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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.38 São Paulo jun. 2014

 

ARTIGOS

 

Déficits em habilidades sociais e ansiedade social: avaliação de estudantes de psicologia

 

Social skills deficits and social anxiety: psychological evaluation of students

 

Déficits en habilidades sociales y ansiedad social: evaluación de estudiantes de psicología

 

 

Anderson Siqueira PereiraI; Marcia Fortes WagnerII; Margareth da Silva OliveiraIII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). anderson.siqueira.pereira@gmail.com
IIFaculdade Meridional (IMED). mwagner@imed.edu.br
IIIPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). marga@pucrs.com.br

 

 


RESUMO

A ansiedade social e déficits nas habilidades sociais podem trazer diversos prejuízos na prática do psicólogo, visto que essa profissão é baseada na relação que o profissional estabelece com seus clientes. Desta forma, este artigo teve como objetivo a avaliação de estudantes de Psicologia em relação a esses problemas. Participaram do estudo 69 estudantes provenientes de duas universidades privadas do Rio Grande do Sul que responderam uma ficha sócio-demográfica e os instrumentos IHS-Del-Prette e CASO A30. Os resultados indicaram que 23% dos estudantes apresentam indícios de Transtorno de Fobia Social e 43,5% apresentam déficits nas habilidades sociais em pelo menos um dos fatores avaliados pelo IHS-Del-Prette, e autoafirmação do afeto positivo e autoestima, e enfrentamento e autoafirmação com risco (F2 e F1 do IHS-Del-Prette, respectivamente) foram os fatores nos quais mais indivíduos apresentaram pontuações baixas. Os resultados demonstram que uma parcela considerável dos estudantes apresenta dificuldades e necessidade de uma atenção maior por parte das universidades em relação ao desenvolvimento de habilidades sociais e de estratégias para lidar com a ansiedade social. Fatores que são importantes na atuação desses futuros psicólogos.

Palavras-chave: habilidades sociais; ansiedade social; estudantes de Psicologia.


ABSTRACT

Social anxiety and deficits in social skills can prejudice the practice of psychology, since this profession is based on the professional relationship established between the psychologist and his patients. This study aim to evaluate students of psychology in relation to these factors. Participated in the study 69 students from two private universities in Rio Grande do Sul, Brazil who answered a sociodemographic questionnaire, the IHS-Del-Prette and CASO-A30 scales. The results indicated that 23% of students present evidences of Social Phobia Disorder and 43.5% have deficits in social skills in at least one of the factors evaluated by IHS -Del-Prette, and, Self-affirmation in the expression of positive feelings and Self-affirmation and Coping with risk (F2 and F1 respectively) were the factors with more students with deficits scores. The results show that many students have difficulties and the need for greater attention by universities in the development of social skills and strategies to coping with social anxiety in these future psychologists.

Keywords: social skills; social anxiety; Psychology undergraduates.


RESUMEN

La ansiedad social y los déficits en habilidades sociales pueden traer muchas pérdidas en la práctica del psicólogo, puesto que la práctica de la profesión se basa en la relación establecida entre psicólogo y sus clientes. Así, este estudio tuvo como objetivo evaluar a los estudiantes de psicología en relación con estos factores. Los participantes fueron 69 estudiantes de dos universidades privadas en Rio Grande do Sul, Brazil que respondieron un cuestionario sociodemografico y los cuestionarios IHS-Del-Prette y CASO-A30. Los resultados indicaron que el 23% de los estudiantes presentan evidencia de Fobia Social y 43.5% tienen déficits en habilidades sociales en al menos uno de los factores evaluados por IHS -del-Prette. Los factores auto-afirmación de afecto positivo y la autoestima, afrontamiento y auto-afirmación en riesgo (F2 y F1 respectivamente) fueron los que obtuvieron más personas con déficits. Los resultados muestran que muchos estudiantes tienen dificultades y necesitan de una mayor atención por parte de las universidades en relación con el desarrollo de habilidades Sociales y de estrategias para manejar la ansiedad social.

Palabras clave: habilidades sociales; ansiedad social; estudiantes de Psicología.


