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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.37 São Paulo dez. 2013

 

ARTIGOS

 

Coordenação pedagógica e formação de professores: caminhos de emancipação ou dependência profissional

 

Pedagogical coordination and continuing teacher training: ways to professional emancipation or dependence

 

Coordinación y formación continua de docentes: alternativas para la emancipación o dependencia profesional

 

 

Maria Joselma do Nascimento FrancoI; Leiliane da Silva Micena GonçalvesII

IUniversidade Federal de Pernambuco. Professora do Núcleo de Formação Docente - NFD e do programa de Pós-graduação em Educação PPGEDUC - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. mariajoselmadonascimentofranco@gmail.com
IIRede Privada de Ensino. Professora da Rede Privada de Ensino - Caruaru - PE

 

 


RESUMO

A pesquisa tem como objeto a atuação do coordenador pedagógico diante da formação continuada dos professores. Toma como problema: a partir de que perspectiva o coordenador pedagógico desenvolve a formação continuada dos professores do Ensino Fundamental: de uma perspectiva emancipatória ou da dependência? Os resultados apontam para uma coordenação pedagógica com traços de dependência, inclusive do poder político local. A formação não aparece como atribuição explícita do coordenador pedagógico, contrariando a literatura. A formação que esses coordenadores fazem está ligada aos programas desenvolvidos na Secretaria Municipal de Educação, a saber: IQE (Instituto Qualidade no Ensino) e IAB (Instituto Alfa e Beto). Esta é uma contradição que não contempla as necessidades da escola, o que aponta para uma formação marcada pela dependência.

Palavras-chave: formação continuada; coordenação pedagógica; emancipação; dependência.


ABSTRACT

The research aims at the role of pedagogical coordinator with regard to the continuing teacher training. Takes as a problem: from what perspective the pedagogical coordinator develops continuing teacher training of elementary school teachers: the perspective of emancipation or dependence? The results point to a pedagogical coordination with dependence features, including the local political power. Contrary to the literature, the training does not appear to be an explicit assignment of the pedagogical coordinator. The training these coordinators do is linked to programs experienced at a Municipal Education Bureau, namely: IQE (Instituto Qualidade no Ensino) and IAB (Instituto Alfa e Beto). This is a contradiction which does not considers the needs of the school, which points to a formation characterized by dependence.

Keywords: continuing teacher training; pedagogical coordination; emancipation; dependence.


RESUMEN

La investigación se centra en el papel del coordinador pedagógico con respecto a la formación continua de los docentes. El problema de la investigación es: desde qué perspectiva el coordinador pedagógico desarrolla la formación continua de los profesores de primaria: de una perspectiva de emancipación o dependencia? Los resultados apuntan a una coordinación pedagógica con los rastros de la dependencia, entre ellos el poder político local. La formación no aparece como función explícita del coordinador pedagógico, contrariando la literatura. La formación que estos coordinadores ofrecen está ligada a los programas desarrollados en la Secretaría Municipal de Educación, a saber: IQE (Instituto Qualidade no Ensino) y IAB (Instituto Alfa e Beto). Esto es una contradicción que no aborda las necesidades de la escuela, lo que apunta a una formación caracterizada por la dependencia.

Palabras clave: formación continua; coordinador pedagógico; emancipación; dependencia.


 

 

A inquietação para pesquisar a formação continuada dos professores, no âmbito escolar, se deu pelo trabalho na coordenação pedagógica e pela percepção do que o cotidiano exige do coordenador pedagógico educacional, no desenvolvimento de ações que atendam às demandas, por meios que auxiliem a prática educativa, minimizando, assim, os anseios e as dificuldades vividos pelos professores em sala de aula. Pressupondo que, isoladamente, o professor não conseguirá dar conta de todos os acontecimentos que perpassam o ambiente escolar, cabe ao coordenador pedagógico reunir, discutir e articular, com o conjunto dos professores, possíveis alternativas, levando em consideração a experiência dos docentes, como também contribuindo, através do exercício da reflexão, no acompanhamento das ações didáticas, em coerência com o projeto pedagógico, além da articulação em relação aos pais, alunos, educadores e comunidade escolar.

