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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.38 São Paulo jun. 2014

 

ARTIGOS

 

Significação e sentimentos dos alunos quando erram na matemática

 

Significance and feelings of students when they make mistakes in Math

 

Significado y sentimientos de los estudiantes cuando se equivocan en Matemática

 

 

Luciane Guimarães Batistella BianchiniI; Mario Sergio VasconcelosII

IUniversidade Estadual Paulista (Unesp/Assis). luannbi@hotmail.com
IIUniversidade Estadual Paulista (Unesp/Assis). vascon@assis.unesp.br

 

 


RESUMO

A afetividade presente nas situações em que o erro ocorre na escola tem promovido significações negativas dos alunos em seu processo de aprendizagem. Embasada na teoria de Piaget, a presente pesquisa analisou o papel da afetividade nas significações sobre o erro de 15 alunos do 6º ano do Ensino Fundamental que frequentam uma sala de apoio por apresentarem dificuldades, sobretudo, na disciplina de matemática. A pesquisa caracterizou-se como qualitativa, e foi aplicada com base no método clínico crítico piagetiano. O plano para a coleta de dados foi distribuído em duas etapas: E1- Observação das interações na sala de apoio; E2- Realização de entrevista semiestruturada para identificação das significações dos alunos. Como resultado, obteve-se: de modo geral, os alunos relacionam o erro a situações de não respeito às regras e, especialmente, de desobediência ao professor. Nas significações referidas ao erro com a presença do professor, prevalecem sentimentos como a culpa e o desânimo; com relação aos colegas, não há muita diferença, já que o erro está relacionado a sentimentos como a culpa, raiva e desânimo. Com relação ao processo de aprendizagem, os alunos compreendem o erro como ação fora deste processo, demonstrando, em tais situações, pouco interesse, esforço e implicação.

Palavras-chaves: significações; afetividade; erro; Piaget; sala de apoio.


ABSTRACT

Grounded in Piaget's theory, the present research examined the role of affectivity in the meanings of the error of 15 students in the 6th grade of elementary school that frequent a support room for pupils presenting difficulties, especially in the discipline of mathematics. The research was characterized as qualitative, and it was based on the critical Piagetian clinical method. The plan for data collection was distributed in two stages: E1 - View of the resource room; E2 - Conducting semi-structured interviews to identify the meanings of students. As a result, we obtained: in general, the students relate to the error situations as non-compliance with the rules and especially as disobedience to the teacher. In the teacher's presence, the ocorrence of the error produces feelings like guilt and despair; with the relationship with colleagues, there is not much difference, since the error is related to feelings of guilt, anger and discouragement. With respect to the learning process, the students understand the error as an action out of this process, demonstrating little interest, effort and involvement.

Key-words: significance; affection; error; Piaget; support room.


RESUMEN

Fundamentada en la teoría de Piaget, la presente investigación examinó el papel de la afectividad en los significados de error de 15 estudiantes en el sexto grado de la escuela primaria de asistir a una sala de apoyo para la presentación de las dificultades, sobre todo en la disciplina de las matemáticas. La investigación se caracteriza como cualitativa, y se aplica sobre la base del método clínico de Piaget crítico. El plan para la recolección de datos se distribuye en dos etapas: E1- Visualización de la sala de recursos, las entrevistas para identificar los significados de los estudiantes E2- Realización. Como resultado, se obtuvo: en general, los estudiantes se relacionan con las situaciones de error de falta de cumplimiento de las normas y en especial de la desobediencia a la maestra. Los valores mencionados en el error con la presencia del profesor, sentimientos predominantes como la culpa y la desesperación, la relación con los compañeros, no hay mucha diferencia, ya que el error está relacionado con sentimientos de culpa, ira y desaliento. Con respecto al proceso de aprendizaje, los estudiantes entienden el error como una acción de este proceso, lo que demuestra, en tales situaciones, poco interés, esfuerzo e implicación.

Palabras clave: significados; afecto; error; Piaget; prefunction.


 

 

A afetividade e a inteligência têm sido consideradas como indissociáveis e, ao mesmo tempo, complementares, havendo um paralelismo em sua evolução (Piaget, 1962; Vasconcelos, 2004; Araújo, 2007; Dell'Agli, 2008; Souza, 2011; Rossetti & Ortega 2012). No entanto, na escola, ainda temos visões que as separam e, como resultado, é comum o uso de práticas pedagógicas que não reconhecem a importância em considerar os afetos vivenciados cotidianamente pelo aluno neste contexto.