 

 

Ansiedade social pode ser definida como um conjunto de sintomas caracterizados por um medo acentuado de situações sociais nas quais os indivíduos interagem com outros ou situações nas quais possam ser avaliados em seu desempenho (Caballo, 2003). Nessas situações, o indivíduo experimenta preocupações acerca do que os demais pensarão dele, que o considere ansioso, débil, incapaz ou estúpido. Além disso, tende a apresentar diversos sintomas físicos de ansiedade como rubor facial, palpitação, tremores, desconforto gastrointestinal, tensão muscular e, em casos muito graves, ataques de pânico. Essas dificuldades podem interferir em diversos campos da vida do indivíduo desde seu funcionamento social, laboral e acadêmico, podendo acarretar numa maior chance de uso abusivo de álcool e outras drogas (Caballo, 2003; Chagas et al., 2010; Del Prette et al., 2004; Wagner, 2011).

Associado à ansiedade social, muitas vezes existe um baixo repertório de habilidades sociais (HS). Essas habilidades podem ser compreendidas como comportamentos e estratégias utilizadas para lidar com situações de interação com os demais e são responsáveis pela expressão de sentimentos, opiniões, atitudes e ideias. Entre elas podemos citar: iniciar e manter conversas, pedir ajuda, fazer e responder perguntas, recusar e fazer pedidos, expressar agrado, desagrado e sentimentos, defender-se, pedir alterações no comportamento do outro, admitir erro e pedir desculpas, lidar com críticas e elogios, escutar empaticamente (Caballo, 2003). Além desses, podemos levar em conta aspectos não verbais ligados à interação social como postura, contato visual, gestos e aparência (Del Prette & Del Prette, 1999).

Não há um consenso sobre quando se inicia o aprendizado das HS, mas não há dúvida de que a infância é um período crucial para esse desenvolvimento (Del Prette & Del Prette, 2013). As HS são desenvolvidas a partir das experiências do indivíduo com o ambiente durante sua vida, como na interação com os pais no convívio e educação, na relação com colegas na escola durante a infância e adolescência. Junto com essas relações, o temperamento inato do sujeito também apresenta importância no desenvolvimento das HS (Magalhães & Murta, 2003). Outro fator que influencia na aquisição dessas habilidades é a modelagem. Quando a criança observa seus pais interagindo, aprende a interagir de forma semelhante, aprendendo os comportamentos exigidos pela cultura onde esse sujeito está inserido (Del Prette & Del Prette, 2013; Caballo, 2003).

Diversas situações podem fazer com que uma série de estratégias de enfrentamento disfuncionais se desenvolvam, criando, assim, déficits nas habilidades sociais. Entre essas, pode-se citar longos períodos de isolamento, desuso das habilidades e práticas educativas parentais excessivamente coercitivas (Magalhães & Murta, 2003). Esses déficits podem interferir na qualidade das relações interpessoais do indivíduo, principalmente se associadas a características como timidez, isolamento social, insegurança e desconforto em ocasiões em que se necessite interagir com os demais. Somando-se a isso, déficits nas HS podem associar-se a transtornos psicológicos e psicossociais, como é o caso do Transtorno de Fobia Social, dificultando a relação desses indivíduos com os demais (Del Prette & Del Prette, 1999).

Segundo Caballo (2003), para avaliar se um comportamento é socialmente hábil ou não, deve-se levar em conta três aspectos: se ele alcançou o objetivo preterido, ou seja, se o objetivo para o qual ele foi executado foi alcançado; a eficácia dele nas relações interpessoais, que leva em consideração se o comportamento não prejudicou a relação com os outros indivíduos relacionados; e também na eficácia em relação ao respeito próprio, no qual a execução da ação não prejudicou a autoimagem do indivíduo. Ainda de acordo com o autor, não existe um comportamento socialmente hábil a priori, pois para um comportamento ser considerado hábil, é necessário observar o efeito dele dentro do contexto no qual acontece, pois o mesmo comportamento pode ser considerado hábil em uma determinada situação e inábil em outra.