As mudanças que ocorrem na sociedade não deixam de fomentar demandas para a área educacional, pondo os professores na condição de busca de alternativas para superação das contínuas demandas. Esse cenário exige uma posição da escola e, consequentemente, dos professores no direcionamento de suas ações. E, para lidar com esse cenário na escola, tem-se, na linha de frente das ações, o coordenador pedagógico educacional. É nessa direção que ele é entendido como o profissional na escola que é também responsável pela formação continuada dos professores.

Na contemporaneidade, é exigido cada vez mais do professor o conhecimento das novas tecnologias, a necessidade de trabalhar a partir dos conhecimentos prévios dos alunos, a busca de novas metodologias para abranger o maior número de alunos com interesse, evitando, consequentemente, dificuldades. Entende-se que o coordenador pedagógico tem papel fundamental no suporte aos professores para desencadear as possíveis inovações necessárias à prática dos docentes. Desse ponto de vista, encontra-se a necessidade de formação continuada no contexto escolar, desenvolvida pela coordenação pedagógica. "Isso significa dizer que, sob essa perspectiva, o processo de formação está vinculado à prática, à sua observação e à sua avaliação. É a partir delas, e para responder a suas demandas, que coordenadores e professores discutem, analisam e planejam" (Clementi, 2001, p. 57).

Ao direcionar a reflexão para a ação do coordenador pedagógico, não se pode esquecer de que muitos deles vêm de cursos de licenciatura que nem sempre preparam profissionais para atuar nessa perspectiva pedagógica, ficando a organização das ações a cargo dos próprios coordenadores pedagógicos. Em alguns casos, esses se especializam através de cursos oferecidos pelas secretarias dos municípios, que nem sempre abordam especificidades da atuação do profissional pedagogo, na função de coordenador pedagógico, com foco na formação continuada. Como salienta:

Cada vez mais fica explicitada a necessidade de os profissionais se aprofundarem e estudarem para desenvolver um trabalho consciente e responsável. Constata-se, no entanto, que a formação continuada deles está dependendo muito mais de uma mobilização pessoal do que um investimento por partes das escolas. No caso da rede pública, o coordenador assume seu cargo mediante concurso, sendo que, na rede estadual, ele não precisa necessariamente ser pedagogo. Na rede particular, normalmente esse cargo é assumido devido à competência do profissional, avaliada de acordo com critérios de cada escola, e não necessariamente relacionado à existência do diploma específico. Isso revela que a formação inicial do coordenador (talvez por sua precariedade) não influi na escolha do profissional feita pelas escolas. (Clementi, 2001, p. 63)

Quando o autor afirma que a formação continuada dos professores depende de uma iniciativa pessoal, considera-se que a gestão de uma rede de ensino, que compreende a complexidade do processo educativo na contemporaneidade, toma a iniciativa de criar políticas de formação continuada para os professores, a partir da escola, tendo o coordenador pedagógico como o profissional que articula a relação entre os fenômenos ocorridos na realidade e as demandas necessárias para superá-los. Essa situação exige um movimento de ação-reflexão-ação contínuo. Embora a autora acima situe a existência do coordenador pedagógico a partir do concurso público, no cenário em estudo esta não é a nossa realidade.

Diante do que está posto, compreende-se que possíveis ações desencadeadas pelos coordenadores pedagógicos para a formação continuada de professores vêm das demandas educacionais, pois o coordenador pedagógico auxilia os professores nas suas práticas, articulando as necessidades que emergem do cotidiano escolar, fazendo com que as principais dificuldades sejam tratadas, fomentando assim ações sistemáticas na formação de professores. Para tratar de como tem se desenvolvido a formação continuada dos professores, entende-se que:

As discussões sobre a formação docente, entretanto, vêm sendo feitas, via de regra, em torno de dois contextos: o dos cursos de formação e o de atualização permanente. O primeiro, entendido no âmbito dos currículos oferecidos pelos diferentes cursos; o segundo, entendido duplamente no âmbito do aumento de escolaridade, por intermédio de outros cursos (extensão, especialização, atualização, mestrado, doutorado) e/ou no âmbito de políticas de atualização em serviço, por intermédio de ações promovidas pelas diferentes secretarias de Educação (municipal e estadual). Muitos esforços, muitos profissionais envolvidos, muito financiamento, mas... de resultados nem sempre avaliados de forma positiva por seus idealizadores, realizadores e participantes. (Azevedo & Alves, 2004, p. 8).