Dentre as várias situações nas quais o afeto está presente, chama-se a atenção para situações em que o erro ocorre, uma vez que, sejam os alunos considerados brilhantes ou não, errar desencadeia sentimentos desagradáveis que carregam consigo significações ruins que justificam o erro não apenas pela situação em si, mas como incompetência do próprio sujeito. Nesse caso, o erro deixa de ser compreendido como parte do processo em que está contido o aprender.

No caso do ensino da matemática, o quadro pode se agravar, já que se percebe nos alunos que apresentam dificuldade nesta disciplina o medo de não saber fazer operações que parecem complicadas do ponto de vista do aluno ou o desânimo em fazer outra vez quando erra porque ele não compreendeu o que estava errado, etc. (Dolle, 1993; Dolle & Bellano, 1999; Starepravo, 2010; Utsumi & Lima, 2008; Carmo & Simonato, 2012). Com isto, a não obtenção do êxito na matemática acaba tornando seu conteúdo em um "bicho de sete cabeças", e o aluno, ao invés de se esforçar para compreendê-la, acaba desviando seu interesse por algo que parece tão distante da sua realidade.

Assim, o problema que se constitui são as significações que os sentimentos negativos desencadeiam diante das situações de fracasso na matemática, visto que, muitas vezes, tais significações podem chegar a obstaculizar as ações do aluno devido ao olhar de incapacidade e desânimo com que passa a significá-las.

O papel da escola deve ser promover o desenvolvimento integral do aluno seja em nível afetivo como cognitivo, ajudando-o, inclusive, a lidar com os afetos em diferentes situações. No entanto, nesse contexto, os alunos são colocados em situações apenas de aprendizagem e não de desenvolvimento, complicando ainda mais sua condição inicial afetiva (desânimo, inferioridade e outros). Pain (1985) e Macedo (1994) compreendem as dificuldades de aprendizagem de modo multifatorial, considerando que tanto a afetividade quanto a inteligência devem ser vistas numa totalidade no sujeito.

O objetivo deste estudo é identificar sentimentos e significações sobre o erro em 15 alunos do 6º ano do Ensino Fundamental que frequentam o Programa de Sala de Apoio por apresentarem dificuldades especialmente em matemática.

Sob a lente do construtivismo, o erro é aceito, até mesmo é necessário, já que ele faz parte do processo de conhecer. Na teoria piagetiana, o sujeito em constante desenvolvimento ensaia para a vida, experimentando e descobrindo sobre si e o mundo, num processo comum e natural em que erro e acerto fazem parte do seu aprendizado. Essa ideia do autor permite a interpretação de que o erro como algo inerente ao processo de conhecer (Piaget, 1977; 1978). Nesse sentido, o que o erro pode revelar sobre a aprendizagem humana?

O erro revela que a construção do conhecimento não se processa pelo acúmulo de conhecimentos registrados pelo sujeito como uma cópia fiel da realidade, porque, se assim acontecesse, bastaria ao educador transmitir o conhecimento e o aluno aprenderia (La Taille, 1997; Becker, 1993, 2003; Macedo 1996, 2010; Montoya, 2009). Para o conhecimento se efetivar, são necessárias regulações ativas do sujeito que, em confronto com o novo, coloca-se numa situação de estranhamento e desequilíbrio. Assim, na tentativa de conhecer o objeto, o sujeito age sobre ele, reagindo com resistência e assimilando-o por intermédio das estruturas mentais que tem.

Entender as relações do sujeito com o meio implica compreender como se constitui o ato de conhecer e, portanto, de construir conhecimento. Piaget (1978; 1973) explica que o conhecimento só é possível graças ao funcionamento das estruturas mentais, que, nessa perspectiva, não são tidas como inatas, mas construídas mediante as diversas trocas que o sujeito realiza ativamente com o meio.

As trocas entre a criança e o meio, como condição necessária para o ato de conhecer, foram enfatizadas por Piaget nas obras Estudos sociológicos (1973) e O juízo moral na criança (1932/1994), no qual aponta o paralelismo existente entre a interação social e a estrutura de pensamento do sujeito.

Os fatos mentais são, para o autor, divididos em três aspectos, que embora diferentes entre si se constituem de forma indissociável. Estes aspectos são: a estrutura cognitiva (operações e pré-operações), a energética (afetos e valores) e os sistemas simbólicos (Piaget, 1973, p. 36).