Habilidades sociais na atuação do psicólogo

As HS se relacionam a diversos contextos na do indivíduo. No ambiente laboral, principalmente em profissões que utilizam das relações interpessoais para o sucesso do trabalho, são exigidos maiores níveis de HS em relação às demais. Dessa forma, déficits nessas habilidades podem acarretar no fracasso desses sujeitos em suas carreiras. Nesse contexto, podemos destacar o psicólogo (Murta, 2005) pois, para a prática dessa profissão, são necessárias habilidades técnicas que são estreitamente ligadas pelas interações interpessoais que o profissional estabelece para lidar com as diferentes demandas do ambiente de trabalho, sendo ele escolar, organizacional ou os tantos outros no qual o psicólogo atua (Del Prette, 2001). Pode-se destacar neste aspecto o ambiente clínico, no qual grande parte do sucesso terapêutico vem do estabelecimento de uma aliança terapêutica entre psicólogo e paciente, na qual é necessária uma postura envolvendo a busca do entendimento do paciente, de empatia e do uso da expressão corporal, do tom de voz, além de intervenções claras e não-impositivas, buscando que o paciente se sinta em um ambiente seguro, compreensivo, colaborativo e cordial (Wainer & Piccoloto, 2005; Kestenberg & Falcone, 2011).

A importância das HS em psicólogos tem sido explorada em alguns estudos. O estudo de Bandeira et al. (2006) levanta a utilização das habilidades sociais na prática do psicólogo, avaliando a opinião de 74 profissionais sobre quais habilidades sociais eram mais importantes para a profissão. Entre as habilidades mais valorizadas estavam a escuta, a expressão de empatia, a observação de comportamentos do outro e iniciar adequadamente uma conversação, entre outros. Os resultados indicaram a valorização que os psicólogos formados dão a habilidades interpessoais nas atividades de sua profissão. Outros estudos tiveram como objetivo a avaliação das HS nos estudantes de Psicologia, como o estudo de Del Prette et al. (2004) que avaliou uma amostra de 564 estudantes de cursos de Psicologia em quatro regiões brasileiras objetivando observar as diferenças das HS nos estudantes entre o início e o fim do curso e possíveis diferenças entre as regiões. O estudo demonstrou pouca diferença entre as regiões e uma baixa diferença entre o início e o final do curso, o que pode indicar que os cursos não estão suprindo os déficits nas HS dos estudantes. Em outro estudo, Carneiro e Teixeira (2011a) avaliaram uma amostra de 24 alunos de um curso de graduação em Psicologia do estado do Maranhão em relação a suas habilidades sociais. Na comparação dos resultados entre os jovens do início e do final do curso, observou-se que os jovens do início do curso apresentavam um repertório maior de habilidades sociais. Esses resultados, apesar de surpreendentes à primeira vista, são explicados pelos autores pelo fato que os alunos do final do curso são mais críticos ao avaliarem seus próprios comportamentos. Os autores concluem que os resultados demonstram que a universidade não estava contribuindo de maneira adequada para o desenvolvimento dessas habilidades nos alunos.

Uma outra parcela de estudos focou no treinamento de HS em estudantes de Psicologia, como o estudo de Del Prette, Del Prette e Barreto (1999) no qual 39 alunos, divididos em grupo controle e experimental, fizeram parte de um treinamento de 40 horas de duração com vivências grupais. No grupo experimental, foi trabalhada a redução de ansiedade, reestruturação cognitiva, solução de problemas e desenvolvimento de habilidades sociais típicas de interações didáticas, grupais e profissionais, enquanto o grupo controle não participou de nenhuma intervenção. Os resultados obtidos demonstraram melhora nas habilidades sociais dos participantes do grupo experimental. Outro estudo feito por Magalhães e Murta (2003) desenvolveu um programa de THS que contou com quatro grupos que totalizaram 13 alunos de Psicologia. Esse programa tinha dez sessões de 90 minutos cada nas quais foram trabalhados temas como lidar com as emoções, processo de mudança, autoestima, defesa de direitos interpessoais, estilos de comunicação, falar em público, comunicação empática, elogio específico, lidar com críticas e manejo da raiva com a utilização de técnicas como atividades de grupo, automonitoramento, ensaio comportamental, exposição dialogada, apresentação e discussão de filmes, relaxamento e respiração. Os resultados do estudo demonstraram aumento das habilidades sociais nos estudantes dos quatro grupos que participaram do estudo.