As autoras situam a formação continuada no âmbito da formação realizada pelas instituições de Ensino Superior e aquelas desenvolvidas no âmbito das secretarias municipais e estaduais de Educação. Ressaltam ainda que nem sempre a avaliação dessas secretarias é positiva, por parte dos realizadores e participantes, o que mais uma vez aponta para a necessidade de fomentar a formação a partir da escola.

Segundo Orsolon (2002), há a necessidade de, através do projeto político-pedagógico, possibilitar ao professor meios para que o mesmo possa refletir sobre sua própria prática educativa, problematizando o cotidiano, questionando, transformando o ambiente e sendo transformado. Mas, devido a inúmeras atividades desempenhadas pelos coordenadores pedagógicos, o planejamento e a execução da formação continuada acabam sendo transferidos para as "capacitações" realizadas pelas secretarias de Educação, que acontecem esporadicamente, em sua maioria, não passando de treinamentos ou técnicas para o desenvolvimento de algum projeto.

Poucos se dão conta de outro contexto de formação que, por isso, acaba sendo desconsiderado e, consequentemente, desqualificado: a prática docente que se gesta no cotidiano escolar. É nesse contexto - o do cotidiano escolar - que são formados os docentes. Nele se aprende a ser professor sendo professor. Nessa materialidade - eu, turma, conteúdos escolares, tempos escolares, burocracia escolar, cursos de formação, políticas educacionais (nacional, regional, local) - nossas redes vão sendo fortemente confrontadas, esgarçadas e refeitas, continuamente. "(...) Outras, às vezes de forma ruidosa, em seus diferentes graus - do simples ruído à turbulência; do que se considera facilmente enfrentável ao que nos abala e nos desequilibra" (Azevedo & Alves, 2004, p. 10).

É nesse ambiente de turbulência que se aprende como os encaminhamentos, as reflexões e as providências que se tomam acontecem. É nesse ambiente que, por vezes nos abala e desequilibra, que o professor precisa de alguém que possa ajudá-lo na tomada de decisões, ou mesmo nas reflexões oriundas das mesmas, sendo o coordenador pedagógico aquele que está mais próximo e orienta o desenvolvimento desse trabalho. As "capacitações" realizadas nas redes são importantes, porém são direcionadas para a execução de programas de correção de fluxo (Se liga, Acelera, Travessia, entre outros), não abordando os conflitos e as contradições que acontecem no cotidiano escolar.

No Brasil, a capacitação pode ocorrer de forma individualizada, com aprimoramento profissional do indivíduo, ou colaborativa, envolvendo a capacitação tanto de professores quanto de gestores (Serpa & Lopes, 2011). A formação contínua não pode ser focada apenas em um único modelo, a fim de que ocorra uma formação de fato articulada às demandas educacionais.

Compreende-se que a formação inicial do professor começa na universidade, e a continuidade vem através da formação continuada, no espaço de atuação profissional do professor, que é a escola. Logo, percebe-se a real necessidade de as formações serem realizadas na própria escola, tomando como ponto de partida os principais problemas daquela realidade. Com isso, há necessidade de o coordenador pedagógico ser o agente direcionador da formação, já que seu trabalho precisa se desenvolver na busca de caminhos que solucionem/minimizem as dificuldades presentes na escola em conjunto com os demais atores sociais, na busca de uma educação transformadora/emancipatória, visando sempre o aprendizado do educando. Nesse sentido, é da competência do coordenador pedagógico a busca por um ensino de qualidade para os alunos, direcionando ações para a integração do ensino e da aprendizagem, tomando como base a formação continuada dos professores. Pois é através da formação continuada que os professores podem aprimorar suas práticas, buscando soluções para problemas que ocorrem no cotidiano escolar, tendo em vista que apenas a formação inicial não é suficiente para administrar a complexidade do cotidiano escolar. É necessário que a relação entre coordenação pedagógica e os docentes seja de sincronicidade, assim concebida:

Chamo sincronicidade do educador a ocorrência crítica de componentes políticos, humanos-interacionais e técnicos, que se traduz em sua ação, ocorrência essa que gera movimento que é ação de e entre professor-aluno-realidade. Esse movimento engendra novas compreensões da totalidade do fenômeno educativo, no qual há reestruturação contínua e consciente em todos, em cada um e na relação entre esses componentes, na medida em que se define e redefine um projeto pedagógico coletivo. (Placco, 1994, p.18)

É a partir dessa sincronia que o coordenador pedagógico pode promover transformações no espaço escolar, propondo o planejamento, acompanhando sua execução, observando os acontecimentos de uma sala de aula, com a intenção de discutir e buscar maneiras de auxiliar o professor a refletir sobre sua própria prática, mas tendo o cuidado na condução dessa reflexão para não se tornar invasivo, desrespeitoso com o outro.