Nessa ótica, o meio social é o lugar onde o sujeito aprende e desenvolve suas estruturas mentais. Assim, pode-se concluir "que os processos ou mecanismos que utilizamos para conhecer em todos os domínios - social e não social - são os mesmos, ou seja, são construídos da mesma forma, embora tenhamos que admitir que difiram quanto ao seu conteúdo" (Tornella, 1996, p. 144-145).

Salvador (1994) confirma esse conceito e destaca que a evolução estrutural do pensamento possibilita ao sujeito confrontar-se com diferentes pontos de vista. Durante a interação, a criança deverá fazer-se entender pelo outro e, nesse movimento, realizará a tomada de consciência sobre aquilo que está pensando. Em outras palavras, a criança precisa refletir sobre suas hipóteses e, para isto, volta ao conhecimento até então elaborado, colocando-o em revisão.

As interações podem ser vistas como desencadeadoras do desenvolvimento intelectual ou não, dependendo de como elas são estabelecidas. De acordo com Ramozzi-Chiarottino (1988), a epistemologia genética de Jean Piaget aponta que a criança poderá apresentar-se num estado aquém de seu desenvolvimento quando há trocas deficitárias entre sujeito-objeto do conhecimento. Cabe salientar que o termo objeto, para Piaget, não se refere somente a objetos físicos, mas também a pessoas, fatos e situações (Oliveira, 1992).

Assim, na interação com outros âmbitos sociais, a criança pode desenvolver-se intelectualmente. Não se trata, porém, de qualquer tipo de interação e, sim, de interações que possibilitem que ela construa esquemas cada vez mais complexos, mediante reflexões contínuas sobre suas ideias e sobre as ideias do outro. O papel ocupado pelas interações na aprendizagem do aluno possibilita melhor compreensão desse processo, já que o lugar ocupado pelo educador, pelos colegas de sala e pelos objetos da cultura constitui-se numa relação de influências recíprocas.

Macedo (1994, p. 141), referindo-se ao aspecto social, na obra de Piaget, explica que a lógica não se desenvolveria sem as interações sociais, e as trocas ocorridas entre pares sob a forma cooperativa, "sintetiza para Piaget sua tese de que o social e o individual, sob o primado da razão, são uma só e única coisa".

Piaget (1932/1994) analisou as interações entre criança e criança, adulto e criança, definindo-as como simétricas e assimétricas, sendo a primeira uma interação por cooperação e a segunda, por coação. Nas relações assimétricas (próprias das relações entre adulto-criança ou professor-aluno), a posição ocupada pelo adulto sugere imobilidade quanto às inferências do aluno, por este considerar, na maioria das vezes, as ideias do professor como sendo corretas, ou, ainda, verdades sagradas inquestionáveis. Já as significações ocorridas nas relações simétricas podem ser revistas.

Por isso, para o autor, "se o social é fundamental para o desenvolvimento operatório da criança, ele supõe uma qualidade, que é a de operar sobre relações iguais na medida do possível. Daí a importância que Piaget dá ao trabalho em grupo" (Macedo, 1994, p. 142).

Quando interagem por meio de relações simétricas, os sujeitos sentem-se como pertencentes ao mesmo grupo, havendo possibilidade de troca flexível, diferente da relação professor-aluno, na qual o lugar ocupado pelo professor sugere imobilidade quanto às preposições/inferências do aluno. A lógica estabelecida nas relações simétricas pode ser revista, ao passo que, nas relações assimétricas, normalmente, é posta como verdade absoluta, como foi caracterizado anteriormente, embora "[...] é claro que se podem ter relações adulto/criança que se aproximem de algo de base autônoma: uma postura construtivista pode ser exemplo disso" (Macedo, 1994, p. 142).

Nas práticas pedagógicas, depara-se, frequentemente, com interações que não poderiam ser caracterizadas como construtivistas, por serem vazias, contando apenas com a ação de um dos agentes que, no caso, é o educador. O espaço da experiência ativa da criança não é enfatizado, já que há desequilíbrio entre a ação da criança e a ação do educador.

Turiel & Smetana (1989) analisam que, por intermédio da interação social, a criança coloca-se constantemente em situações de resolução de conflitos e, com isso, constrói esquemas que modificam sua condição estrutural de pensamento.