Mesmo com a importância das habilidades sociais dentro da profissão do psicólogo e com diversos estudos demonstrando a eficácia do treinamento de habilidades sociais na aquisição das mesmas com a população estudantil, os cursos de Psicologia não apresentam em seus currículos atividades que visem desenvolver diretamente essas habilidades nos estudantes. De acordo com Bandeira e cols. (2006), existem duas explicações possíveis para isso: a crença de que as habilidades sociais necessárias já fazem parte do repertório dos alunos, não havendo, portanto, necessidade do desenvolvimento dessas dentro do curso ou; que a importância dessas habilidades está sendo subestimada ou sendo considerada de pouca importância pelas universidades, comparada ao conhecimento técnico ensinado. Ao analisar-se estudos como os de Del Prette e cols. (2004) e Carneiro e Teixeira (2011b), que observaram que existe pouca diferença entre os níveis de habilidades sociais entre os estudantes do início e do fim dos cursos, e assim, demonstrando que os cursos não estão conseguindo aumentar as habilidades sociais desses estudantes, pode-se concluir que as universidades não estão tendo sucesso em desenvolver essas habilidades tão importantes para a prática da profissão.

Levando esses dados em consideração, o presente estudo tem por objetivo a avaliação da ansiedade social e das habilidades sociais de estudantes de Psicologia e estudar a relação entre estes conceitos, objetivando observar a necessidade da implantação de um programa de treinamento em habilidades sociais nos cursos.

 

MÉTODO

O presente trabalho se caracteriza como um estudo quantitativo transversal que fez parte do projeto de validação do instrumento Cuestionário de Ansiedad Social para Adultos (CASO-A30) para a população brasileira (Wagner, 2011). Como critério de inclusão para a seleção dos participantes deste estudo, foram selecionados todos os participantes do estudo de validação que estavam cursando Psicologia. Assim, foram selecionados 69 participantes. Para obtenção das características sociodemográficas da amostra foi utilizada uma ficha de dados sociodemográficos. Os demais instrumentos foram: CASO-A30 (Caballo et al., 2010a e 2010b), validado para a população brasileira por Wagner (2011), se caracteriza como um questionário autoaplicável que tem como objetivo identificar as situações sociais que mais geram ansiedade no indivíduo respondente. É uma escala do tipo Likert com 5 pontos que variam entre nenhum ou muito pouco, pouco, médio, bastante e muito ou muitíssimo. Tem uma estrutura de cinco fatores: Fator 1 - falar em público e interações com pessoas em posição de autoridade, Fator 2 - interação com o sexo oposto, Fator 3 - interação com pessoas desconhecidas, Fator 4 - expressão assertiva de incômodo, desagrado ou tédio e Fator 5 - estar em evidência e fazer papel de ridículo; e o Inventário de Habilidades Sociais/IHS-Del-Prette (Del Prette & Del Prette, 2001), que consiste em um inventário com 38 itens de autorrelato para aferir as habilidades sociais requeridas em uma amostra de situações cotidianas. É uma escala do tipo Likert com 5 pontos que variam de nunca ou raramente até sempre ou quase sempre. Apresenta uma estrutura de cinco fatores: Fator 1 - Enfrentamento com risco, relacionado a situações de afirmação, defesa de direitos e de autoestima; Fator 2 - Autoafirmação na expressão de afeto positivo, que retrata expressão de afeto positivo e de afirmação da autoestima; Fator 3 - Conversação e desenvoltura social, relativas a situações de "traquejo social" na conversação; Fator 4 - Autoexposição a desconhecidos ou a situações novas, o qual inclui a abordagem a pessoas desconhecidas; e o Fator 5 - Autocontrole da agressividade a situações aversivas, o qual reúne itens de reação a estimulações aversivas do interlocutor, com controle da raiva e agressividade.