Para que um trabalho de fato se consolide na perspectiva da emancipação é essencial a articulação da equipe, identificando o que é necessário ser repensado para que o ensino e a aprendizagem sejam garantidos. Tomando como foco a formação continuada dos professores, é essencial que ela seja pensada no meio em que a prática docente acontece, através de discussões e reflexões em torno do ambiente escolar vivido. É a partir do levantamento de problemáticas e debates que os professores conseguem compreender melhor fatos ocorridos, que, muitas vezes, passam despercebidos, tendo uma participação efetiva durante todo o processo de formação continuada na perspectiva da emancipação.

É nesse sentido que o papel do coordenador pedagógico, como principal formador do professor em serviço, se faz necessário, pois conhece a escola, os sujeitos e seus principais dilemas. No entanto, na rotina dos coordenadores pedagógicos, as funções de auxiliar professores em projetos, atender aos pais e alunos, resolver problemas de indisciplina, fazer e orientar planejamentos e substituir professores são algumas das principais atividades desenvolvidas por eles. Essas funções, assumidas de forma assistemática, dificultam um plano de ação para a formação continuada dos professores, caso o coordenador não o tenha como objeto de seu trabalho planejado. Outro ponto importante é a formação inicial desses coordenadores que, nem sempre, em sua graduação, são preparados para atuar nessa área, dificultando assim um melhor entendimento e conhecimento de seu papel no âmbito escolar.

Assim, questiona-se: a partir de que perspectiva o coordenador pedagógico desenvolve as ações de formação continuada dos professores do ensino fundamental I? De uma perspectiva emancipadora ou de uma perspectiva de dependência?

Diante do exposto, como objetivos específicos tem-se: averiguar se o coordenador pedagógico tem algum tipo de formação continuada, na rede pública de que participa, que tenha como foco a formação continuada dos professores; caracterizar a população estudada, analisando se, nas funções que lhe são atribuídas, a formação continuada dos professores é uma de suas atribuições; e analisar na atuação dos coordenadores pedagógicos se há ações de formação continuada, e se houver, procurar saber se a concepção é marcada pela emancipação ou pela dependência.

 

MÉTODO

O interesse em estudar como a coordenação pedagógica realiza a formação continuada se deu por perceber a fragilidade de ações voltadas para a formação continuada dos professores na escola, tendo como formador o próprio coordenador pedagógico. Essa pesquisa foi desenvolvida a partir da abordagem qualitativa de pesquisa, que preza pela qualidade dos dados, explicando-os, interpretando-os e confrontando-os. Nessa direção, André afirma que a pesquisa qualitativa

(...) se contrapõe ao esquema quantitativista de pesquisa (que divide realidade em unidades passíveis de mensuração, estudando-as isoladamente), defendendo uma visão holística dos fenômenos, isto é que leve em conta todos os componentes de uma situação em suas interações e influências recíprocas. (André, 1995, p. 17)

Na coleta de dados, a pesquisa qualitativa tem a característica de utilizar vários tipos de instrumentos para sua validação. Dentre os instrumentos disponíveis, foi utilizada a entrevista semiestruturada, obtida através do contato direto do pesquisador com o campo estudado, e a análise documental.