No entanto, o confronto de ideias, como enfatizado na perspectiva piagetiana, nem sempre encontra reconhecimento no modo como os professores trabalham com os alunos na escola. Defende-se que a aprendizagem na escola não se faz trilhando um caminho solitário; pelo contrário, educador, criança e objetos da cultura precisam estar em relação de interdependência e, nessa somatória, compartilhar e construir significados. Uma das formas de se conseguir isso é dando ao aluno espaço para explorações ativas mesmo quando do ponto de vista do adulto é considerada como errada.

Outro ponto a considerar no processo de aprendizagem diz respeito aos afetos, já que, para Piaget (1962/1986), não se pode separar a atividade intelectual do funcionamento total do organismo. A afetividade é para o autor a "mola propulsora" da aprendizagem, visto que sem afeto não haveria interesse, nem necessidade, nem motivação e, consequentemente, perguntas ou problemas nunca seriam colocados e não haveria inteligência. Nesse sentido, o afeto é a energização da atividade intelectual, uma condição necessária para aquele que se coloca a conhecer (Piaget, 1954/2005).

 

MÉTODO

Nessa pesquisa, utiliza-se o método clínico crítico, construído por Piaget, que, segundo Delval (2002), utiliza procedimentos mistos de observação da criança - durante a realização de atividade e por meio de entrevista. Defende que, para capturar o pensamento da criança, não tem apenas como essência a entrevista verbal, mas a importância está no "[...] tipo de atividade do experimentador e de interação com o sujeito" (Delval, 2002, p. 67).

Participaram da pesquisa, caracterizada como qualitativa, 15 alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, frequentadores do Projeto Sala de Apoio, em uma escola estadual de Londrina-PR.

Nosso trabalho com o grupo de alunos da sala de apoio1 acontece desde 2009. Naquele momento realizou-se nossa primeira pesquisa2, que resultou em significados que nos moveram a continuar pesquisando as significações destes alunos diante da forte presença de sentimentos negativos nos momentos em que o erro ocorria. O trabalho a ser apresentado neste momento trata de um recorte da primeira etapa da pesquisa de doutoramento intitulada Significações e sentimentos sobre o erro: alunos que frequentam a sala de apoio à aprendizagem, financiada pela Fapesp, e aprovada pelo Comitê de Ética, sob nº 172/2011 e CAEE: 0164.0.268.000-1.

Procedimento e materiais

As etapas da pesquisa a serem apresentadas são duas:

Etapa 1. Observação da Sala de Apoio para identificação dos seguintes itens: decorrências das ações cognitivas do aluno em situações de erro, nas aulas de matemática, quando em interação com o professor, colega e sozinho. Para registrar os itens apontados utilizou-se o bloco de notas e filmagens.

Etapa 2. Realização de entrevista semiestruturada com os alunos, utilizando cinco perguntas abertas que contemplam questões que permitiram conhecer significações e sentimentos gerados sobre o erro presente em sala de aula. As perguntas, muitas vezes, precisaram ser adaptadas para melhor compreensão dos alunos. Além das perguntas, pedimos para os alunos desenharem uma situação de erro.

A análise qualitativa dos dados recaiu sobre a afetividade nas significações dos alunos em diferentes interações em que o erro ocorria. Os resultados a serem analisados foram organizados em duas categorias:

a) Interações e sentimentos

b) Significações e sentimentos do erro

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Interações e sentimentos

Com o intuito de conhecer os sentimentos gerados no contexto da sala de apoio, iniciou-se a pesquisa por meio da observação desse cotidiano durante um mês, aproximadamente. Pode-se observar, nesse período, que embora os 15 alunos participantes do projeto reuniam-se no mesmo local, as relações entre eles não eram de formação de grupos, normalmente presentes em sujeitos dessa faixa etária. Nas atividades ali realizadas, colocavam-se, preferencialmente, sozinhos ou no máximo em dupla. Quando o professor propunha atividades em grupos, eles mantinham, na maioria das vezes, atitudes de antipatia pelos colegas, rejeição e coação, já que seu grupo normalmente estava formado pelos colegas do ensino regular.

Além de serem alunos de salas diversas, a rotatividade dos participantes nesse contexto é grande, dificultando também a formação dos grupos. A simetria entre eles não era suficiente para que se reunissem e interagissem por cooperação, pois, embora fossem da mesma faixa etária, não apresentavam identificação entre si.

