as pessoas não estão sempre iguais, elas ainda não foram terminadas. Isso significa que os seres humanos estão sempre se fazendo, estão sempre num devir. Além disso, cada ação humana, segundo Castoriadis, "(...) cria novas possibilidades e, se for importante, novas formas de ser sócio-histórico" (2006, p. 230). Nesse sentido, não é propor uma mudança social pela mudança, mas com o objetivo de construir uma sociedade autônoma, democrática e justa, na qual possam viver e conviver seres humanos que, ao polinizar, estão construindo a história.

A polinização pode ser comparada, ainda, ao ato de semear. Semear e amar a vida, de acordo com Morin, "(...) é despender esforços inumeráveis, é produzir embriões sem número, mas, ao mesmo tempo, semear pode coincidir com amar-se, isto é, com o amor que transfigura dois seres e encontra sua finalidade em seu êxtase de comunhão" (2010, p. 69). Por isso, um dos aspectos importantes para que aconteça a polinização é esta disposição de estar aberto para receber o pólen, acolher a semente, abrigar-se no amor.

Tomando por base essa compreensão, é possível vincular esse procedimento ao mandato de que "(...) todo conhecimento e toda consciência nos mandam realizar e fazer florir: semear é amar-se" (Morin, 2010, p. 70). Nessa dinâmica de semear amando e amar semeando, estaria nascendo uma infinidade de possibilidades de fecundação e polinização do conhecimento.

Compreender a fertilização do conhecimento por meio de um ato de polinização exige um pensamento aberto para acolher a diversidade de saberes, sejam eles ancestrais, históricos, poéticos, científicos, espirituais. Essa diversidade extrapola uma cultura pautada somente nas coisas materiais e potencializa um processo cultural catalogado, segundo Brandão (2008, p. 46), "(...) em valores e significados que dão saber, sabor e sentido aos atos humanos de transformação de seu ambiente", caracterizando-os, cada vez mais, como seres naturais, culturais e espirituais. A fecundação, nesse caso, faz parte da cultura humana e provoca a humanidade a se direcionar para esses sentidos pessoais e históricos.

Vincular o processo de criação do conhecimento com um procedimento de polinização exige da universidade uma atitude de fecundação por meio da integração entre o pensamento e a ação, a razão e a emoção, a teoria e a prática. Essa disposição poderia contribuir, ainda, com processos históricos, com dinâmicas sociais, com sistemas políticos que pudessem ser, por sua vez, espaços específicos e apropriados de polinização.

Mas para que possa acontecer um processo de polinização é necessário disponibilizar uma energia capaz de fecundar o óvulo. Tal procedimento só é desencadeado na medida em que superarmos o conceito mecânico e percebermos as distintas energias que afloram num certo contexto sociocultural. Isso exige a superação de um procedimento conceitual e se fortalece um processo relacional, necessitando de uma energia que seja capaz de estabelecer novas fertilizações.

Na instituição universitária, a polinização do conhecimento pode ser feita de diversas maneiras, mas considerando as atividades do ensino, pesquisa e extensão, compreendidas de forma indissociável, está se propondo fecundar o processo educacional por meio do pólen da palavra. Segundo Heidegger (1999), a palavra seria a morada do ser, portanto, não uma palavra técnica ou científica, mas uma palavra criadora e poética, efetiva e afetiva, que se tornaria o habitat de todos os seres humanos. Nesse sentido, a palavra é um elemento constituinte da condição humana, principalmente quando se coloca na criação e difusão do conhecimento. Assim, a palavra é o pólen do humano para polinizar novos conhecimentos e para dar sentido àqueles que já circulam entre a humanidade.

A palavra percorreu, também, grandes paradigmas epistemológicos, embora com acentuações diferenciadas. Assim, na cosmologia mitológica, a palavra exerceu uma função explicativa; na concepção filosófica, a palavra se manifestou pelo caráter reflexivo; na postura teológica, a palavra assumiu a conotação de revelação; nas ciências modernas, a palavra assumiu a característica de comunicação. Essas categorias continuam influenciando o processo de construção do conhecimento, mas no espaço universitário, dentre inúmeras apropriações da palavra, poder-se-ia caracterizá-la pela relação social, pela dimensão dialogal e pela disposição aprendente.