A pesquisa se desenvolveu num município de PE, na rede pública municipal, com três coordenadores pedagógicos formados em Pedagogia, com pós-graduação lato sensu em Gestão e Coordenação Pedagógica. O critério de alocação dos coordenadores pedagógicos na rede desse município é a indicação, que na maioria das vezes, é política e sem exigir que o coordenador tenha experiência em sala de aula. Participaram coordenadores do ensino fundamental I de escolas que acolhem os estudantes da universidade nos estágios, e que se dispuseram a participar. Antes de se iniciar a coleta de dados, assegurou-se o compromisso entre pesquisadores e participantes a partir do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os procedimentos para levantar os dados foram a entrevista e a análise de documentos. Os eixos focalizados na coleta de dados foram: i) Atribuições dos coordenadores pedagógicos; ii) Atuação do coordenador pedagógico na perspectiva da ajuda/auxílio aos professores em relação às demandas dos alunos; iii) Em relação à formação continuada na SME, se tem como um dos focos a formação dos professores na perspectiva da emancipação ou da dependência. Esses aspectos foram expressos nas questões da entrevista, que foi semiestruturada. São elas: 1) Quais as atribuições de um coordenador pedagógico na escola? 1.1. Do ponto de vista legal, a formação continuada dos professores é uma das atribuições? 2) Sua atuação, como coordenador pedagógico, ajuda os professores na perspectiva das necessidades dos alunos? Exemplifique. 3. Qual o foco da formação continuada desenvolvida pela Secretaria Municipal de Educação? 3.1. Que conteúdos são tratados para atuar com os professores? 4.Que contribuições apresenta a formação continuada oferecida pela SME ao coordenador pedagógico, que ajude os professores a ir além das atividades da escola?

As entrevistas foram realizadas individualmente, em duas escolas de ensino fundamental I, nas quais atuavam os coordenadores pedagógicos participantes da presente pesquisa.Para a análise dos dados coletados, utiliza-se a análise de conteúdo. Segundo Franco, "o ponto de partida de análise de conteúdo é a mensagem, seja ela verbal (oral ou escrita), gestual, silenciosa, figurativa, documental ou diretamente provocada. Necessariamente, ela expressa um significado e um sentido" (2008, p. 19). Com isso atende-se à proposição da presente pesquisa.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Retoma-se a questão da pesquisa: a partir de que perspectiva o coordenador pedagógico desenvolve as ações de formação continuada dos professores: de uma perspectiva emancipadora ou de uma perspectiva de dependência? Nesse sentido, buscou-se investigar se as ações desenvolvidas pelos coordenadores pedagógicos para a formação continuada se caracterizavam na perspectiva da emancipação ou dependência.

Procurou-se, ainda, caracterizar a população estudada, analisar se nas funções atribuídas aos coordenadores pedagógicos a formação continuada é uma delas, além de averiguar o tipo de formação do coordenador pedagógico, que foque a formação continuada dos professores. Os sujeitos envolvidos na pesquisa foram três coordenadores pedagógicos, os quais, para preservar sua identidade, serão chamados de C1, C2 e C3.

 

CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO ESTUDADA

Na caracterização da população, os sujeitos participantes são coordenadores pedagógicos, fizeram sua formação inicial numa instituição privada de ensino num município de Pernambuco, todos graduados no curso de Pedagogia, entre os anos de 2000 a 2004. Com relação à especialização, conforme previsto na LDB 9.394/96:

Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós - graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional. (Brasil, 1996)

Os três sujeitos realizaram especialização em Gestão e Coordenação Pedagógica, como também participaram e participam de cursos oferecidos pela Secretaria de Educação. No que se refere ao critério de escolha para atuar como coordenador pedagógico na rede municipal, todos os sujeitos afirmam ter realizado uma entrevista na secretaria de educação; e C3 complementa, afirmando ter sido indicado por conhecidos.

Mesmo tendo identificado a sutileza explicitada pelos coordenadores pedagógicos para assumir sua função, sabe-se que passaram por "indicação política", para assumir suas posições, ou seja, estão nas funções através de algum representante político da comunidade. Essa é uma forma de manter, em contrapartida, a garantia de seus futuros cabos eleitorais, o que caracteriza a efetivação da troca de favores ou favorecimento político. Essa permissividade do poder público, no favorecimento político, pode contribuir para o distanciamento cada vez maior da função e interferir na qualidade dos trabalhos do coordenador pedagógico.

As ações formativas como uma atribuição do coordenador pedagógico

As mudanças que acontecem na política, na tecnologia e na estrutura do próprio currículo escolar estão integradas entre si, bem como as demandas educativas. Na busca pela identificação de onde se encontram os registros sobre as atribuições do coordenador pedagógico, localiza-se o único documento na rede pública municipal que as expressa, a saber: o plano de cargo e carreira. O mesmo foi elaborado pela Secretaria Municipal de Educação há dez anos e ainda não passou por atualização. No que se refere às atribuições propostas, visando à formação continuada como uma das atribuições do coordenador pedagógico, no documento destacam-se:

II. Acompanhar as aulas dos professores, como ouvinte, sem interferir na exposição do conteúdo disciplinar, a fim de detectar possíveis falhas no processo de ensino-aprendizagem.