Nas situações em que o erro estava presente, a conduta de antipatia entre eles era ainda pior, pois trocavam xingamentos entre si, apontando o colega como "burro", comentando "você não sabe nada", "como pode errar nas atividades tão fáceis que dão aqui", etc. Quando o professor propunha atividades em dupla, não cooperavam entre si, mas um deles acabava fazendo pelo outro e, quando o colega errava, novamente trocavam xingamentos hostis entre si.

De modo geral, nas atividades propostas na sala de apoio, sempre resultavam em reclamações ao professor, apontando que as atividades realizadas eram muito fáceis e, quando o professor dificultava a atividade, diziam que não conseguiriam, que a atividade era chata ou que não sabiam. Diante de qualquer dificuldade, não realizavam esforço em prosseguir e, quando erravam, não buscavam refazer a atividade por autorregulação, mas apresentavam estratégias como copiar de alguém que sabia ou enrolar para depois copiar do quadro a correção do professor ou, ainda, pedir para ir ao banheiro e, no caminho, buscar a ajuda de colegas de outras salas. Ou seja, era muito pouco o engajamento dos alunos nas atividades propostas pelo professor.

A Figura 1 resume as observações iniciais sobre os alunos em interações com os professores na sala de apoio e as ações cognitivas realizadas.

Após o período de observação, foi possível estar mais próximos dos 15 alunos e, assim, pode-se conhecer um pouco mais esse contexto. A partir disso, realizou-se uma entrevista com eles.

Pode-se observar, na Figura 2, a presença de conteúdo moral negativo na maioria das significações dos alunos. Na definição do erro, os alunos o relacionavam a situações de não respeito às regras e, principalmente, de desobediência ao professor. Em sua maioria, utilizaram exemplos nos quais aparece sempre alguém (aluno) desobedecendo ao outro (professor). O aspecto moral, fortemente revelado em suas significações, possibilita reflexões sobre as relações estabelecidas no cotidiano escolar.

Na Figura 3, são apresentadas as significações dos 15 alunos sobre o sentido construído por eles quando erram na escola. Essas significações podem ser divididas em três eixos: o erro relacionado à desobediência, ao não aprender e ao não prestar atenção.

 

 

O erro significado como desobediência aparece nas respostas de sete alunos ao apontarem que uma pessoa erra na escola quando faz algo errado para o colega ou professor; é mandado para pedagoga; xinga o professor ou colega; conversa quando a professora ensina; mente que fez a tarefa e faz cópia do colega. Para esses alunos, o erro não é percebido como uma ação participante do momento de construção do conhecimento, mas é entendido apenas como uma ação com valor moral.

A intensidade do conteúdo moral relacionado à desobediência pode ser fruto dos valores construídos na sociedade como um todo a respeito do erro. Macedo (1994, p. 65) considera que a sociedade "é marcada pela culpa, pelo pecado e pela necessidade de expiá-los". Por isso, faz-se necessário um posicionamento claro diante do erro "tanto na escola quanto em nossa vida pessoal" (Macedo, 1994, p. 65), visto que, em ambos os casos, o erro acontece constantemente.

Cinco alunos relacionaram o erro na escola com o não aprender e três disseram que "erra aquele que não presta atenção". Aqui se percebe o quanto as situações de erro podem gerar significados negativos, como a ideia de que o sujeito que erra é aquele que não aprende. Em pesquisa, Fogaça (2005) investiga se os alunos que erram na aula de Educação Física são aqueles que não sabem explicar conscientemente sua ação motora. A pesquisa revela um dado muito interessante, ou seja, que a maioria dos alunos que acertaram numa ação motora é formada pelos alunos que não conseguiram explicá-la.

Com relação aos sentimentos gerados em situações de erro obteve-se os seguintes resultados: medo, desânimo, nervoso, vergonha, inveja, raiva, tristeza, felicidade, braveza e culpa.

De modo geral, Macedo (1994) aponta que, nas situações de erro, muitas emoções podem aparecer no aluno em razão do rigor e da severidade com que a sociedade, de modo geral, encara esse comportamento. Em decorrência, as ações com valor moral podem estar presentes em uma situação de sala de aula, diante da exigência da perfeição no momento das ações apresentadas pelo aluno. Outro ponto a destacar é que a percepção do erro por parte do adulto e da criança é diferente: no caso do adulto prevalece uma oposição ao acerto; no caso da criança o erro é a manifestação de uma ideia, não necessariamente vista como errada.