Portanto, a palavra, como uma possibilidade de relacionamento, seja no espaço social ou no ambiente universitário, assume uma primeira atitude polinizadora. Nesse sentido, conforme Bakhtin (1929/1986, p. 37), "(...) a palavra é o modo mais puro e sensível de relação social". Com base nessa afirmação, a palavra é reveladora da própria subjetividade e intersubjetividade, isto é, faz parte da condição humana, de modo especial quando consegue estabelecer relações com os outros e ampliar o significado com o conjunto dos sistemas sociais.

Mas a palavra, ao mesmo tempo, pode ser um processo de desfiguração, principalmente quando o sujeito que a pronuncia deturpa o significado das coisas, fazendo delas um poder de dominação das condições humanas, ou assumindo uma condição infantil ou dogmática da realidade, bem como quando se instrumentaliza o conhecimento para instrumentalizar os sujeitos educativos e os processos educacionais. Com o objetivo de romper com esse modelo é necessário, portanto, recuperar a importância do sentido da palavra, buscando fertilizar os conhecimentos por meio de relações sociais mais autônomas e mais solidárias.

A segunda característica, a palavra como dimensão dialogal, identifica o próprio espaço universitário e o próprio processo de aprendizagem. No conjunto dessa proposta, Freire coloca a palavra no centro da compreensão pedagógica do diálogo. Segundo o autor, "(...) quando tentamos um adentramento no diálogo como fenômeno humano, se nos revela algo que já poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra" (Freire, 1987, p. 77). Nesse caso, a palavra é uma integração da ação e da reflexão que remete, necessariamente, para uma práxis, que na proposta do autor se revela na transformação do mundo.

O diálogo dos saberes só acontecerá se a sabedoria dialogar com outras formas de conhecimento. Assim, a palavra proporciona uma conversação com a diversidade de conhecimentos, ampliando a compreensão de mundo e aprofundando as razões de sua opção profissional. A palavra como diálogo proporciona inúmeras possibilidades de fecundação, mas se torna necessária no ambiente universitário pela convocação de uma causa ou pela manifestação de um desejo de mudança. A palavra, nesse caso, é compreendida como uma polinização geradora.

A palavra é, ainda, a dimensão central de uma disposição aprendente. Todos os sujeitos envolvidos com o conhecimento deveriam fazer do mesmo uma mediação de aprendizagem porque, de acordo com Brandão (2008, p. 64), "(...) somos seres da mente, da palavra, do símbolo e do significado, porque somos também seres do aprendizado". No contexto da aprendizagem, a palavra é um elemento essencial, principalmente quando é assumida como uma palavra explicitada, uma palavra refletida, uma palavra compreendida ou uma palavra comprometida com o processo pedagógico.

No ambiente universitário, diversos espaços podem se tornar lugares de fertilização de conhecimentos. Assim, além do "útero" da sala de aula, o laboratório, a biblioteca, os projetos de pesquisa e extensão, os espaços de arte e cultura, os movimentos sociais e políticos podem caracterizar-se como incubadoras de aprendizagem. A palavra é compreendida, nesse caso, como uma polinização aprendente.

Assim, a polinização como um processo fecundante do conhecimento, por meio de uma palavra socializadora, geradora e aprendente, pode contribuir com um procedimento de politização do conhecimento.

 

A POLITIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

A condição humana, segundo Arendt (1958/1999), é caracterizada por sua natureza política. Desde Aristóteles, compreende-se o ser humano como um zoon politikon, e tal entendimento leva a humanidade a ser considerada pelo caráter de sua identidade (idion) e de sua sociabilidade (koinon), caracterizando, assim, o bios politikos. Essa natureza política, segundo a autora, desenvolve-se pela vita activa, como visto anteriormente, principalmente no espaço da polis, isto é, na esfera pública, buscando construir o bem comum de todos, na qual a vida torna-se o bem supremo.

O espaço público é por excelência o ambiente da ação política procurando, segundo Baldin (2012, p. 249), "(...) um equilíbrio entre liberdade e responsabilidade individual e coletiva, entre prioridades econômicas e ambientais ou entre compromissos políticos e preservação do patrimônio cultural e natural". Percebe-se, portanto, que a atividade política abarca o conjunto das condições essenciais da vida humana em sociedade.