III. Registrar em fichas técnicas as deficiências, visando apoiar o professor nas ações que objetivam um maior e melhor rendimento escolar dos alunos. (PCC, setembro, 2002)

Como se percebe nas atribuições acima citadas, dependendo do olhar, o coordenador pedagógico poderá propor de fato uma formação continuada baseada na reflexão, a partir das necessidades reais da prática docente realizada em sala de aula, articulando uma troca de experiências no coletivo que ajude na condução da emancipação dos professores, criando um ambiente pedagógico de participação ativa.

Indaga-se como os coordenadores pedagógicos percebem seu trabalho no auxílio aos professores, com relação às demandas dos discentes. Constata-se que todos os sujeitos declararam oferecer um suporte pedagógico, deixando evidente a importância desse auxílio, como se pode perceber no depoimento de um deles:

A gente vai pra sala de aula, até porque a gente faz aquele acompanhamento de assistir aula, então aí, se identificam os problemas que tem dentro da sala, então quando é um problema de indisciplina a gente tira o aluno, conversa, vai lá e mostra que o professor precisa ser respeitado, tudo que eles precisam aprender num trabalho bem entrelaçado supervisor, professor e até mesmo a gestão da escola. (C2, E1, maio 2012)

O depoimento acima aponta para uma perspectiva integrada de trabalho, entre o coordenador pedagógico, o professor e a gestão escolar, procurando reafirmar para os alunos a necessidade do respeito na relação pedagógica. Assim, a coordenação pedagógica busca meios, alternativas, possibilidades e maneiras de auxiliar os professores nas demandas com os discentes. Ela atua como mediadora entre o professor, o aluno e o processo educativo, contribuindo para sua emancipação e evidenciando as principais necessidades do contexto em que está inserida, ainda que não explicite a importância dessa contribuição.

Muitos coordenadores, reconhecendo a importância de discutir com o professor suas ações com os alunos, julgam necessário conhecer como ocorrem, nas salas de aulas, as relações de ensino e aprendizagem, principalmente no que se refere ao modo como o professor encaminha a interação da criança com o conhecimento. A prática de assistir às aulas permite ao coordenador o reconhecimento das mudanças pelas quais passam ou não o professor e o aluno. Estar em sala de aula, observando seu cotidiano, parece ser uma de suas atividades fundamentais. (Clementi, 2001, p. 57)

Porém, nem sempre esse tempo é disponibilizado devido às diversas atividades que são conferidas aos coordenadores pedagógicos. No entanto, toda atividade precisa de planejamento; logo, o coordenador pedagógico precisa organizar seu tempo para dar conta de todas as suas atribuições. Logo, percebe-se a importância de estar em sala de aula acompanhando o desenvolvimento e observando as principais necessidades que emergem do cotidiano escolar, buscando auxiliar os professores numa prática educativa que se revele na aprendizagem dos alunos.

Neste sentido, observa-se a colocação do coordenador pedagógico C3 da escola E2, que afirma: "É fundamental o auxílio da coordenação ao professor no sentido de mediar, facilitar e aprimorar o ensino-aprendizagem, pois sabe-se que hoje em dia os discentes precisam da ajuda da coordenação e outros professores" (E2, maio 2012).

Compreende-se que a coordenação tem um papel fundamental nas duas instituições em relação ao apoio necessário ao professor, destacando o acompanhamento das aulas, resolvendo problemas do dia a dia e buscando reflexões e discussões que propiciem um ambiente saudável em sala de aula. Porém, essa tarefa não é tão simples, devido às inúmeras atividades do espaço escolar; e os coordenadores pedagógicos nem sempre dispõem de tempo necessário para realizá-las. No entanto, encontram-se ações formativas desenvolvidas pelos coordenadores pedagógicos junto aos professores, em encontros mensais, observações em sala de aula e troca de experiências que contribuíram diretamente na prática educativa.