 

RESULTADOS

Foram selecionados 69 estudantes de Psicologia provenientes de duas universidades privadas do estado do Rio Grande do Sul para a participação do estudo. A idade média da amostra foi de 24,88 anos (DP ± 6,0), sendo predominantemente do sexo feminino (88,4%).

A partir dos resultados obtidos com o CASO-A30, pode-se observar que a média da amostra nos fatores (Tabela 1) não demonstra indícios de Fobia Social, sendo o Fator 4 (Expressão assertiva de incômodo, desagrado ou tédio) o que obteve a maior média dentre a amostra masculina (16,88) e o Fator 5 (Estar em evidência e fazer papel de ridículo) o de maior média da amostra feminina (17,61). Porém, ao analisarem-se os resultados dos participantes individualmente, foi constatado que, dentro da amostra total de estudantes, 23% (n = 28) apresenta indícios de fobia social, e 20,2% (n = 14) são de Fobia Social não generalizada e 2,8% (n = 2) de Fobia Social Generalizada, como pode ser observado na Tabela 2.

Ao considerar-se a distribuição de indícios de fobia social nos fatores do CASO-A30, pode-se observar que o fator que mais apresentou indivíduos com níveis elevados de ansiedade social foi o Fator 4, que avalia a expressão assertiva de incômodo, desagrado e tédio, e 14,5% da amostra apresentou esse fator em faixa clínica. O Fator 2, interação com o sexo oposto, foi o segundo fator que apresentou maior número de indivíduos com faixa clínica, totalizando 10,1% da amostra. As demais prevalências dos fatores podem ser observadas na Tabela 3.

Com relação aos resultados obtidos com o IHS-Del-Prette, os escores médios da amostra estão dentro dos valores esperados, não apresentando déficits, como pode ser visto na Tabela 4. Porém, ao analisar-se individualmente os resultados e observando a distribuição de déficits nas HS pela amostra, pode-se observar que, a partir do escore total, 36,2% (n = 25) da amostra apresentam níveis de habilidades sociais abaixo da média, e desses, 14,5% (n = 10) apresentam níveis de habilidades sociais abaixo do esperado, o que pode interferir no funcionamento social desses jovens.

Ao observar a presença de déficits nos escores fatoriais do IHS-Del-Prette, os resultados indicam que 43,5% (n = 30) da amostra apresentam níveis deficitários em, pelo menos, um dos fatores do instrumento, e o fator no qual houve maior prevalência de indivíduos com índices deficitários nas HS e necessidade de treinamento em HS é o Fator 2, no qual 20,3% apresentaram índices baixos nas HS avaliadas por este fator, que consistem na autoafirmação do afeto positivo e sobre a autoestima do sujeito. O segundo fator com maior número de participantes com níveis deficitários foi o Fator 1 (15,9%) que avalia o enfrentamento e autoafirmação com risco. Em contrapartida, o fator com maior prevalência de repertórios bastante elaborados de HS foi o Fator 3 (52,2%), que avalia as habilidades em situações de conversação e desenvoltura social. Os demais resultados estão na Tabela 5.

 

DISCUSSÃO

As HS são muito importantes para o exercício da profissão do psicólogo em todos os âmbitos, pois é a partir da relação com o outro que seu trabalho é realizado. Diversos estudos falam sobre a importância de habilidades como a escuta, a empatia, entre diversas outras habilidades importantes (Soares & Pinto, 2008; Elias & Veras, 2008; Bastos, 2009; Falcone, Gil & Ferreira, 2007). Porém, mesmo com essa importância sendo discutida em diversos trabalhos e com estudos demonstrando a eficácia do treinamento de HS na aquisição das mesmas com a população estudantil, os cursos de Psicologia têm negligenciado essa importante faceta na formação dos estudantes. Como apontado nos estudos de Del Prette e et al. (2004) e Carneiro e Teixeira (2011b), existe pouca diferença entre os níveis de habilidades sociais entre os estudantes do início e do fim dos cursos, demonstrando que as universidades não estão dando conta em lidar com os déficits dos estudantes.