Por isso, de acordo com Castoriadis (2005/2006, p. 147), "(...) a atividade política é necessariamente coletiva". Com base nessa proposta, a ação política deve ser feita por todos os sujeitos e acontecer em todos os ambientes sociais, com características próprias de cada realidade subjetiva e objetiva da sociedade. Para isso, são necessárias, porém, uma atividade reflexiva e uma atitude apaixonante pela causa pública, buscando fortalecer essa dimensão social.

Mas conforme Castoriadis (2005/2006), sob o ponto de vista político as relações sociais se dão em torno de três esferas: a primeira é a esfera privada, identificada pela oikos (casa), onde se estabelecem e amadurecem, principalmente, as relações pessoais; a segunda é a esfera pública, definida como ekklesia (assembleia), na qual são tomadas as decisões que afetam a todos; e a esfera público-privada, compreendida como ágora (praça), lugar de encontro e de negociação. Essa proposta quer sinalizar para a importância dessas esferas atuarem de maneira conjugada, objetivando atender a todos os setores e a todas as necessidades da sociedade.

Na articulação desses espaços, distintos aspectos podem interagir, mas o pensamento é um elemento essencial, porque, de acordo com a proposta de Petraglia (2011, p. 253), o pensamento complexo "(...) propõe a conjugação da ciência com as culturas, as artes e a filosofia para a construção de uma política planetária que contemple uma educação comprometida com a formação de cidadãos planetários, éticos e mais felizes". No fundo, a autora está defendendo uma nova política civilizacional, pautada na ressignificação de valores, tais como a responsabilidade, a solidariedade e a ética, que podem indicar, por sua vez, para um mundo de esperança e de utopia.

Para efetivar uma nova política civilizatória, segundo Zoya e Gabriel (2011) é necessário estabelecer algumas prioridades, tais como reformar a ciência para que possa acontecer o vínculo entre o conhecimento e a política, reformar o conhecimento para superar a disjunção entre a ciência e a filosofia, reformar a educação para contemplar o exercício da cidadania, reformar o pensamento para compreender a multidimensionalidade de saberes, reformar a pesquisa para que a mesma possa, também, entender os problemas sociais da humanidade, reformar o Estado para que possa se desenvolver econômica, social e ecologicamente de maneira justa e sustentável, e reformar o modelo cultural para que possa contemplar uma estratégia político-cultural, capaz de dialogar com a diversidade das culturas.

Com o objetivo de abordar esses desafios, a educação pode exercer uma função importante e quando estiver vinculada aos processos de conhecimento, será cada vez mais significativa na medida em que estiver sendo, de forma integrada, segundo Freire "(...) um ato político, um compromisso ético e uma experiência estética" (2001, p. 117). Essas três categorias são de responsabilidade de todos os sujeitos acadêmicos e devem estar presentes em todos os processos pedagógicos. Portanto, quanto mais esses princípios estiverem integrados na comunidade acadêmica e no exercício da docência, da pesquisa e da extensão, tanto mais transparecerá o perfil da universidade como uma ambiência privilegiada de educação superior.

Por essa razão, a educação, segundo a perspectiva freiriana, nunca poderá ser neutra politicamente, porque "(...) todo e qualquer projeto pedagógico, ou proposta de educação, e todo e qualquer ato educativo são, fundamentalmente, uma ação política" (Zitkoski, 2006, p. 51). Essa ação é compreendida como uma tomada de consciência da realidade social, um posicionamento crítico em relação a um sistema que produz as desigualdades, bem como um comprometimento ético para a construção de uma sociedade humanizante que contemple relações humanizadoras.

Tal disposição exige do projeto educativo uma reflexão sobre a vida em sociedade, porque quanto mais a vida social sustentar seus projetos institucionais sobre a produção e o consumo, tanto mais será despolitizada sua conduta. Por essa razão, se a humanidade esgotar suas energias para produzir e consumir, o sistema liberal capitalista é um sistema recomendado, mas se ela deseja a liberdade, a justiça e a dignidade, é preciso ampliar ou multiplicar as oportunidades da própria condição humana por meio de um processo político compatível com esse desejo e essa necessidade.

No conjunto desse tecido social encontra-se a universidade, que se constitui, ao menos em parte, para ser esse espaço aberto e diversificado, bem como apropriado para acolher e desenvolver as distintas maneiras de construir e difundir o conhecimento. Nesse ambiente, é possível perceber o diálogo que se estabelece entre os saberes tradicionais e modernos, éticos e poéticos, populares e acadêmicos, simbólicos e racionais, espirituais e científicos, atitudinais e conceituais.