 

A FORMAÇÃO CONTINUADA DOS COORDENADORES E O FOCO NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES

Teve-se como preocupação saber como é realizada a formação continuada oferecida pela Secretaria Municipal de Educação para o coordenador pedagógico, qual seu principal foco e como os coordenadores pedagógicos são preparados para formar os professores. Ao questionar os coordenadores pedagógicos em relação ao foco e ao conteúdo da formação recebida pela Secretaria Municipal de Educação para atuar com os professores, identifica-se, nos depoimentos, a preocupação em preparar os professores para a execução dos programas trabalhados no IQE e no IAB, que têm implicações na aprendizagem dos alunos. Um coordenador disse: "(...) o foco é o ensino aprendizagem do programa IQE para sua execução em sala de aula" (C3, maio 2012).

A partir da resposta, percebe-se que as formações oferecidas pelos coordenadores concentram-se no suporte que esses devem oferecer aos professores, em relação à execução dos programas da Secretaria. E, assim, deixam a desejar com relação a uma formação voltada para as peculiaridades das questões pedagógicas que acontecem no cotidiano escolar.

O importante é que as atividades de formação contínua e os agentes que as promovem não percam de vista o diferente posicionamento, quanto às finalidades e às motivações da formação em serviço, intimamente dependentes do tipo e contexto onde surgem ou, em última análise, do sentido que lhes imprime. (Ribeiro, 1997, p. 12)

Diante das contribuições do autor, identifica-se que as formações têm o foco e os conteúdos no aperfeiçoamento da execução dos programas. Não se pode negar sua importância e relevância para o aprendizado dos alunos, mas é importante destacar a necessidade de o coordenador pedagógico propiciar uma formação continuada, que contemple os demais elementos da realidade e do cotidiano escolar.

Em relação à repercussão da formação continuada recebida pela Secretaria de Educação para atuação como coordenador pedagógico, um dos sujeitos afirma:

Há um suporte para auxiliar os professores em sala de aula com relação ao projeto IQE, por exemplo. Porém não direciona para as necessidades fora dos conteúdos escolares. Aí, eu com minha experiência é que dou um apoio aos professores e algumas orientações para enfrentarem algumas situações do dia a dia. (C3, E2, maio 2012).

Os coordenadores pedagógicos afirmaram que a formação recebida é voltada para o suporte e a melhoria na execução dos programas trabalhados. Como se pode perceber, a formação recebida pelos coordenadores tem repercussões positivas, porém, no que diz respeito aos conteúdos não contemplados nos programas da Secretaria de Educação, os coordenadores pedagógicos, através dos seus saberes experienciais, dão apoio, orientando os professores no dia a dia.

(...) conceber a supervisão, centrada na formação dos professores, não implica o abandono das tarefas rotineiras, mas indica um rendimento do trabalho dos agentes, cuja atenção deverá voltar-se para os problemas que ocorrem na sala de aula, com os professores, e outras questões mais amplas que dizem respeito à escola e a seu exterior, tomando consciência das mudanças que se colocam para a educação. Significa pensar em agentes de supervisão bem preparados, atualizados e dinâmicos, sensíveis aos problemas internos dos professores e suas dificuldades, mas também e, sobretudo, preocupados com o destino dos alunos e com as responsabilidades da escola para com a comunidade. (Alonso, 2003, p. 178)

Embora a autora trate do supervisor, o coordenador pedagógico aqui tratado é o chamado "supervisor" em outros espaços; nesse sentido, o papel do coordenador pedagógico ganha um olhar muito mais amplo. É o que vem sendo desenvolvido no contexto da pesquisa, tomando por base o projeto pedagógico; esse proporciona um trabalho de assessoramento aos professores, que consiste: na reflexão e discussão das dificuldades do cotidiano, na troca de experiências, na articulação de um trabalho que valorize a equipe, que envolva a relação com pais, alunos e professores na busca do crescimento dos diferentes sujeitos educativos envolvidos no processo.

Os coordenadores pesquisados afirmam que, através dos encontros, são discutidas as principais dificuldades, reduzindo alguns problemas, como constata-se no depoimento a seguir: "Nós temos um encontro, uma vez por mês, e nesses encontros são expostas as dificuldades. Trabalha-se, tenta-se resolve-los principalmente cada um contando sua experiência do dia a dia" (C1, E1, maio 2012).

Percebe-se que, embora com um encontro de maneira esporádica, na tentativa de ajudar os professores, os coordenadores pedagógicos conseguem trabalhar a formação continuada, com o foco nos programas. No entanto, por iniciativa própria, conseguem abordar conteúdos que vão além dos programas da Secretaria de Educação, trabalhar com a troca de experiências e dilemas vividos, buscam solucionar ou minimizar problemas apresentados pelos docentes e possibilitam que todos expressem suas principais dificuldades e anseios.