A questão é que o aluno está construindo sentido a todo o momento, e o modo como interagimos nessas situações em sala de aula pode gerar significações sobre o erro não muito boas. De acordo com Pauli et al. (1981), mais importante do que errar ou acertar é o sujeito colocar-se a fazer, a criar relações com o conhecimento, pois, somente na medida em que o sujeito se coloca em ação, seus esquemas têm a possibilidade de ser modificados, ampliando-se, assim, sua estrutura e melhorando-se, consequentemente, sua compreensão sobre a realidade.

Com relação aos desenhos, pediu-se aos alunos que representassem uma situação de erro na sala de apoio: três alunos relacionaram as situações de erros à disciplina de Matemática e um as relacionou à leitura errada. Oito alunos apresentaram situações nas quais o erro está referido ao aspecto moral como roubar, brigar, desrespeitar, maltratar o outro, não seguir regras de limpeza, e dois alunos relacionaram o erro na sala de apoio a situações em que um sujeito erra, construindo um muro torto. Ainda um aluno relacionou o erro a uma situação que considera difícil.

Novamente, pode-se perceber a ênfase do aspecto moral da obediência presente nas respostas dos alunos, bem como a relação que os alunos fazem do "erro" com a "matemática".

Estudos como o de Utsumi & Lima (2008) e Carmo & Simionato (2012) têm revelado como a ansiedade por parte dos alunos com relação à matemática, pode gerar sentimentos ruins e ideias equivocadas, como a de que a matemática é algo intangível para eles. Isso decorre de constantes experiências de fracassos (erros) desses alunos nas atividades realizadas em sala de aula. Por isso, cabe refletir sobre procedimentos de ensino dessa disciplina, a fim de construirmos, no âmbito educacional, melhores estratégias para ajudar o aluno a construir o conhecimento.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo refletiu sobre a interdependência intelectual e afetiva presente nas significações dos alunos da sala de apoio. No caso da matemática, muitos professores consideram que sua função é indicar o acerto ou o erro nas atividades de alunos. Isso acontece porque, na escola, não há distinção entre os erros, que podem ser simples enganos, desconhecimento do aluno sobre um determinado conteúdo ou até estarmos diante de ações do aluno que Piaget denominou erro construtivo, uma ação possível e necessária na estruturação da inteligência.

Com base na perspectiva piagetiana da construção do conhecimento, considera-se que conceitos ou ideias são construídos por processos de autorregulação e, sendo assim, o papel do professor é transformar esse momento em situação de aprendizagem e não apenas de desconsideração da ideia do aluno. Por isso, dependendo da postura do professor e dos colegas diante de uma situação de erro poderá ajudar ou não na construção de ideias equivocadas sobre a aprendizagem, podendo ocorrer também sentimentos ruins, que podem tornar-se num obstáculo para o aprendizado. Assim, o que nossa pesquisa revelou foi uma força motivadora dos sentimentos em relação às significações que os alunos construíram sobre o erro em decorrência dos afetos vivenciados na sala de apoio.

Dentre as muitas pesquisas envolvendo sujeitos com dificuldades de aprendizagem em matemática, o presente estudo tentou contribuir com resultados voltados ao meio educacional como também à Psicologia, por considerar ser possível modificar as significações dos alunos muitas vezes desesperançados de sua condição na escola. Para que isso ocorra, é preciso investir em intervenções que articulem os aspectos afetivos à cognição de modo interativo, porque aprender matemática não implica apenas uma relação interativa com os conteúdos matemáticos, mas também interação com a significação que se articula ao processo de aprendizagem como um todo. A significação, por sua vez, é um processo flexível e dinâmico, que resultará em mudança ou ressignificação se aos alunos forem promovidas situações, nas quais eles possam se autorregularem.

 

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Vasconcelos, M. S. (2004). Afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas. Revista Educação e Sociedade, 25, 616-620.         [ Links ]

 

 

1 A sala de apoio é um projeto do Governo Estadual que atende alunos do 6º ano, com dificuldades de aprendizagem em Matemática e Português.
2 Em 2009, analisaram-se as interpretações do erro de uma turma com 17 alunos, da 6ª série do Ensino Fundamental, participantes do Programa de Apoio à Aprendizagem (Bianchini et al., 2009).