Na diversidade dessas manifestações, a vida política é comparada por Morin, com a vida amorosa, porque ambas só encontram um sentido nos momentos sublimes de comunhão, de fusão e de exultação. A ação política é diferente, neste caso, de uma simples ação física, porque se identifica muito mais com uma ação biológica, pelo fato de tanto para a biologia como para a política serem necessárias incontáveis tentativas para finalmente chegar a uma fecundação. Segundo o autor, a ação política precisa de "(...) veementes paixões repetidas, de ensaios/erros ininterruptos, até que um dia, por sorte, a fecundação possa ocorrer" (Morin, 2010, p. 69).

Para efetivar, portanto, a politização do conhecimento, diversos caminhos podem ser percorridos. Mas a exemplo da polinização, quando foi indicada a palavra como o pólen apropriado para gerar a fecundação, para a politização está sendo indicada a experiência. Na trajetória de construção do conhecimento, a experiência teve uma participação importante em quase todos os paradigmas epistemológicos, principalmente para indicar a apreensão da realidade pelos sentidos, para significar a experiência vivida, ou para possibilitar, segundo Bicudo, "a interpretação de si e do mundo histórico-cultural" (2011, p. 88).

Na sequência a esses aportes, a experiência pode ser compreendida, de acordo com Síveres, como "(...) uma dimensão essencial da condição humana porque faz parte da construção do projeto, do sentido e do valor da civilização" (2011, p. 43). A experiência, nesse caso, é entendida como a possibilidade de ampliar fronteiras, a oportunidade de alargar sistemas e a probabilidade de aumentar a compreensão de conceitos. Além disso, a experiência, com base na proposta de Bondía (2002, p. 21), é aquilo "(...) que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca". A experiência tem, com base nessas contribuições, uma abordagem pessoal e singular de afetamento, mas, também, um enfoque social e valorativo de comprometimento. A politização como experiência pode ser enfocada de diversas maneiras, mas para o aprofundamento dessa temática a problematização, a reflexão e a transformação são as categorias indicadas.

A politização como experiência caracteriza-se, portanto, como um ato de problematização da realidade, confirmando o enunciado de Baldin (2012, p. 237), que sugere que "(...) a apropriação crítica do conhecimento, no sentido da emancipação social e da afirmação, solidária e responsável, de um projeto e de um agir coletivo, constitui-se como o eixo central da construção do indivíduo como sujeito político". A centralidade do conhecimento, compreendido como um exercício político procura articular uma consciência crítica e criativa da realidade para superar, principalmente, uma compreensão ingênua, dogmática e alienada do projeto social. Nesse caso, a politização do conhecimento é uma atitude problematizadora da realidade social.

Na sequência ao procedimento problematizador, é necessário desenvolver a atitude política da reflexão. Nesse caso, pensar sobre a realidade e gerar conhecimentos tornam-se, segundo Cordão e Maldonato (2011, p. 92), "(...) um caminho ordinário e extraordinário. A didática não pode evitar o pensamento. Deve confrontar-se com ele sempre. Sem um pensamento verdadeiramente pensante não há ensino e aprendizagem eficazes". A atitude reflexiva busca, nesse sentido, superar um procedimento pautado, essencialmente, na memorização de informações, bem como procura aprofundar e ampliar os saberes para contribuir com um pensamento reflexivo. Assim, a politização do conhecimento é uma atitude reflexiva de um pensamento pensante.

Além de problematizar e refletir, a politização exige um empenho para a transformação social. Tal disposição reforça o argumento de que a vida em sociedade está sempre em movimento e está sempre em busca de melhores condições de vida para os cidadãos. Essa é uma característica essencial da condição humana e das disposições sociais, porque o conhecimento tem uma intencionalidade, e de acordo com Santos, (2012, p. 199), realiza-se "(...) através da emergência consequente de estratégias de intervenção do real, capazes não só de compreender os fenômenos do mundo social, mas também (e se possível) de promover a sua mudança estrutural e funcional". Nesse caso, a transformação está sinalizando para a utopia, para a esperança e para o desejo de dias melhores. Assim, a politização do conhecimento é uma atividade transformadora intencional da dimensão social.