Diante do exposto, embora a política de formação dos coordenadores não contemple as necessidades que emergem do cotidiano,

A valorização da presença do coordenador na escola passa pela necessidade de reconhecê-lo como educador em formação, uma vez que o processo educativo é dinâmico e necessita constantemente de debates amplos sobre seu fazer, para que possa, junto com seus pares, desenvolver novas reflexões sobre a área. (Clementi, 2001, p. 65)

A afirmação da autora nos faz compreender a importância dos coordenadores pedagógicos no processo de formação, pois seu conhecimento sobre o cotidiano escolar, como principal instigador do trabalho docente, dá suporte para buscar caminhos a serem percorridos, desenvolvendo reflexões sobre as práticas, com condições de fundamentá-las.

Por outro lado, quando se reflete sobre os cursos oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação para os coordenadores pedagógicos, observa-se que se dão no âmbito da "capacitação de técnicas", na execução dos programas, sem sinalizar sequer para os demais conteúdos e necessidades do cotidiano escolar.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do atual contexto em que se encontra a formação continuada dos coordenadores pedagógicos, presentes nas escolas públicas municipais de um município de Pernambuco, há indícios de que há a existência da "dependência" das capacitações aos programas. Porém, isso não os impede de arriscar algumas ações, de forma assistemática, de formação continuada com os professores, mesmo que de maneira esporádica. Constata-se, ainda, que os três coordenadores pedagógicos, sujeitos da pesquisa, são graduados em Pedagogia, com especialização em Gestão e Coordenação Pedagógica, conforme previsto na LDB 9.394/96. Suas contratações se deram por meio de indicação política para a Secretaria Municipal de Educação.

Conforme a análise documental, as atribuições dos coordenadores estão de acordo com o Plano de Cargos e Carreiras, porém, quando procura-se saber se nelas o coordenador pedagógico tem a função de "formador dos docentes", não encontra-se atribuições que pudessem assegurar ou deixar de maneira explícita a formação continuada em serviço como uma de suas atividades. Diante do exposto, identifica-se na documentação que trata das atribuições do coordenador pedagógico que essas estão restritas apenas ao Plano de Cargos e Carreiras (PCC), e, no seu conteúdo, não há a atribuição da formação continuada de professores, o que contraria a literatura e as discussões na área.

Identifica-se, ainda, que a formação continuada que os coordenadores pedagógicos recebem tem como base as capacitações oferecidas pela Secretaria de Educação. Essas são realizadas por profissionais da própria Secretaria ou técnicos dos programas e se desenvolvem no âmbito de formações para execução de programas, deixando a desejar uma formação que contemple os principais dilemas do cotidiano escolar. Entretanto, identifica-se que há vestígios de formação continuada, não orientada por órgãos externos, que emerge das necessidades nas duas instituições. Logo, ainda que de maneira esporádica, aleatória e assistemática, identifica-se nos depoimentos um ou outro encontro para tratar das dificuldades e os coordenadores pedagógicos com suas experiências contribuem para o trabalho dos docentes, buscando apoiá-los sempre que necessário.

Percebe-se, nessa perspectiva, que os coordenadores pedagógicos sujeitos da presente pesquisa procuram articular esses momentos com o propósito de ajudar a minimizar os principais dilemas no âmbito escolar. Embora entenda-se que, dentre as funções do coordenador pedagógico, uma delas seja a socialização das experiências, de maneira sistemática, de onde emergem as discussões que contribuirão para a construção de uma prática educativa que sane/minimize os anseios e as dificuldades encontradas no cotidiano escolar, contribuindo para o processo formativo dos sujeitos educativos participantes do processo, infelizmente essa não tem sido a tônica do trabalho formativo desenvolvido pelos coordenadores.

Diante do exposto, conclui-se que, embora haja vestígios de ações formativas assistemáticas, há indícios de que a formação continuada na rede pública municipal se caracteriza na perspectiva da dependência. Essa se dá a partir dos programas trabalhados, a saber, o IQE e o IAB, além do poder político local. A formação continuada não aparece como atribuição explícita do coordenador pedagógico, contrariando a literatura e as necessidades do cotidiano escolar, uma contradição que aponta para uma formação marcada pela dependência.

 

REFERÊNCIAS

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