Os resultados apresentados neste estudo revelam que as médias da amostra estão dentro do esperado, tanto em relação ao IHS-Del-Prette quanto ao CASO-A30, demonstrando que a população entrevistada é socialmente hábil. Porém, ao se observar a frequência de casos de ansiedade social e déficits nas HS, pode-se encontrar alguns dados que merecem atenção. No CASO-A30, 23% da amostra apresentou indícios de fobia social, e desses 20,2% são de Fobia Social não generalizada e 2,8% de Fobia Social Generalizada. Sendo a Psicologia uma profissão com uma prática que se baseia na relação entre psicólogo e cliente, esse é um dado preocupante, afinal, a Fobia Social é bastante debilitante em relação à desenvoltura social do indivíduo acometido por ele. Dessa forma, esse transtorno pode dificultar a prática da futura profissão desses estudantes.

Levando em consideração os fatores com maior pontuação de ansiedade, percebe-se que o Fator 4 obteve o maior número de participantes com pontuações elevadas (14,5% da amostra). O Fator 4 do CASO-A30 refere-se à expressão assertiva de incômodo, desagrado ou tédio, resultado que merece atenção, pois como qualquer profissão, a prática do psicólogo pode apresentar diversas situações de difícil manejo. Em um estudo feito por Bandeira e et al. (2006) no qual avaliaram a opinião de psicólogos formados sobre a importância de diversas habilidades sociais, a capacidade de rejeitar pedidos abusivos foi uma das mais importantes relatadas. Essa habilidade está ligada à expressão assertiva das situações abordadas pelo Fator 4 do CASO- A30, e a falta de um manejo assertivo de situações que possam se tornar incomodas ao futuro psicólogo pode ocasionar comportamentos inadequados, desde uma submissão aos desejos do cliente, quanto ao uso de comportamentos agressivos que possam pôr em risco o vínculo terapêutico já firmado entre cliente e psicólogo e, assim, podendo prejudicar os resultados do trabalho.

Considerando-se o resultado do IHS-Del-Prette, os fatores que apresentaram maior prevalência de HS deficitárias foram F2 (20,3%), F1 (15,9%) e F5 (13%) (Expressão de afeto positivo e de afirmação de autoestima, afirmação e defesa de direitos e autoestima com enfrentamento de risco e autocontrole da agressividade, respectivamente). Pode-se observar que todos esses fatores podem atrapalhar na manutenção desta habilidade apontada pelo estudo de Bandeira et al. (2006), pois a dificuldade de defesa de direitos com enfrentamento com risco, junto com a inabilidade na afirmação de autoestima, podem fazer com que o futuro psicólogo se submeta aos pedidos abusivos do cliente de forma passiva, ou, por outro lado, lide de forma agressiva com essas demandas, pela falta de habilidade no autocontrole da agressividade mostrada por parte desta amostra, e nenhum desses comportamentos seria adequado ao desenvolvimento de seu trabalho.

Outro dado que merece destaque é o Fator 2 do IHS-Del-Prette. Levando em consideração que ele avalia a autoafirmação na expressão de afeto positivo e da autoestima, deve-se observar que as profissões da saúde são caracterizadas como profissões de cuidado nas quais, muitas vezes, o bem-estar com o outro se sobrepõe ao de si próprio. Sendo o fator que mais apresentou sujeitos com habilidades deficitárias, isso caracteriza uma predisposição do estudante de Psicologia a esse perfil de profissional da saúde. Porém, essa característica também pode ser utilizada como um preditor de transtornos associados ao trabalho, como o burnout, sobrecarregando esses sujeitos quando se tornarem profissionais e diminuindo tanto sua eficácia no trabalho, como sua própria qualidade de vida (Muller e Löhr, 2006).