A politização do conhecimento necessita, portanto, de uma abordagem pautada na experiência, que se consolida por meio da problematização, na reflexão e na transformação. A dimensão política procura, por meio dessas categorias, construir e dar sentido a um conhecimento que possa contribuir com a realização pessoal e a construção social, porque, além de ser uma opção pessoal, é uma atitude essencial das relações sociais, porque, em conformidade com Severino (2007, p. 194), "(...) todo agir é solidário no tecido histórico-social". Nesse direcionamento, a dignidade humana, além de fortalecer um posicionamento pessoal, torna-se uma exigência das relações sociais, e a politização do conhecimento é uma categoria essencial para desenvolver uma sociedade justa, responsável e solidária.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atitude pessoal e a atividade social são atributos de um único processo, bem como a polinização e politização caracterizam-se por momentos diferenciados do mesmo percurso. Na medida em que se estabelece uma energia propositiva entre essas duas dinâmicas, o conhecimento poderá ser um elemento essencial da condição humana e da dimensão social, potencializando a intencionalidade subjetiva e a potencialidade objetiva. Não são categorias opostas, mas complementares; não são princípios díspares, mas integrados; não são procedimentos opostos, mas conexões epistemológicas.

É preciso compreender, no entanto, a civilização contemporânea num contexto de mudanças profundas e velozes, de transformações pessoais e sociais, e de mutações epistemológicas e pedagógicas. Esse processo mutacional tem como pressuposto, por um lado, um paradigma pautado no movimento mecânico, na energia da linearidade e na disposição disciplinar, e, por outro, um paradigma mais sistêmico, pautado num movimento orgânico, numa energia mutável e numa disposição transdisciplinar.

As organizações sociais também são afetadas por esses movimentos, e segundo Capra (2002/2005), tais organismos podem ser compreendidos tanto como uma máquina ou como um ser vivo. O princípio mecânico está voltado para o controle e a eficiência, e o organismo vivo para o desenvolvimento e adaptação. A máquina pode ser controlada de fora, mas o ser vivo influencia por meio de impulsos. A máquina exige energia, e o ser vivo precisa de significados. A máquina tem um dinamismo controlado, e o ser vivo precisa permanecer aberto às dinâmicas essenciais e existenciais.

Com base nessa formulação, existem, também, maneiras de compreender as organizações sociais. A universidade faz parte dessa dinâmica, e de sua opção dependem os procedimentos de gestão e as estratégias pedagógicas, podendo se revelar, portanto, mais mecânicos ou mais sistêmicos. Em consequência a essa disposição acadêmica, o processo de construção do conhecimento navega, também, por entre pressupostos pedagógicos disciplinares e por princípios epistemológicos inter/multi/transdisciplinares. Em decorrência a esse desafio, o projeto pedagógico, como um elemento inerente às instituições educacionais, também é influenciado por essa compreensão, podendo ser mais simplificado ou mais complexo.

O conhecimento exige, por sua vez, uma complementaridade dessas abordagens, isto é, uma dialogicidade entre a polinização e politização. Tal atributo é recomendável porque se torna necessário, conforme Morin, "(...) formular o princípio espermático da ação política" (2010, p. 69). Com o objetivo de contribuir com essa atitude e essa atividade, o conhecimento precisa ter subjetividade e responsabilidade, precisa ter intencionalidade e aplicabilidade, precisa ter fertilidade e politicidade. O conhecimento necessita, dessa maneira, de uma criatividade epistemológica e precisa inovar na sociedade com o objetivo de ser uma instância crítica e criativa para promover uma ação transformadora na história.

Tais considerações são necessárias e importantes, mas se compreendemos o conhecimento como um atributo da condição humana e que o mesmo pode ser gestado e estruturado nas universidades, é recomendável fortalecer um processo mais dinâmico e orgânico que tenha como princípio a polinização e a politização do próprio conhecimento. Tal sugestão é fundamental porque a palavra e a experiência, o conceito e a atitude, a teoria e a prática são características do mesmo processo de construção e organização do conhecimento.

Enfim, polinizar e politizar, fecundar e produzir, reproduzir e transformar, são energias dialógicas que deveriam estar presentes no ambiente universitário, constituindo-se, por sua vez, em categorias dialogais por meio da palavra e da experiência, da inovação e da partilha, da informação e da sabedoria. Assim, cada um de nós poderia se tornar um humanista sem fronteiras, que politiza e poliniza o conhecimento.

 

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