Os resultados deste estudo em relação aos fatores de maior prevalência de déficits nas habilidades sociais corroborou com o estudo desenvolvido por Del Prette et al. (2004) no qual foram avaliados 564 estudantes de diferentes regiões do Brasil a partir do IHS-Del-Prette e esses obtiveram resultados abaixo da amostra normativa nos Fatores 2 e 5, diferenciando apenas do Fator 1 que, neste estudo, também apresentou uma amostra considerável de indivíduos com níveis deficitários de habilidades sociais. Outro estudo desenvolvido por Carneiro e Teixeira (2011b) apresentou dados semelhantes ao desta pesquisa em relação ao número de alunos com déficits de habilidades nos fatores. Neste estudo, 24 alunos de Psicologia, divididos igualmente entre vários níveis do curso, foram avaliados e seus resultados indicaram que 50% dos alunos necessitam de treinamento em habilidades sociais em, pelo menos, um dos fatores avaliados pelo IHS-Del-Prette, demonstrando um déficit na aquisição de habilidades neste curso, principalmente quando observado que não houve diferença em relação aos estudantes de início e término do curso. Este fato, junto com a falta da exigência de um treinamento formal de habilidades sociais na formação dos profissionais em Psicologia sugere, de acordo com Bandeira et al. (2006), duas explicações: que as habilidades sociais necessárias já fazem parte do repertório dos alunos, portanto, não havendo necessidade do desenvolvimento dessas dentro do curso ou que a importância dessas habilidades está sendo subestimada ou sendo considerada de pouca importância, comparada ao conhecimento técnico ensinado dentro dos cursos. Mesmo com essas explicações, não há como negar que esse fato demonstra uma importante fragilidade na formação dos futuros psicólogos.

Como fator positivo dos resultados encontrados, podemos observar que o fator no IHS-Del-Prette que mais obteve indivíduos com níveis elaborados de habilidades sociais foi o F3, que avalia conversação e desenvoltura social, como fala e escuta. Essas são essenciais na relação com outras pessoas e são consideradas como uma das principais ferramentas do psicólogo (Wainer & Piccoloto, 2005; Bolsoni-Silva, 2009), demonstrando que elas são as mais desenvolvidas na amostra de estudantes avaliadas, e 52,2% (n = 36) apresentaram um repertório elaborado de habilidades sociais. Porém, deve-se levar em conta também a pequena parcela da amostra que apresentou déficits nesse fator (8,7%) que, mesmo não sendo grande parte da amostra, merece atenção por também estar em processo de formação em Psicologia.

As habilidades sociais são muito importantes para a profissão da Psicologia, pois, como a prática do psicólogo é baseada na relação estabelecida entre o profissional e cliente, essa atividade será mediada pelo repertório de habilidades sociais que esse possui. Levando isso em consideração, torna-se necessária a preocupação com os estudantes de Psicologia em relação à avaliação e treinamento dessas habilidades. Este estudo demonstrou que os níveis de habilidade sociais e ansiedade social de uma amostra de estudantes apresenta-se dentro da média ou acima da mesma em relação às habilidades sociais e ansiedade social, porém, também demonstrou que um número considerável de estudantes tem níveis deficitários de habilidades sociais. Para a solução desse problema, a implantação de treinamentos de habilidades sociais dentro dos currículos seria uma medida interessante, e muitos estudos demonstraram a eficácia desta intervenção com estudantes de Psicologia (Del Prette, Del Prette & Barreto, 1999; Magalhães & Murta, 2003) e que pode auxiliar a preparar melhor os estudantes para as demandas que sua nova profissão irá lhe exigir após a formação.

Como limitações deste estudo, como o estudo original não possuía informações sobre em qual estágio do curso os participantes estavam, não houve uma divisão dos estudantes em relação ao semestre do curso, impossibilitando a comparação entre os níveis iniciais e finais da formação para a análise da obtenção de habilidades no decorrer da mesma, limitando a um estudo de corte transversal sobre as habilidades de estudantes de forma geral. Assim, recomenda-se que novos estudos sejam feitos levando em consideração essa variável. Junto com isso, mais estudos que abordem a importância das habilidades sociais na prática do psicólogo também são necessários.

 

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